quarta-feira, dezembro 29, 2010

Missão cumprida

Ultimamente, como terão reparado, deixei de falar nos sobrecustos das energias renováveis, no défice tarifário e na decomposição das tarifas.
E deixei de falar nisso porque, após muitos meses de luta quase solitária pela iluminação do assunto, contra uma espessa cortina de mentiras com a qual colaboraram personagens mediáticas, algumas até docentes universitários, nas últimas semanas os ventos mudaram e de repente, finalmente, muita gente, a começar pelos grandes jornalistas mas também outros, descobriram a luz e começaram a dizer exactamente o que eu comecei, na altura aparentemente com a "arrogância" de me julgar mais que os outros (precedido, é preciso reconhecer, pela isolada coluna quinzenal "Economia Real" do Eng.º Mira Amaral no Expresso).
Um bom exemplo de como já não preciso de falar mais neste tema é este artigo de hoje no jornal de negócios. Agora, há já muita gente a dizer o mesmo. Posso mudar de assunto. Missão cumprida - uma missão que pensei dever ao país, como Professor dos seus filhos.

Um dos novos temas a abordar, é o que o artigo que citei de Paulo Pinho menciona no fim: o do enterramento das Linhas de Energia por causa do alegado perigo das suas "radiações" para a saúde pública. A ele voltarei mas, entretanto e para quem se quiser informar, sugiro a leitura disto para começar, e disto para aprofundar.

