domingo, maio 30, 2010

A 1ª prova dos factos sobre os automóveis eléctricos: o Nissan Leaf!

Há uns tempos dei aqui notícia de um estudo feito por Professores da Universidade de Carnegie-Melon sobre os automóveis eléctricos, em que se notava que uma bateria de iões de lítio de 30 kWh, necessária para garantir uma autonomia de 100 milhas (165 km), pesaria uns 300 kg, o que requeria outro tanto de reforço da estrutura do carro e, portanto, um veículo que nunca poderia ser pequeno - o que ainda aumentaria mais o consumo. Contas feitas, e a 700 €/kWh da bateria, um automóvel desses seria sempre extremamente caro.

Entretanto, os nossos media têm-se multiplicado em propaganda mentirosa sobre isto tudo, num delírio que me faz sentir, como a Medina Carreira, estar a reviver os tempos de Goebbels. Há semanas era o Expresso que trazia uma lista de automóveis pequenos com autonomias previstas completamente delirantes, e ontem ainda era a SIC que, num daqueles programas de propaganda oriundos de Bruxelas, mostrava um carrito mais pequeno que o Smart a passear-se pela cidade e no fim a parquear numa bela vivenda com garagem e dizia que ele tinha uma autonomia de 150 km, escondendo que o filme se tratava de uma construção digital e que tal carro não existe...
Sem excepção, toda esta propaganda mostra automóveis construídos com o "paint shop pro" e outros meios digitais  e que, realmente, não existem materialmente! Tanto Estaline como Goebbels teriam delirado com esta capacidade das novas tecnologias para não só "apagarem" fotografias, como para as construirem! Mas, para quem viu o Avatar, não é surpresa...
A questão que se coloca é: com tanta opinião contraditória, como saber a verdade? Como sempre: atentemos à realidade experimental, palpável! E quanto a esta aí temos o primeiro verdadeiro automóvel eléctrico comercializado: o Nissan Leaf!
Custa 30 mil € sem impostos nem subsídios e a sua bateria, de 24 kWh, pesa 200 kg. O Governo dá de subísio praticamente a isenção de IVA, ou seja, de quaisquer impostos, aos 5000 primeiros automóveis, o que obviamente não será sustentável.
Só a bateria custa uns 15 mil €, um valor muito em linha com o calculado no estudo de Carnegie-Melon e, quanto à sua duração, ainda não há, naturalmente, experiência prática, mas a regra é, nestas baterias, a perda de 20% da sua capacidade por ano. A autonomia anunciada, quando novo, é de 160 km, mas em condições ideais de utilização; em condições médias deverá andar pelos 140km - enquanto a bateria for nova!...
O carro pesa perto de 1600 kg (3500 libras, e diz quem o conduziu que "é pesado"), um peso que era previsível para poder suportar o peso da bateria e os reforços estruturais associados e, feitas as contas, gastará uns 2.6 €/100 km de electricidade - ao custo a que ela está hoje em dia. Como um híbrido gasta quiçá 2,5 vezes isso em gasolina, (mas que seria na verdade o mesmo, se a gasolina pagasse tantos impostos como a electricidade), o custo extra do carro poderá ser compensado, para os primeiros compradores, pelo baixo custo da sua condução para quem fizer muitos km por ano.
Mas, com esta autonomia, quem é que pensa fazer regularmente grandes viagens com este carro?
Quanto aos carrinhos tipo Smart, é o que diz o estudo do Carnegie-Melon: autonomias de 20 km será o que se deverá esperar! E, por isso e ainda como diz aquele estudo, faria muito mais sentido que os políticos apostassem na promoção era destes carros, mas sem mentirem - ou seja, não propagandeando micro-carros baratos como se pudessem vir a ter a autonomia do caríssimo Nissan Leaf, cujo preço, sem impostos, iguala o de um BMW!...

