segunda-feira, junho 25, 2012

I&D para a COMPETITIVIDADE - Adenda à parte III

Com a autorização do autor, publico um comentário do Presidente da HOVIONE e co-autor do Relatório "A Ciência em Portugal" da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, de 2010.

Caro Prof. Pinto de Sá,

 A sua análise sobre o financiamento público da I&D e sobretudo do SIFIDE é de grande pertinência, e eu próprio tive a oportunidade de comentar ao prof. Mariano Gago, já depois da sua saída do Governo, a “generosidade” dos créditos fiscais à investigação e inovação. A nossa empresa é uma grande beneficiária deste sistema, mas sempre me admirei que não houvesse uma fiscalização do Estado quanto à elegibilidade das despesas apresentadas. Num caso de uma das empresas mais bem colocadas no último Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, esta declarava 200 FTEs atribuídos a actividades de I&D, mas não tinha um único doutorado.

Essa fiscalização é essencial, e várias vezes o afirmei, por duas razões: 1) evitar que dinheiros públicos sirvam para financiar actividades que não têm nada a ver com I&D e 2) assegurar a continuidade do SIFIDE, reformando-o para neutralizar análises mais perspicazes que inevitavelmente seriam feitas, como foi a caso da sua agora, e que vem colocar em causa um valioso apoio para as empresas que têm uma actividade genuína nesta área.

Aproveitando o facto que abriu a caixa de Pandora em relação ao SIFIDE, o meu interesse é propor condições que salvaguardem a sua continuidade, apertando substancialmente a sua aplicação. Apoio o SIFIDE, mas para empresas que tenham comprovadamente uma actividade de I&D, confirmada por uma certificação que teria por base pelo menos alguns dos elementos seguintes:

1. A existência de uma carteira de patentes, em indústrias onde as patentes são relevantes.

2. A comprovação de que as patentes estão a ser exploradas e cobrem produtos e processos comercializados. (No caso de start-ups que ainda não estão na fase de comercialização, não lhes faria diferença não ser abrangidas, pois se não têm resultados também não tem lucro e logo não teriam utilidade para créditos fiscais).

3. A existência de um departamento de I&D, com carreiras científicas ou tecnológicas. Em empresas acima de certa dimensão, a presença de técnicos doutorados. Em alternativa, a existência de contratos de projectos de I&D com entidades externas (universidades, institutos de investigação, centros de desenvolvimento de produto).

4. A publicação de artigos científicos peer reviewed.

5. A participação em conferências científicas.

6. A certificação pela norma portuguesa “Certificação de sistemas de gestão de investigação, desenvolvimento e inovação” ou sistema equivalente.

7. Em alternativa à existência de uma infra-estrutura científica, uma auditoria que comprovasse a existência de investimentos em desenvolvimento de produto e a sua conversão em inovação comercial.

A certificação do estatuto de “Empresa IDI” facilitaria muito a fiscalização da elegibilidade das despesas, já que não me parece que os técnicos da Ministério das Finanças tenham o conhecimento para confirmar a natureza da despesa, empresa a empresa. É evidente que esta lista reflete a minha própria experiência, e haverá outros requisitos mais apropriados para outras empresas.

Se quiser distribuir este comentário, esteja à vontade.

Cumprimentos

Peter Villax
Hovione

quarta-feira, junho 20, 2012

I&D para a COMPETITIVIDADE NACIONAL - parte III


1.         FINANCIAMENTO PÚBLICO da I&D

Os Governos de Portugal de 1995 a 2010 procederam a um extraordinário reforço do Fi­nanciamento público à I&D, reclamando também um grande in­cremento do investimento privado na mesma.
O investimento privado em I&D, porém, manifestou esse cresci­mento apenas depois de o Estado ter passado a oferecer generosos descontos fiscais em sede de IRC no programa SIFIDE. Este facto alimentou suspeitas sobre a verdadeira na­tureza da I&D declarada por algumas empre­sas beneficiárias do SIFIDE, o que analisa­remos adiante, mas o Governo anterior justifi­cou-a com o argu­mento de que este ins­trumento fiscal “destapara muita I&D que já se vinha fazendo”. Entretanto, em 2005, ano mais recente de que se obtiveram dados, a intensidade de I&D (despesa em I&D / valor acrescentado) na indústria nacional era ainda pratica­mente igual à grega (EL) e muito inferior à espanhola (ES), aliás em pro­porções seme­lhantes às da concessão de pa­tentes per capita.
De resto, a nossa proximidade com os padrões gregos verificava-se em todas as esta­tísti­cas relativas à I&D na economia, como o exemplifica o próximo gráfico, de 2007, ilustrando o peso relativo dos Serviços empresariais de conhecimento intensivo (KIBS) na economia e no seu crescimento.
Contribuição dos KIBS (Knowledge Intensive Based Services) para a economia e para o seu crescimento
Dados semelhantes se podem ilustrar para o sector industrial, relativamente ao ano de 2005 (fig.seguinte).


No entanto, os dados mais recentes apontam para uma intensificação extraordinária do investimento nacional em I&D, que atingiu em 2009 o record de 2764 M€ ou 1,64% do PIB na­cio­nal.

A decomposição deste investimento por origens é melhor visualizável nas duas figuras se­guintes (que em conjunto mostram a evolução de 1995 a 2010):

Com este salto, em poucos anos Portugal aproximou-se da média europeia (figura ao lado), ela própria ainda significativa­mente inferior à dos EUA e do Japão, na I&D em­presa­rial.
Verifica-se, entretanto, que o investi­mento público directo reportado em I&D terá atin­gido, em 2010, 1213 M€, o que sendo metade do total na­cional cons­titui 0,8% do PIB.