terça-feira, dezembro 28, 2010

O papel da I&D no grupo EFACEC e os seus condicionamentos


Há 14 anos, estava a desenvolver na EFACEC - Sistemas de Electrónica com alunos e um assistente que para lá levara comigo as Unidades Terminais (de SCADA) e de Protecção de Subestações (TPU, Terminal and Protection Unities), e foi-me pedido pelo Director de área que contribuísse para uma reflexão então em curso na empresa sobre as suas perspectivas de internacionalização. O que se segue é o documento interno que redigi em resposta a este pedido e que correspondia ao que pensava da política de I&D tecnológica e que hoje, mais que nunca, se encontra em oposição ao pensamento dominante - não só no Ministério de Mariano Gago, como também na minha própria Universidade, aliás alinhada com o poder (como sempre). Em 14 anos algumas coisas mudaram, mas na maioria para pior - e por isso creio ser oportuno atirar esta pedrada ao charco!
A EFACEC é o maior grupo industrial privado nacional. É também, segundo números publi­ca­dos na imprensa, a entidade empresarial que maior despesa consagra à actividade de I&D (embora estes números possam estar algo empolados por uma arte bem desenvolvida e não criticável de captação de subsídios para I&D) [Nota: como vêm, não falo grátis quando falo de I&D "fiscal", mas naquele tempo os subsídios vinham essencialmente de fundos europeus, pelo PEDIP-"Medida 3" de Mira Amaral]. Mais importante ainda, a EFACEC se­gue per­sistentemente uma estratégia de internacionalização como resposta ao desafio da in­tegração europeia, e aposta no desen­volvimento de tecnologia própria como suporte para tal. São mui­tíssimo raras as empresas nacionais que fazem tal aposta, a qual, com todas as difi­culdades, é certamente a única que pode possibilitar um futuro ao país no 1º Mundo.
E no entanto, o grau de desenvolvimento tecnológico da EFACEC é baixo. Tal deriva de ra­zões históricas, começando pelo facto de o próprio aparecimento da EFACEC, há cerca de 50 anos, ter ocorrido um século depois do de empresas como a SIEMENS, quando os capi­tais acumulados com a neutralidade do país na II Guerra Mundial e a visão do minis­tro eng.º Fer­reira Dias o permitiram. Um século depois do nascimento das grandes empresas suas competi­doras e, o que é bem mais grave, sem tecnologia própria, ao contrário daquelas!...
Depois disso, e sem deixar de reconhecer a justeza da estratégia de protecção à nossa indústria nascente, trinta anos de aversão à liberdade de mercado e, portanto, de ausência de estímulo à ino­vação como factor de competitividade, não permitiram mais do que iniciativas isoladas como as dos estudos experimentais em transformadores do eng.º Renato Morgado, ou a aprendi­zagem empírica de algumas técnicas quando das visitas à ACEC ou resultantes da aná­lise cuidada a que os projec­tos licenciados sempre foram sujeitos. Esse torpor tec­noló­gico nes­ses 30 anos foi, aliás, geral no país - não esqueçamos que foi apenas nos anos 70 que chegaram ao país os primeiros en­genheiros doutorados no estrangeiro, onde haviam realizado Investiga­ção, e ainda por cima a maior parte deles no sofrível sistema britânico [Nota: no Reino Unido um licenciado brilhante do IST fazia o doutoramento em 2 anos, enquanto nos EUA nunca o fazia em menos de 4; o próprio IEEE considerava o doutoramento britânico um meio termos entre as teses de mestrado e as de doutoramento americanas. Mas hoje penso que apesar disso esses doutoramentos britânicos tinham também a grande virtude de "virarem" para a sociedade concreta].
O esforço de aquisição de competências próprias na globalidade das actividades industriais da EFACEC teria sempre de ser, com tal passado, impossível, dada a pe­que­nez do mercado naci­o­nal, mesmo se ele fosse totalmente protegido. Por isso, e por causa tam­bém das peias resul­tantes da de­pendência da ACEC, a administra­ção da empresa apostou, e bem, na Electrónica Industrial como área nova e prioritária de desen­volvimento tecnológico, numa estratégia bem explicada por Renato Morgado em 1983. Porém, a integração europeia realizada na última dé­cada, se veio tornar ainda mais urgente a aquisição de competências pró­prias traduzidas em produtos capazes de competir nos mercados globalizados, veio por outro lado agravar a com­petição no próprio mercado nacional, re­du­zindo com isso os volumes de vendas e praticamente anulando as margens de comercialização e, em consequên­cia, a disponibilidade de meios de in­vestimento para a aquisição das referidas com­petências. Competências que têm duas vertentes: a tecnoló­gica e a comercial. Mas, sendo reconhe­cida a extraordinária habilidade comercial da empresa, é certamente na disponibilidade de produtos de concepção própria e capazes de ofe­recerem vantagens competitivas no mercado internacional que reside a grande dificuldade da internacionalização - e, portanto, da própria sobrevivência.
A referida escassez de meios de investimento é entretanto compensada pela disponibilidade tem­po­rária de fun­dos europeus, pelo que as maiores dificuldades ao referido desenvolvimento de com­petências não se situarão na escassez de dinheiro. Mas, sendo esses fundos de dis­poni­bili­dade tem­porária, é compreensível que a empresa desenvolva uma corrida contra o tempo e só endogenize na sua es­trutura os Recursos que forem sendo capazes de se auto-sustentar - isto é, cuja criação de ri­queza prove a sua viabilidade.
A esta encruzilhada difícil que é, em grande medida, a do próprio país, junta-se um contexto tec­nológico nacional desfavorável - isto é, os parcos Recursos Huma­nos existentes, concentra­dos na Universidade e desenvolvidos aí ao longo dos anos 80, não têm uma cultura de apoio à indústria, pela qual têm, aliás, um considerável des­prezo, um muito disseminado desconheci­mento das capaci­dades exis­tentes, e uma fre­quente visão das empresas como galinhas de ovos de ouro a ex­plorar em benefício da Uni­versidade, vista como fim em si.
Esta situação resulta de diversos factores, de que os mais importantes serão:
1) uma cultura aristocrática na Universidade, tradicional até aos anos 70, mas ainda presente em muitos doutorados sobre­tudo dessa década, e que se manifesta no próprio facto de terem na maioria feito doutoramen­tos no Reino Unido e não nos Estados Unidos da América - isto é, mais que com­petências, obtive­ram um título nobiliárquico de prestígio. Tal espírito con­tras­ta, por e­xem­plo, com a ati­tude corrente dos asiáticos que se doutoram nos EUA, país em que, devido sobretudo à realiza­ção de cadeiras de pós-graduação tanto no mestrado como no dou­toramento, estes graus têm uma qualidade muito supe­rior à eu­ropeia. Ora é prá­tica corrente nos EUA os asiáticos re­a­lizarem estágios em empre­sas ameri­canas após os douto­ramentos e antes de re­gressarem aos seus países - isto é, não só adquirem o “background” cur­ricular e a capacidade de iniciativa em I&D, como treinam de­pois a sua aplicação no ambi­ente em­pre­sa­r­ial. É que o seu objectivo não é a ob­tenção de um título no­biliárquico para faze­rem car­reira nas Universi­dades públicas dos seus países, mas sim o de ad­quirirem competências úteis à actividade em­presarial. No nosso país, currículos desses con­tam-se pelos dedos - Tribo­let, Fon­seca de Moura, Salcedo, etc. Claro que o ambiente na­cional dos anos 70 tam­bém não fa­vorecia uma estratégia de pós-graduações no estrangeiro visando a aquisição de com­petên­cias de utilidade empresarial...! Que empresas tin­ha al­guma vez havido, em Por­tu­gal, que produzis­sem baseadas em tec­nologia própria, tec­nologia de ponta da que se aprendia no es­trangeiro e que é preciso manter em desen­volvimento? Seja como for, o certo é que tal men­ta­li­dade aris­tocrática que despreza a noção de produção de ri­queza e procura a pura “realização in­telec­tual”, existe. E se ela é infelizmente im­por­tante nas Uni­versidades, nos labo­ratórios do Estado é mesmo um verdadeiro paradigma...
2) Outro factor crucial que, na Universidade, se opõe à criação de tecnologia de apli­cação em­pre­sarial é a adopção do modelo norte-americano. Neste modelo, é a pro­dução de I&D tradu­zida em “papers” que determina a valorização dos currículos e, como consequência, da pro­gressão na car­reira. Ora os “papers” só são possíveis nas áreas de con­hecimento em que, em absoluto mundial, haja inovação. O modelo norte-americano pressupõe que serão depois as empresas, ou os labo­ratórios do Estado, quem fará o Desen­volvimento e as aplicações comer­ciais. Esse sistema funciona bem nos EUA, com a Universidade a fazer principalmente a In­ves­tigação de alto risco, alargando as fronteiras do conhecimento, e as empresas a faze­rem o De­s­envolvimento, aplicando o melhor daquele conhecimento e desenvolvendo as tec­nologias ren­táveis. O problema é que este modelo é bom para países em que é a indústria que detém o “know-how” aplicado, que o desenvolve e con­cretiza; mas nos países em que a in­d­ús­tria não tem esse “know-how” e pre­cisa de redescobrir muito do que, em ab­soluto mun­dial, já é co­n­he­cido (mas não divul­gado), o modelo norte-americano pro­duz um fosso en­tre os in­teresses tec­nológicos da indústria e os da Universidade. A existência deste fosso no nosso país foi bem apontada por Renato Morgado diversas vezes nos anos 80. Na prática ele traduz-se em que para um Universitário promissor, capaz de se en­volver na com­petição por uma car­reira, os te­mas de I&D capazes de o interessarem só po­dem ser os propiciadores de “papers” e não os de produtos. De “papers” aceitáveis em revistas geralmente editadas nos EUA...
Além deste fosso entre os interesses tecnológicos da Universidade e os das em­pre­sas portu­guesas, gerado pelo modelo norte-americano, acontece que infelizmente o próprio modelo norte-ame­ri­cano tende a ser aplicado, nas Universidades portuguesas, de forma degradada. Tal de­grada­ção mani­festa-se no baixo nível de muitas das cadeiras de pós-gradua­ção ensinadas nos mestrados (cuja e­x­is­tência no país, é de recor­dar, tem pouco mais de uma dé­cada) [Nota: os mestrados de que estava aqui a falar não têm nada a ver com os actuais de Bolonha!], e na inexis­tência de cadeiras no doutoramento - ou seja, a faceta das pós-graduações ameri­canas que é talvez a mais útil, a da ex­is­tência de uma com­ponente curri­cular de elevado nível e exigência, não está interiorizada (diria mesmo que mui­tas das ca­dei­ras de mestrado das escolas de eng. portuguesas são uma fraude)! Por outro lado, o grau de exi­gência das Teses de Mestrado e de Doutoramento nacionais nada têm tido a ver, em anos re­centes, com o das norte-americanas.
Esta degradação resulta em primeiro lugar de muitos dos docentes da pós-graduação não te­rem, eles próprios, realizado qualquer estudo curricular nas suas pós-graduações: ou por que as fizeram no Reino Unido ou França, onde tal prática não existe, ou por que as fizeram em Portugal antes da existência de mestrados, ou por que já as fizeram no actual sistema de­gra­dado - reproduzindo e acentuando o seu baixo nível. A invocação, por vezes exprimida, de que as licenciaturas portuguesas de 5 anos já incorporam o conteúdo das cadei­ras de pós-gradua­ção norte-americanas, esquece a tremenda diferença de nível e de exigência dessas cadei­ras - re­sultante, antes de mais, da pré-se­lecção dos alunos feita, no sistema americano, pela separa­ção do bacharelato relativamente ao mestrado, permitindo exigir nes­te incom­paravel­mente mais, e por a admissão aos doutoramentos exigir a aprovação com "A" em todas as cadei­ras pré-condicionantes!...
A importação do modelo norte-americano de valores Universitários só adoptou, infelizmente e em regra, a valorização dos “papers” como medida de competitividade, não conseguindo in­corporar a elevada qualidade das suas pós-graduações. Ora esta valorização tende por sua vez a sofrer da perversão dos “papers” como um fim em si, levando a técnicas de publicação por recombinação de todo o tipo de no­vas modas, e da perversão dessas próprias modas, nascidas muitas vezes de resul­ta­dos obtidos na I&D de aplicação militar (o que é oculto mas ocupa mais de 50% da I&D uni­ver­sitária norte-americana), com fraca relação com os problemas in­dustri­ais.
O facto é que, tal como a mentalidade aristocrática, o modelo de valores norte-ameri­canos na Uni­versidade é um facto incontornável. Certo é que haverá sempre indivíduos excepcionais que mesmo no ambiente descrito, ou até sem passarem pela pós-graduação universitária, con­seguem obter um conhecimento aplicável de elevado valor empresarial. Mas são essencial­mente auto-didactas, como tal em pequeno número, um número claramente insuficiente para as necessidades de desen­volvimento tecnológico sustentado da EFACEC.
3) Finalmente, o factor INESC. Ao contrário dos dois factores anteriores que se divorciam das es­tratégias de desenvolvimento tecnológico empresarial e, em particular, da do Grupo EFA­CEC, o INESC não recusa o Desenvolvimento de tecnologia aplicada em produtos. Porém, a forma como o faz é inconsequente e, muitas vezes, oposta ao real desenvolvimento tec­noló­gico empresarial e à correspondente criação de riqueza.
O INESC foi criado em 1981 (na mesma altura que a EFACEC/SE...), pelo Prof. Tribolet, tendo como modelo os laboratórios Bell dos EUA. Tanto estes laboratórios da ATT em que Tribolet esta­giou, como o MIT onde se doutorou, são as grandes referências da sua actua­ção. À época da sua criação, o I­NESC constituiu uma verdadeira revolução nacional no panorama tec­noló­gico então cir­cunscrito à Universidade e defrontou, com êxito, a oposição da cultura aris­tocrá­tica domi­nante, aliando-se aos defensores do modelo Universitário norte-americano, lide­rados pelo Prof. Fon­seca de Moura. A revolução consistiu essencialmente na defesa da In­ves­tigação Aplicada, na do De­sen­volvimento Tecnológico, e na ligação às em­presas CTT e TLP, con­gé­neres nacionais da ATT americana numa relação replicante da que os laboratórios Bell têm com a ATT.
Em meia dúzia de anos o INESC atingiu um inegável sucesso: 1) galvanizou um largo con­junto de professores e de alunos para o seu projecto, em muitos casos por motivos ge­ne­ro­sos, particular­mente entre os jovens; 2) Criou uma estrutura que rapidamente se tornou a mais efi­caz no país na captação de subsídios à I&D; 3) Conseguiu criar uma imagem nacional de ins­ti­tuição tecnologica­mente competente e disponível, vindo aliás a determinar, em grande medida, as es­tratégias governa­mentais na primeira metade dos anos 90; 4) estendeu-se a quase todas as Universidades e atingiu uma grande dimensão em quadros.
Apesar da inegável inovação que o INESC constituiu na História da engenharia nacional, ele tem geralmente falhado no seu objectivo primordial inicial: a transferência de tecnologia para o tecido económico existente. E isso resulta, sem dúvida, de uma errada filosofia que consiste em pen­sar a tecnologia, nascida da Investigação Universitária, no seguimento das modas e ten­dên­cias norte-americanas, como o primeiro objectivo para o qual há depois que procurar apli­cação económica - ou seja, em pensar a Universidade e não as empresas em mercado como o motor do de­sen­volvimento eco­nómico...!
Esta filosofia foi sobejamente demonstrada pela História como incapaz de criar os resulta­dos indica­dos, acabando sempre, inclusive nos laboratórios Bell em que se inspirou, por gerar apa­relhos pesa­dos e improdutivos que se tornam, por força das coisas, um fim em si mesmo - aca­bando a competir contra as entidades económicas que pretendiam inicialmente servir, pe­los Recursos Humanos, pelos subsídios, e, em certos casos, pelos próprios mercados.
Esta filosofia só é possível por que a actividade económica não é a fonte que sustenta as suas estru­turas. O INESC vive à custa do Estado - através da Universidade que lhe paga os Profes­sores e lhe cede os alunos, e dos subsídios para I&D e “formação” profissional. Os produtos resultantes da sua tec­nolo­gia não são o seu ganha-pão. E esta irrealidade acaba por ser, pelas razões oportuna­mente explicadas por Michael Porter, um travão à viabilização económica da I&D empresarial.
Na EFACEC e outras empresas existe, pelo contrário, a saudável noção de que o seu objec­tivo fi­nal são as vendas e as margens - ou seja, o dinheiro - e que a tecnologia é um meio, por ve­zes, de conseguir esse fim. Esta é, sem dúvida, a única perspectiva que pode fazer da tec­nolo­gia uma fonte de riqueza. A perspectiva que parte das necessidades do mercado para o Desen­vol­vimento de pro­dutos, e deste para a Investigação, e não ao contrário...
Porém, uma excessiva polarização no esforço de vendas e de aumento de margens pode tam­bém fazer perder de vista a necessária cadeia de criação tecnológica. No limite, a atenção pode centrar-se de tal forma nas vendas que tenda a tornar-se uma actividade eminentemente co­mer­cial, pouco in­teressa de quê, e a procurar margens na redução de custos até à auto­fagia! Quando o mer­cado exige depois a disponibilidade de produtos incorporando uma tec­nologia inexistente, a solução de recurso à Universidade ou INESC descobre, com frequência, a ine­xis­tência de conhecimentos e pessoas utilizáveis.

