terça-feira, dezembro 28, 2010

O papel da I&D no grupo EFACEC e os seus condicionamentos


Há 14 anos, estava a desenvolver na EFACEC - Sistemas de Electrónica com alunos e um assistente que para lá levara comigo as Unidades Terminais (de SCADA) e de Protecção de Subestações (TPU, Terminal and Protection Unities), e foi-me pedido pelo Director de área que contribuísse para uma reflexão então em curso na empresa sobre as suas perspectivas de internacionalização. O que se segue é o documento interno que redigi em resposta a este pedido e que correspondia ao que pensava da política de I&D tecnológica e que hoje, mais que nunca, se encontra em oposição ao pensamento dominante - não só no Ministério de Mariano Gago, como também na minha própria Universidade, aliás alinhada com o poder (como sempre). Em 14 anos algumas coisas mudaram, mas na maioria para pior - e por isso creio ser oportuno atirar esta pedrada ao charco!
A EFACEC é o maior grupo industrial privado nacional. É também, segundo números publi­ca­dos na imprensa, a entidade empresarial que maior despesa consagra à actividade de I&D (embora estes números possam estar algo empolados por uma arte bem desenvolvida e não criticável de captação de subsídios para I&D) [Nota: como vêm, não falo grátis quando falo de I&D "fiscal", mas naquele tempo os subsídios vinham essencialmente de fundos europeus, pelo PEDIP-"Medida 3" de Mira Amaral]. Mais importante ainda, a EFACEC se­gue per­sistentemente uma estratégia de internacionalização como resposta ao desafio da in­tegração europeia, e aposta no desen­volvimento de tecnologia própria como suporte para tal. São mui­tíssimo raras as empresas nacionais que fazem tal aposta, a qual, com todas as difi­culdades, é certamente a única que pode possibilitar um futuro ao país no 1º Mundo.
E no entanto, o grau de desenvolvimento tecnológico da EFACEC é baixo. Tal deriva de ra­zões históricas, começando pelo facto de o próprio aparecimento da EFACEC, há cerca de 50 anos, ter ocorrido um século depois do de empresas como a SIEMENS, quando os capi­tais acumulados com a neutralidade do país na II Guerra Mundial e a visão do minis­tro eng.º Fer­reira Dias o permitiram. Um século depois do nascimento das grandes empresas suas competi­doras e, o que é bem mais grave, sem tecnologia própria, ao contrário daquelas!...
Depois disso, e sem deixar de reconhecer a justeza da estratégia de protecção à nossa indústria nascente, trinta anos de aversão à liberdade de mercado e, portanto, de ausência de estímulo à ino­vação como factor de competitividade, não permitiram mais do que iniciativas isoladas como as dos estudos experimentais em transformadores do eng.º Renato Morgado, ou a aprendi­zagem empírica de algumas técnicas quando das visitas à ACEC ou resultantes da aná­lise cuidada a que os projec­tos licenciados sempre foram sujeitos. Esse torpor tec­noló­gico nes­ses 30 anos foi, aliás, geral no país - não esqueçamos que foi apenas nos anos 70 que chegaram ao país os primeiros en­genheiros doutorados no estrangeiro, onde haviam realizado Investiga­ção, e ainda por cima a maior parte deles no sofrível sistema britânico [Nota: no Reino Unido um licenciado brilhante do IST fazia o doutoramento em 2 anos, enquanto nos EUA nunca o fazia em menos de 4; o próprio IEEE considerava o doutoramento britânico um meio termos entre as teses de mestrado e as de doutoramento americanas. Mas hoje penso que apesar disso esses doutoramentos britânicos tinham também a grande virtude de "virarem" para a sociedade concreta].
O esforço de aquisição de competências próprias na globalidade das actividades industriais da EFACEC teria sempre de ser, com tal passado, impossível, dada a pe­que­nez do mercado naci­o­nal, mesmo se ele fosse totalmente protegido. Por isso, e por causa tam­bém das peias resul­tantes da de­pendência da ACEC, a administra­ção da empresa apostou, e bem, na Electrónica Industrial como área nova e prioritária de desen­volvimento tecnológico, numa estratégia bem explicada por Renato Morgado em 1983. Porém, a integração europeia realizada na última dé­cada, se veio tornar ainda mais urgente a aquisição de competências pró­prias traduzidas em produtos capazes de competir nos mercados globalizados, veio por outro lado agravar a com­petição no próprio mercado nacional, re­du­zindo com isso os volumes de vendas e praticamente anulando as margens de comercialização e, em consequên­cia, a disponibilidade de meios de in­vestimento para a aquisição das referidas com­petências. Competências que têm duas vertentes: a tecnoló­gica e a comercial. Mas, sendo reconhe­cida a extraordinária habilidade comercial da empresa, é certamente na disponibilidade de produtos de concepção própria e capazes de ofe­recerem vantagens competitivas no mercado internacional que reside a grande dificuldade da internacionalização - e, portanto, da própria sobrevivência.
