quinta-feira, dezembro 03, 2009

Portugal e o reino da Dinamarca

O Governo português acaba de legislar hoje a criação de uma rede de abastecimento de (inexistentes) carros eléctricos. E, segundo os media ao serviço do Ministério da Propaganda, o consumidor poderá pagar com cartão Multibanco em função do operador eléctrico a que está vinculado, como se isto da energia fosse um mercado de retalho. Tratam-se de 1300 postos espalhados pelo país e não se sabe quanto custarão.
Curiosamente e também hoje, o New Yort Times fala dos planos da Dinamarca para fazer um "show" publicitário na cimeira que começa dentro de dias em Copenhaga, mostrando como se já fossem de uso corrente alguns carros eléctricos entretanto encomendados. A Dinamarca, que não fabrica automóveis, concede um desconto fiscal de 25000 € em cada carro eléctrico e estacionamento grátis em Copenhaga, mas apesar de todos os esforços de promoção pelo seu Governo e da cultura "green" fortemente radicada no país, pouca gente lá parece interessada na oferta. Vale a pena ler a notícia do NYT para que hyperlinkei para perceber porquê.
Segundo o NYT e como estamos fartos de saber, o propósito do Governo dinamarquês, como aliás do nosso, é dar vazão ao excesso nocturno de energia eólica carregando as baterias dos carros, dado que a Dinamarca é o país do mundo com maior percentagem de energia eléctrica de origem eólica (20%) e não pode fazer barragens reversíveis para a armazenar à noite como nós, por ser plana.
O nosso Governo ambiciona ultrapassar a Dinamarca em % de energia eólica, chegando aos 25% e tornando-se com isso o campeão mundial. Mas há uma grande diferença entre Portugal e o reino da Dinamarca neste assunto: é que a Dinamarca, que há já um século que usa o seu forte vento costeiro para produzir energia, tem o maior fabricante mundial de turbinas eólicas, a Vestas, que emprega lá directamente perto de 25 mil pessoas (numa população que é metade da nossa) - vd os números da tabela ao lado, da European Wind Energy Association - , exporta anualmente 4 biliões de € e fornece metade dos mercados mundiais em mais forte crescimento!
E nós, não...!

9 comentários:

Fernando Marques disse...

Não consigo compreender o seu post. Aliás penso que coloca a discussão no plano errado, da pior forma possível.
Pode-se discutir o carro eléctrico puxando a brasa á nossa sardinha. É mais barato ou mais caro que um carro a combustão interna? E o custo por km? e as emissões de CO2, diminuem ou aumentam? E favorece ou não a independência energética?
Mas há ouitras coisa que temos que discutir. Não estamos todos fartos do trânsito das nossas cidades? a poluição nos dias quentes e sem vento não nos incomoda? Não acha que está na altura de discutir o paradigma do transporte individual? O carro eléctrico do meu ponto de vista é uma bela oportunidade de meter estes assuntos na ordem do dia. Favorece utilizações diferentes (car sharing por exemplo) ou diferentes formas de utilizar viaturas de transporte individual. Discuta-se em conjunto com a necessiade de ter diferentes transportes públicos. Mas agora vir contestar a necessidade de definir regras e estabelecer incentivos para a criação de postos de abastecimento, esta deixou-me banzado... permita-me a expressão.
E já agora; então a energia não é um mercado de retalho?

Cumprimentos

Pinto de Sá disse...

Não estou a puxar brasa a sardinha nenhuma, até porque não é o meu género. Respondendo, e saltando por cima da adjectivação:
a) É mais barato ou mais caro? Muito mais caro, por causa das baterias. Procure na categoria "carros eléctricos" do meu blog, e encontrará ampla informação sobre o assunto, não só minha como nos hyperlinks;
b) Custo por km, em combustível? É igual, descontando impostos e subsídios. Também está demonstrado no blog - é procurar onde lhe indiquei;
c) As emissões de CO2 até podem aumentar, se a electricidade for produzida por centrais a carvão. Mas mesmo que diminuam por ser produzida por eólicas, países do tamanho de Portugal ou da Dinamarca são ABSOLUTAMENTE irrelevantes para a atmosfera.
d) Discutir o paradigma do automóvel individual? Bem, aí entramos noutro tema totalmente diferente, o de se é legítimo sabermos o que é bom para os ooutros e querer impor-lhes isso. Bem sei que foi o que se fez a Leste, onde se odiava o automóvel individual (excepto para os membros da nomenklatura, claro), e o resultado foi a queda do muro...
Mas essa discussão não tem qualquer interesse.
Se me falar em transportes colectivos de qualidade, para o "commuting" urbano, com certeza; também encontra isso discutido no blog, favorecendo os trolleys. Mas isso não tem nada a ver com o automóvel eléctrico, que é do que o post fala!