Do que foi dito resulta que é minha opinião que, numa perspectiva estratégica de longo prazo, a EFACEC deve procurar garantir o controlo da cadeia de criação tecnológica desde a sua ori­gem, a Investigação aplicada e a formação que lhe está associada nas Universidades.
O Desenvolvimento de produtos não deve ser realizado na Universidade. A Universidade visa e deve visar a obtenção de conhecimentos e o seu ensino e, por conseguinte, deve centrar-se na In­vestigação associada a Teses - de licenciatura, de mestrado e de doutoramento.
O De­senvolvimento visa a criação de produtos vendáveis em mercados abertos, e portanto deve ser orientada por objectivos comerciais, ter em conta desde a concepção os custos de produção e de compo­nentes, contemplar os aspectos de imagem, o design e as interfaces Ho­mem-Máquina, guiar-se por preços-objectivo e pelas soluções da concorrência, e ser go­v­er­nada pelas regras da Pro­priedade Intelectual. Estes aspectos só são possíveis no interior de empresas, num ambiente em­presarial fortemente integrado, nunca num ambiente de Ensi­no!
A EFACEC deve pugnar junto do Governo para que os subsídios que têm sido destinados ao IN­ESC e utilizados para projectos de Desenvolvimento, sejam canalizados para as em­presas, e em particular para a EFACEC. Tal transferência de fundos, que poderá ser subs­tan­cial, poderá permitir à EFACEC desviar parte dos Recursos Humanos e materiais do INESC para seu próprio uso (notícias recentes parecem indicar uma reorientação positiva dos finan­ci­amentos estatais nesta direcção).
Por outro lado, a política de subsidiação da Investigação Universitária deverá ser também de­finida em estruturas consultivas do Estado em que a EFACEC - e eventualmente outras em­pre­sas - ten­ham um papel determinante. Esta é a fórmula sueca, por exemplo.
Mas, reconhecendo à Universidade o papel de efectuar a Investigação e a formação associada, e não pretendendo degradar esse papel com objectivos oportunistas de exploração de mão de obra barata, é necessário que a EFACEC possua uma noção clara das áreas em que lhe interessa estrategicamente ter “know-how”, o que por sua vez exige recur­sos próprios de elevado nível. Na prática, a associação a Professores universitários em áreas chave poderá ser uma solução - elementos que ajam, claro, como agentes da EFACEC na Universi­dade, e não o con­trário.
Note-se que o oportunismo não consiste, naturalmente, em exigir trabalho gratuito a estudan­tes, ou em exigi-lo em quantidade. Nem tão pouco em querer que o façam para benefício de uma empresa externa à Universidade, desde que não se perca de vista que o referido trabalho gratuito é um inves­timento do estudante e das suas famílias visando a sua formação. O opor­tunismo reside em sacrificar a aquisição de conhecimentos técnico-científicos à produção de resultados comercializáveis acaba­dos, já que não é esta a função da Escola. No entanto, a aprendizagem de matiz nitidamente profis­sionalizante no interior das empresas é possível e mesmo desejável - como estágios.
Há também que ter em conta que por Investigação se não en­tende apenas a Investigação te­ó­rica dos grandes temas, ou seja, a correspondente às Teses de doutoramento - mas sobretudo a Investi­gação aplicada de certos assuntos ou pro­blemas bem definidos e mais ou menos com­plexos, que podem ir desde o estudo das po­tencia­lidades de um novo microcontrolador para alguma aplicação específica, à implemen­tação de um algoritmo de estimação de estado num certo ambiente de soft­ware. Investiga­ções, por ou­tras palavras, adequadas a Teses de Licencia­tura (sem tradição no nosso país mas equivalentes a Trabalhos Finais de Curso) ou de Mes­trado - dado que toda a Inves­ti­ga­ção Universitária tem ser capaz de se traduzir numa formação académica bem identificada ou é oportunista. Desde que estas condições sejam verificadas, só se pode desejar que toda a actividade de Investigação seja do interesse das empresas e susci­tada por elas, não faltando na EFACEC os temas que a motivem.
Entretanto, é de sublinhar a importância que tiveram dois projectos de I&D desenvolvidos sob contrato entre a Indústria e a Universidade, para a formação de dois engenheiros que aliam, nas suas competências, a formação tradicional em Sistemas de Energia com o domínio de no­vas tecnologias informáticas, e que são dos raros, no país, a possuir as aptidões de que a EFACEC necessita. Não há qualquer dúvida de que re­sultaram do facto de os seus trabalhos de Investigação terem sido orientados por necessida­des industriais (embora da EDP, em ambos os casos).
Para que esta subordinação da Universidade seja possível, é necessário desenvolver uma estra­tégia de relacionamento institucional com a Universidade. O limite desejável será gerir uma Uni­ver­si­dade em parceria com outras empresas e determinados organismos do Estado, como é bom e­xemplo o SUPÉLEC, sem dúvida a Universidade francesa que maior prestígio tem con­se­guido nos últimos anos, e cujos “papers” são do melhor que se tem pu­bli­cado re­centemente no estudo de problemas bem reais, usando com alto ní­vel no­vas ferramentas mas bem adequa­das a esses proble­mas...
Tal limite será difícil no nosso pequeno país, a curto prazo. A alternativa poderá ser, então, uma es­tratégia de aliança a grupos de Professores visando a tomada do poder interno de al­guma(s) Univer­sidade(s) existente(s), estratégia do tipo da que o INESC desenvolve como grupo na Univer­sidade, o que requer meios de pressão e de atracção - provavelmente o poder de, através do Estado, definir as políticas de subsidiação da Investigação Universitária.

Muito do que aqui exprimia em Janeiro de 1997 ficou desactualizado com a adopção de Bolonha, na última década. E, por outro lado, no que respeita especificamente à EFACEC, pode-se dizer que ela prosseguiu esta visão mas muito moderadamente e circuncrevendo-se à FEUP, onde o INESC-Porto conseguiu escapar à voragem estatista e pior que aristocrática, cortesã (numa tradição nossa milenar que não enfraquece), que os Governos do PS trouxeram consigo como modelo à I&D tecnológica. Conseguiu até passar a ter enorme influência sobre o Governo dos "mouros", enquanto preservava a sua estratégia própria.
Pena é que reine ali um regionalismo radical e auto-exclusivo da nação no seu todo.

domingo, dezembro 26, 2010

I&D real ou fiscal? - uma adenda

Tal como eu notei há semanas no post sobre este assunto, na mesa redonda que passou na SIC Notícias na sexta-feira 26 de Novembro, o Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia fez uma ligeira inflexão a algo que afirmara uns anos antes, sobre a razão do prodigioso aumento da I&D empresarial portuguesa. De facto, enquanto antes ele a explicara por que o SIFIDE "destapara muita I&D que se vinha fazendo", agora estabeleceu uma relação entre esse prodigioso crescimento da I&D empresarial e a despesa pública em I&D, dando a entender, embora não de forma clara, que fora a I&D feita nas Universidades que suscitara a empresarial.
O Secretário de Estado não foi taxativo nesta afirmação, mas foi-o o próprio Ministro agora, numa entrevista publicada no Diário de Notícias. Cito: "O facto de termos tido nos últimos anos uma grande expansão da investigação nas empresas é, em grande parte, resultado do investimento público. Pode parecer contraditório, não é o investimento nas empresas, é o investimento público nas universidades. Foi o investimento público nas universidades ao longo de muitos anos que criou as condições de formação, de formação avançada, de internacionalização..."
Ora é difícil acreditar nesta relação. 
O investimento público na I&D universitária - visto que não se trata do investimento no ensino - tem sido orientado para bolsas de doutoramento. Mas as empresas que mais "investem" em I&D, segundo as declarações fiscais que servem de base às estatísticas, não contratam doutorados, conforme já há cerca de ano e meio eu aqui contabilizara; recordo o que então compilei:

Apesar de se "produzirem" agora em Portugal 1400 doutorados por ano, com 815 em áreas científicas e 270 em Engenharia e Tecnologia, a I&D empresarial apenas empregava, ao todo... 360! Olhando para quem é que empregava esses 360 doutorados, verificava-se que:
  • 63 estavam nas Indústrias Químicas e Farmacêutica. Viva a Hovione!
  • 58 estavam na consultoria e nos serviços às empresas, provavelmente a maioria no Ambiente.
  • 27 estavam nos Serviços de Informática, apesar deste sector ser o campeão em número de investigadores declarados (32%); a Novabase e o Carapuça devem ter boa parte...
  • 22 estão na Banca e Serviços Financeiros, um número proporcional à % de investigadores declarados (7%), mas muito inferior ao peso na despesa deste sector;
  • 37 estarão empregados pelo conjunto de toda a indústria, a somar aos da Química e das farmacêuticas;
  • 1 ou 2, apenas, estavam nas Comunicações, apesar do peso deste sector na despesa de I&D;
  • 7, apenas, estavam na Energia (e destes sei que pelo menos 3 foram dispensados depois de 2007, 2 deles por "necessidades de contenção orçamental"...);
Porém, até 2003 inclusivé, o número de doutorados contratados por empresas em Portugal não excedia anualmente... 15!
Se são as empresas que são retrógradas e não percebem a utilidade dos doutorados, como acusam os universitários, ou se são os doutorados que pouco know-how têm com aplicação às necessidades reais das empresas, como acusam estas, é assunto para outra conversa. Para breve.

Entretanto, no recente documento laudatório recentemente publicado pelo Governo sobre "AS EMPRESAS E INSTITUIÇÕES HOSPITALARES COM MAIS DESPESA EM ACTIVIDADES DE I&D EM 2008", entre encumiásticas estatísticas sobre as despesas "declaradas" por essas empresas em I&D, há uma lista ordenada pelo número de doutorados que empregavam mais recentemente, em 2008; quantos?
114 ao todo! E, destes, só 32 são nas duas farmacêuticas de referência, a Hovione e a Bial (a indústria farmacêutica empregava 64 doutorados no inquérito anterior)!
Na Energia, a EFACEC tem um doutorado e a EDP, que declara ter gasto 88 milhões de € em I&D (!!!) e empregar 86 investigadores, agora tem nenhum doutorado!...
Ou seja, e como a minha própria observação empírica confirma: o número de doutorados empregados pelas empresas diminuiu, em vez de aumentar, nos últimos anos.
E portanto, que relação tem o "investimento" público em doutoramentos e a I&D empresarial em Portugal?

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Uma nota optimista neste Natal de 2010

Aos meus leitores que me pedem insistentemente novos contributos, peço desculpa pela inactividade, que se deve a uma acumulação de trabalho no final do ano que precisava de despachar. Sim, eu não estou ao serviço de nenhum lobby energético e tenho que trabalhar para pagar a luz e a gasolina!...
Além de que gosto do que faço, mas isso é outra conversa.
Hoje venho só trazer uma boa nova a todos, tentando esconjurar um pouco a depressão nacional que nos aflige.
Até para os fundamentalistas das renováveis a nova é boa, porque com a crise do crédito e a má-vontade generalizada em sustentar a sua subsídio-dependência, os ventos estão-lhes desencorajadores e vão ter que acabar por arranjar outro ofício, como muita gente. Embora seja óbvio que eles se vão opor à nova, mas já lá voltarei...

Lembram-se de como em tempos vos notei como a produção de electricidade a partir do gás natural tem um baixo custo de investimento e tempos curtos de construção de centrais (bom em épocas de dificuldade de crédito), e o seu preço depende essencialmente do do próprio gás? E de que para o mesmo kWh, as centrais a gás de ciclo combinado geram metade dos Gases de Efeito de Estufa das a carvão? E que, sendo capazes de uma resposta ágil às variações da potência na rede, são um complemento indispensável para colmatar a intermitência da produção de origem eólica e solar?
O problema maior do gás natural é que na Europa está quase esgotado, vindo o que cá se consome da Rússia, da Argélia e, no nosso caso, da África sub-sahariana por barco (liquefeito). Outro problema é que apesar de haver mais dele do que petróleo, também não é de uma abundância extraordinária, a prazo.

Ora no ano passado, 2009, dei aqui conta de uma invenção americana revolucionária que permite extrair rentavelmente o gás natural existente sob solos com xistos argilosos. Essa invenção foi considerada pelo MIT a maior nas tecnologias de Energia em 2009, e com ela as reservas em gás natural dos EUA passaram bruscamente para 90 anos, talvez mesmo 160 anos, segundo o MIT!
O certo é que esta tecnologia, com a "baixa inércia" típica dos americanos, redundou já numa corrida ao gás xistoso e, com isso, o seu preço caiu drasticamente nos EUA! De tal forma que, apesar do Congresso ter ratificado para 2010 e 2011 as ajudas à energia eólica, os investimentos nesta caíram 72% em 2010 e prevê-se uma queda adicional sobre o remanescente de 50% em 2011! E é por isso que os investimentos da EDP-Renováveis nos EUA procuaram agora um comprador chinês que os salve...
Bem, mas só há gás xistoso nos EUA? Não, há em todo o mundo, e por isso também o MIT considera sem dúvida que o gás natural reúne todas as condições para substituir o poluente carvão e ser a via de uma transição paulatina para um futuro descarbonizado.
E na Europa?
Pois, na Europa também há. Sobretudo na Polónia e Alemanha, mas enquanto na Alemanha os lobbies eólico-solar esforçam-se por assobiar para o ar e levantar objecções ambientalistas, a Polónia já se vê como a nova Noruega, dado que as estimativas mais recentes das suas reservas apontam para 200 anos! E daí também que os capitais activos nestas coisas tenham acabado de dar um passo para controlar esses recursos, nomeadamente a ENI italiana que tem uma relação tradicional com a nossa GALP.
Há, com efeito, uma corrida silenciosa neste momento ao controlo dos recursos europeus em gás xistoso. O silêncio advém por um lado de como o gás xistoso mata com um tiro fatal todo o movimento ecótópico e os seus interesses subsídio-dependentes, assim como os media cujo pensamento eles controlam, e advém também dos negócios fantásticos que se congeminam nos corredores.
E é aqui que entra a boa nova que vos trago: o mapa anexo. Portugal também tem uma grande reserva de gás xistoso, que começa por alturas de Fátima (Nossa Senhora de lá deu-nos esta prenda!) e se estende pela zona marítima exclusiva!

Razão tinha, portanto, quando há pouco mais de um ano eu dizia que a "aposta estratégica no mar" de Portugal, depois de termos deixado de ter frotas mercante e pesqueira e Ultramar sob bandeira nacional, só fazia sentido se houvesse lá petróleo. Só tinha um pequeno erro, este vaticínio: não é petróleo que temos, é GÁS XISTOSO!
A ver se não o deixamos cair em mãos alheias!...

sexta-feira, dezembro 03, 2010

A DECO apela

Há uma semana, a DECO,  a nossa principal Associação de Defesa de Consumidores, lançou uma petição on-line para a revisão das fórmulas tarifárias da electricidade.
Só no primeiro dia logrou 40 mil assinaturas, e neste momento já vai nuns 145 mil!
Cá para mim, eles leram este post aqui, escrito há uns meses e um dos mais lidos do blog!...
Se quiser juntar o seu protesto, siga este link.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

I&D real ou fiscal?