Comparando com demais países da UE, no entanto, em 2003 Portugal situava-se no topo em termos de importância relativa do investimento público em I&D (figura seguinte), apenas supe­rado pela Rússia, facto tanto mais surpreendente quanto as des­pesas em I&D militar eram (e são) di­minutas no nosso país: 1% do Investimento público em I&D, contra 13% de média na UE-27, 28% no Reino Unido e na França, 18% da Suécia e Espa­nha, 6% na Ale­manha e Noruega[i]... Aliás, para comparar convenientemente a des­pesa pública em I&D da União Europeia com a dos EUA, país em que a I&D pública em 2007 constituía 28% da des­pesa to­tal contra 33% na UE, há que ter presente que enquanto na UE a I&D mi­litar ab­sorve apenas 13% daqueles 33%, nos EUA consome 58% dos seus 28%!...
Considerando a fraca intensidade tecnológica da economia nacional e o grande volume relativo da parcela pública no investimento nacional em I&D até há meia dúzia de anos, são notáveis o reforço extraordinário do investimento público de 2003 a 2010 (continu­ando a crescer mesmo já depois de iniciada a crise financeira em 2008), e ainda mais o crescimento explosivo que subita­mente teve o investimento empresarial em I&D nos 3 anos de 2006 a 2008. Este último é tanto mais surpreendente quanto tal não se traduziu em qualquer movimento de investigadores, seja nas Uni­versidades e instituições afins, seja em contratações de pessoal pós-graduado, como abordaremos no seguimento.

1.1   FINANCIAMENTO DA I&DT NAS EMPRESAS


Os gráficos acima mostrados não dão conta total do Investimento público em I&D. Com efeito, segundo a definição que acompanha estes dados,o sector de execução do Estado compreende todos os organismos e entidades da administração pública que fornecem servi­ços colectivos e que conjugam a administração dos bens públicos e aplicam a política eco­nómica e social da colectividade (Ex: Hospitais, Laboratórios do Estado). O sector compre­ende ainda as IPSFL controladas e maioritariamente financiadas pelo Estado.Não estão incluídos nos quadros ilustrados, portanto, nem os descontos fiscais concedidos à em­presas, nem os subsídios canalizados directamente através do QREN, nomeada­mente pela Agência de Inovação e outros organismos. O gráfico seguinte mostra como os des­contos fiscais têm um peso desproporcionado no financiamento externo da I&D empre­sarial nacional (36%, contra 27% na média europeia)[ii].

O programa de descontos fiscais, ou SIFIDE, foi publicado em 2005 (Lei 40/2005), com grande apelo do Estado às empresas para a sua participação: era concedido um desconto de 20% das despesas em I&D no IRC, e de 50% do acréscimo de despesa relativamente aos 2 anos anteriores, até ao limite de 750 k€. Caso não houvesse no ano em causa receita de IRC suficiente para permitir o desconto calculado, este poderia ser repercutido até ao 6º ano posterior, funcionando portanto como um crédito fiscal para as empresas, designação como aliás o sistema é internacionalmente conhecido. Note-se que o crédito fiscal é uma dívida... para o Estado!
No segui­mento, observou-se o cres­ci­mento da despesa em I&D alegada por milhares de empresas (para efei­tos de contabili­zação fis­cal) e ilustrada na figura seguinte, sendo notá­vel a duplicação ocor­rida imedi­atamente após a pu­blicação do SI­FIDE, só no biénio 2006-2007!...
Diversos indícios criaram a suspeita de que este au­mento da I&D empresarial foi em grande parte fictício. Um primeiro foi o de as em­presas candidatas a este crédito fiscal terem ale­gado um in­cremento do número de in­vesti­gadores de mais de 6 mil, só na­quele biénio[iii], o que no entanto não teve re­flexo na procura no mercado de tra­balho qualificado para I&D, nomea­da­mente junto das Universidades.

De facto, no triénio 2006-2008 estas empresas, que no total empregarão cerca de 370 doutorados, apenas terão contratado 91, dos quais 28 o foram pelas indústrias Química e Farmacêutica, outros tantos pela de construção e materiais, e 27 pela Informá­tica – ou seja, estes 3 sectores contrataram 91% dos doutorados.
Um segundo indício de ficção é o tipo de empresas em que se terá verificado a referida explosão de actividades de I&D, e que é documentado num relatório provisório de 2008 do GPEARI: o principal investi­dor terá sido o dos Serviços Financeiros e Seguros (260 M€, 25%!), verificando-se na Energia um salto de 88 vezes, mas simultâneamente aqueles Serviços apenas empregavam 22 doutorados, dos quais ne­nhum contratado no período assinalado, e a Energia 7 (dos quais 3 foram aliás dispen­sados nesse mesmo biénio)...
Em todo o caso, o primeiro e único relatório de execução do SIFIDE[iv], mostra que os cré­di­tos fiscais concedidos no seu âmbito totalizavam cerca de 23% do valor de­cla­rada­mente investido pelas empresas (105 M€ em 2007, último ano para que há contas publicadas!...), embora consultoras especia­li­zadas refiram 36%, como vimos no gráfico acima. Em 2009 o SI­FIDE foi reforçado, elevando de 20% para 32,5% o valor dedutível em IRC das despesas declaradas em I&D, que incluem "...contributos para fundos de investimentos, públicos ou privados, destinados a financiar empresas dedicadas sobretudo a I&D" ou seja, o capital de risco, e com o simultâneo crescimento da des­pesa de­clarada pelas empresas, pode estimar-se na ordem dos 400 Milhões de € anuais o valor do crédito fiscal para I&D concedido pelo Estado, a partir de 2010 (1/3 dos 1200 M€ de alegada despesa empresarial em I&D alardeada pelas estatísticas oficiais)! Todo o edifício legislativo que suporta estes encargos foi delineado na anterior legislatura, mas a actual não alterou nada do rumo traçado continuando a garantir os créditos fiscais do SIFIDE, agora "SIFIDE II" (OGE para 2012)...

