quinta-feira, julho 23, 2009

Ainda o mistério do grande salto em frente da I&D nas empresas

Conforme já partilhei convosco, existe um mistério no apregoado grande progresso alcançado sob o actual Governo, segundo o qual pela primeira vez as contas de 2008 mostrariam que, no biénio de 2006-2007, a despesa empresarial nacional em I&D teria, pela primeira vez na nossa História, ultrapassado a despesa pública na mesma.

Dado o significado que tal sucesso indubitavelmente poderá ter para o futuro desenvolvimento do país, acometeu-me a curiosidade de saber em que sectores e como se terá processado tal salto, e que projectos e progressos concretos estarão envolvidos com ele.

Ora, como desabafei convosco, não me foi possível até ao momento encontrar vestígios palpáveis desse incremento de I&D!...

Entretanto, tendo verificado que em 2005 (imediatamente antes do referido salto em frente) foi legislada uma generosa política fiscal para a I&D empresarial, aliás reforçada em 2009, e que essa política tem sido explicada às empresas quanto aos termos da sua Contabilidade, comecei a suspeitar que tal salto em frente possa ter sido, na verdade, essencialmente uma I&D de "contabilidade criativa". Ou seja, uma habilidade contabilística que aproveite a ambiguidades entre o que é "Investigação e Desenvolvimento" e o que é simples engenharia, sobretudo nos Serviços e na Informática, e que poderá estar a gozar de encorajamento político, a bem das estatísticas. E por isso fui analisar melhor alguns números disponíveis sobre a nossa I&D empresarial e em particular no famoso biénio 2006-2007, constatando que:


  • A despesa (ou investimento?) empresarial terá aumentado, no referido biénio, 114%! Mais do que duplicou! Terá atingido os 988 milhões de €.
  • Cerca de 90% desse investimento foi feito com fundos próprios (nacionais).
  • Curiosamente, o número de investigadores indicados pelas empresas aumentou exactamente na mesma proporção da despesa: 115%, de 4014 para 8639. Em 2007, portanto, a I&D nas empresas empregou mais 4625 investigadores que em 2005!
  • A publicação do Ministério da Tecnologia que contém os dados acabados de referir indica ainda, na página seguinte, que o número de investigadores em Tempo Integral aumentou, nas empresas e neste biénio, de 6133 para 12444 (vd. gráfico anexo), mais 6311 investigadores!!!
Um tal aumento de 4625 investigadores (ou 6311?) em 2 anos, nas empresas, deveria ter sido notado pelas Universidades, sabendo-se como as empresas competem entre si pelos melhores alunos tentando cativá-los ainda antes de sairem das Universidades, quando investem em Recursos Humanos qualificados. Trata-se de Engenheiros, Físicos, Químicos, quiçá Biólogos, talvez também Economistas, alguns técnicos de laboratório, admitamos, mas essencialmente licenciados. Porém, os elementos recém-licenciados com capacidade para I&D são apenas uma percentagem do seu total, e em bom rigor com capacidade de I&D serão os Mestres e os Doutorados.