sexta-feira, maio 28, 2010

Como o sobrecusto das renováveis foi metido sem dor

Na definição da factura da electricidade para 2010, a ERSE mostrava, nos seus relatórios, que o sobrecusto das renováveis que, até 2009, fora escondido do povo remetendo-o para um défice tarifário em explosão, deixava em 2010 de ser remetido para esse défice e era finalmente metido na factura.
Como ainda assim o aumento da tarifa eléctrica anunciada só subiu 3.9%, alguns críticos mais impacientes da política governamental continuaram a clamar "Défice! Défice!...", o que na verdade não corresponde à realidade pura. Em 2010, o sobrecusto previsto para as renováveis já não foi remetido para o défice.
Quer então isto dizer que afinal o sobrecusto das renováveis é pequeno e aceitável?
Não.
O que isto quer dizer é que os responsáveis pala definição da tarifa eléctrica foram espertos como ratos, e aproveitaram a queda drástica que em 2009 se verificou no custo internacional dos combustíveis fósseis para, em troca dessa descida, enfiarem o sobrecusto das renováveis na tarifa.
Pode-se então é questionar: mas se houve uma queda dos preços desses combustíveis, nos países onde tal marosca não foi feita o preço da electricidade deve ter baixado, enquanto cá subiu; ou não?
E é verdade. Aí estão os primeiros dados do Eurostat relativos a 2010 por que eu esperava. A nossa tarifa eléctrica "só" subiu 3.9% relativamente ao ano anterior, mas na restante Europa o que houve foi uma descida generalizada das tarifas. Pelo que cá a tarifa subiu "pouco" se comparado com o ano anterior, mas muito se comparada com os valores internacionais, que obviamente os portugueses não sentem. Concretamente: em termos relativos, a nossa tarifa eléctrica subiu 6%, exactamente o necessário para cobrir o sobrecusto das renováveis instaladas até agora. Até agora - porque quando vier o que o governo planeou de renováveis, será muito mais!
O pior, entretanto, vai ser em 2011, porque entretanto os preços internacionais dos combustíveis fósseis voltaram a subir. Mas provavelmente o actual Governo já cá não estará então e os seus apoiantes poderão, então, culpar o novo Governo por essas subidas.

domingo, maio 23, 2010

Guerra ao eduquês!

Da brutal crise económica que está a chegar agora ao vivo, o pior é a desanimadora desesperança no futuro que a (des)educação da nossa juventude inspira.
Por isso é tão importante combater o eduquês. Como faz Guilherme Valente  no Público de ontem e que pode ser lido aqui.

segunda-feira, maio 03, 2010

Manifestos: contra a ecotopia e o eduquês, a mesma luta.

Uma das características do Manifesto para uma Nova Política Energética é ter concitado o apoio de personalidades de múltiplas ou nenhumas filiações partidárias.
Concitou também a crítica de inesperadas personalidades de inclinações partidárias diversificadas mas na zona do centrão, além, claro, de um ataque cerrado mas esperado dos ecotópicos.
Um dos melhores exemplos desta transversalidade partidária foi o debate entre o Eng.º Carlos Pimenta, que foi Secretário de Estado de Cavaco Silva, e de Henrique Neto, que foi deputado do PS nos anos 90. Pimentinha defendeu a política energética promovida pelo PS na última década como se tivesse sido delineada por ele próprio (e se calhar foi), enquanto o self-made man Henrique Neto a criticou como se fosse de um Partido da oposição.
O Dr-Ing Jorge Vasconcelos, que muitos supunham ter sido despedido da Presidência da ERSE por se ter oposto a uma política tarifária mentirosa, surgiu a esclarecer que afinal apoia inteiramente a política de subsidiação pública às eólicas e fotovoltaicas, mas em contrapartida sei de outros prestigiados especialistas energéticos do PS que só não assinaram o Manifesto por não terem sabido dele a tempo.
A posição do Prof. Costa e Silva foi outra surpresa, ao defender as eólicas depois de há tempos ter criticado na TV a (falta) de regulação nos petróleos, mas foi compensada pela presença do Eng.º Demétrio Alves do PCP entre os signatários do Manifesto.