Infelizmente, este investimento das empresas em I&D não se traduz num grande pro­gresso em vendas, como se ilustra na figura seguinte; apenas 6,3% das empresas re­portam aumentos de vendas superiores a 100% (contra 21,7% da média euro­peia) como fruto desse investimento, e 56% indicam mesmo nenhum aumento, contra 42% da média europeia!
Ora um aspecto particular da composição do investimento em I&D declarado pelas em­presas portuguesas é a elevada parcela de despesas de capital, em que se alinha com países com bem menores custos salariais que o nosso, conforme se ilustra na figura se­guinte. Estes factos contribuem para reforçar a suspeita de que muita da I&D empre­sa­rial declarada para efeitos de créditos fiscais é duvidosa e de que o sistema é propício a isso, razão por que alguns países, como a Polónia, aboliram simplesmente os des­contos fiscais da I&D, substituindo-os por cofi­nanciamentos directos a projectos es­pecíficos, como se fez por cá com a Medida 3 do PEDIP II nos anos 90.
Certamente procurando retorquir às suspeitas por mim levantadas desde há 3 anos, a Directora à época do GPEARI, o organismo que, na FCT, organizou a aplicação do SIFIDE, a socióloga Prof.ª Maria João Rosa, veio reconhecer, há alguns meses, que efectivamente o que se passou foi o alargamento do conceito de I&D à meramente incremental nuclear, de simples manutenção de pro­dutos e serviços, as­sim como às actividades administrativas e outras conexas. Maria João Rosas invoca o "manual Frascati" como base para a definição do que é I&D o qual, claro, inclui o desenvolvimento incremental - mas nem isso justifica que toda a I&D empresarial incremental seja subsidiada, nem cria critérios claros para a separar do que é mera engenharia ou até a simples importação de protótipos de demonstração...! Ou seja, foi efectivamente o relaxamento do grau de exigência nos critérios de classificação da I&D que criou o enorme aumento da I&D empresarial das estatísticas, e não um aumento real...

Cumpre a propósito do texto da Prof.ª João Rosas notar ainda duas coisas: 1º, que os critérios de classificação da I&D em investigação "fundamental", "aplicada" e "experimental" denotam o academismo dos autores da classificação; a gestão de I&D business-oriented o que distingue, na terminologia internacional são, como fizemos na parte I, o desenvolvimento "incremental nuclear" (manutenção e correcção de produtos existentes), o "incremental complementar" (de novos produtos, ou novas versões de produto, para o mesmo mercado, ou de variantes para novos mercados, mas em que a novidade só existe para a empresa), e o "disruptivo", ou "radical" (desenvolvimento de produtos inovadores em absoluto, portanto criadores de novos mercados). Não faz sentido os contribuintes subsidiarem o desenvolvimento incremental nuclear porque uma empresa que não consiga corrigir e manter os seus produtos ou serviços não é pura e simplesmente sustentável!...
Em 2º lugar, embora algo na moda na Comissão Europeia, o sistema de créditos fiscais à I&D empresarial tem sido objecto de diversos estudos internacionais quanto à sua eficácia. O paper identificado em [v], por exemplo, mostra que um desconto fiscal de 10% da despesa de I&D empresarial apenas induz um acréscimo real dessa despesa em 1%, que é portanto largamente invariante à subsidiação, e que os seus benefícios só são tangíveis enquanto elemento de atracção de I&D empresarial estrangeira. Poder-se-á legitimamente suspeitar, portanto, que tal sistema no caso português visou prioritariamente a criação artificial de êxitos estatísticos, alardeados na véspera das últimas eleições.
Em conclusão, na situação financeira em que se encontra o Es­tado português, os créditos fiscais proporcionados pelo SIFIDE à I&D empresarial constituem um encargo para os contribuintes de duvi­dosa eficácia, embora se compreenda a satisfação das empresas beneficiadas por mais este subsídio governamental. O sistema, efectivamente, cria um "buraco escondido" nas contas públicas, aumentando em perto de 400 milhões de € anuais as perdas actuais ou futuras do Estado em IRC, sem que haja qualquer evidência de que tal produza um benefício sustentável na competitividade da economia nacional.

NOTAS

[i] Nuno Boavida, “Portugal e a economia do conhecimento - A despesa empresarial em Investigação e Desenvolvimento (Draf paper)”, Universidade Nova de Lisboa, Maio de 2008
[ii]7º Barómetro do financiamento da Inovação 2011”, ALMA Consulting Group, Outubro de 2011.
[iii] FCT, GPERAI, “ANEXO: DESPESA EM I&D E Nº DE INVESTIGADORES EM 2007 EM PORTUGAL”, Dezembro de 2008.
[iv] FCT, GPEAR e ADI, “SISTEMA DE INCENTIVOS FISCAIS À I&D EMPRESARIAL: 2006-2008”, Fevereiro de 2010.
[v] Nick Bloom et al, ""Do R&D Tax Credits work? Evidence form a panel of countries, 1979-1997", Discussion Paper nº 2415, Centre for Economic Policy Research, London, 2000.

