quinta-feira, dezembro 31, 2009

Um negócio e peras!

Como é sabido, nos últimos dias tem chovido e estado imenso vento.
Sendo assim, surge uma questão interessante: à noite, quando o vento sopra mais forte, e dado que as barragens estão cheias de água da chuva e não podem armazenar mais, que tem feito a REN ao excesso de energia eólica existente?
Desde há dias que a REN deixou de publicar gráficos (diagramas diários), se não mostrava-vos.
Como não posso mostrar, posso apenas somar 2 e 2, a partir de outros dados da REN. Por exemplo e relativamente à véspera de Natal:
  • As eólicas estiveram a trabalhar à potência média de, somando-lhe alguma cogeração, 3188 MW, atingindo o máximo de 3848 MW;
  • As hídricas estiveram também a produzir uns 1504 MW, em média, chegando a atingir o máximo de quase 1840 MW.
  • As térmicas produziram em média apenas 1167 MW, e portanto estiveram apenas com o mínimo de segurança ligado.
  • O consumo médio foi de 5596 MW, incluindo 425 de bombagem para armazenamento e 160 de importação.
Mas, obviamente, e embora os sumidos diagramas da REN não permitam mostrá-lo, de madrugada havia de certeza excesso de energia eólica na rede, e não se podia desligar as eólicas nem fechar as comportas das hídricas. Que se fez então a tal energia excedentária?
Exportou-se, só pode ter sido isso.
A que preço?
Pois os dados da REN estão difíceis de aceder. O computador deles dá repetidamente o erro de "server too busy". Mas pode saber-se o seguinte: o preço do kwh no mercado ibérico tem estado a 2,99 ç/kwh, e há o gráfico de preços marginais que anexo.

Sabendo-se que o kwh é pago ao nosso produtor eólico à volta de 9 ç/kwh, digam lá se isto não é um negócio e peras?...
E também se fica a perceber o porquê do investimento previsto em armazenagem hídrica...

14 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não entendo a dificuldade em perceber o porquê do investimento emarmazenagem hídrica: por exemplo, há longos meses atrás, num post sobre a barragemdo Sabor na Ambio, Carlos Pimenta era bastante explícito nesse ponto.
E daí?
Repare, os hotéis, e mais ainda os aviões, comercializam dos mais pereciveis bens comerciais que existem, que não podem de maneira nenhuma ser armazenados.
Por isso têm tabelas dinâmicas de preços e há alturas em que efectivamente perdem dinheiro.
Por que razão isso é um drama para a produção de energia e não para os outros sectores? A economia é assim.
Imagine que em vez do mix eólicas, hídrica e térmicas tínhamos 80% da energia produzida a partir de centrais nucleares, como a França. O que acontece nessas horas de vazio em que é preciso manter o mínimo de segurança?
henrique pereira dos santos

Pinto de Sá disse...

Tenho muita coisa escrita sobre isso no blog, caso esteja interessado em ouvir (neste caso, ler).
Por exemplo, aqui:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/09/clusters-industrais-nas-renovaveis-23_30.html

Quanto à França, não creio que ela sofra de algum problema por ter 80% de nuclear. O que faz é exportar energia, que toda a gente compra (incluindo nós), dado o seu bom preço.
Mas esse problema não se coloca em Portugal. O problema que faria sentido colocar seria termos uma única nuclear que produzisse os mesmos 950 MW médios que os 3800 MW de eólicas produzem.
O que aconteceria era que a nuclear produziria constantemente 1000 MW (salvo 5% do tempo em que para para manutenção), e portanto não seria preciso nenhum armazenamento. Enquanto as eólicas produzem em média os mesmos 950 (presentemente), mas na maior parte do tempo nem 200 MW produzem, e de vez em quando, como agora que está vento, produzem 3500 e não há como a consumir!
A armazenagem, portanto, vai ser feita só para os poucos dias do ano em que as eólicas produzem ao máximo - uns 3500 MW, presentemente, enquanto uma nuclear não produziria menos que os 1000, mas também nunca produziria mais!
E estou a falar de uma nuclear, mas o mesmo se poderia afirmar de qualquer outra central térmica.
Quanto ao Eng.º Carlos Pimenta, é Administrador de uma empresa de renováveis, e portanto a sua isenção nesta matéria é questionável.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Citei Carlos Pimenta exactamente por ser um produtor de energia eólica: a última frase do seu post não é nada de novo, é uma questão assumida por toda a gente, Carlos Pimenta está de acordo consigo nesta matéria.
O armazenamento, como sabe, tem outras vantagens importantes (e impactos negativos, também) para além de ajudar a viabilizar as eólicas. Aliás, por isso estava previsto antes de se pensar em eólicas: armazenar acima da cascata do Douro é uma decisão que permite aumentar substancialmente o interesse dessa cascata, mas sabe disso mais que eu.
Por fim, pelo que percebi, com a central nuclear exportava o excesso de produção (nomeadamente em horas de vazio). Exactamente o que criticou agora.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Por isso têm tabelas dinâmicas de preços e há alturas em que efectivamente perdem dinheiro.
Por que razão isso é um drama para a produção de energia e não para os outros sectores? A economia é assim.