Jorge Oliveira disse...

O Prof. Pinto de Sá tem aqui chamado a atenção para os vários problemas de implementação dos automóveis eléctricos, referindo, e bem, que o principal problema não é eléctrico mais sim químico (os acumuladores) mas eu acredito que, mais tarde ou mais cedo, todos os problemas serão ultrapassados e o automóvel eléctrico será vulgarizado.

As vantagens são tantas que seria surpreendente que assim não viesse a acontecer.

Mas há um aspecto que tem de ser abordado com determinação. Sabemos que um motor eléctrico tem um rendimento muito superior ao de um motor de combustão interna, pelo que a quantidade total de energia eléctrica que irá substituir a energia química dos combustíveis de que iremos prescindir em automóveis e camiões será bastante menor, mas ainda assim será de tal forma elevada que se põe o problema da sua produção e distribuição até aos pontos de recarga dos acumuladores.

Que fonte primária permitirá essa produção maciça adicional, senão a energia nuclear?

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof.

Já leu esta notícia do Diário Económico ?

Portugal poupa 15.300 milhões com as renováveis. Link :

http://economico.sapo.pt/noticias/portugal-poupa-15300-milhoes-com-as-renovaveis_75962.html

Começa assim :

“Os números prometem esmagar os mais cépticos.”

E termina assim :

“Uma verba que daria para construir três novos aeroportos de Lisboa ou pagar, com bastante folga, a nova travessia rodo-ferroviária sobre o Tejo. As contas constam de um estudo sobre o impacto económico das renováveis, encomendado à Deloitte pela APREN - Associação de Energias Renováveis.”

Não vi o estudo, mas numa primeira impressão tenho fortes dúvidas de que as renováveis permitam poupanças daquela ordem de grandeza.

Gostava de conhecer a sua opinião.

Só o facto de renováveis como a eólica e a fotovoltaica exigirem a disponibilidade de fontes de backup põe em dúvida a ideia de que o investimento em renováveis nos permita poupar grande coisa.

O nosso PM veio há dias clamar que tal investimento nos permitia reduzir o endividamente externo. Acho isto uma fantasia. Até porque, como o Prof. tem aqui mostrado, os equipamentos são maioritariamente adquiridos no estrangeiro. Só o vento e o sol é que não, mas não sei se chega para compensar. E depois, há aqueles preços subsidiados que vão agravar o défice tarifário.

Enfim, independentemente de uma análise mais detalhada, quer o estudo, quer a notícia, cheiram muito a “encomenda”.

De facto, "Esmagar os cépticos" parece-me linguagem “soprada”. E toda esta fartura vem demasiado a calhar para os dois principais interessados. De facto, junta-se a fome (Governo) à vontade de comer (APREN).

Anónimo disse...

Caro FM,

Ainda há quem não consiga perceber, que o recurso ao transporte individual é a solução, possível, para o cidadão comum ultrapassar um conjunto de problemas, a que a desgovernação constante desta gente da política (como diz o Medina Carreira) nos conduz!

Seria bom perceber quais as respostas de quem se indigna contra quem anda de automóvel sobre (entre n perguntas possíveis):
1. lei de arrendamento (obstáculo à mobilidade das famílias),
2. disciplina nas escolas (motivo para os pais colocarem os alunos em escolas que podem não ser as mais próximas da residência ou local de trabalho),
3. horários das escolas,
4. onde é que Estado vai compensar a perda de receitas fiscais por ataque ao transporte individual (redução do IA, ISP)?
5. que gestão de transportes públicos? Um conselho de administração para a CARRIS, outro para a CP, mais um para o METRO, e assim por diante...
6. que planeamento urbanístico é feito pelas autarquias? que culmina em passeios onde nem um carro de bébé lá cabe!

(Professor eu sei que esta não é para si, mas tem de ser dita pelos opinion makers das tretas urbano ecológicas que por aí andam) Quem não tem família, ou arranjou um emprego na faculdade ou ministério (à custa da nomeação por urgente conveniência de serviço p.e.) e mora do outro lado da rua, naturalmente que prefere andar de bicicleta a ouvir os passarinhos, e vir papaguear isso para a TV...