Há quase ano e meio escrevi aqui um post em que manifestava o meu assombro com um mistério que se verificara no biénio 2006-2007: o investimento das empresas nacionais em I&D mais que duplicara nesse curto espaço de tempo (teria aumentado 114%!!!), e o número de investigadores envolvidos nesse espantoso progresso crescera em 4625 (ou até mesmo 6311, a acreditar na estatísticas publicadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia - vd o meu post referido)!!!
O meu assombro advinha de um acréscimo de 6311 investigadores nas empresas em apenas 2 anos ser uma coisa capaz de arrombar todos os recursos académicos disponíveis para I&D de aplicação empresarial, e no entanto ninguém nas Universidades ter dado por nada! De facto, não sendo provável que tais recursos tivessem sido recrutados nas áreas das ciências humanas e sociais em número significativo, é conjecturável que proviessem maioritariamente das engenharias e quiçá da saúde (embora os hospitais não estivessem abrangidos pelas referidas estatísticas), e ninguém notara nada!
É que, não sendo o nosso país muito dotado de investigadores interessados e capazes de trabalhar em empresas, nas alturas em que o mercado laboral intensifica os seus recrutamentos é costume as empresas contactarem directamente os docentes das cadeiras terminais, como eu, pedindo-lhes recomendações de bons alunos ou ex-alunos! Os próprios alunos a realizarem teses são assediados por essas empresas, em tais alturas, e isso é coisa que se sabe! Como é que seria possível ter-se dado tal prodigioso salto no empenho em inovação tecnológica das nossas empresas, e nada se ter notado na Universidade??!!!
Uma breve análise às principais empresas que encabeçavam a lista das nossas investidoras em I&D mostrava que a Banca fora quem dera o salto maior, e à frente vinha o BCP. Como tenho um amigo que tinha uma empresas de alta tecnologia que há anos desenvolvia e vendia um inovador produto informático à Banca, e em que por acaso o BCP era um dos seus grandes clientes, indaguei-o sobre o que sabia ele desse grande salto - e a resposta foi que não sabia nada e que estava muito admirado com a notícia, porque o que vinha constatando era o contrário, uma redução dos investimentos da Banca em novas tecnologias e em especial no BCP, desde que este entrara em crise!
Após alguma pesquisa e reflexão adicionais, acabei por descobrir o que se passara, como descrevi neste post: o SIFIDE! Este "Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresariais" permite abater 1/3 da despesa declarada de I&D em IRC, a somar à dedução de 50% do aumento desta despesa em relação à média dos dois anos anteriores, até ao limite de 1,5 milhões de euros!
E como se comprova que a actividade declarada foi efectivamente de I&D? Pois, não são conhecidos os mecanismos de prova! A única coisa necessária é ter a empresa sido "certificada" pelo Governo.
É certo que em 2008 foi publicado por cá o "Manual de Frascati" da OCDE que, em particular, numa linguagem própria para burocratas, aborda a diferenciação entre o que é mera Engenharia de concepção (por exemplo, o projecto de uma ponte nova ou de um novo web site), do que é realmente I&D (por exemplo, a criação de um novo método de cálculo de pontes, ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia informática para a construção de web sites). Mas, com uns milhares de empresas a concorrerem à generosa bonificação fiscal do SIFIDE, sobretudo na área de informática, onde estão as equipas fiscalizadoras, os seus manuais de avaliação e os seus relatórios de apreciação? Mais: qual a taxa de rejeição das candidaturas ao SIFIDE?
Há ano e meio eu dava notícia de que Manuel Heitor, o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde 2005, explicava o prodigioso surto na I&D empresarial portuguesa com o facto de que o SIFIDE "destapara muita I&D que se vinha fazendo nas empresas" (o que, a ser verdade, significava então que essa I&D já pré-existia e fora apenas "destapada", o que torna estranha a notória falta de inovação tecnológica da nossa economia transaccionável). Entretanto, na sexta-feira passada, no programa da SIC Notícias "Expresso da Meia Noite", Manuel Heitor notava o papel central destas empresas no respectivo crescimento e no das exportações nacionais, o que relacionou com a sua aposta na I&D (aparentemente apenas nos últimos 5 anos e, portanto, devida à política do Governo) e com o crescimento da comunidade científica nacional (algo difícil de compreender atendendo ao evidente não recrutamento de pós-graduados pelas empresas).
Porém, alguma dúvida metódica permite questionar se o referido e inegável crescimento da despesa em I&D não resultará antes do crescimento universal e inerente da esmagadoramente maioritária informática nessa lista (em que a Novabase de Rogério Carapuça representava, em 2007, praticamente metade da referida I&D), e se o maior crescimento das exportações dessas empresas estará mesmo bem contabilizado.
É que a visão optimista dos participantes no referido programa de televisão é arrefecida por alguns dos dados contidos nas estatísticas publicadas recentemente pelo Eurostat. Neste documento, se Portugal se compara agora de facto razoavelmente em muitas estatísticas de despesa em I&D, continua a ombrear com países como a Bulgária, países bálticos, a Polónia, a Eslováquia, a Islândia e a Croácia no pouco peso que a indústria fabril tem na sua I&D, ao contrário do que acontece na Alemanha, Suiça, Finlândia, Holanda, Eslovénia e República Checa. Todos sabemos quais destes países são os pobres e quais são os ricos...
Estes dados do Eurostat são agravados pelas contas do Prof. Álvaro dos Santos Pereira, da Universidade canadiana de Columbia, que também não partilha do optimismo local e que contabiliza que o peso da alta tecnologia nas nossas exportações industriais terá descido, e não crescido, nos últimos 8 anos, de 10% para... 7,6%!
Há dias foi publicada a actualização do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional para o biénio de 2008-2009. Depois de atingir um máximo em 2008, a despesa empresarial em I&D estagnou em 2009.
Quanto à receita retornada por essa despesa é que faltam estatísticas...

terça-feira, novembro 30, 2010

Consumos comparados do Nissan Leaf e do Prius, em Euros fiscalmente neutros

Há cerca de ano e meio publiquei aqui umas contas comparativas dos custos de combustível do automóvel eléctrico versus os híbridos. Agora actualizei esse post mas, como estamos a presenciar uma grande campanha publicitária do Nissan Leaf, carro de que já falei aqui, será interessante actualizar aqui rapidamente essa comparação, por exemplo entre o Nissan Leaf e os melhores híbridos do mercado, os Toyota Prius e Auris. Temos, portanto:

para os Toyotas híbridos:
- Consumos médios: 4,5 l/100 km (3,9 anunciados, mas os 4,5 são os valores reais verificados por ensaios independentes);
- custo actual da gasolina sem impostos: 0,568 €/l (40% do actual preço para o público de 1,42€);
Total: 2,55 €/100 km.

para o Nissan Leaf:
- Consumos médios: 16 kWh/100 km (a Nissan indica a autonomia de 165 km para os 24 kWh de capacidade da bateria, mas ensaios independentes mostram que ela varia entre 200 km em condições perfeitas de estrada, a menos de 100 km em circuitos urbanos);
- custo médio actual do kWh para as famílias, sem impostos nem défices tarifários: 0,166€/kWh (incluindo o aumento de 10% calculado pela DECO para compensar o défice);
Total: 2,65 €/100 km.

Uma comparação complementar se poderia fazer entre o consumo dos híbridos e o dos Diesel. Em geral, as revistas da especialidade mostram que, entre nós, apenas nos híbridos da Toyota os híbridos gastam menos que os Diesel, mas essas análises não descontam o peso dos impostos no preço dos combustíveis. Ora, sem impostos o gasóleo é mais caro em cerca de 10% que a gasolina, cá como em todo o Mundo, porque o gasóleo é também mais rico energeticamente que a gasolina em cerca de 10%.
A Europa há muito que adoptou uma política de subsidiação fiscal ao gasóleo que tem promovido o desenvolvimento e a opção generalizada pelo Diesel, mas convém entender que isso não é universal - nem, em particular, é a política americana.

