sábado, janeiro 21, 2012

MANIFESTO PARA UMA NOVA POLÍTICA ENERGÉTICA III

Foi publicada o 3º Manifesto para uma Nova Política Energética em Portugal. O seu texto completo pode ser lido aqui, e entre os seus subscritores constam Mira Amaral, Miguel Cadilhe, Pedro Ferraz da Costa, Miguel Beleza, Veiga Simão e Henrique Neto.
Limito-me a respigar as conclusões do documento:


V. CONCLUSÕES

32. Num período crucial para a reforma da economia nacional, as opções de política seguidas até agora em nada reduziram a persistente dependência energética do país. O aumento do preço das matérias-primas cria uma ameaça maior à reestruturação em curso, anulando o bom comportamento das exportações. Urge consolidar e materializar o desenvolvimento das acções que permitam reduzir as importações de petróleo no sector dos transportes, tal como o actual Governo inscreveu no seu programa, mas isso exige intervenções bem mais complexas e abrangentes que a simples mudança de tecnologias ou os habituais apelos à utilização dos modos energeticamente mais eficientes mas que (ainda) servem menos bem os seus clientes.

33. São necessários estudos públicos que escrutinem o impacto do PNAER. É necessário contabilizar os sobrecustos escondidos da estratégia seguida: enorme esforço de investimento em rede de transporte, com baixa utilização; problemas e custos acrescidos de centrais de reserva; problemas na gestão dinâmica do sistema para compensar variações bruscas de produção renovável; maior risco de falha do sistema.

34. É de estranhar que Portugal seja na Europa um campeão das novas renováveis. Se a opção fosse assim tão boa, porque razão é que os outros países, bem mais ricos e desenvolvidos e dotados de um bastante melhor recurso eólico, não adoptaram a mesma política, estando mesmo a abandoná-la, como é o caso da Holanda?

35. As energias renováveis têm o seu papel, que não deixa de ser importante e deverão ser utilizadas e fomentadas desde que exista racionalidade técnica e económica. Não podem é ser encaradas como uma mera bandeira política, contribuindo para o agravamento da nossa situação económico-financeira. Não devem assim ser celebrados pelo Governo português mais contratos de fornecimento de energia, com preço garantido, a partir de energias renováveis. Os novos investimentos em energias renováveis devem contar apenas com os preços de mercado. Igualmente, e à medida que forem caducando, não devem ser renovados os contratos de energias renováveis com preços garantidos, caso contrário serão os portugueses mais pobres os que mais sofrerão, por insistirmos em produzir energia cara.

36. O expediente que tem sido adoptado pelo Governo português para evitar subidas acentuadas das tarifas, sem tocar nos privilégios dos electroprodutores, é o de adiar no tempo a repercussão nas tarifas da totalidade dos sobrecustos nelas incluídos. Tal como nos recorda a troika, essa "solução" nada resolve, apenas adiando a cobrança dos encargos excessivos que são suportados pelo resto da economia. Cria défices tarifários, os quais ainda por cima são remunerados, gerando encargos com juros que terão de ser suportados pelo resto da economia, que assim terá que suportar uma nova fonte de encargos do sector. O crescimento exponencial desse défice (propulsionado pelos respectivos juros) põe em causa a sustentabilidade do sector eléctrico, o qual - via consumidores - fica ainda mais vulnerável a choques externos. O respectivo financiamento, a ser obtido pela já altamente endividada EDP, encontra-se longe de estar assegurado no actual contexto financeiro. Mas uma coisa é certa: como a EDP se vê obrigada a titularizar junto da banca portuguesa todos os défices tarifários, o crescimento destes, no actual contexto de crise de liquidez e de desalavancagem do sector financeiro, irá absorver os já escassos recursos disponíveis para crédito, que assim é desviado do sector produtivo em favor da manutenção dos privilégios dos electroprodutores. Mais défice tarifário implica, pois, menos financiamento às empresas, menor crescimento económico e, em resumo, asfixia dos consumidores e das empresas.