Esta transversalidade partidária entre os apoiantes e os opositores do Manifesto mostra como as questões que ele levanta são muito mais fundas que as disputas de curto prazo pelo poder que move os Partidos de Governo. São, na verdade, questões de uma natureza estratégica que dividem na base de valores e de sistemas de ideias, ou ideologias.
Na essência, os apoiantes do Manifesto caracterizam-se pela valorização da Ciência e da tecnologia como factores de progresso humano, da Pátria como comunidade próxima e perene de pertença, do trabalho como condição humana, da liberdade e da responsabilidade individuais. Valores que são típicos da modernidade.
Os outros representam uma mistura de ecologismo romântico e utópico, a que tenho chamado ecotopia (um termo inventado na América), que relativiza a verdade e a liberdade, com interesses que têm todos em comum a subsídio-dependência, ou seja, a extorsão de toda a comunidade nacional através do poder de Estado.
São pós-modernos.

Ora a ideologia pós-moderna dos ecotópicos, em que se cruzam a defesa da irracionalidade e da mentira com interesses parasitas de Estado, não se manifesta apenas nas questões energéticas.  Outra área onde ela está presente e talvez de forma ainda mais grave é na educação.
No programa "plano inclinado" do último sábado, Guilherme Valente, o criador da Gradiva e um dos promotores de um outro Manifesto publicado há já 8 anos, dissecou a ideologia do eduquês e mostrou onde se acantonam os seus criadores.
Tal como Guilherme Valente, descobri-o neste programa, penso que a ascensão deste tipo de ideologia tem muitas semelhanças com o início da ascensão do fascismo há quase um século. Têm em comum o mesmo ódio à modernidade, a mesma mescla de ideologia retrógrada com interesses rasteiros, a mesma oposição aos valores basilares da nossa civilização. Invocam algumas bandeiras da velha esquerda, mas o fascismo ascendente também o fazia: a do nazismo até tinha um fundo vermelho...
Mas os tempos são outros e a História nunca se repete da mesma forma. Por enquanto, a sociedade totalitária que o ovo do pós-modernismo traz em gestação é mais parecida com o Admirável Mundo Novo de Huxley do que com a Quinta dos Animais de Orwell, mas não lhe dou mais que 10 anos para que a sua verdadeira natureza se revele plenamente.

Aqui transcrevo o Manifesto para a Educação da República de Guilherme Valente, Nuno Crato, Carlos Fiolhais e outros. As nossas frentes de combate são diferentes, mas a luta é a mesma.

MANIFESTO PARA A EDUCAÇÃO DA REPÚLICA

Todos os estudos nacionais e internacionais sobre a educação dos portugueses convergem para a conclusão incontroversa de que a República está a educar mal os seus filhos. É essa a razão fundamental por que os portugueses continuam a não ser capazes de produzir a riqueza que consomem. É ainda por essa razão que Portugal se está a afastar dos padrões civilizacionais dos países com quem decidiu partilhar um futuro comum.