terça-feira, junho 19, 2012

I&D para a COMPETITIVIDADE NACIONAL - parte II

1.2      I&D TECNOLÓGICA DISRUPTIVA


Em Portugal, seguindo algumas correntes estrangeiras mal digeridas e à margem da reali­dade económica, tem havido nos últimos anos uma hipervalori­zação da I&D disrup­tiva, ainda por cima quase sempre associada à ideia de que ela requer a criação de novas empresas: “Inovação” e “Empreendedorismo” passaram a ser palavras geminadas.
Ora, como tem sido notado por diversos autores[i], esta hipervalorização assenta na ideia de que as práti­cas científicas e industriais são “um fluxo linear em que as ideias emer­gem pri­meiro na investigação fundamental e depois atravessam sucessivamente as fases de de­senvolvi­mento, demonstração e comercialização – sendo cada etapa subsequente carac­terizada por uma prioridade crescente da implementação sobre a inovação. Por ou­tras pala­vras, o potencial inato para a disrupção é atribuído à investigação fundamental inicial – o resto será apenas execução.” Como também está bem identificado, esta visão re­sultou historicamente do divórcio entre os investigadores e a actividade produtiva, em laboratórios de Universidades, do Estado e mesmo de algumas empresas.
A realidade, porém, é que a parcela média de despesa em I&D disruptiva feita por em­presas que fazem I&D em países como os EUA é de apenas 10%, e mesmo em empresas de alta tecno­logia (mas já estabeleci­das) esse valor anda pelos 15% (70-20-10% são os valores mé­dios gerais de des­pesa em I&D respectivamente incremental nuclear, incremental comple­mentar e disruptiva, sendo particularmente típica dos sectores industriais). Em­bora os proveitos provenientes dessas despesas sigam a propor­ção in­versa da dos recursos in­vestidos, a razão por que, sendo tão gratificante o retorno da I&D disrup­tiva, esta não absorve mais recursos nas empresas estabelecidas, é o facto de en­tre 90 a 99% das tentativas de lan­çamento de novos negócios baseados em tal I&D fa­lharem. Este elevado risco que acompanha o alto retorno da R&D disruptiva deve ser um considerando essen­cial na definição de po­líticas equilibradas de I&D.

a)  Inovação e empreendedorismo, e capital de risco

Os exemplos de sucesso de start-ups tecnológicas baseiam-se na rara combinação de três capacidades: a “adivinha” do que é desejável para o consumidor (ou mais formal­mente, a identificação das tendências sociais que guiam as mudanças de negócio), o co­nhecimento do que é ou vai ser oferecido ao consumidor pelos players estabelecidos (as tendências de mercado), e o conhecimento das possibilidades da tecnologia (e portanto do seu preciso estado de desenvolvimento).
O conhecimento das possibilidades da tecnologia é o que uma sólida formação escolar pós-graduada em princípio fornece, nomeadamente os doutoramentos e em particular se eles contiverem componentes curriculares que alarguem horizontes facilitando a fecunda­ção cru­zada de conhecimentos[ii]. Dificilmente uma licenciatura de 5 anos rebaptizada de mes­trado e onde níveis elevados de exigência são desencorajados pode fornecer tal for­ma­ção.
Por outro lado, o conhecimento das ofertas possíveis no mercado pelos players existen­tes, e a “adivinhação” dos desejos desse mercado, dificilmente podem ser obtidos fora do universo empresarial e muito menos em laboratórios destituídos de espírito comercial!
Por estas considerações, pensamos que o modelo de fomento da “Inovação e Empreende­dorismo” que vem sendo praticado há mais de uma década, baseado em “cur­sos” desses temas e na promoção de parcerias entre Universidades portuguesas e norte-americanas (por exemplo, MIT-Portugal), não aborda as necessidades reais de criação da cultura de inovação pretendida. Pelo contrário, pensamos que contribuirão muito melhor para a composição dessa cultura:
·       O reforço do grau de exigência e profundidade do ensino pós-graduado. É duvidoso que o modelo de Bolonha possa garantir generalizadamente tal formação, o que re­comenda o retorno ao apoio de doutoramentos integralmente realizados nos EUA para os jovens mais promissores[iii];
·       O encorajamento de formações pós-doutorais através do trabalho em empresas High-Tech nacionais ou estrangeiras, e não em Uni­versidades, de modo a que a formação escolar seja complementada pela experiência de I&D visando a criação de riqueza[iv].
Tendo a ideia de que é bom associar “Inovação” (disruptiva) à criação de novas empre­sas conduzido à criação de “ninhos de empresas”, “incubadoras” e capital de risco, vale a pena notar que a simples preferência pela juventude não garante um maior gosto pelo risco (com sentido de responsabilidade) da inovação, sendo de sublinhar que:
·       O famoso espírito do “Sillicon Valley” que inspirou a criação de parques tecnológicos por todo o mundo e também cá, não é replicável em Portugal. Tem raízes culturais no es­pírito pioneiro dos garimpeiros do ouro californiano e liga-se a um culto de risco que atravessa todos os aspectos da vida dos seus “militantes”, associada à tradição anglo-saxónica de saída de casa aos 18 anos e de que os “campus” univer­sitários são uma clara expressão[v].
·       O capital de risco do “Sillicon Valley” é gerido por gente que partilha a mesma cul­tura de risco da comunidade tecnológica das empresas do vale, e que a conhece bem. Mas, como é evidente, os verdadeiros empreendedores do Vale procuram mi­nimizar o recurso a capital alheio, trabalhando frequentemente em condições durís­simas de prazos e parcimónia, o que requer uma atitude oposta à do facilitismo!
A taxa de fracasso das start-ups tecnológicas é superior a 90%, pelo que o elevado re­torno das que têm sucesso só é gerível com risco moderado em universos de grandes números, o que dificilmente se poderá verificar num país com a dimensão de Portugal a menos que ele seja gerido como um todo, nesta matéria. Por outro lado, mesmo quando bem-sucedidas, as Start-Ups são frequentemente finan­ceiramente frágeis, vindo a de­frontar-se com o di­lema de recusarem crescer para que os fundadores não percam o res­pectivo controlo, o que as impede de se tornarem relevan­tes (entre inúmeros exemplos nacionais desta tí­pica opção, cite-se a Fatrónica, sediada no TagusPark e cri­ada pelo an­tigo Director de I&D da CENTREL), ou de aceitarem partici­pações de capitais alheios ou mesmo a venda, o que muitas vezes depois as “mata” (a título de funesto exemplo, re­corde-se a ChipIdea).
É finalmente de notar que quando uma nova tecnologia disruptiva se estabelece universal­mente, a sua expansão comercial e maturação tecnológica relacionam-se numa conhe­cida função “em S”, em que na fase de crescimento do “S” a expansão comercial é rápida e fácil mesmo sem grande competitividade tecnológica. Porém, invariavelmente após a fase de expansão rápida ocorre a “zona de saturação do S”, em que a competição se en­carniça e só as empresas verdadeiramente competitivas subsistem. A História das em­presas de tecnologias informáticas é cheia de exemplos de tais casos, atestando uma característica das empresas de I&D disruptiva que cavalgam grandes ondas mundiais: a volatilidade tecnológica.