O problema é que no negócio da energia eléctrica existem formas de produção que são beneficiadas através de subsídios (ex.: eólica) em detrimento de outras (gás e carvão). Por isso não existe um verdadeiro mercado de energia.

Num mercado totalmente livre provavelmente chegar-se-ia à conclusão que até o carvão com captura de CO2 ficaria mais barato que as eólicas. (Sobretudo se contarmos com o custo do armazenamento necessário para fazer face à imprevisibilidade do vento)

A crítica é realizada numa base económica e sobretudo na falta de benefícios para a economia Portuguesa.

Jorge Oliveira disse...

Não faz qualquer sentido a comparação entre os “produtos perecíveis” comercializados pelos hotéis e companhias de aviação e a energia eléctrica. A energia eléctrica, lá porque não é armazenável, não se pode considerar um “produto perecível”.

Bom, na verdade, a energia eléctrica até é armazenável, mas, pelo menos por enquanto, não o é de uma forma prática e comercialmente exequível para aplicação na indústria da energia. Por isso, o armazenamento de energia eléctrica está fora de causa. O que importa é que, no presente e num futuro próximo, temos de a produzir ao exacto ritmo a que se torna necessária.

Não se pode sequer dizer que a energia eléctrica “perece” se não for utilizada, porque é sempre utilizada. Ou pacificamente, satisfazendo o consumo, ou violentamente, fazendo queimar ou explodir qualquer coisa. O melhor é não tentar produzi-la se não for necessária.

De facto, num sistema eléctrico como aquele a que recorremos, constituído por geradores, rede eléctrica e consumidores, se a produção começar a exceder o consumo, a tensão do sistema começa a aumentar e pode atingir valores inconvenientes, até deixar de aumentar quando, na melhor das hipóteses, as protecções interromperem algum circuito, como geralmente acontece, ou na pior, quando alguma coisa se queimar.

Felizmente, os operadores da rede estão atentos e não deixam que se chegue a essa situação. Eles asseguram o equilíbrio instantâneo entre produção e consumo, uma tarefa que, apesar dos automatismos existentes, dá muito trabalho e tem muita responsabilidade, mas que a generalidade das pessoas desconhece.

Como se depreende, nada disto tem a ver com hoteis e companhias de aviação, nos quais, se a capacidade instalada não for utilizada os accionistas podem ficar prejudicados, mas não será por isso que começam os hotéis e os aviões a arder.

Mas é curioso que foi precisamente o caso das companhias de aviação que serviu de comparação e, sobretudo, pretexto, há cerca de trinta anos, para alterar - o melhor seria dizer abastardar - uma série de práticas dos sistemas eléctricos, com a chegada de uma legião de “marketeers”, que começaram a falar em mercado grossista e mercado retalhista, conceitos abstrusos no sector eléctrico, mas que rapidamente foram adoptados por hábeis paraquedistas que aterraram nos conselhos de administração das empresas.

É fácil perceber que o processo de produção de energia eléctrica não se consegue gerir de uma forma satisfatória se não se dispuser de fontes de energia primária com uma característica imprescindível, que é a possibilidade de armazenamento. Com fontes primárias intermitentes também se faz, mas não é a mesma coisa...