Os países desenvolvidos renovaram os seus sistemas de educação e de formação profissional em pontos de viragem da sua história. Portugal não seguiu esse exemplo, nem quando descolonizou, nem quando passou a integrar a Comunidade Europeia. Em vez da intervenção profunda e coerente que então se impunha, os sucessivos governos optaram por encarar os problemas educativos à medida que surgiam, envolvendo-nos numa densa teia de interesses e irracionalidades da qual não conseguimos ainda desenvencilhar-nos.
Abriu-se a escola a um maior número de crianças, como era a obrigação dum regime democrático. Mas mesmo esse sucesso é mais aparente do que real, já que somos o país da comunidade com a maior taxa de abandono escolar. Por outro lado, os estudantes que resistem ao abandono recebem, de um modo geral, uma educação muito deficiente a preços excessivamente elevados. Isso faz com que Portugal seja hoje um dos países da União que proporcionalmente mais gasta com a educação e, ao mesmo tempo, aquele que piores resultados obtém. Assim, a melhoria das condições económicas e sociais que foi conseguida em condições bastante favoráveis corre o risco de se perder, desbaratando-se uma oportunidade que dificilmente se repetirá.
Além disso, a indevida referência à democracia na designação do sistema irracional de gestão imposto pelo Estado às escolas e, em particular, às universidades, desacreditou a verdadeira democracia, passando os cidadãos a associá-la com a ignorância, a demagogia, o egoísmo e, sobretudo, com a indisciplina e a irresponsabilidade.
Portugal vive presentemente momentos de ansiedade perante o desmoronar de grandes expectativas nacionais. Os portugueses julgaram — alimentou-se-lhes esse sonho! — que podiam aceder sem esforço aos elevados padrões civilizacionais dos países mais desenvolvidos da Europa. Ao verificar que isso não é verdade, sentem-se defraudados e cépticos.
De um modo geral, o sistema de ensino e de formação profissional não fornece aos portugueses as ferramentas intelectuais que lhes permitiriam tirar proveito das enormes oportunidades de bem-estar que as sociedades pós-industriais oferecem à humanidade e evitar os riscos a elas inerentes.
Ao integrar a União Europeia, Portugal mergulhou num grande espaço económico onde o conhecimento é o principal factor de desenvolvimento. Não sendo menos dotados do que os outros povos, podemos atingir graus de desenvolvimento equivalentes se for proporcionada educação semelhante. Podemos ser um país mais rico se estivermos dispostos a suportar o esforço intelectual intenso e prolongado que é actualmente necessário para adquirir, aplicar e criar conhecimento, muito particularmente o conhecimento científico.
Por isso, é urgente mobilizar as instituições e os cidadãos para a grande batalha por um sistema educativo que possa contribuir para o progresso da sociedade portuguesa. Em particular, é preciso mobilizar as elites, recorrendo aos portugueses formados em contextos educativos de maior exigência intelectual e profissional, que estarão certamente dispostos e motivados para dar o seu contributo ao esforço decisivo que pode tornar Portugal uma comunidade informada, qualificada e empreendedora.
Neste quadro, apelamos ao senhor Presidente da República para que mobilize para a batalha inadiável da educação as instituições e os cidadãos, o Governo e a Assembleia da República, as escolas e as associações científicas, profissionais, empresariais e sindicais.
Problemas concretos tais como os objectivos e a articulação dos vários graus de ensino, a avaliação do desempenho dos estudantes, dos professores e das escolas, o apoio aos estudantes, os currículos e a acreditação dos cursos e das instituições, a qualificação académica e profissional, a formação inicial e continuada, o acesso ao ensino superior, o financiamento e a gestão das escolas, em particular das universidades, e o impacte da escola na inovação e na produtividade têm de passar a ser encarados em conjunto, de um modo coerente.
Solicitamos ao senhor Presidente da República que utilize os meios constitucionais ao seu dispor para promover a consciência e o esforço convergente dos competentes órgãos de soberania e dos cidadãos na construção de um sistema educativo que, à semelhança do que acontece noutras sociedades, forme intelectualmente e qualifique profissionalmente os Portugueses. Para que possamos ser, finalmente, o país por que todos ansiamos.

Também este Manifesto suscitou reacções ferozes e uma polémica. O Rerum Natura recordou aqui parte dela.

sábado, maio 01, 2010

Um magnífico troco dado ao Prof. Costa e Silva

O Professor Costa e Silva do IST, distinto especialista em petróleos e Administrador da PARTEX e que já aqui citei pela explicação que deu à actual alta de preços do petróleo, (resultante da especulação e não de algum esgotamento das reservas mundiais), decidiu cascar no Manifesto para uma nova política energértica e aproveitar a página inteira que o Pensamento ùnico lhe concedeu no Expresso do passado dia 17 para o efeito.
O ainda mais distinto Professor do IST, experiente Administrador de indústrias e meu estimado co-autor do Manifesto, Clemente Pedro Nunes, publicou no Expresso do 1º de Maio a resposta a Costa e Silva. Aqui a transcrevo, pela sua magnificiência, na íntegra.