quarta-feira, novembro 17, 2010

SmartGrids: fantasia e realidade. Parte III: a visão chinesa e os standards

Por isto ser um tema de grande relevância na nossa I&D tecnológica e, por acaso, ser também o tema central da minha I&D académica e industrial há já 30 anos (embora sem estas novas buzzwords), e sendo uma das bandeiras da imagem de inovação apregoada pelo poder estabelecido, é oportuno discutir as SmartGrids e respectivos desafios tecnológicos.
Na parte I revi a visão europeia do assunto, assente na ideia de condicionar as pessoas a adaptarem os seus padrões de consumo à intermitência das fontes de energia renovável intermitentes, ou seja, à energia eólica e à fotovoltaica, e adoptada por cá com espírito "revolucionário" e grandes parangonas.
Na parte II expus a visão americana do assunto, um mix da utopia europeia com a resposta a necessidades americanas particulares, concretamente a modernização do controlo informático da sua rede eléctrica tradicional e a redução do esbanjamento energético inegável nos seus padrões de consumo.
Para terminar este périplo, e antes de falar de nós, proponho-vos conhecer a visão da China das SmartGrids e o que é tecnologicamente consensual por esse mundo fora.
É evidente que, sendo a China já o maior produtor de CO2 originado na queima do carvão para a produção de electricidade (carvão de que a China possui as maiores reservas mundiais), com uma população que é 1/5 da Humanidade e a duplicar o seu PIB a cada 6-7 anos, não há acordo mundial para a redução das emissões de CO2 e sobretudo para a redução da dependência do petróleo que a possa excluir.
Acresce a este contexto a emergência da China como o maior financiador do consumo ocidental e também o de maior produtor industrial, como a crise mundial em curso veio revelar a toda a gente.
Ora a China, que surpreendeu muitos com a firme mas colaborante posição que adoptou na Conferência de Copenhaga (e de que eu já avisara aqui), tem vindo a procurar um lugar no pelotão da frente também nas SmartGrids, e isso é expresso no documento que acaba de publicar e onde afirma a sua visão do assunto.
Logo no prefácio deste documento, diz a China que a sua estratégia oficial nesta matéria é construir  "a world-leading strong and smart grid with ultra high voltage grid as its backbone and subordinate grids coordinated at various voltage levels, featured as being IT-based, automated, interactive, based on independent innovation."
Leram bem? Repito: "rede de ultra-alta tensão", e não de Baixa Tensão e muito menos micro-redes!!!
Como se vê, portanto, a China coincide inteiramente na minha visão do assunto, como tenho vindo a expor (nomeadamente aqui, há quase um ano)!
Na continuição do Prefácio, o documento chinês começa por fazer um balanço da História, afirmando de entrada: "Nos últimos 200 anos o mundo passou por 3 revoluções industriais, marcadas respectivamente pela máquina a vapor, a electricidade, e as tecnologias de computadores e de energia nuclear". Sim, energia nuclear, leram bem...
E depois de explicar que é necessário evoluir para fontes não-fósseis de energia, por causa do seu esgotamento a prazo (as alterações climáticas são mencionadas apenas em segundo plano...), o documento clarifica a sua visão: "Devido à intermitência e à aleatoriedade de fontes de energia renovável como a do vento e a solar, o desenvolvimento rápido e em grande escala das fontes de energia renovável coloca um grande desafio à segurança da rede eléctrica. ... A construção de uma rede eléctrica forte e "smart" fornecerá um maior suporte à utilização em grande escala de fontes de energia renovável, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e alargando o âmbito e a dimensão dos recursos energéticos".
E, mais adiante, a visão chinesa é clarificada como sendo a de vir a haver alterações do lado da geração e também do consumo: mas, neste, o que há a gerir é uma maior eficiência (como para os americanos) e também o facto da "descarbonização" da economia ir implicar a substituição das fontes de energia fósseis usadas em consumos não-eléctricos - como na indústria, aquecimento e transportes - por consumos eléctricos...! Não se fala em "educar" o povo, ao contrário de na "Europa".
A prazo, a visão chinesa também menciona automóveis eléctricos e painéis solares caseiros a permitirem vender electricidade à rede, a par e passo de uma prevista generalização futura da internet de baixo custo e do desenvolvimento de standards de comunicação para todos os gadgets que permitirão essa gestão mais inteligente do consumo.
Porém, a ênfase imediata vai para a construção da infra-estrutura de transporte flexível em ultra-alta tensão que permita ligar os gigantescos recursos renováveis localizados em regiões específicas, com os centros de consumo - os rios para hidroeléctricas do Sudoeste, o carvão do norte e ocidente, o vento nas estepes mongóis e a norte, o Sol nos planaltos tibetanos, e os consumos que estão no litoral e no centro. Ou seja: exactamente a mesma lógica que, como já notei, justifica uma Super-rede na Europa - a qual, porém, não é um único gigantesco país, ao contrário da China e dos EUA.
Para a realização desta visão a China propõe-se cumprir as seguintes etapas: 1ª - planeamento geral; 2ª - standards unificados de comunicações; 3ª - projectos-piloto; 4ª - aplicação generalizada. As primeiras 3 etapas, já em curso, têm por horizonte de termo 2015, e 2020 para a última etapa. Tecnicamente, a maior prioridade para os próximos anos é a consolidação de standards, de que são à priori escolhidos 5 que garantem a posterior internacionalização dos produtos a desenvolver.
É difícil não reconhecer na visão chinesa um perfeito realismo quer sobre as possibilidades da tecnologia, quer na estratégia escolhida para o seu desenvolvimento. Tanto mais que, embora isso não seja mencionado no documento em causa porque essas centrais estão planeadas para próximo dos centros de consumo do litoral, a China tem também uma aposta decisiva na energia nuclear, tendo de momento 23 novos reactores em construção e planeando vir a ter 200 GW instalados dentro de 20 anos - todos de III geração e máxima incorporação chinesa (embora predominantemente baseados na tecnologia americana das AP1000), e apontando para os de IV geração (regeneradores) lá para 2050... números que ampliam o que eu já informara aqui no início deste ano.

Tem entretanto especial interesse analisar um pouco melhor a ênfase colocada a curto prazo pela China na questão dos standards, porque essa ênfase é partilhada por outros países asiáticos industrializados exportadores como a Coreia do Sul e o Japão, e é uma questão económica essencial.

Do ponto de vista técnico, as SmartGrids basear-se-ão em sistemas de dispositivos electrónicos digitais ("smart") ligados em rede (de comunicações). Dada a multiplicidade de dispositivos que se poderão fabricar e utilizar, só se poderá garantir que as referidas redes de comunicações serão abertas a novos e variados produtos se elas "falarem" uma linguagem comum. Ou seja, se tiverem um "protocolo" de comunicações normalizado ("standard").
Para o utilizador, seja ele uma grande empresa de electricidade ou um consumidor de electrodomésticos "smart" (isto é, com controlo digital e ligável em rede a "smart meters" = contadores de energia digitais), a sua escolha no mercado só será livre se tiver a garantia que cada dispositivo que compre poderá "falar" em rede com os restantes sem dificuldade. Tal como os PC com as impressoras ou os routers de ligação à net, ou os auriculares sem fios com os telemóveis.
Para o industrial que desenvolva um novo produto, seja ele um frigorífico "smart" ou um equipamento digital de protecção para Subestações da rede eléctrica, também só se esse produto "falar" uma linguagem que os outros dispositivos entendam lhe garantirá que os clientes o comprarão.
Por conseguinte, o acordo internacional prévio sobre as "linguagens" (ou protocolos de comunicação) que "falarão" todos os dispositivos "smart" é um pré-requisito absolutamente essencial à viabilidade de qualquer desenvolvimento industrial de SmartGrids.
Para a Baixa Tensão não há ainda nenhum acordo à vista. E, não havendo tal acordo, nenhum projecto nesta área pode ser mais que um projecto-piloto investigatório sem perspectivas de comercialização em larga escala.
Para a Média e a Alta Tensão, porém, a China, no documento em causa, recomenda a adopção de 5 standards de comunicação já definidos internacionalmente pela Comissão Electrotécnica Internacional (CEI). Os EUA, por sua vez, já tinham muito recentemente adoptado também 5 standards, dos quais 4 vieram a ser adoptados pela China. São eles as normas CEI 62351 (para a cyber-segurança),  61970 e 61968 (Modelos de Informação Comum respectivamente para as redes de Muito Alta e de Alta e Média tensão), e 61850 (para as redes e Subestações de Distribuição de Alta e Média tensão).
Nenhum trabalho de I&D visando a aplicação industrial e, portanto, a criação de riqueza, seja como fabricante (de produtos para as SmartGrids), seja como comprador, terá qualquer sustentabilidade se ignorar estes standards.
Na próxima IV e última parte deste post debruçar-me-ei sobre a situação portuguesa.

segunda-feira, novembro 15, 2010

SmartGrids: fantasia e realidade. Parte II: a visão americana.

Há poucos dias iniciei um post sobre a questão das SmartGrids, ou redes eléctricas "espertinhas", tendo então publicado a respectiva parte I, revendo a "visão" da "Europa" sobre o tema e a respectiva falta de perspectiva económica numa ideologia abarrotada de "wishful thinking" de futuros produtores-consumidores a micro-gerarem energia e a armazenarem-na em imaginários automóveis eléctricos...
Vou agora, nesta parte II, estender essa revisão a outro dos outros dois pólos que importam: os EUA e a China.

A "visão" americana para as SmartGrids oficializou-se no "Energy Independence and Security Act", também conhecido por "Clean Energy act", proposto pelos Democratas e aprovado pelo Congresso nos finais de 2007 ainda sob a Admnistração Bush, e que as define pela combinação das seguintes características:
" (1) Increased use of digital information and controls technology to improve reliability, security, and efficiency of the electric grid. (2) Dynamic optimization of grid operations and resources, with full cyber-security. (3) Deployment and integration of distributed resources and generation, including renewable resources. (4) Development and incorporation of demand response, demand-side resources, and energy-efficiency resources. (5) Deployment of ‘‘smart’’ technologies (real-time, automated, interactive technologies that optimize the physical operation of appliances and consumer devices) for metering, communications concerning grid operations and status, and distribution automation. (6) Integration of ‘‘smart’’ appliances and consumer devices. (7) Deployment and integration of advanced electricity storage and peak-shaving technologies, including plug-in electric and hybrid electric vehicles, and thermal-storage air conditioning. (8) Provision to consumers of timely information and control options. (9) Development of standards for communication and interoperability of appliances and equipment connected to the electric grid, including the infrastructure serving the grid. (10) Identification and lowering of unreasonable or unnecessary barriers to adoption of smart grid technologies, practices, and services."
Esta mesma lei atribuiu ao IEEE a quantia de 5 milhões de dólares para suporte ao respectivo programa, o que ajuda a entender o entusiasmo desta prestigiada instituição nos temas propostos, embora eles sejam, de facto, uma mistura de diferentes coisas.