A referida escassez de meios de investimento é entretanto compensada pela disponibilidade tem­po­rária de fun­dos europeus, pelo que as maiores dificuldades ao referido desenvolvimento de com­petências não se situarão na escassez de dinheiro. Mas, sendo esses fundos de dis­poni­bili­dade tem­porária, é compreensível que a empresa desenvolva uma corrida contra o tempo e só endogenize na sua es­trutura os Recursos que forem sendo capazes de se auto-sustentar - isto é, cuja criação de ri­queza prove a sua viabilidade.
A esta encruzilhada difícil que é, em grande medida, a do próprio país, junta-se um contexto tec­nológico nacional desfavorável - isto é, os parcos Recursos Huma­nos existentes, concentra­dos na Universidade e desenvolvidos aí ao longo dos anos 80, não têm uma cultura de apoio à indústria, pela qual têm, aliás, um considerável des­prezo, um muito disseminado desconheci­mento das capaci­dades exis­tentes, e uma fre­quente visão das empresas como galinhas de ovos de ouro a ex­plorar em benefício da Uni­versidade, vista como fim em si.
Esta situação resulta de diversos factores, de que os mais importantes serão:
1) uma cultura aristocrática na Universidade, tradicional até aos anos 70, mas ainda presente em muitos doutorados sobre­tudo dessa década, e que se manifesta no próprio facto de terem na maioria feito doutoramen­tos no Reino Unido e não nos Estados Unidos da América - isto é, mais que com­petências, obtive­ram um título nobiliárquico de prestígio. Tal espírito con­tras­ta, por e­xem­plo, com a ati­tude corrente dos asiáticos que se doutoram nos EUA, país em que, devido sobretudo à realiza­ção de cadeiras de pós-graduação tanto no mestrado como no dou­toramento, estes graus têm uma qualidade muito supe­rior à eu­ropeia. Ora é prá­tica corrente nos EUA os asiáticos re­a­lizarem estágios em empre­sas ameri­canas após os douto­ramentos e antes de re­gressarem aos seus países - isto é, não só adquirem o “background” cur­ricular e a capacidade de iniciativa em I&D, como treinam de­pois a sua aplicação no ambi­ente em­pre­sa­r­ial. É que o seu objectivo não é a ob­tenção de um título no­biliárquico para faze­rem car­reira nas Universi­dades públicas dos seus países, mas sim o de ad­quirirem competências úteis à actividade em­presarial. No nosso país, currículos desses con­tam-se pelos dedos - Tribo­let, Fon­seca de Moura, Salcedo, etc. Claro que o ambiente na­cional dos anos 70 tam­bém não fa­vorecia uma estratégia de pós-graduações no estrangeiro visando a aquisição de com­petên­cias de utilidade empresarial...! Que empresas tin­ha al­guma vez havido, em Por­tu­gal, que produzis­sem baseadas em tec­nologia própria, tec­nologia de ponta da que se aprendia no es­trangeiro e que é preciso manter em desen­volvimento? Seja como for, o certo é que tal men­ta­li­dade aris­tocrática que despreza a noção de produção de ri­queza e procura a pura “realização in­telec­tual”, existe. E se ela é infelizmente im­por­tante nas Uni­versidades, nos labo­ratórios do Estado é mesmo um verdadeiro paradigma...
2) Outro factor crucial que, na Universidade, se opõe à criação de tecnologia de apli­cação em­pre­sarial é a adopção do modelo norte-americano. Neste modelo, é a pro­dução de I&D tradu­zida em “papers” que determina a valorização dos currículos e, como consequência, da pro­gressão na car­reira. Ora os “papers” só são possíveis nas áreas de con­hecimento em que, em absoluto mundial, haja inovação. O modelo norte-americano pressupõe que serão depois as empresas, ou os labo­ratórios do Estado, quem fará o Desen­volvimento e as aplicações comer­ciais. Esse sistema funciona bem nos EUA, com a Universidade a fazer principalmente a In­ves­tigação de