Steve Jobs acaba de se reformar da Apple, que ele fundou com um amigo há perto de 30 anos, o que provavelmente reflecte um agravamento terminal do cancro de que sofre há já uns anos.
Para os da minha geração entusiastas da inovação tecnológica, Steve Jobs foi o herói-modelo, mais que Bill Gates ou os amigos Hewlett e Packard, os criadores que fizeram das Start-ups tecnológicas e dos parques à Sillicon Valley as quimeras de muitas políticas tecnológicas.
Há 25 anos era em Macintosh que escrevíamos relatórios e artigos. O que o Macintosh tinha de original era o uso do rato e as "windows", com um grafismo excepcional, quando na época os outros computadores só permitiam a escrita de texto (nos PC só havia DOS).
Foi esta inovação dos Macintosh que veio a tornar tão popular o computador pessoal, e no entanto não foi Steve Jobs quem inventou o "rato", as "windows" e a computação gráfica. Esta fora desenvolvida pela Xerox, onde Steve Jobs a vira a funcionar em 1979, e de onde trouxe a ideia para a casar com outra ideia essencial que suportava os Macintosh: o uso de um dos novos microprocessadores de 16 bit acabados de surgir, o 68000 da Motorola, como única base de todo o PC, reduzindo em muito o restante hardware - conceito este que levara uma quinzena de anos a amadurecer!...
Na época esta ideia era-me tão excitante que foi adaptada para a realização do "Autómato de Subestações" com que me doutorei nessa década de 80 e a que, muitas vezes, chamava de "Macintosh das Subestações"...
Steve Jobs ficou também famoso por outro acontecimento muito instrutivo sobre as start-ups: viria a ser despedido da própria empresa que criara, em 1985, no auge do sucesso desta, ilustrando um dos grandes paradoxos da criação de Start-ups tecnológicas: quando a respectiva inovação tecnológica tem sucesso, requerem um salto de dimensão que obriga ao recurso de capital externo e a uma gestão profissionalizada que quase invariavelmente é incompatível com o espírito contestatário frequente nos seus criadores e com a sua gestão informal. Daqui resultam em regra três opções para esses criadores: ou sabem e aceitam esta lei da vida e desde o início pensam a empresa para a virem a vender com grande lucro (o que muitas vezes as mata, como sucedeu com a nossa emblemática ChipIdea), ou mantêm a empresa pequena, desistindo de dimensões internacionais mas garantindo o seu controlo (opção de várias que conheço por cá e que em tempos foi bem caracterizada num estudo da IEEE Transactions on Engineering Management), ou esses criadores abandonam a tecnologia e transformam-se em gestores, em homens de negócios, como precisamente Bill Gates, Hewlett e Packard.
Steve Jobs não fez nenhuma destas cedências e, por isso, foi simplesmente despedido da Apple que criara, e por isso ele é um herói para os verdadeiros inovadores tecnológicos!
Foi despedido mas era tão bom, tão extraordinariamente criativo, que depois disso a Apple entrou em declínio (perante a emergência da Microsoft de Bill Gates, em particular), até que a Apple o recontratou de novo em 1997, e com isso renasceu, graças ao iPod, ao iPhone e ao iPad que mais uma vez foi Steve Jobs quem inventou! Mas os Steve Jobs são tão raros como as supernovas!...
O New York Times de hoje dedica a Steve Jobs uma boa crónica, cuja leitura recomendo.
A propósito do processo de inovação tecnológica que Steve Jobs melhor que ninguém popularizou, o NYT menciona um livro recente, "o ADN do inovador", baseado num extenso estudo sobre alguns milhares de inovadores, e que identifica 5 traços nos "inovadores disruptivos" que "fazem as coisas acontecer": "questioning, experimenting, observing, associating and networking. Their bundle of characteristics echoes the ceaseless curiosity and willingness to take risks noted by other experts. Networking, ..., is less about career-building relationships than a search for new ideas. Associating, ..., is the ability to make idea-producing connections by linking concepts from different disciplines — intellectual mash-ups".
Claro que há algo do paradigma biológico na inovação tecnológica: as novas soluções e produtos nascem da fertilização entre ideias e conhecimentos vindos de áreas diferentes, o que requer, evidentemente, conhecimentos e ideias de áreas diferentes. Essa é outra das razões para defender uma base curricular diversificada para os doutoramentos, como defendi aqui em Janeiro. Mas é a própria experiência e atitude perante a vida que muitas vezes produz essa fertilização - Jobs, por exemplo, quando criou o Macintosh, acabara de fazer uma viagem de "iluminação espiritual" pela Ásia, no final dos anos 70. Não é que recomende uma viagem dessas, própria daqueles tempos de contestação hippy, mas o que quero realçar é a atitude contestatária quanto à vida em geral que animava Steve Jobs. E que também é frequente nos artistas. Mas rara entre os às vezes adolescentes tardios que hoje em dia tiram cadeiras de "inovação e empreendedorismo" nas nossas Universidades...
Mas, mesmo não tendo o génio de Steve Jobs, há outros bons exemplos de inovação tecnológica útil e criadora de riqueza, como este realizado na FEUP há uns anos, para a construção de pontes, e presentemente em plena exploração comercial.
Claro que, à falta de um Steve Jobs, terão de ser multiplicadas por muito as inovações mais modestas como esta para que Portugal se venha a tornar merecedor de pertencer ao Euro sem que haja dúvidas sobre esse merecimento nos mercados de crédito.
2 comentários:
Um pequeno factual
Os IBM PCs ainda antes do windows 1.0 (85) , já tinha o GEM que também era gráfico (http://en.wikipedia.org/wiki/Graphical_Environment_Manager) aliás uma cópia do ambiente da Xerox tal como o Mac Lisa.
Também é mitico que o Jobs tenha o toque de Midas, as pessoas tendem a esquecer o NeXt (esse sim, bastante melhor que os Mac).
Bom artigo. Velhos tempos. Chapelada.
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