domingo, julho 11, 2010

O Magalhães e o eduquês - II

Algumas décadas atrás, nos anos 80, quando estava em curso o Projecto Minerva para a introdução de ferramentas informáticas nos ensinos básico e secundário e as miragens então prometidas pela Inteligência Artificial animaram o grande projecto japonês da 3ª geração de computadores, foi desenvolvida uma linguagem de programação para ensinar o raciocínio lógico a crianças de 8 anos: o LOGOS.
Eu próprio me entusiasmei na altura com a ideia (além de ser grande entusiasta então - e ainda sou, confesso - da Inteligência Artificial), até que li na Spectrum, a revista generalista do IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers), um primeiro estudo de avaliação do impacto dos computadores na performance educativa das crianças. E o que esse estudo revelava era que os que já eram bons alunos aproveitavam, de facto, estas ferramentas para melhorarem os seus conhecimentos, mas aos outros a informática nada adiantava. O próprio esforço mental que essas ferramentas exigiam os levava a não quererem sequer tirar partido delas!
Claro que viria a procurar instruir os meus filhos tão cedo quanto possível nestas tecnologias do mundo em que iriam viver, mas já na altura sabendo que elas não iriam mudar nada daquilo que realmente separa os instruídos dos que o não são. Não iriam nunca anular, nem sequer reduzir, bem pelo contrário, as diferenças da natureza humana.
É por isso que nunca acreditei nesta ideia bem intencionada de Guterres de que investindo em infra-estruturas de acesso rápido à Internet e em computadores para toda a gente se combateria o analfabetismo funcional dos portugueses. E, claro, nunca acreditei que o Magalhães pudesse ter qualquer outro efeito que o de reforçar a aversão ao trabalho em que a nossa política educativa cultiva os nossos miúdos e o de reforçar a ideia de que para ter coisas é do Estado que as devemos esperar, e não do nosso próprio esforço!
Mais: considero tão absurda a esperança de que dando computadores e Internet a todos os jovens há-de daí resultar uma geração proficiente na economia do conhecimento, como seria a ideia de que distribuindo automóveis a toda a gente daí resultaria uma grande indústria metalo-mecânica nacional!
Já há tempos comentei aqui um estudo americano recente que mostra de novo que o acesso precoce aos computadores pelos jovens não só não os enriquece em nada culturalmente, como os desvia do trabalho e do esforço escolares que são a única verdadeira base de qualquer aprendizagem. E hoje, ao ler o New York Times, encontro mais um estudo rigoroso feito pela Universidade de Chicago sobre os resultados de algo similar ao Magalhães feito na Roménia (com a diferença que lá não houve favores a uma empresa particular, aliás com sérios problemas fiscais): negativo! Os resultados revelam-se negativos, tal como os que haviam sido publicitados recentemente para os próprios EUA: "few children whose families obtained computers said they used the machines for homework. What they were used for — daily — was playing games." Isto é sobretudo verdade para as crianças dos meios mais desfavorecidos, aquelas que o eduquês diz querer promover.
O artigo do NYT para que "linkei" tem ligações para os outros estudos, pelo que deixo ao leitor interessado a respectiva pesquisa, se quiser.
O que mais me espanta é que tudo isto já se sabia há 25 anos, quando os PC ainda estavam nos primórdios! Porque foi tudo esquecido?
E, por falar em experiências antigas, que resultados, que avaliação teve o projecto Minerva?
Há gente que, como se vê, não aprende nada.
E não aprende nada porque o que os move é uma fé de que se há-de encontrar algum milagre, antigamente uma revolução cultural de guardas vermelhos, hoje uma tecnologia, quiçá uma revolução tecnológica, que traga consigo a Grande Igualdade. Fé essa que é imune aos factos.
E para terminar, não cedo à tentação de vos recomendar um excelente texto de Guilherme Valente, o criador da GRADIVA e cavaleiro de uma Távola a que também pertencem Nuno Crato, Paulo Guinot, Maria do Carmo, o blog Rerum Natura e alguns poucos outros, Távola que jurou por missão a luta contra o mal do eduquês: aqui.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez se percebe que esta gente do eduquês não valoriza em nada os conhecimentos.

Esta moda de dar um computador a todos os miúdos e achar que eles passam a ser uns grandes peritos é, no mínimo, absurda.

Qualquer dia alguma uma das inteligências no Ministério da Educação lembrar-se-á que não são necessários professores já que os alunos têm acesso ao saber colectivo da humanidade (tradução eduquês -> Português: computadores magalhães [a marca é importante] com acesso à net).

Penso que o absurdo destas políticas só será compreendido por todos quando em Portugal só existirem uma mão cheia de pessoas com conhecimentos. O resto da população, funcionalmente iletrada, passará muitas dificuldades. E já nem a via tradicional da emigração funcionará já que o que não falta neste mundo globalizado é mão de obra não especializada. A não ser que os portugueses vão competir em ordenados baixos com filipinos, chineses, vietnamitas, etc...

Mesmo os bons portugueses que conseguirem sobreviver a este "entretenimento de massas", apelidado de ensino em Portugal, terão mais tendência a emigrar. Deixando o país ainda mais carente de quadros e agravando as condições de vida da população em geral (ex.: não vai haver dinheiro para pagar estas dividas que contraímos nos últimos anos, nem pensões, nem Serviços Nacionais de Saúde, nada. Vai apenas haver dinheiro para os políticos e para mais ninguém. E mesmo estes vão ter que reduzir os seus números de forma drástica.)

Se querem exemplos a seguir em matéria de educação aqui vão uns quantos: Coreia do Sul, Singapura, Japão, Finlândia.
Tratam-se de países com créditos firmados na educação. Basta ver os testes PISA. E com um PIB e nível de vida a condizer...

Eduardo Freitas disse...

Como se refere no artigo do NYT, não há surpresa alguma no efeito líquido negativo. E nem sequer é necessário o recurso a elaborados estudos empíricos. Basta contactar com a realidade, isto é, com os alunos.

secameca disse...

Na Finlândia os estudantes do ensino superior não pagam propinas. No ensino obrigatório (primeiros nove anos) os livros são gratuitos.

Assim sendo não é surpreendente que por lá haja um nível de educação mais elevado.