alto risco, alargando as fronteiras do conhecimento, e as empresas a faze­rem o De­s­envolvimento, aplicando o melhor daquele conhecimento e desenvolvendo as tec­nologias ren­táveis. O problema é que este modelo é bom para países em que é a indústria que detém o “know-how” aplicado, que o desenvolve e con­cretiza; mas nos países em que a in­d­ús­tria não tem esse “know-how” e pre­cisa de redescobrir muito do que, em ab­soluto mun­dial, já é co­n­he­cido (mas não divul­gado), o modelo norte-americano pro­duz um fosso en­tre os in­teresses tec­nológicos da indústria e os da Universidade. A existência deste fosso no nosso país foi bem apontada por Renato Morgado diversas vezes nos anos 80. Na prática ele traduz-se em que para um Universitário promissor, capaz de se en­volver na com­petição por uma car­reira, os te­mas de I&D capazes de o interessarem só po­dem ser os propiciadores de “papers” e não os de produtos. De “papers” aceitáveis em revistas geralmente editadas nos EUA...
Além deste fosso entre os interesses tecnológicos da Universidade e os das em­pre­sas portu­guesas, gerado pelo modelo norte-americano, acontece que infelizmente o próprio modelo norte-ame­ri­cano tende a ser aplicado, nas Universidades portuguesas, de forma degradada. Tal de­grada­ção mani­festa-se no baixo nível de muitas das cadeiras de pós-gradua­ção ensinadas nos mestrados (cuja e­x­is­tência no país, é de recor­dar, tem pouco mais de uma dé­cada) [Nota: os mestrados de que estava aqui a falar não têm nada a ver com os actuais de Bolonha!], e na inexis­tência de cadeiras no doutoramento - ou seja, a faceta das pós-graduações ameri­canas que é talvez a mais útil, a da ex­is­tência de uma com­ponente curri­cular de elevado nível e exigência, não está interiorizada (diria mesmo que mui­tas das ca­dei­ras de mestrado das escolas de eng. portuguesas são uma fraude)! Por outro lado, o grau de exi­gência das Teses de Mestrado e de Doutoramento nacionais nada têm tido a ver, em anos re­centes, com o das norte-americanas.
Esta degradação resulta em primeiro lugar de muitos dos docentes da pós-graduação não te­rem, eles próprios, realizado qualquer estudo curricular nas suas pós-graduações: ou por que as fizeram no Reino Unido ou França, onde tal prática não existe, ou por que as fizeram em Portugal antes da existência de mestrados, ou por que já as fizeram no actual sistema de­gra­dado - reproduzindo e acentuando o seu baixo nível. A invocação, por vezes exprimida, de que as licenciaturas portuguesas de 5 anos já incorporam o conteúdo das cadei­ras de pós-gradua­ção norte-americanas, esquece a tremenda diferença de nível e de exigência dessas cadei­ras - re­sultante, antes de mais, da pré-se­lecção dos alunos feita, no sistema americano, pela separa­ção do bacharelato relativamente ao mestrado, permitindo exigir nes­te incom­paravel­mente mais, e por a admissão aos doutoramentos exigir a aprovação com "A" em todas as cadei­ras pré-condicionantes!...
A importação do modelo norte-americano de valores Universitários só adoptou, infelizmente e em regra, a valorização dos “papers” como medida de competitividade, não conseguindo in­corporar a elevada qualidade das suas pós-graduações. Ora esta valorização tende por sua vez a sofrer da perversão dos “papers” como um fim em si, levando a técnicas de publicação por recombinação de todo o tipo de no­vas modas, e da perversão dessas próprias modas, nascidas muitas vezes de resul­ta­dos obtidos na I&D de aplicação militar (o que é oculto mas ocupa mais de 50% da I&D uni­ver­sitária norte-americana), com fraca relação com os problemas in­dustri­ais.
O facto é que, tal como a mentalidade aristocrática, o modelo de valores norte-ameri­canos na Uni­versidade é um facto incontornável. Certo é que haverá sempre indivíduos excepcionais que mesmo no ambiente descrito, ou até sem passarem pela pós-graduação universitária, con­seguem obter um conhecimento aplicável de elevado valor empresarial. Mas são essencial­mente auto-didactas, como tal em pequeno número, um número claramente insuficiente para as necessidades de desen­volvimento tecnológico sustentado da EFACEC.