Manifesto: o Tempo do futuro

O Manifesto “Uma Nova Política Energética para Portugal” tem provocado uma salutar reacção de variados quadrantes.
Como um dos 36 subscritores, só me tenho a felicitar por isso.
Por exemplo, António Costa e Silva, ilustre especialista de questões petrolíferas, revela no seu artigo publicado no Expresso no passado dia 17 de Abril de 2010 uma notável apetência pela defesa da protecção política aos investimentos nas energias eólicas e fotovoltaicas.
Aceita-se perfeitamente dado o seu interesse nas energias eólicas.
De acordo com as regras de diversificação de portfolio e de gestão de oportunidades, ninguém pode levar a mal que se utilizem as benesses que o legislador concede ao dar incentivos excessivos para investir em energias eólicas e fotovoltaicas. Mesmo que esses excessos de incentivos sejam à custa das famílias e das empresas de Portugal!
E o que está em causa nesta difícil encruzilhada que se nos depara, é a criação duma base energética que assegure a viabilidade económica de Portugal, e foi por isso que o Manifesto foi lançado.
Mas para melhor esclarecimento dos leitores do Expresso analisemos ponto por ponto as críticas que constam do artigo.


1. Falta de Rigor
Ao contrário do que se insinua, o próprio artigo confirma o absoluto rigor da afirmação do Manifesto de “que em 2008, último ano de que existem dados publicados pela DGEG, o saldo líquido da factura energética portuguesa atingiu o valor de 8.219 milhões de euros, ao passo que em 1998 não ultrapassara os 1.464 milhões”.
Não podendo beliscar minimamente a afirmação produzida, o artigo entra por divagações pseudo-explicativas desse facto. E o que é estranho é que quem invoca uma tão grande “exegese de rigor” inicie essas explicações dos números apresentados no Manifesto com a afirmação de que o petróleo representou em 2008 “75% do valor” do saldo líquido da factura energética portuguesa quando o número correcto, de acordo com os dados da DGEG, é de apenas 63,8%; é uma distorção matemática significativa.
Mas, mais importante que isso, a redução indicada na importação oficial de crude tem a ver com o facto de, como é bem conhecido, a fonte de energia primária que mais aumentou entre 1998 e 2008 foi o gás natural, que nesse período substituiu derivados do petróleo. E esta é não só um hidrocarboneto de origem fóssil, como é também importado na sua totalidade, exactamente como o petróleo.
Quanto ao contributo das “novas” energias renováveis, que são aquelas que o artigo tanto quer defender, o Manifesto responde directamente à pergunta formulada: em 2008 o total do conjunto de solar, fotovoltaica e geotérmica representou apenas 2,11% do total do consumo das fontes de energia primárias em Portugal. E infelizmente a dependência energética de Portugal em termos de fontes de energia primária manteve-se em cerca de 83% desde 1998 até 2008.
Isto apesar dos milhares de milhões de euros de apoios decretados pelo Estado a favor dos investimentos nestas energias, à custa das famílias e das empresas de Portugal!


2. Falta de Enquadramento
A prioridade que deve ser dada à política energética do país, é que a base energética deve promover a competitividade económica de Portugal, em vez de ser posta ao serviço de negócios que só existem porque são feitos à sombra de Decretos Lei que os protegem desmesuradamente. Aquilo que por isso alguns já designaram por “capitalismo decretino”.
É este o enquadramento base do Manifesto, e estamos certos que no fundo António Costa e Silva até concorda com ele.