Ora as Universidades portuguesas não produzem anualmente os cerca de 3000 investigadores que terão sido contratados, anualmente, pelas empresas! Nem em número de licenciados qualificados, nem muito menos em número de Mestres e Doutorados!
Continuando a analisar os dados disponíveis, verifica-se que dos referidos 12444 investigadores nas empresas:
  • cerca de 1/3, 3850, trabalham nas empresas de serviços de Informática;
  • 15%, 1850, trabalham nas indústrias de equipamentos, química e farmacêutica, sensivelmente a mesma proporção que estas actividades têm na despesa empresarial total;
  • perto de 1/8, 1490, trabalham nas empresas de consultoria e serviços às empresas, sendo de admitir que muitas delas ligadas a estudos ambientais;
  • apenas 7%, 870, trabalham nos Serviços financeiros, apesar deste sector ser o campeão da despesa em I&D (20%);
  • apenas 4.5%, cerca de 550, trabalham nas Comunicações, apesar deste sector ser o vice-campeão das despesas de I&D (14%);
  • apenas 0,8%, ou cerca de 100, trabalham no sector da Energia, apesar desta ter apresentado uma despesa em I&D de 38 milhões de € (4.5% do total), um crescimento de 80 vezes face ao biénio anterior.
Por outro lado, apesar do triunfo com que o Ministério apresenta a produção nacional de doutorados ao ter atingido na época o número médio anual de 1400, com 815 em áreas científicas e 270 em Engenharia e Tecnologia, a I&D empresarial apenas empregava, ao todo... 360! Olhando para quem é que empregava esses 360 doutorados, verifica-se que:
  • 63 estavam nas Indústrias Químicas e Farmacêutica. Viva a Hovione!
  • 58 estavam na consultoria e nos serviços às empresas.
  • 27 (7.5%) estavam nos Serviços de Informática, apesar deste sector ser o campeão em número de investigadores declarados (32%); a Novabase e o Carapuça devem ter boa parte...
  • 22 estão na Banca e Serviços Financeiros, um número proporcional à % de investigadores declarados (7%), mas muito inferior ao peso na despesa deste sector;
  • 37 estarão empregados pelo conjunto de toda a indústria, a somar aos da Química e das farmacêuticas;
  • 1 ou 2, apenas, estavam nas Comunicações, apesar do peso deste sector na despesa de I&D;
    É entretanto de notar que boa parte dos 360 doutorados empregados em empresas o foram por iniciativas muito fomentadas pelo Estado, que não se tem poupado a esforços, nos últimos anos, para induzir essa empregabilidade. Por isso não tem grande significado a avaliação da contratação de doutorados como medida da evolução do investimento empresarial em I&D. Porém, antes das actuais medidas de fomento deste emprego, até 2003 inclusivé, o número de doutorados contratados por empresas em Portugal não excedia anualmente... 15! E cerca de 1/4 dos doutorados acabava por emigrar...
    Se são as empresas que são retrógradas e não percebem a utilidade dos doutorados, como acusam os universitários, ou se são os doutorados que pouco know-how têm com aplicação às necessidades reais das empresas, como acusam estas, é assunto para outra conversa.
    De momento, entretanto, o certo é que fica por identificar que actividades produziram o espantoso salto de despesa em I&D nas empresas durante o biénio 2006-2007, sobretudo nas Comunicações, na Banca e Finanças e também nos serviços de Informática. Estarão grandes projectos de I&D a ser desenvolvidos em segredo? Ou foi essencialmente transferência contabilística de despesas correntes, visando os benefícios fiscais criados pelo Governo?
    Note-se que não ponho em causa a reconhecida qualidade internacional dos serviços Financeiros e da Banca portuguesa, nem as inovações dos cartões pré-pagos dos nossos telemóveis (todavia anteriores a 2006...), nem o surto de algumas grandes empresas informáticas de alta qualidade nem, obviamente, o orgulho de termos uma Hovione! Só que tudo isso já existia antes deste salto em frente...
    Entretanto, enquanto o grande salto em frente da I&D empresarial portuguesa se não traduzir em sinais de novos produtos, de novos serviços e/ou processos capazes de competirem internacionalmente (isto é, de bens e serviços transaccionáveis), capazes de alterar o rumo descendente da nossa competitividade económica, é legítimo duvidar do significado destas estatísticas.
    Mas se alguém souber de novos projectos de I&D que justifiquem os números do grande salto em frente que aqui expus, diga-me que eu publico!
  • 7, apenas, estavam na Energia (e destes sei que alguns foram dispensados depois de 2007, por "necessidades de contenção orçamental"...);

2 comentários:

Anónimo disse...

Quais serão as razões que impedem as empresas de efectivamente investir no desenvolvimento de bens transaccionáveis?

Pinto de Sá disse...

Ora aqui está uma pergunta cuja resposta vale "one-million dollars"!... :-)
Tenho algumas ideias sobre ela (a resposta) e esta pergunta sugere-me um post sobre isso. Logo que tenha tempo...