quinta-feira, dezembro 02, 2010

I&D real ou fiscal?

Há quase ano e meio escrevi aqui um post em que manifestava o meu assombro com um mistério que se verificara no biénio 2006-2007: o investimento das empresas nacionais em I&D mais que duplicara nesse curto espaço de tempo (teria aumentado 114%!!!), e o número de investigadores envolvidos nesse espantoso progresso crescera em 4625 (ou até mesmo 6311, a acreditar na estatísticas publicadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia - vd o meu post referido)!!!
O meu assombro advinha de um acréscimo de 6311 investigadores nas empresas em apenas 2 anos ser uma coisa capaz de arrombar todos os recursos académicos disponíveis para I&D de aplicação empresarial, e no entanto ninguém nas Universidades ter dado por nada! De facto, não sendo provável que tais recursos tivessem sido recrutados nas áreas das ciências humanas e sociais em número significativo, é conjecturável que proviessem maioritariamente das engenharias e quiçá da saúde (embora os hospitais não estivessem abrangidos pelas referidas estatísticas), e ninguém notara nada!
É que, não sendo o nosso país muito dotado de investigadores interessados e capazes de trabalhar em empresas, nas alturas em que o mercado laboral intensifica os seus recrutamentos é costume as empresas contactarem directamente os docentes das cadeiras terminais, como eu, pedindo-lhes recomendações de bons alunos ou ex-alunos! Os próprios alunos a realizarem teses são assediados por essas empresas, em tais alturas, e isso é coisa que se sabe! Como é que seria possível ter-se dado tal prodigioso salto no empenho em inovação tecnológica das nossas empresas, e nada se ter notado na Universidade??!!!
Uma breve análise às principais empresas que encabeçavam a lista das nossas investidoras em I&D mostrava que a Banca fora quem dera o salto maior, e à frente vinha o BCP. Como tenho um amigo que tinha uma empresas de alta tecnologia que há anos desenvolvia e vendia um inovador produto informático à Banca, e em que por acaso o BCP era um dos seus grandes clientes, indaguei-o sobre o que sabia ele desse grande salto - e a resposta foi que não sabia nada e que estava muito admirado com a notícia, porque o que vinha constatando era o contrário, uma redução dos investimentos da Banca em novas tecnologias e em especial no BCP, desde que este entrara em crise!
Após alguma pesquisa e reflexão adicionais, acabei por descobrir o que se passara, como descrevi neste post: o SIFIDE! Este "Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresariais" permite abater 1/3 da despesa declarada de I&D em IRC, a somar à dedução de 50% do aumento desta despesa em relação à média dos dois anos anteriores, até ao limite de 1,5 milhões de euros!
E como se comprova que a actividade declarada foi efectivamente de I&D? Pois, não são conhecidos os mecanismos de prova! A única coisa necessária é ter a empresa sido "certificada" pelo Governo.
É certo que em 2008 foi publicado por cá o "Manual de Frascati" da OCDE que, em particular, numa linguagem própria para burocratas, aborda a diferenciação entre o que é mera Engenharia de concepção (por exemplo, o projecto de uma ponte nova ou de um novo web site), do que é realmente I&D (por exemplo, a criação de um novo método de cálculo de pontes, ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia informática para a construção de web sites). Mas, com uns milhares de empresas a concorrerem à generosa bonificação fiscal do SIFIDE, sobretudo na área de informática, onde estão as equipas fiscalizadoras, os seus manuais de avaliação e os seus relatórios de apreciação? Mais: qual a taxa de rejeição das candidaturas ao SIFIDE?
Há ano e meio eu dava notícia de que Manuel Heitor, o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde 2005, explicava o prodigioso surto na I&D empresarial portuguesa com o facto de que o SIFIDE "destapara muita I&D que se vinha fazendo nas empresas" (o que, a ser verdade, significava então que essa I&D já pré-existia e fora apenas "destapada", o que torna estranha a notória falta de inovação tecnológica da nossa economia transaccionável). Entretanto, na sexta-feira passada, no programa da SIC Notícias "Expresso da Meia Noite", Manuel Heitor notava o papel central destas empresas no respectivo crescimento e no das exportações nacionais, o que relacionou com a sua aposta na I&D (aparentemente apenas nos últimos 5 anos e, portanto, devida à política do Governo) e com o crescimento da comunidade científica nacional (algo difícil de compreender atendendo ao evidente não recrutamento de pós-graduados pelas empresas).
Porém, alguma dúvida metódica permite questionar se o referido e inegável crescimento da despesa em I&D não resultará antes do crescimento universal e inerente da esmagadoramente maioritária informática nessa lista (em que a Novabase de Rogério Carapuça representava, em 2007, praticamente metade da referida I&D), e se o maior crescimento das exportações dessas empresas estará mesmo bem contabilizado.
É que a visão optimista dos participantes no referido programa de televisão é arrefecida por alguns dos dados contidos nas estatísticas publicadas recentemente pelo Eurostat. Neste documento, se Portugal se compara agora de facto razoavelmente em muitas estatísticas de despesa em I&D, continua a ombrear com países como a Bulgária, países bálticos, a Polónia, a Eslováquia, a Islândia e a Croácia no pouco peso que a indústria fabril tem na sua I&D, ao contrário do que acontece na Alemanha, Suiça, Finlândia, Holanda, Eslovénia e República Checa. Todos sabemos quais destes países são os pobres e quais são os ricos...
Estes dados do Eurostat são agravados pelas contas do Prof. Álvaro dos Santos Pereira, da Universidade canadiana de Columbia, que também não partilha do optimismo local e que contabiliza que o peso da alta tecnologia nas nossas exportações industriais terá descido, e não crescido, nos últimos 8 anos, de 10% para... 7,6%!
Há dias foi publicada a actualização do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional para o biénio de 2008-2009. Depois de atingir um máximo em 2008, a despesa empresarial em I&D estagnou em 2009.
Quanto à receita retornada por essa despesa é que faltam estatísticas...

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