b)  I&D disruptiva em empresas estabelecidas e Spin-offs

Conduzindo as considerações anteriores à óbvia conclusão de que a I&D tecnológica disruptiva tem muito melhores condições de adesão à realidade comercial e de sustenta­bilidade financeira se produzida em empresas já existentes, de preferência sólidas, é também um facto que tal I&D suscita, nessas empresas, dificuldades de gestão, dife­rentes das da I&D incremental.
Além de requerer um tipo de investigadores diferentes dos da I&D incremental, mais instruídos científico-tecno­logicamente e mais visionários comercialmente (têm de trabalhar sobre o que será o futuro, e não sobre o presente já existente, ainda que fora da empresa, como na I&D incremental), pelo seu próprio carácter de aposta radical tendem a suscitar anti-corpos nas estruturas já existentes nas empresas, o que por sua vez requer também uma gestão excepcionalmente habilitada e apoio ao mais alto nível.
Algumas grandes multinacionais da indústria mostram como a integração da I&D disrup­tiva e da exploração dos seus resultados é melhor conseguida autonomizando a gestão das novas áreas de negócio abertas pela I&D disruptiva. A criação de spin-offs vinculadas às empresas-mãe mas com cultura própria é frequentemente a solução ideal, o que infe­lizmente entre nós raramente é bem tolerado pelas estruturas empresariais pré-existen­tes nem compreendido pelos seus gestores[vi].
Inversamente, uma forma de aquisição de tecnologia avançada e de capacidade de I&D disruptiva bem-sucedida comercialmente por parte de empresas estabelecidas é a com­pra de empresas tecnológicas, sobretudo na fase intermédia do desenvolvimento destas, quando já demonstraram o valor comercial das suas realizações mas lhes falta a capaci­dade financeira para a consolidação de estruturas de produção e/ou vendas. A integração e controlo dessas empresas adquiridas, porém, é uma arte difícil que raramente tem sido bem praticada entre nós, levando frequentemente à destruição de equipas de I&D e, com isso, à das próprias aquisições. Essencial para o sucesso de tais aquisições é a capaci­dade de enquadramento a contento mútuo dos “ases” que geralmente dinamizam as re­feridas equipas de I&D[vii].
Em todo o caso, a origem empresarial de spin-offs tecnológicas confere muito maior probabilidade de sucesso e sobretudo de rentabili­dade que a origem universitária![viii]