Por um lado, encontramos nesta Lei algumas das mesmas fantasias ecotópicas em moda na Europa, como a do armazenamento de energia pelos consumidores em baterias de automóveis eléctricos ou a do condicionamento do consumo, embora inclinando-se mais para o uso de electrodómésticos "espertos" do que para a "educação" do consumidor - mas, tal como na Europa, a respectiva necessidade advém do desejo de adaptar o consumo à intermitência da energia eólica (e, mais remotamente, da solar fotovoltaica). Embora, nos EUA, outra determinante desta preocupação com o condicionamento do consumo seja o aumento da mera eficiência, dado o inegável enorme esbanjamento que por lá se verifica no consumo energético (com preços da energia a menos de metade dos europeus).
Os electrodomésticos controláveis que mais têm sido considerados são as máquinas de lavar roupa e loiça, e também os frigoríficos. Isso requer duas coisas: que tais aparelhos comuniquem digitalmente com os contadores "espertinhos" (smart meters), cuja tarifa por sua vez reflectirá em cada momento a oferta de energia (e portanto a intermitência das fontes renováveis eólicas e solares), de modo a funcionarem automaticamente nas horas de melhor preço; e que as pessoas adaptem os seus horários de vida, nomeadamente que sujeitem a altura em que tiram a loiça ou a roupa das máquinas ao horário aleatório de funcionamento das mesmas.
A primeira destas coisas requer, entre outras, a existência de standards de comunicação informática para os electrodomésticos "espertos"; a segunda requer a "educação" das pessoas. Os standards e as tecnologias têm aparecido, como o ZigBee, assim como "chips" que os implementem,  mas as pessoas é que não parecem fáceis de "educar", e isso torna de alto risco qualquer aposta dos fabricantes de electrodomésticos no desenvolvimento desses aparelhos, tudo forçosamente mais caro, claro... razão porque ainda não há à venda um único electrodoméstico desses que seja! Os optimistas prevêm-nos lá para 2015, mas é desconhecido qualquer estudo de mercado que mostre as suas vantagens para os consumidores - talvez por ainda não se lhes ter querido revelar o preço a que ficará a electricidade de origem eólica e solar, quando considerados os respectivos sobrecustos sistémicos...

A "visão" americana das SmartGrids, porém, contém componentes que não são mais que a modernização das redes eléctricas lá existentes as quais, em certos aspectos, se atrasaram tecnologicamente em relação às redes europeias. E, para o explicar melhor, é necessário saber que há já muitas décadas que as redes eléctricas são controladas informaticamente e que possuem redes de comunicações sobrepostas; de facto, há muito que nos EUA a indústria de energia eléctrica é o maior consumidor de tecnologias informáticas, depois da Defesa e da Banca.
Ainda antes de existir informática, as redes eléctricas americanas já dispunham de muitos automatismos dispersos na Distribuição e controlos sofisticados na Geração, em geral mais avançados que as suas congéneres europeias. Depois, nos anos 60 e 70 os EUA foram rápidos a instalar em todas as redes eléctricas Sistemas de Supervisão e de Aquisição de Dados (SCADA), os quais recolhiam informação remota das Centrais e Subestações, e as concentravam em Centros de Controlo. Portugal, por exemplo, só dispôs de um Centro de Controlo nacional moderno da sua rede eléctrica de Geração e Transporte de electricidade no final dos anos 80, e nas redes de Distribuição (Alta e parte da Média Tensão) ainda mais tarde...
Acontece que nos anos 80 se assistiu ao aparecimento das tecnologias baseadas em microprocessadores na automatização, e depois na protecção (um tipo especial de automatização) das redes eléctricas, e foi nessa época que os EUA se atrasaram, pela relutância dos seus grandes fabricantes em fazerem investimentos tecnológicos inovadores em electricidade, depois do movimento político que congelou os grandes investimentos na energia nuclear das décadas anteriores. A desregulamentação que Reagan trouxe à indústria da electricidade nesses anos 80 também contribuiu para essa paragem de investimentos, de modo que ao fim de vinte anos os EUA passaram a ter redes eléctricas relativamente obsoletas. Até que o 11 de Setembro de 2001 veio revelar a vulnerabilidade militar das infra-estruturas americanas, e essa foi uma das razões da Administração Bush para a preocupação com a modernização informática da sua rede eléctrica, nomeadamente na ênfase especificamente americana dada à cyber-segurança.
E é por isso que as 3 primeiras das 10 prioridades da visão americana das SmartGrids são, simplesmente, o "incremento da tecnologia e do controlo digitais" na rede eléctrica. Ao contrário da Europa e do Japão, a América atrasou-se na aplicação da revolução dos microprocessadores  (vulgarizados a partir dos anos 80 e sobretudo 90) às redes eléctricas!
E é assim que, por exemplo num documento publicado já no ano corrente de 2010, o Governo americano se centra na promoção de standards de comunicação digital entre dispositivos e sistemas a usar nas SmartGrids, mas dos 8 temas considerados prioritários o 1º é meramente a extensão e modernização dos sistemas de SCADA já existentes na Produção e transporte de electridade, e o 8º o mesmo para as redes de Distribuição; os outros 6 temas incluem questões essencialmente tecnológicas, como os sistemas de comunicações a modernizar e a sua cyber-segurança e, em apenas cerca de 50%, as ideias mais futuristas associadas à intermitência da geração eólica e solar, do condicionamento do consumo à preparação para os automóveis híbridos carregáveis electricamente (os automóveis puramente eléctricos nem sequer são considerados nos estudos americanos, como já tinha notado aqui).
Claro que nos EUA há muito quem não acredite na viabilidade comercial (ou orçamental) dos conceitos mais "green" importados da Europa. Mas, mais sabiamente que os europeus, os americanos só apostam metade dos seus recursos nesta via, deixando espaço para o desenvolvimento de inovações com os pés mais na terra, nomeadamente a modernização de um sistema que se atrasara tecnologicamente e a redução da ineficiência energética, um grave problema lá resultante dos seus baixos preços na energia.
Pés na terra até porque a isso a China oblige, como mostrarei na parte III deste post.

sábado, novembro 13, 2010

SmartGrids: fantasia e realidade. Parte I: a visão europeia.