Tenho três filhas em idade escolar, e dois carros. Se não tivesse carros onde é que eu me reunia com a família? No McDonals uma vez por dia? Na estação do Cacém?... Será que tenho de ser homossexual à força? Será que tenho de abdicar de ter filhos?

Haja pachorra! Londres tem um sistema de portagens para entrar na cidade? E depois? A área metropolitana de Londres tem mais gente que Portugal! E estes problemas não crescem linearmente com a população! É exponencialmente ou factorialmente.

É preciso cá uma destas «latas» para vir sugerir que quem compra um carro, gasta dinheiro em combustível, seguro, manutenção, para andar sozinho grande parte do tempo, é uma espécie de meliante social... Claro que eu e os outros temos N! maneiras mais agradáveis de gastar o dinheiro, mas menos úteis...

Finalmente sobre os carros eléctricos. Mas em termos de fabricação os carros eléctricos diferenciam-se exactamente no quê dos carros a combustão interna? Não levam chapa? não são pintados? não usam lubrificantes? só não consomem gasolina ou gasóleo... e a electricidade é produzida como (e isso está farto de ser explicado aqui no blog)? e a sua autonomia? e as baterias são desmanteladas como? será que as pessoas estão familiarizadas com o que se passa na Índia, Bangladesh, China e Paquistão nos locais onde são desmantelados os gadegts dos europeus? Se se falasse duma gestão integrada da rede de distribuição de electricidade dos Urais ao Cabo da Roca ha! aí sim, temos muito que optimizar... agora carros eléctricos como alternativa ao parque automóvel actual, só para quem é rico! e riqueza é coisa que a maioria dos portugueses não tem. Temos 10% de desempregados (número oficial! o que significa que o número real deve andar no mínimo nos 13%!), e o rendimento per capita dos mais baixo da UE, com tendência para descer ainda mais!

Quanto ao conceito hippie do carro partilhado, é simpático... e na hora de damos boleia como é que seleccionamos o pendura?

Tudo isto não passam de argumentos para o Estado me vir meter ainda mais a mão no bolso. Está mais do que na altura de o Estado passar gastar bem e parcimoniosamente o dinheiro dos nossos impostos, em vez de tomar medidas do tipo «I have a dream..».

cordialmente.

IM

Pinto de Sá disse...

Caro Eng.º Jorge Oliveira,
Relativamente à sua observação de que o consumo energético do carro eléctrico será bastante menor do que o dos carros actuais, permito-me duvidar.
É verdade que o rendimento de um motor eléctrico é muito maior que o do motor a combustão. Porém, esse motor vai buscar a energia à bateria, e o processo de carga e descarga da bateria não tem um rendimento famoso. Por sua vez, a bateria vai buscar a energia às centrais eléctricas que a produzem, e a própria rede eléctrica tem perdas, e finalmente temos o problema do rendimento das centrais.
Já fiz uma estimativa neste blog da energia extra que seria precisa para carregar as baterias de todos os automóveis se fossem eléctricos, em Portugal, e é da ordem dos 800 a 1500 MW médios.
Claro que isto corresponde bem a uma central nuclear, e o potencial das renováveis em Portugal estará esgotado em breve e mal dará para cobrir as importações actuais.
Simplesmente, todas as projecções indicam que não será antes de 20 anos que o carro eléctico poderá massificar-se a ponto de tornar o seu abastecimento uma questão real, porque o problema das baterias está inteiramente por resolver, ainda que eu também acredite que se resolverá.
Mas, daqui a 10-20 anos, nem sei sequer se Portugal ainda existirá!
Quanto à propaganda do Sr. Sá da Costa, naturalmente que notei como foi tudo feito como uma manobra publicitária, com a notícia cuidadosamente colocada em todos os media.
Só não a apreciei no blog porque o tal estudo em que se baseia não está disponível em parte nenhuma!
A mentira está, de facto, a tomar proporções inimagináveis, para um país democrático e do 1º Mundo!

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof.

Aceito a sua observação e admito que o balanço energético global do processo de migração do motor a combustão interna para o motor eléctrico não seja tão favorável como se possa pensar.

Todavia, como se depreende, isso reforça o argumento que invoca a inevitabilidade do recurso a uma fonte primária como a energia nuclear, que era a conclusão a que eu queria chegar.

É esta, aliás, uma das principais razões que me leva a aderir à opção nuclear. As outras são as questões de carácter estratégico, como a dependência de árabes e russos para termos acesso ao petróleo e gás natural. Não se pode viver descansado com tais fornecedores. O “combustível” nuclear pode ser adquirido em países que merecem muito mais confiança.