1.3   PROPRIEDADE INTELECTUAL, PROJECTOS DE I&D COO­PERATI­VOS EU­RO­PEUS E NORMAS TÉC­NICAS

a)  Propriedade Intelectual: patentes e segredo

Uma das métricas de avaliação da inovação empresarial de um país é a contabilização do número de patentes registadas pelo mesmo. Portugal é particular­mente deficiente nessa métrica, conforme se ilustra graficamente na figura seguinte, que mostra a evolu­ção aproximada na última década do número de patentes registadas, per capita, em al­guns países da União Europeia (a linha superior, a azul, é a média geral per capita da Europa de 502 mi­lhões de habitantes, e que é igual a 22 vezes a portuguesa, per capita)[ix].
O gráfico mostra também que a taxa de patentes concedidas à Grécia se confunde com a nossa, ambas es­tagnadas desde há uma década, que a de Espanha é cerca de 3,5 vezes a por­tuguesa (per capita!), e que em contraste com estas as da Chéquia e da Po­lónia mos­tram um pro­gresso sustentado, tendo a checa ultrapassado a portuguesa e a grega em 2006 e apro­ximando-se rapidamente da espanhola, enquanto a polaca está já a meio ca­minho da nossa e da grega, tendo acelerado também a partir de 2006.
O gráfico não mostra, por razões de escala, as taxas dos países campeões e que ultra­passam largamente a média da EU-502: a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca e a Finlân­dia, todos com taxas similares e de cerca de 60 vezes a nossa (per capita!), seguidos de perto pela Holanda. O país com maior taxa de patentes per capita, porém, é o Luxem­burgo, com quase o dobro dos seguintes, atestando que o registo de patentes tem mais a ver com competição comercial (de produtos tecnológicos) do que propriamente com a produção da tecnologia em si.
O Governo português da década anterior, consciente da fraqueza nacional nestas esta­tís­ticas, procurou melhorá-las, produzindo e aprimorando o Código da Propriedade In­dus­trial (CPI) e criando diversos incentivos ao registo de patentes, nomeadamente na car­reira docente universitária. Foi até grandemente reforçado o “Instituto Nacional da Pro­priedade Industrial”, com um pesado staff, mas o gráfico que apresentamos demons­tra que estas iniciativas não tiveram qualquer resultado, apesar de ter crescido grande­mente o número de pedidos de patente (mas não o de concessões): enquanto a relação média de conces­sões por pedidos é de cerca de 50% na União, em 2003 e 2008, por exemplo, Portugal submeteu respectivamente 65 e 144 pedidos[x], mas só lhe foram conce­didos 30 e 26, res­pectivamente; o número de pedidos cresceu dramaticamente, mas o de conces­sões, nada! Verdade se diga que taxas de rejeição seme­lhantes se verifi­cam em to­dos os países mais atrasados, incluindo a Grécia e a Chéquia e pior ainda a Polónia, mas para o Luxem­burgo a taxa de concessões é da ordem de 90%!
Acontece que dos 65 e 144 pedidos de patentes feitos por Portugal em 2003 e 2008, ape­nas respectivamente 10 e 16 o foram em produtos de alta tecnologia, e que essa tendência é geral; com efeito, o próprio EPO reconhece essa baixa percentagem de pa­tentes de alta tecnologia, o que justifica assim: “The considerable reduc­tion in high-te­chnology pa­tent applications filed with the EPO may reflect the length of patent pro­cedures. Given the increasing speed of technological change and the rapid pace at which imitators are able to bring new technologies to market, it may be that enterprises in­creas­ingly choose to invest in continued innovation alongside patent protec­tion.A expe­riência pes­soal confirma esta escolha também pelas nossas empresas-estre­las.[xi]
O registo de patentes, com efeito, não mede a inovação tecnológica de um país: o que mede é a agressividade competitiva internacional das suas empresas comercializadoras de produtos com tecnologia proprietária!
Acresce ao esclarecido anteriormente que as estatísticas internacionais mostram que, por exemplo na I&D em genética, 97% das patentes nunca chegam a ser comercializadas, e que em geral 10% apenas da totalidade das patentes geram 85% de todos os proveitos. Na realidade, como nota um estudo recente, “... not all firms doing R&D patent their innova­tions. In fact, fewer than 50% of firms engaged in R&D file pa­tents in any given year. Moreover, even among pa­tenting firms, few of them patent all their innova­tions. It’s often more effective to protect intellectual property by keeping it a trade se­cret.[xii]
O segredo tecnológico tem outras vantagens cruciais sobre as patentes como ga­rantia de pro­tecção da propriedade intelectual: é de aplicação expedita, rápida e barata, e sobretudo pode co­brir os resultados da I&D incremental, aquela que sendo ou não pa­tenteável in­corpora o precioso know-how resultante dos 90% de investimento em I&D que efectivamente as empresas fazem[xiii]!
Infelizmente, o nosso CPI e o INPI, que tanto detalhe e meios dedicam ao registo de pa­tentes (sem resultados), tem apenas um artigo mal construído (318º) dedi­cado à “pro­tecção de informações não divulgadas”, e prevê como pena para a respectiva violação uma multa irrisória (art.º 331º), em discrepância relati­vamente à Lei 109/91 (actualizada pela 109/2009) que protege a propriedade inte­lectual do soft­ware, e que prevê uma (ligeira) pena de prisão para a violação dos respectivos se­gre­dos! Numa altura (2011) em que foi criado um Tribunal específico para a Protecção da Propriedade Intelectual, é patente o divórcio entre a reali­dade económica e as concep­ções estatais de Propriedade Intelectual!
Rever a legislação da Propriedade Intelectual de modo a dar ao segredo tecnológico a primazia que ele merece como protecção do know-how para a competitividade econó­mica, prevendo nomeadamente a extensão e precisão do seu âmbito e um substancial agravamento das penas previstas na legislação, é a medida que se afigura mais útil. Simples, útil, e bem mais barata que o registo de patentes... Tanto mais que o registo de patentes tem uma fraca correlação com os proveitos das empresas que os gerem, e fra­quíssima probabilidade de se traduzirem em rendimentos para instituições não empresa­riais quando são estas a registá-las, pela incapacidade de tais instituições monitori­zarem a sua violação nos mercados internacionais e sustentarem os correspondentes litígios.
Com efeito, só empresas sólidas têm o domínio de mercado internacional e as estruturas jurídicas, técnicas e financeiras necessárias à litigação defensiva das patentes, o que raramente se aplicará a empresas portuguesas. O gráfico anterior ilustra-o. Para as pequenas empre­sas tecnológicas de países atrasados como o nosso, o conteúdo tecnológico das Inovação ganhará mais a estudar patentes alheias do que a registar patentes próprias! E, passe o cinismo, também ganhará mais a espiar os segredos tecnológicos de empresas estrangeiras do que a registar patentes para embelezamento estatístico (é o que fazem esses estrangeiros, como toda a gente sabe)...

b)  Projectos de I&D europeus

Desde o final dos anos 80, quando da adesão à União Europeia, que Portugal tem parti­cipado nos programas comunitários de I&D, dotados de consideráveis meios financeiros (os programas-quadro têm tido orçamentos anuais da ordem dos 5 Bis-€). Esses pro­gramas têm entretanto evidenciado as seguintes características:
·       Do ponto de vista da União, praticamente nenhuma tradução em au­mento da com­petitividade de qualquer das suas economias, seja pela criação de novos pro­dutos, seja pela aquisição de competências tecnológicas; as razões iden­tificadas são: a) as áreas de projecto são definidas politicamente pela comissão, e não pela “adivinhação” dos desejos do mercado; b) 2/3 dos participantes não têm orientação comercial (Universidades e Institutos); c) Para 1/3 dos participantes, estudos mos­tram que as verbas obtidas não cobrem sequer os custos incorri­dos.
·       Ainda que não tenham promovido a competitividade económica da Europa, estes pro­gramas têm contribuído para a sua competitividade científica, de que outros be­neficiam economicamente;
·       Para Portugal, estes programas têm constituído importantes fontes de financia­mento das Universidades, laboratórios de Estado e Institutos, libertando assim o Orçamento Geral do Estado de tais funções;
·       Porém, os custos de oportunidade da participação nacional nestes projectos não está quantificada mas são enormes: enquanto alocados a estes projec­tos, os recur­sos nacionais de I&D das Universidades, Laboratórios e Institutos não contribuem para a competitividade na­cional, e em particular para a das suas em­presas de bens transaccionáveis.
Do exposto, resulta claro que a menos que não haja utilidade para os recursos nacionais de I&D empenhados nos programas europeus (não haja custos de oportunidade), os res­pectivos projectos são mais perniciosos do que benéficos para a competitividade nacio­nal. A única forma de a participação nacional em projectos de I&D europeus ser positiva, pelos financi­amentos obtidos, é ela ser oportunista, isto é, permitir o desenvolvi­mento de tecnologias e/ou competências previamente determinadas como necessárias para a es­tratégia de empresas nacionais, oportunismo saudável de que há alguns exem­plos[xiv].