37. Recordamos que esses privilégios se materializam através:

a) Dos CMEC e dos CAE, que garantem aos produtores as mesmas rendas que auferiam em regime de monopólio, mesmo após a liberalização do sector;

b) Das garantias de potência, que atribuem uma renda a centros electroprodutores criados em regime de mercado, quer produzam ou não, tornando-se assim mais um custo ocioso do sistema;

c) De tarifas garantidas e prioridade absoluta no despacho à produção em regime especial (PRE) que subverte o funcionamento de um mercado, cuja lógica e principal vantagem na correcta alocação de recursos e sinal adequado aos seus actores se baseia no princípio do mérito económico no despacho.

38. Em suma, a não corrigir-se a situação, só há duas hipóteses: o aumento de tarifas da ordem dos trinta por cento para os domésticos e superior a esses valores para as empresas (segundo declarações do Ministro da Economia), o que é absolutamente insuportável face ao rendimento disponível das famílias e insustentável em termos de competitividade das empresas; ou geração de défices tarifários que se estimam superiores a 3 000 milhões de euros a adicionar ao já existente, gerando uma dívida brutal dos consumidores à EDP, visto que o défice tarifário constitui um crédito da EDP sobre os consumidores que a empresa vai tentar vender à banca portuguesa. Esta dará prioridade a esse financiamento, porque tem cobertura estatal, o que poderá implicar um sério prejuízo para a economia em geral pois significa o desvio de financiamento das empresas (para quem já é terrivelmente escasso) para a EDP. Se o Governo não começar já a cortar no monstro eléctrico, tal irá ter gravíssimos custos que não são sustentáveis para todos nós, empresas e famílias.

39. Por outro lado, a situação descrita no número anterior irá certamente ter um impacto significativo no processo de privatização da EDP. Um dos elementos significativos do balanço da EDP (o tal défice tarifário que poderá alcançar cerca de 5000 milhões de euros muito rapidamente, a partir dos 2700 milhões já aceites para o ano corrente) tem dificuldades em conseguir financiamento pela banca portuguesa, num contexto dramático de falta de liquidez. O mercado já percebeu os riscos desse activo da empresa (o défice tarifário) e isso já é reflectido na evolução decepcionante da cotação das respectivas acções. Mas se, por absurdo, os novos investidores minimizarem esse risco e o governo conseguir por essa via maximizar o encaixe financeiro, a empresa irá operar num contexto de renda de situação e de contínua geração de défices tarifários totalmente incomportáveis para os consumidores e para as empresas, o que configurará uma privatização num contexto económico sem sustentabilidade a prazo.

Os signatários não hesitaram em publicar as suas reflexões quando sentiram que isso era essencial para corrigir o errado trajecto da política seguida. Vêm de novo colocar de uma forma construtiva à disposição do Governo estas reflexões sobre as insuficiências do modelo actual e dos seus efeitos directos e indirectos sobre a competitividade económica e as contas nacionais.

O país precisa urgentemente, para ser competitivo e socialmente equilibrado, de ter energia suficiente a preços competitivos. Há pois que rever toda a política energética, com base em custos reais e avaliar o potencial de todas as alternativas nas suas modernas opções tecnológicas.

1 comentário:

Irene Alves disse...

Foi uma agradável surpresa ter o
senhor a comentar um simples post
meu. Veio enriquecer o debate.
De há muito que penso qual a validade
dos blogues? Banalidades, para quê?
Assuntos mais sérios será que maça?
Algo que suscite mais polémica?
Mais debate? Enfim...ontem surgiu
escrever esse post.
Já que fala sobre a EDP porquê
não falar sobre este acordo EDP/
Continente em que não estão a
ser verdadeiros com os consumidores?
Terei muito gosto que nos visitemos.
Um abraço de amizade