As fontes primárias intermitentes, de que a energia eólica é o exemplo mais flagrante e mais mediático, também podem - e devem - ser utilizadas, mas se não existirem fontes armazenáveis de potência equivalente, para nos valer na parte nula da intermitência, temos o baile armado. Só por si, esta necessidade sai muito cara. E se a energia eléctrica com origem numa fonte intermitente custar os olhos da cara aos consumidores, como acontece com a eólica e outras, então é a ruína. Que só não é total porque há quem tire bom partido do negócio, obviamente os promotores. Alguém há-de ficar para trás para apagar a luz.

Por sinal este negócio é promovido pelo governo da nação, especialmente o governo que temos desde há cinco anos, que se orgulha muito do impulso que tem dado às energias renováveis. Esperemos que um dia nos explique isso de forma compreensível.

Anónimo disse...

O que fica aqui claramente demonstrado é que esta aposta nas enegias renováveis, como está a ser desenhada em Portugal, não serve a economia nacional e o desenvolvimento do país.

Francisco

andrecruzzzz disse...

s essa energia eólica excedentária foi exportada a 2,99 , que clientes é q ficam responsáveis pelo défice tarifário? nós, os tugas?

Anónimo disse...

A França tem encostada a ela o maior importador mundial de electricidade: Itália. E a esplendorosa Dinamarca importa electricidade de origem nuclear fabricada na Suécia. E os chineses e os indianos estão-se positivamente nas tintas para as posições dos pensadores do calibre do HPS, que se fosse um intocável na Índia, ou um camponês na China, havia de ser um fanático defensor do nuclear e do carvão… é preciso pachorra para aturar burgueses decadentes, que não sabemo que é não ter emprego, ter fome e desespero para alimentar filhos.

Pinto de Sá disse...

A Pereira dos Santos:
Não me parece que o diálogo consigo conduza a algum destino, mas por uma última vez vou ter a paciência de lhe responder:
- "Carlos Pimenta está de acordo comigo nesta matéria" - qual matéria? O que diz é um absurdo!
- "O armazenamento tem outras vantagens" - quais vantagens? Discuti o assunto detalhadamente do ponto de vista económico e não vejo a que mais esteja a tentar aludir. Quanto a reservas de àgua, a simples leitura do Plano lhe mostrará estar lá expressamente afirmado não se preverem outros usos para o referido armazenamento além do energético.
- "Pelo que percebeu,a central nuclear exportava o excesso". Não percebeu nada. E no entanto é tudo uma questão de saber ler e fazer contas de somar e subtrair.

Ao Eng.º Jorge Oliveira, uma precisão técnica: se tivermos mais produção que consumo, não é tanto a tensão que cresce, mas sim a potência transitada nas interligações a Espanha, visto os nossos sistemas estarem interligados e, portanto, a frequência não poder aumentar.
Por outras palavras: o excesso de produção relativamente ao consumo é despejado para Espanha, queira-a ela ou não. Pode, por isso, recebê-la grátis (como mostrei, ZERO é o valor marginal da energia que tivermos para vender de madrugada), e até poderá pedir para lhe pagarmos para aceitar recebê-la, que nós não podemos fazer nada. A nossa regulamentação técnica e a nossa legislação não permitem desligar as nossas eólicas nem mesmo nestas circunstâncias.
Os nossos produtores eólicos é que, portanto, receberão sempre os seus 9 ç/kwh (e nem falo dos cogeradores), mesmo que tenhamos de pagar a Espanha para aceitar essa energia...
Uma nota final:
Uma questão interessante, será a de saber porque razão o preço de mercado do kwh na península está a menos de 3 ç/kwh de madrugada, quando em Portugal qualquer dos tipos de central que temos produz por um custo superior a esse e, no caso das eólicas, a um custo político imposto de 9 ç/kwh (aproximadamente).
Obviamente isso sucede por tal ser o custo marginal de produção da energia espanhola disponível, concretamente da nuclear.
Isto também mostra que a ideia que já vi advogada por um responsável nestas coisas, de que com os investimentos em curso nas renováveis Portugal poderá vir a ser exportador de energia, ou é fruto de incapacidade matemática elementar, ou é desonestidade. Porque, para podermos exportar, nunca o poderemos fazer por mais de 3 ç/kwh, e com tal preço a exportação será um prejuízo absoluto, dados os nossos custos de produção.
Excepto, obviamente, para os produtores subsidiados a 9 ç/kwh e mais, noutras fontes renováveis!...