3) Finalmente, o factor INESC. Ao contrário dos dois factores anteriores que se divorciam das es­tratégias de desenvolvimento tecnológico empresarial e, em particular, da do Grupo EFA­CEC, o INESC não recusa o Desenvolvimento de tecnologia aplicada em produtos. Porém, a forma como o faz é inconsequente e, muitas vezes, oposta ao real desenvolvimento tec­noló­gico empresarial e à correspondente criação de riqueza.
O INESC foi criado em 1981 (na mesma altura que a EFACEC/SE...), pelo Prof. Tribolet, tendo como modelo os laboratórios Bell dos EUA. Tanto estes laboratórios da ATT em que Tribolet esta­giou, como o MIT onde se doutorou, são as grandes referências da sua actua­ção. À época da sua criação, o I­NESC constituiu uma verdadeira revolução nacional no panorama tec­noló­gico então cir­cunscrito à Universidade e defrontou, com êxito, a oposição da cultura aris­tocrá­tica domi­nante, aliando-se aos defensores do modelo Universitário norte-americano, lide­rados pelo Prof. Fon­seca de Moura. A revolução consistiu essencialmente na defesa da In­ves­tigação Aplicada, na do De­sen­volvimento Tecnológico, e na ligação às em­presas CTT e TLP, con­gé­neres nacionais da ATT americana numa relação replicante da que os laboratórios Bell têm com a ATT.
Em meia dúzia de anos o INESC atingiu um inegável sucesso: 1) galvanizou um largo con­junto de professores e de alunos para o seu projecto, em muitos casos por motivos ge­ne­ro­sos, particular­mente entre os jovens; 2) Criou uma estrutura que rapidamente se tornou a mais efi­caz no país na captação de subsídios à I&D; 3) Conseguiu criar uma imagem nacional de ins­ti­tuição tecnologica­mente competente e disponível, vindo aliás a determinar, em grande medida, as es­tratégias governa­mentais na primeira metade dos anos 90; 4) estendeu-se a quase todas as Universidades e atingiu uma grande dimensão em quadros.
Apesar da inegável inovação que o INESC constituiu na História da engenharia nacional, ele tem geralmente falhado no seu objectivo primordial inicial: a transferência de tecnologia para o tecido económico existente. E isso resulta, sem dúvida, de uma errada filosofia que consiste em pen­sar a tecnologia, nascida da Investigação Universitária, no seguimento das modas e ten­dên­cias norte-americanas, como o primeiro objectivo para o qual há depois que procurar apli­cação económica - ou seja, em pensar a Universidade e não as empresas em mercado como o motor do de­sen­volvimento eco­nómico...!
Esta filosofia foi sobejamente demonstrada pela História como incapaz de criar os resulta­dos indica­dos, acabando sempre, inclusive nos laboratórios Bell em que se inspirou, por gerar apa­relhos pesa­dos e improdutivos que se tornam, por força das coisas, um fim em si mesmo - aca­bando a competir contra as entidades económicas que pretendiam inicialmente servir, pe­los Recursos Humanos, pelos subsídios, e, em certos casos, pelos próprios mercados.
Esta filosofia só é possível por que a actividade económica não é a fonte que sustenta as suas estru­turas. O INESC vive à custa do Estado - através da Universidade que lhe paga os Profes­sores e lhe cede os alunos, e dos subsídios para I&D e “formação” profissional. Os produtos resultantes da sua tec­nolo­gia não são o seu ganha-pão. E esta irrealidade acaba por ser, pelas razões oportuna­mente explicadas por Michael Porter, um travão à viabilização económica da I&D empresarial.
Na EFACEC e outras empresas existe, pelo contrário, a saudável noção de que o seu objec­tivo fi­nal são as vendas e as margens - ou seja, o dinheiro - e que a tecnologia é um meio, por ve­zes, de conseguir esse fim. Esta é, sem dúvida, a única perspectiva que pode fazer da tec­nolo­gia uma fonte de riqueza. A perspectiva que parte das necessidades do mercado para o Desen­vol­vimento de pro­dutos, e deste para a Investigação, e não ao contrário...
Porém, uma excessiva polarização no esforço de vendas e de aumento de margens pode tam­bém fazer perder de vista a necessária cadeia de criação tecnológica. No limite, a atenção pode centrar-se de tal forma nas vendas que tenda a tornar-se uma actividade eminentemente co­mer­cial, pouco in­teressa de quê, e a procurar margens na redução de custos até à auto­fagia! Quando o mer­cado exige depois a disponibilidade de produtos incorporando uma tec­nologia inexistente, a solução de recurso à Universidade ou INESC descobre, com frequência, a ine­xis­tência de conhecimentos e pessoas utilizáveis.