c)  Normas técnicas e Ordem dos Engenheiros

Um eficaz meio de criar proteccionismo a mercados tecnológicos é a imposição de nor­mas técnicas. A Alemanha, por exemplo, tem uma longa e frutuosa tradição de criação de normas técnicas nacionais (por exemplo, as normas DIN), que frequentemente são depois adoptadas internacionalmente (por exemplo, as normas CEI e CENELEC), até pela boa fundamentação técnica inicial das normas alemãs. Da poluição automóvel à respectiva segurança, passando pelas medidas contra as emissões de CO2, a Alemanha sempre usou a normalização e a exigência de compatibilidade com a mesma como forma de proteger os mercados em que a sua indústria é tecnologicamente superior.
Em geral os EUA seguem processo similar com normas quase sempre diferentes das da Alemanha, a cujos produtos assim criam barreiras, sendo exemplo elementar o uso da frequência de 60 Hz em vez dos 50 Hz do resto do mundo.
No espaço europeu, grande parte das normas são comunitárias, mas mesmo assim muitos países têm comités técnicos nacionais que produzem versões nacionais das nor­mas europeias, frequentemente adicionando-lhes alguma coisa que cria protecções es­pecíficas aos seus fabricantes, especialmente em produtos de nova tecnologia em que as normas internacionais não estão ainda maduras. Portugal, porém, há muito que não tem qualquer comité técnico activo, limitando-se o Instituto Português de Qualidade a tradu­zir ipsis verbi as normas europeias para português, enquanto os poucos acompanhantes portu­gueses do que se faz nos comités europeus se dedicam essencialmente, ao que parece, a viajarem à conta dessas participações e pouco mais...
Existem em particular normas relativas a aspectos de segurança (por exemplo, contra acidentes no trabalho) e de qualidade técnica de novos produtos (por exemplo, normas de ligação à rede pública da geração de energia renovável) em que Portugal é pratica­mente omisso, com graves prejuízos públicos. Promover a participação activa de Portu­gal na nacionalização das normas técnicas europeias, também para se saber influenciar a produção destas, é um requisito tecnológico que deve ser promovido em parceria com empresas e serviços utilizadores, empresas produtoras e a comunidade tecnológica na­cional.
Esta actividade normativa é, em princípio, da responsabilidade do Estado. Porém, é facto que o Estado se deixou “descapitalizar” intelectualmente desde a Revolução de 1974/75, e existe outra solução, muito praticada nos EUA: a de promoverem as ordens profissionais, mais do que a defesa corporativa de certos sectores mais ou menos minoritários das profissões que representam, essa norma­lização técnica e também a educação permanente da classe.
Em Portugal a Ordem dos Engenheiros poderá desempenhar esse papel, aceitando dei­xar de se limitar a ser a organização de defesa corporativa dos engenheiros civis e alar­gando o seu âmbito de actuação, estimulando também a educação da classe com cur­sos, conferência especializadas e revistas, à imagem do que se faz nos EUA. Com uma organização e modos de funcionamento transparentes e abertos, a Ordem po­derá asse­gurar o consenso técnico para as suas propostas normativas, prestando tam­bém e assim um serviço ao Estado[xv], ao mesmo tempo que pode dar um contributo à difusão da cul­tura tecnológica nacional nas empresas, para o que não há nenhuma outra entidade vo­cacionada.