Desde o Verão passado que tem vindo a tomar forma uma iniciativa político-académica nacional visando a participação num projecto europeu que dispõe de algumas centenas de milhões de € comunitários para distribuir, o que pôs imediatamente em campo aqueles a quem pouco importa se os projectos de I&D têm alguma utilidade para a Humanidade e menos ainda para Portugal.
Nestes casos, as atitudes dividem-se entre os que nem questionam a racionalidade dos projectos, desinteressados de pensar pela sua cabeça e eivados da crença de que tudo o que vem da "Europa" é luz, os cínicos que acham que isso pouco importa e que o que interessa é o dinheiro e, finalmente, os que, brincando com Lénine, pensam que "deve-se trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas", subtraindo-as "aos oportunistas", para se fazer com elas o trabalho realmente necessário. Massas no sentido de $massas$... :-))
Neste contexto, proponho-me reflectir convosco sobre a natureza do "movimento" pelas SmartGrids que desde 2008 e o início da recessão no Ocidente desenvolvido ganhou grande projecção internacional e também nacional, e que é o objectivo do muito dinheiro de que vos estou a falar.
As visões do que será uma smartgrid estão eivadas de ideologia, e por isso a própria definição do que são varia com quem a define. Em Portugal tem-se estabelecido a visão ideológica ecotópica, emergente da Alemanha "green" e merecendo por isso o eco pronto do nosso stablishment e dos interesses pró-eólicos associados, tendo no entanto por advogados alguns académicos que sabem, ou têm a obrigação de saber, a dimensão dos enganos em curso - como a aliança INESC-Norte / Ministério da Ciência e Tecnologia.
Para clarificar então as coisas, nada melhor que começar por citar (traduzindo-o), um paper holandês publicado em 2009 e que continua a ser um dos 10 mais consultados no MUNDO electrotécnico, que ousa o título de "Smart Grids: o futuro ou fantasia?":
"SmartGrids é um denominador comum para uma ampla gama de desenvolvimentos que tornam as redes de energia de média e baixa tensão mais inteligentes e flexíveis do que são hoje em dia. A motivação principal para as iniciativas de SmartGrids é que tais desenvolvimentos melhorariam a fiabilidade do fornecimento e/ou apoiariam a tendência para fontes de energia mais sustentáveis. Presentemente, as redes de média e baixa tensão não podem ser observadas nem controladas remotamente.
Diversas empresas estão a desenvolver tecnologias visando a criação de redes inteligentes. No entanto, estes desenvolvimentos tendem a radicar-se em possibilidades tecnológicas, em vez de numa sã análise dos problemas e numa abordagem estruturada para a sua solução.
No passado recente, uma grande variedade de sensores, protocolos, equipamentos de comunicação e similares tem sido concebida para apoiar a transição para as SmartGrids. No entanto, muitos deles não têm encontrado grande aplicação, o que pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, ao facto de que não havia problemas para os quais fornecessem uma solução, pelo que não lhes foi possível elaborar um "business case" positivo. Em suma, houve demasiada pressão da tecnologia e solicitação a menos do mercado.
O facto de alguns dos fabricantes destas tecnologias sem sucesso até culparem os operadores das redes eléctricas de conservadorismo, em vez de melhorarem a relação qualidade / preço dos seus produtos, dificulta ainda mais um verdadeiro arranque das Smart Grids."
O paper, no seguimento, tenta propor uma abordagem mais útil e comercialmente orientada para este "movimento", mas é demasiado evidente que o faz para poder ter sido aceite na Conferência em que foi apresentado, e onde imperava o mesmo "pensamento único" ecotópico que o artigo critica.
Um dos dedos postos na ferida que o paper anterior ilumina (que o "movimento" das SmartGrids tem sido um conjunto de "soluções" à procura de problemas, em vez do contrário), é elucidado por outro paper acabado de apresentar internacionalmente e que é, também ele, um dos 10 mais lidos de momento no mundo electrotécnico. Citando-o:
"Uma rede de energia moderna precisa de se tornar mais inteligente, a fim de proporcionar uma oferta barata, fiável e sustentável de electricidade. Por esses motivos, tem estado a ser realizada uma considerável actividade nos Estados Unidos e na Europa para formular e promover uma visão para o desenvolvimento de futuras redes de energia inteligentes.
No entanto, a maior parte dessas actividades tem enfatizado apenas a rede de distribuição e o consumo, deixando no escuro o quadro maior da rede de transporte no contexto das smartgrids."
E, para finalizar esta introdução, um bom resumo das coisas pode ser encontrado neste outro recente artigo, onde se dá conta que "there are people questioning the need for Smart Grids while others are more than convinced that it is the only way to handle the future" e que reconhece a inexistência de critérios para aferir da bondade dos investimentos feitos nesta tecnologia.
Tem, por tudo isto, interesse descrever agora os roadmaps da Europa, da América e da China nesta matéria das SmartGrids, para se começar por perceber que a visão ecotópica que por cá passa por suposta evidência consensual está, de facto, longe de ser um consenso. De caminho, noto só que, como já escrevi na blogosfera, "ter soluções à procura de problemas" em vez do contrário é precisamente o paradigma dominante da nossa I&D académica, hoje instituída em política oficial.

A visão "europeia" das SmartGrids está panfletada, por exemplo, neste documento de 2005, em que se explicita claramente que os seus objectivos são "aumentar a eficiência, segurança e fiabilidade do sistema europeu da electricidade e do gás e das respectivas redes, por exemplo pela transformação das actuais redes de electricidade em interactivas (clientes / operadores), e pela remoção dos obstáculos técnicos à implantação em larga escala e à integração efectiva de fontes de energia distribuídas e renováveis".
E em que "interacção clientes/operadores" estavam eles a pensar, e em que fontes de energia distribuídas e renováveis? A figura anexa ilustra-o: energia fotovoltaica e micro-turbinas.
Como já mostrei abundantemente neste blog, por exemplo aqui e aqui, nenhuma das tecnologias de microgeração de electricidade, daquelas que poderiam ser produzidas em Baixa Tensão por consumidores dispersos, é economicamente viável - nem o vai ser nas próximas décadas! E quando digo que não é economicamente viável, não me refiro a serem um bocadinho mais caras que as fontes actualmente usadas, mas sim 10 a 20 vezes mais caras! E não há nenhuma evolução tecnológica no horizonte próximo que permita prever uma inversão da situação.
As tecnologias energéticas não evoluem como as informáticas, que vivem uma revolução, e muito menos obedecem à lei de Moore; as tecnologias energéticas evoluem a um ritmo muito mais semelhante à tecnologia dos automóveis!...
O irrealismo económico da ecotopia da microgeração é tão gritante que a "Europa" tem vindo a secundarizá-la, mas apenas para a substituir por outra fantasia, a do automóvel eléctrico (que também tenho comentado abundamente neste blog; só como exemplo, aqui e aqui), e isto apesar das instituições internacionais mais conceituadas em previsões energéticas, incluindo as próprias europeias, não preverem o advento próximo desse automóvel, como dei conta recentemente aqui!
Note-se que não se trata de ser "pró" ou "contra" o carro eléctrico ou o conceito de "produtor-consumidor" em termos de "gostar de", como já uma vez expliquei; trata-se de pensar com espírito científico, e não na base do que se gostaria que fosse, trata-se de opor a Ciência ao wishful thinking, de ter a lucidez de não embarcar na fusão nuclear fria, ainda que a desejássemos!

Ora, já neste ano de 2010 um documento de desenvolvimento estratégico para as SmartGrids reforça a visão que "a Europa" tem defendido desde 2006. A necessidade das Smartgrids é explicitamente justificada assim: "It is vital that Europe’s electricity networks are able to integrate all low carbon generation technologies as well as to encourage the demand side to play an active part in the supply chain. This must be done by upgrading and evolving the networks efficiently and economically. It will involve network development at all voltage levels. For example, substantial offshore and improved onshore transmission infrastructure will be required in the near term to facilitate the  development of wind power across Europe. Distribution networks will need to embrace active network management technologies to efficiently integrate distributed generation (DG), including residential micro generation, on a large scale".
Dada a inexistência presente ou futura de microgeração residencial, trata-se, como tenho vindo a denunciar desde há ano e meio, apenas de adaptar o consumo de energia e as redes de Transporte e Distribuição à intermitência da geração eólica! O quadro idílico da visão da "Europa" que o documento contém sobre um imaginário "produmidor" (produtor-consumidor) e que reproduzo aqui, não passa disso: puro idílio!

O documento enuncia depois os principais desafios que se colocam a esta visão, de momento, e que vão todos no sentido de permitir o encaixe de mais produção eólica: reforço das redes para permitirem o trânsito de energia nas horas de (pouca) produção renovável máxima, instalação de produção eólica offshore em grande escala, integração da geração intermitente, "gestão activa da procura" de todos os consumidores, com ou sem geração própria, aproveitamento das tecnologias de armazenamento (storage) de energia e preparação para o automóvel eléctrico. A única verdadeira evolução nesta visão é a de agora permitir implicitamente que ela se concretize através da anunciada Super-rede, ao mesmo tempo que desaparece qualquer alusão às "micro-redes" tão queridas do Prof. Peças Lopes do INESC-Norte e que têm dominado a nossa estratégia nacional de I&D no assunto...

Mas, de todas as actividades propostas, a que suscita maiores preocupações à "Europa" é a da Gestão da procura, ou seja, a tentativa de forçar os consumidores a adaptarem os seus padrões de consumo á intermitência da produção eólica. O documento reconhece: "The majority of electricity end consumers today have a passive relationship with the electricity supply system. The complexities of the system, and the operation of the electricity markets, deter customers from taking a more active role. A simple example of this is the fact that after nine years of market opening in Europe the overall rate of customers switching supplier is less than 10%." E, para combater esta resistência popular, o documento recomenda que o povo seja "educado", e que lhe sejam explicados os benefícios de gerir o seu próprio consumo, nomeadamente ambientais.
Ora nos EUA, de que falarei na Parte II deste post (assim como da China), o processo de instalação de smart meters (contadores electrónicos de energia, comunicantes), está a suscitar um amplo movimento de resistência popular, como reconhece hoje mesmo um artigp do New York Times. Os consumidores dão-se conta que, depois de instalados os smart meters, quase sempre as facturas sobem, e por vezes muitíssimo! Sucedem-se os processos judiciais contra as empresas de electicidade, e tudo isto confirma o que venho escrevendo sobre o assunto e, mais importante, a natureza totalitária deste movimento. O qual se reclama de uma visão utópica de "salvação" da Humanidade mas com a particularidade de se sustentar em interesses económicos bem definidos e subsídio-dependentes, visto que, por tudo que expus, não há viabilidade para esta política que se baseie na sã procura de soluções para problemas reais, ou seja, na lógica de mercado. O que é uma característica que distingue os fascismos de outras ideologias totalitárias. Neste caso, o ecofascimo
Por cá, temos em curso uma experiência destas em Évora. Vamos ver...