Do que foi dito resulta que é minha opinião que, numa perspectiva estratégica de longo prazo, a EFACEC deve procurar garantir o controlo da cadeia de criação tecnológica desde a sua ori­gem, a Investigação aplicada e a formação que lhe está associada nas Universidades.
O Desenvolvimento de produtos não deve ser realizado na Universidade. A Universidade visa e deve visar a obtenção de conhecimentos e o seu ensino e, por conseguinte, deve centrar-se na In­vestigação associada a Teses - de licenciatura, de mestrado e de doutoramento.
O De­senvolvimento visa a criação de produtos vendáveis em mercados abertos, e portanto deve ser orientada por objectivos comerciais, ter em conta desde a concepção os custos de produção e de compo­nentes, contemplar os aspectos de imagem, o design e as interfaces Ho­mem-Máquina, guiar-se por preços-objectivo e pelas soluções da concorrência, e ser go­v­er­nada pelas regras da Pro­priedade Intelectual. Estes aspectos só são possíveis no interior de empresas, num ambiente em­presarial fortemente integrado, nunca num ambiente de Ensi­no!
A EFACEC deve pugnar junto do Governo para que os subsídios que têm sido destinados ao IN­ESC e utilizados para projectos de Desenvolvimento, sejam canalizados para as em­presas, e em particular para a EFACEC. Tal transferência de fundos, que poderá ser subs­tan­cial, poderá permitir à EFACEC desviar parte dos Recursos Humanos e materiais do INESC para seu próprio uso (notícias recentes parecem indicar uma reorientação positiva dos finan­ci­amentos estatais nesta direcção).
Por outro lado, a política de subsidiação da Investigação Universitária deverá ser também de­finida em estruturas consultivas do Estado em que a EFACEC - e eventualmente outras em­pre­sas - ten­ham um papel determinante. Esta é a fórmula sueca, por exemplo.
Mas, reconhecendo à Universidade o papel de efectuar a Investigação e a formação associada, e não pretendendo degradar esse papel com objectivos oportunistas de exploração de mão de obra barata, é necessário que a EFACEC possua uma noção clara das áreas em que lhe interessa estrategicamente ter “know-how”, o que por sua vez exige recur­sos próprios de elevado nível. Na prática, a associação a Professores universitários em áreas chave poderá ser uma solução - elementos que ajam, claro, como agentes da EFACEC na Universi­dade, e não o con­trário.
Note-se que o oportunismo não consiste, naturalmente, em exigir trabalho gratuito a estudan­tes, ou em exigi-lo em quantidade. Nem tão pouco em querer que o façam para benefício de uma empresa externa à Universidade, desde que não se perca de vista que o referido trabalho gratuito é um inves­timento do estudante e das suas famílias visando a sua formação. O opor­tunismo reside em sacrificar a aquisição de conhecimentos técnico-científicos à produção de resultados comercializáveis acaba­dos, já que não é esta a função da Escola. No entanto, a aprendizagem de matiz nitidamente profis­sionalizante no interior das empresas é possível e mesmo desejável - como estágios.
Há também que ter em conta que por Investigação se não en­tende apenas a Investigação te­ó­rica dos grandes temas, ou seja, a correspondente às Teses de doutoramento - mas sobretudo a Investi­gação aplicada de certos assuntos ou pro­blemas bem definidos e mais ou menos com­plexos, que podem ir desde o estudo das po­tencia­lidades de um novo microcontrolador para alguma aplicação específica, à implemen­tação de um algoritmo de estimação de estado num certo ambiente de soft­ware. Investiga­ções, por ou­tras palavras, adequadas a Teses de Licencia­tura (sem tradição no nosso país mas equivalentes a Trabalhos Finais de Curso) ou de Mes­trado - dado que toda a Inves­ti­ga­ção Universitária tem ser capaz de se traduzir numa formação académica bem identificada ou é oportunista. Desde que estas condições sejam verificadas, só se pode desejar que toda a actividade de Investigação seja do interesse das empresas e susci­tada por elas, não faltando na EFACEC os temas que a motivem.
Entretanto, é de sublinhar a importância que tiveram dois projectos de I&D desenvolvidos sob contrato entre a Indústria e a Universidade, para a formação de dois engenheiros que aliam, nas suas competências, a formação tradicional em Sistemas de Energia com o domínio de no­vas tecnologias informáticas, e que são dos raros, no país, a possuir as aptidões de que a EFACEC necessita. Não há qualquer dúvida de que re­sultaram do facto de os seus trabalhos de Investigação terem sido orientados por necessida­des industriais (embora da EDP, em ambos os casos).
Para que esta subordinação da Universidade seja possível, é necessário desenvolver uma estra­tégia de relacionamento institucional com a Universidade. O limite desejável será gerir uma Uni­ver­si­dade em parceria com outras empresas e determinados organismos do Estado, como é bom e­xemplo o SUPÉLEC, sem dúvida a Universidade francesa que maior prestígio tem con­se­guido nos últimos anos, e cujos “papers” são do melhor que se tem pu­bli­cado re­centemente no estudo de problemas bem reais, usando com alto ní­vel no­vas ferramentas mas bem adequa­das a esses proble­mas...
Tal limite será difícil no nosso pequeno país, a curto prazo. A alternativa poderá ser, então, uma es­tratégia de aliança a grupos de Professores visando a tomada do poder interno de al­guma(s) Univer­sidade(s) existente(s), estratégia do tipo da que o INESC desenvolve como grupo na Univer­sidade, o que requer meios de pressão e de atracção - provavelmente o poder de, através do Estado, definir as políticas de subsidiação da Investigação Universitária.