NOTAS

[i] Por exemplo: http://andrewhargadon.typepad.com/my_weblog/2012/03/the-breakthrough-bias.html
[ii] É famoso o facto de Steve Jobs, o criador do MacIntosh, dever parte da sua inspiração para a inter­face gráfica do mesmo ao facto de ter frequentado uma disciplina de caligrafia quando estudante universitário...
[iii] Nos EUA, os bacharelatos de espectro largo são de 4 anos, a que se seguem os mestrados especializa­dos de 2 anos. Além de terem mais um ano que o modelo de Bolonha praticado entre nós, há um notável acréscimo de complexidade nos temas ensinados, razão por que apenas 1 em 4 bacharéis prossegue para o mestrado nos EUA, ao contrário do que sucede ente nós com a fórmula dos “mestrados integrados”. Finalmente, os doutoramentos requerem em regra mais 1 ½ a 2 anos de formação curricular pós-graduada, antes da preparação da tese. Embora em anos recentes esta exigência dos doutoramentos americanos tenha vindo a ser afrouxada, ainda requer tipicamente mais 1 ½ a 2 anos de estudo curricular avançado que os nossos, continuando a ser unanimemente considerados os melhores do mundo, enquanto os nossos doutoramentos se podem agora legitima­mente considerar equivalentes apenas aos mestrados americanos.
[iv] Já há uns 20 anos que tivemos a oportunidade de conviver com diversos doutorados em Universi­da­des dos EUA, de origem asiática, que depois dos seus doutoramentos procuravam avi­damente ex­periências de trabalho em empresas High-Tech, onde juntavam à formação escolar ob­tida a experi­ência de a transformar em riqueza. Manifestando nisto uma clara assimilação da cul­tura americana, muitos deles voltaram mais tarde aos países de origem para replicarem os negócios que tinham aprendido, contrastando com a nossa tradição de maior academismo e apego ao respectivo status.
[v] Temos amigos próximos que são típicos do “Sillicon Valley” e com quem visitámos algumas empre­sas carismáticas do Vale. O espírito dos quadros das start-ups, que trabalham imenso em condições duríssimas, é o de que se os seus produtos tiverem sucesso, se os conseguirem desenvol­ver no tempo (curto) disponibilizado pelo capital de risco, então as empresas valorizar-se-ão mui­tíssimo e eles ficarão ricos – senão, restar-lhes-á procurar trabalho noutra start-up, quando o capital acabar. É o mesmo espírito que impregnava os lendários garimpeiros das montanhas próximas no tempo da corrida ao ouro. Além disso muitos destes quadros praticam desportos radicais e alguns têm mesmo actividades acessórias como por exemplo pertencerem aos Seals...
[vi] Exemplos particularmente bem-sucedidos encontram-se na SIEMENS. Pelo contrário, exemplos mal sucedidos encontram-se em algumas experiências portuguesas.
[vii] Um notável exemplo de uma aquisição bem feita foi a da empresa canadiana MULTILIN pela GE. Com o fim da guerra fria e sob a liderança de Welsh, a GE voltou em força ao mercado dos equi­pamentos de energia, constatando que em diversos sectores perdera capacidade tecnológica. Num desses sectores (informatização de Subestações) tentou desenvolver a tecnologia com uma equipa que possuía em Espanha, usando fundos europeus, mas quando essa equipa terminou o projecto abandonou a GE e, com o apoio de utilities espanholas, criou a ZIF, uma pequena empresa alta­mente sofisticada sediada em Bilbao e que tem tido grande sucesso internacional. A GE adquiriu então a MULTILIN, uma empesa canadiana semelhante à ZIF mas, para não arriscar a destruição da respectiva equipa de I&D, deu ao respectivo “ás” a direcção do departamento da GE em que a MULTILIN foi integrada e manteve durante alguns anos o nome da MULTILIN associado ao da­quele Departamento. Só teve que o fazer durante uns anos, até endogeneizar a I&D da MULTILIN. Em contrapartida, foram várias as pequenas empresas e equipas tecnológicas adquiridas por uma grande empresa nossa conhecida nos anos 90 que acabaram desmanteladas com prejuízo significativo para todos, sem dúvida pela tentativa de se lhes impor uma integração mal-aceite pelas estruturas já existentes e que lhes não respeitou a visão que os respectivos “ases” tinham e a autonomia a que estavam habi­tuados...
[viii] Um recente estudo sobre a totalidade das empresas high-tech resultantes de spin-offs ocorridos na Sué­cia no período de 1994 a 2001, mostra que a para as empresas cujos fundadores tinham experi­ência empresarial além da académica, a taxa de sobrevivência ao fim de 5 anos era de 62% contra 53% das de origem puramente académica, mas com uma diferença muito maior no volume de ven­das, proveitos e dimensão: o triplo! K. Wennberg et al., “The effectiveness of university knowledge spillovers: Performance differences between university spinoffs and corporate spinoffs”, Research Policy, 40, 2011.
[ix] Fonte: EPO (European Patent Office).
[x] Vide: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/statistics_explained/index.php?title=File:Patent_applications_to_the_EPO_and_patents_granted_by_the_USPTO,_2000-2008.png&filetimestamp=20111201153523
[xi] Em 1995 criámos um método, durante o desenvolvimento das Protecções Digitais da EFACEC, que era patenteável. A Administração da empresa, porém, considerou inútil o registo da referida patente precisamente pela preferência considerada a dar ao desenvolvimento rápido.  Alguns anos depois tínhamos sido copiados, pelos franceses, mas isso não teve importância, porque tudo continuou a evoluir rapidamente. Vale entretanto a pena referir uma recente crónica jornalística que dava conta de dois jovens portugueses que tinham sido admoestados por trabalharem fora de horas em duas empresas, uma alemã e outra americana, por suspeita de espionagem industrial; a crónica visava ilustrar como os portugueses são dedicados trabalhadores e os estrangeiros até nos criticam por isso, mas o que realmente mostrava era a ignorância dos jovens referidos e do próprio cronista quanto à importância do segredo tecnológico e, como corolário, da espionagem industrial...
[xii] Anne Knot, “The thrillon dólar R&D Fix”, Harvard Business Review, May 2012.
[xiii] Existe uma relação entre o uso do segredo como base da propriedade intelectual e o explanado atrás a propósito da aquisição de start-ups e de spin-offs: frequentemente, a pequena empresa tem o seu valor num know-how que pode não ser patenteável ou estar patenteado, mas se ele puder ser ob­jecto de segredo (por exemplo, através de documentos, modos operatórios ou outros), tornam-se muito mais sólidas as aquisições ou spin-offs baseadas nesse know-how. Esse será o principal interesse da certificação (autêntica) dos processos de trabalho da spin-off ou start-up se acordo com a norma ISO 9001.
[xiv] Há mais de 20 anos Portugal obteve a participação num projecto europeu com o objectivo estrito de par­tilhar o respectivo financiamento, o projecto DIAS (“Distributed Intelligent Actuators and Sen­sors”). Os seus principais actores, EDF e Hartman & Braun, tinham no projecto os seus próprios objectivos oportunistas, não assumidos publicamente, de desenvolvimento de tecnologias para centrais nucleares e certas industrias químicas de alto risco, e a participação de Portugal, sendo-lhes imposta politicamente, era difícil de integrar. Foi assim decidido que a Portugal competiria um ob­jectivo secundário e menor, o de desen­volver a Interface Homem-Máquina do sistema, tema sem qualquer interesse científico para os par­ticipantes universitários portugueses. Porém, estes envolve­ram a EFACEC no projecto, a qual preten­dia então desenvolver tecnologia para os sistemas de SCADA em cujo negócio decidira vir a ser player importante. Foi assim possível que o projecto DIAS constituísse um financiamento interes­sante para o desenvolvimento pela EFACEC de tecno­logias e competências de Visualização gráfica e Bases de Dados em tempo real que ela pouco de­pois começou a comercializar num domínio completamente distinto do do projecto. O sucesso deste oportunismo exemplar muito deveu ao Prof. Ferreira de Jesus do IST.
[xv] Nos EUA abundam estas Ordens, ali denominadas de Associações e de Institutos, como a dos Enge­nheiros Electrotécnicos (IEEE) ou a dos Petróleos, por exemplo. As próprias normas estatais ame­ricanas, ou ANSI, são frequentemente adopções nacionais de normas do IEEE e das outras Associ­ações. Em Portugal, há cerca de 20 anos houve um movimento com raiz no INESC que tentou imitar o IEEE na Ordem dos Engenheiros, dinamizando um Colégio de Engenharia Electrotécnica que chegou a editar uma promissora revista da especialidade contendo artigos divulgando realiza­ções tecnológicas da indústria nacional e da Universidade com aplicação industrial. Porém, por ra­zões que desconhecemos, essa iniciativa gorou-se e não durou mais de um ano...