Voltando à migração para o automóvel eléctrico, embora reconheça a fatalidade das perdas no processo da carga e descarga das baterias, e das perdas na produção e transporte das volumosas quantidades adicionais de energia eléctrica, a verdade é que evitaremos nas nossas estradas o corropio de camiões cisternas de gasolina e gasóleo, um elo da cadeia do processo actual cujo rendimento terá de ser levado em linha de conta, para já não falar da (pouca) comodidade e limpeza do processo actual.

De facto, se, por um lado, acredito ser uma inevitabilidade a migração para o motor eléctrico, não só pelo previsível esgotamento dos combustíveis líquidos, mas também porque queimar petróleo é uma asneira, por outro lado (e isto não é apenas puxar a brasa à sardinha da electrotecnia, que também é, mas pecado confessado...) julgo que todos ficaremos muito mais satisfeitos com a limpeza, em sentido literal, do novo paradigma de transporte.

Pinto de Sá disse...

Caro Eng.º Oliveira,
Relativamente ao futuro do carro eléctrico, penso que todas as previsões de pormenor serão especulativas. Diria apenas que se a I&D sobre tecnologia para as baterias encontrar uma solução boa no prazo de 5 anos, ponha-lhe mais 5 para o aperfeiçoamento industrial das mesmas e dos respectivos automóveis, e os carros só se começarão a vender em massa dentro de 7-10 anos; e depois precisará ainda de mais uns 10-13 para que todo o parque automóvel seja substituído, pelo que o problema do seu abastecimento não se colocará antes de uns 15 a 20 anos.
Ora é verdade que os recursos renováveis são, por natureza, limitados, dado também não se prever que o solar possa ser competitivo antes de uns 20 anos; portanto, supondo que o país continuará a crescer economicamente e portanto também o seu consumo energético - e disso tenho muitas dúvidas - será preciso pensar noutras formas de energia.
Porém, o país já se encontra saturado, também, de centrais de ciclo combinado, quer prontas, quer em construção, pelo que a prazo de uns 10 anos, digamos, o futuro energético eléctrico está já definido - ruinosamente, a meu ver, mas também incontornavelmente.
Para lá do prazo de 10 anos, podemos pensar no nuclear ou noutras alternativas; o que podemos sempre é pensá-lo de modo a assegurar a máxima incorporação nacional!
E, neste aspecto, deixe-me dizer-lhe que também vejo poucas preocupações no lobby (que também existe) que quer vender a Portugal uma nuclear. Nomeadamente, por exemplo, a ideia de termos de mandar a Hague os resíduos para que sejam os franceses a tratá-los, não me deixa muito feliz.

Fernando Marques disse...

Estive uns dias sem consultar este blog e por isso só respondo agora. Espanta-me o caminho desta discussão. Manifestamos uma opinião e temos logo comentários que me parecem fora do contexto. O Prof Pinto de Sá diz que eu proponho acabar com o transporte individual. O anónimo IM quase que me acusa de lhe chamar meliante social.
Eu só disse que o automovel electrico tem provavelmente um caminho a percorrer e devem ser criadas regras e alguns incentivos. Tal como muitas outras tecnologias, tem vantagens e desvantagens. Nas vantagens podemos contar com a inexistência de escape, o baixo ruído. Nas desvantagens temos que contar com a autonomia limitada, o preço das baterias. Agora há um universo de pessoas para os quais o carro eléctrico pode fazer sentido (quem faz poucos quilometros por dia). Mas também podem existir utilizações diferentes. Este tipo de tecnologia favorece essas diferentes utilizações, como por exemplo o car sharing. Mas para isto acontecer tem que ser economicamente interessante. Este conceito de negócio não é dar boleia ao vizinho, é ter um contrato de utilização de viaturas (pegar numa num local e larga-la noutro parque). Nos USA há centenas de empresas com este modelo de negócio (com veiculos de combustão interna). Provavelmente serão as companhias de rent a car que vão desenvolver este conceito. Também soube que há um grupo Português que importa carros que está interessado em estudar este assunto com veiculos electricos.

Também estou convencido que só daqui a alguns anos o parque automovel vai ter um número significativo de carros electricos, provavelmente com tecnologia hibrida. E até lá há um caminho a percorrer. Agora fazer depender da resolução dos problemas do mundo (como propõe IM) qualquer iniciativa neste domínio é a melhor desculpa para não fazer nada. E não estamos já fartos disso?