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

Tem razão na sua observação. De facto, quando mencionei apenas o aumento da tensão, implicitamente estava a contar com a estabilidade da frequência, um dado que normalmente temos por adquirido, mas que é uma vantagem da nossa interligação à vasta rede europeia.

Enfim, ignorei a Espanha, mas não me penitencio muito por isso porque de todas as vezes que lá vou, mesmo lendo um ou dois jornais por dia raramente encontro a palavra Portugal...

Pinto de Sá disse...

Fiz a nota porque muitos leitores ignorarão a relação entre potência activa (a que se acumula em energia) e frequência...
Se há mais potência gerada que consumida, numa rede isolada, o excesso vai acelerar a rotação de todas as máquinas e particularmente dos geradores, o que obviamente não é comportável fora de uma banda estreita de variação.
Muitos leitores não o sabem, mas é até precisamente medindo essa velocidade de rotação das máquinas, através da observação da frequência da electricidade produzida, que se consegue manter um quase-permanente equilíbrio entre a produção e o consumo.
A velha pergunta: quando eu ligo a luz da sala, como é que a rede eléctrica sabe que o fiz e aumenta a produção de electricidade para me satisfazer?... :-)
Mas isto é numa rede isolada, e a portuguesa não está isolada da espanhola, que por sua vez está ligada à francesa, e assim sucessivamente.
Portanto, quando Portugal inteiro tem excesso de energia, ela sai do país. Alguém, por toda a Europa, vai ter que reduzir a sua geração para se manter a frequência, mas como Portugal todo produz menos de 1,5% da energia europeia, e só parte desse 1,5% é que passa a fronteira, o efeito é diluído por toda a Europa.
O resultado prático, portanto, é que temos de pedir a Espanha que aceite a nossa energia em excesso e de que eles não precisam, visto que normalmente até são eles que nos vendem...
É por isso que o Governo decidiu fazer aquelas barragens e dotar muitas das antigas de capacidade de funcionarem como estações de bombagem. Isto porque ainda se vão montar muito mais eólicas, e solares, e eólicas off-shore, todas com o mesmo problema...

EcoTretas disse...

Fiz uma análise gráfica em http://ecotretas.blogspot.com/2010/01/trabalhar-para-aquecer.html
Parece que há muitas contas mal feitas e muita coisa para explicar por parte das entidades responsáveis!

Ecotretas

Pinto de Sá disse...

Parece, felizmente, que a REN já corrigiu o bug informático que impedia o acesso a esta informação.
Infelizmente verifico que o "Ecotretas" não é aberto a comentários, pelo que notarei aqui que o saldo exportador positivo de Espanha quando estava a receber energia nossa (os dias 24 e 30 são, de facto, exemplares), só pode significar que estava a exportar para... lá de França, através desta!
Aliás, o gráfico da REE mostra que a Espanha estava exactamente com o mesmo problema que nós, ou pior: mesmco com as térmicas no mínimo de segurança quase reduzidas às nucleares - e tenho muitas dúvidas sobre se a estabilidade da rede IBÉRICA evitará um apagão se houver um incidente maior nestas condições - e com as hídricas paradas (a susterem a água), sobra-lhes energia do vento e da cogeração!
Talvez a Itália a compre, ou o Leste - em todo o caso, seria interessante saber quanto terão dado por essa energia...

Anónimo disse...

Caro Prof,
já verificou no OMIP quantas horas houve no dia de ano novo com o preço da electricidade a (0) zero euros, e sabe porquê? Por que a oferta excedia a procura, dos dois lados da fronteira.

E isto é, porque o mercado não funciona como nos EUA, caso assim fosse teriamos preços negativos.

Francisco