Muito do que aqui exprimia em Janeiro de 1997 ficou desactualizado com a adopção de Bolonha, na última década. E, por outro lado, no que respeita especificamente à EFACEC, pode-se dizer que ela prosseguiu esta visão mas muito moderadamente e circuncrevendo-se à FEUP, onde o INESC-Porto conseguiu escapar à voragem estatista e pior que aristocrática, cortesã (numa tradição nossa milenar que não enfraquece), que os Governos do PS trouxeram consigo como modelo à I&D tecnológica. Conseguiu até passar a ter enorme influência sobre o Governo dos "mouros", enquanto preservava a sua estratégia própria.
Pena é que reine ali um regionalismo radical e auto-exclusivo da nação no seu todo.

3 comentários:

Anónimo disse...

A EFACEC além desses problemas identificados de forma brilhante neste "post" ainda tem outro:

Demonstra muita dificuldade em manter um quadro estável de engenheiros em funções técnicas. Há muita tendência a remunerar trabalhos técnicos especializados (no qual incluo a I&D) da mesma forma que trabalhos não especializados. Essa estratégia tem consequências.

Em abono da verdade também se diga que não é a única empresa em Portugal com esta atitude.

Anónimo disse...

"A invocação, por vezes exprimida, de que as licenciaturas portuguesas de 5 anos já incorporam o conteúdo das cadeiras de pós-graduação norte-americanas, esquece a tremenda diferença de nível e de exigência dessas cadeiras - re­sultante, antes de mais, da pré-selecção dos alunos feita, no sistema americano, pela separação do bacharelato relativamente ao mestrado, permitindo exigir neste incomparavelmente mais, e por a admissão aos doutoramentos exigir a aprovação com "A" em todas as cadeiras pré-condicionantes!..."

Isto e falso e aposto que nem consegue dar um exemplo dessa exigencia de aprovacao com A nas cadeiras pre-condicionantes em universidades de topo, digamos Ivy League por exemplo.

Pinto de Sá disse...

Tenderia a não lhe publicar o comentário, dada a acusação de falsidade ao que afirmei, mas aproveito para dizer que pode consultar na net os programas de doutoramento e verificará que em regra se exige um nível de classificação nas disciplinas de "PhD encouragement".
Quanto a exemplos, embora não goste de particularizar, posso dar um (anterior a esta reflexão que redigi em 1997): o do Ph.D em Power Systems no Georgia Technology Institute em que um colega meu se doutorou (no final dos anos 80).
Mas leia isto, para começar:
http://en.wikipedia.org/wiki/Doctor_of_Philosophy#United_States