3. O preconceito contra as energias renováveis
As duas fontes de energias primárias endógenas mais utilizadas em Portugal em 2008 foram a biomassa e a hidroeléctrica e ambas são renováveis. Curiosamente o artigo nada diz sobre elas. É uma omissão, absolutamente incompreensível por quem se diz tão grande defensor das energias renováveis. Por exemplo, relativamente ao aproveitamento energético da biomassa em Portugal podia e devia em termos relativos ter-se ido muito mais longe no apoio concedido, face ao que se passa com a energia eólica, e sobretudo com a energia fotovoltaica e a microgeração.
É que as centrais térmicas a biomassa, para além de utilizarem uma matéria prima totalmente nacional, podem contribuir muito para a estabilização económica e social de vastas regiões do interior do país, viabilizando também economicamente a limpeza das florestas e assim combater preventivamente os fogos florestais.
Acresce que são uma fonte de energia renovável perfeitamente programável, em que a produção pode ser directamente ajustada à procura.
Exactamente ao contrário do que se passa com a eólica e a fotovoltaica. Aqui a respectiva intermitência obriga, na melhor das hipóteses, a um armazenamento forçado por bombagem da água em albufeiras a montante, e a sua posterior turbinagem, tudo isto agravando substancialmente o pesado sobrecusto que as eólicas acarretam. Pagar-se 344 euros/MWh pela energia fotovoltaica, em centrais construídas à base de painéis chineses importados, e 587 euros/MWh para a microgeração doméstica quando se paga apenas 107 Euros por cada MWh produzido em centrais termoeléctricas que utilizam biomassa produzida em Portugal, é um total absurdo económico, tecnológico e estratégico.
Também não há nenhuma referência no artigo ao facto da produção de biocombustíveis, nomeadamente o biodiesel, não ter ainda qualquer quadro legal para o respectivo nível de isenção de ISP a partir de 1 de Janeiro de 2011. E estamos já em finais de Abril de 2010.
Ou seja, enquanto as energias eólicas têm um preço fixo estabelecido por 15 anos, um produtor de biodiesel não sabe qual o respectivo enquadramento fiscal que se vai aplicar daqui a apenas 8 meses, sendo que neste caso, e ao contrário das eólicas, o preço de venda do biodiesel está directamente indexado ao preço do mercado alternativo, o gasóleo, sendo apenas legislado o eventual nível de isenção do ISP. E note-se que os biocombustíveis podem ajudar a resolver o problema energético ligado aos transportes que, como o próprio artigo refere, é um problema sério e profundo.
Também não se entende porque é que em Portugal a lenha, e os outros derivados da madeira utilizados como combustíveis domésticos estão sujeitos a uma taxa de IVA de 20%, sendo fontes de energia renovável, de produção nacional, e contribuindo bastante para a redução das emissões líquidas de CO2, enquanto o gás natural que é um hidrocarboneto fóssil, que produz CO2 e é todo importado, beneficia de taxa reduzida de 5% de IVA.
Igualmente no artigo nada diz sobre esta flagrante distorção que muito prejudica precisamente a energia renovável que é actualmente a mais utilizada em Portugal.
É exactamente porque um verdadeiro plano energético tem que entrar em linha de conta com todas as fontes de energia primária disponíveis, quer sejam renováveis ou não, que o Manifesto foi feito.


4. Visão Estática da Tecnologia, Preços e Subsidiação
A gestão da Inovação Tecnológica é de facto um tema apaixonante para quem dedicou quase quarenta anos da sua carreira académica e industrial à promoção da inovação tecnológica economicamente competitiva.
Costa e Silva não ignora certamente que as três fases básicas dos processos de inovação e desenvolvimento tecnológico: a investigação laboratorial, as instalações piloto, e as unidades comerciais.
Como não ignora também que uma unidade de demonstração piloto deve ter “a dimensão mínima para que dela se possam extrair resultados tecnologicamente relevantes”.
Ora em Portugal, o que se tem passado, relativamente às “renováveis da moda”, é construírem-se instalações à escala comercial para nelas se fazerem ensaios que deveriam ter sido feitos primeiro à escala laboratorial ou de piloto. E o preço desse risco e desse desperdício é transferido na sua totalidade, por força dum Decreto Lei, para o cidadão consumidor.
Fazer uma central fotovoltaica de 50 MW e garantir-lhe um preço de 344 Euros/MWh quer essa electricidade seja necessária ou não, como se pode classificar em termos económicos? É um brinquedo tecnológico de “meninos ricos” que não sabem o que fazer ao dinheiro?
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é que deve financiar os desenvolvimentos tecnológicos de equipamentos inovadores. O Ministério da Economia só os deve promover comercialmente, se e quando esses equipamentos tiverem passado o teste da respectiva viabilidade tecnológica e económica. E para isso deve necessariamente haver a adequada articulação de políticas públicas entre estes dois Ministérios, como muito bem salientou o último relatório da Agência Internacional da Energia sobre Portugal.
Num processo de desenvolvimento tecnológico dum novo tipo de equipamento têm de se avaliar em profundidade as respectivas características, tanto as positivas como as negativas.
E, por exemplo, a energia eólica tem como características base ser intermitente, e incontrolável.
E a realidade, nomeadamente dos números apresentados pela ERSE, está já a revelar que para se adaptarem estas características de base da energia eólica aos padrões de consumo do mercado, os sobrecustos são de facto bastante elevados.
Mesmo a construção de barragens que permitam a bombagem/armazenamento de energia eólica sob a forma hídrica, e que é talvez no caso português a menos má das soluções para se tentar corrigir as características negativas da energia eólica, tem custos elevados que têm que ser devidamente analisados e comparados, em termos tecnológicos, económicos e ambientais, face a todas as alternativas disponíveis.
E é exactamente isso que um novo Plano Energético sério e fundamentado terá que fazer de novo, tal como em 1984.
É que não há voluntarismos exacerbados, ou encenações mediáticas mal fundamentadas, que possam substituir um processo de desenvolvimento tecnológico consistente. Além disso, a atribuição dum preço fixo, garantido por Decreto durante 15 anos, ao MWh eólico estiola a própria competitividade tecnológica que forçaria a redução dos respectivos custos .
Ora verifica-se em 2010 que, quase dez anos depois do lançamento dos apoios bilionários à energia eólica, o MWh eólico custa ao consumidor 91 Euros/MWh enquanto que actualmente o valor de mercado de um MWh é de apenas 22,4 Euros/MWh, ou seja quase quatro vezes menos.
É isso que está na origem da maior parte do sobrecusto do PRE que para o conjunto do ano de 2010, e de acordo com a estimativa da ERSE, ascenderá a mais de 800 milhões de euros, sendo que mais de 50% destes valores são devidos precisamente aos sobrecustos provocados pelos preços políticos concedidos às energias eólica e fotovoltaica. E é essa exactamente uma componente fundamental do déficit tarifário que ultrapassou os 2.000 milhões de euros em 2009.
Há assim que ter a coragem de tirar conclusões que evitem esta corrida para um abismo de desperdícios crescentes que agora tanto se quer promover!


Em conclusão:
O futuro da economia de Portugal decide-se a partir da eficácia, competência e inteligência com que são utilizados os recursos disponíveis.
Por outro lado, a viabilidade e a competitividade da nossa economia está hoje posta em causa, como há muitos anos não acontecia.
Sendo a energia uma base indispensável ao sucesso da economia do nosso país, não é admissível desperdiçar recursos em aventuras tecnológicas que ainda não foram sequer testadas devidamente ao nível dum piloto industrial.
Por isso é agora indispensável avançar duma forma séria, fundamentada e isenta, com um novo Plano Energético Nacional, que equacione todas as fontes de energia primárias disponíveis, sem excepção, e que substitua o último Plano que data já de 1984 e que se tornou manifestamente obsoleto quando as grandes opções então feitas, o carvão e o gás natural, foram inviabilizadas porque, por um lado, Portugal assinou o protocolo de Kyoto e, por outro lado, os grandes países exportadores de gás natural decidiram indexar o respectivo preço ao do petróleo.
É pois tempo de se construir uma nova base energética que garanta o futuro da economia de Portugal.
Clemente Pedro Nunes
Professor Catedrático do IST