segunda-feira, outubro 03, 2011

Acertos e extras sobre a rentabilidade das novas hidroeléctricas

Depois da compilação actualizada das minhas contas sobre as novas hidroeléctricas, um diálogo com o Ecotretas levou-me a rever os cálculos no pressuposto de que o rendimento do processo de armazenagem é, não os 75% que tenho assumido até aqui, mas na verdade inferior a 70%.
De facto, a literatura optimista que preconiza o armazenamento hídrico como forma de regularizar as renováveis intermitentes costuma apontar a banda de 70-82% para os rendimentos do processo, e foi por isso que eu, preferindo pecar por excessiva bondade do que por má fé, tenho considerado o valor médio dessa banda e arredondado para cima.
Porém, toda a literatura que se baseia em dados reais de hídricas de bombagem reais aponta antes a banda de 65-77% (ou seja, menos 5% que a outra), e um dado concreto é a eficiência atingida em algumas grandes barragens chinesas feitas com o apoio técnico da sabedora e experiente EDF: 70%.
Assim, os dados que o trabalho orientado pelo Prof. Peças Lopes (agora ocultado do escrutínio público) e que eu mencionara no post anterior, que efectivamente eram de um rendimento inferior a 70%, devem ser típicos.
Por outro lado, também tenho assumido umas perdas na rede da REN, para o tansporte dos parques eólicos às barragens, de apenas 1%, mas os relatórios da REN mostram que o valor típico anda na banda 1,5-2%.
Assim, e se refizer as contas do post anterior considerando um rendimento total para o armazenamento hídrico de 68, 66 e 63%, respectivamente para uma potência eólica instalada de 4250 MW ( a actualmente existente), 5700 MW (a considerada pela REN para o PNBEPH) e de 8500 MW (a planeada pelo Governo anterior), os resultados modificam-se como mostrarei. O rendimento decrescente que indiquei resulta de, crescendo a quantidade de água bombada, crescerá também a quantidade que terá de ser dissipada abrindo as comportas das barragens, devido à competição com a água da chuva pela capacidade das albufeiras.
Antes de continuar, convém notar que o armazenamento hídrico acresce o custo do kWh de energia eólica em duas parcelas:

- a primeira resulta do custo propriamente do armazenamento, ou seja, essencialmente as receitas das hidroeléctricas pelo serviço prestado;
- a segunda resulta de que, sendo a energia eólica paga directamente aos produtores, o custo para os consumidores é o mesmo mas a dividir por uma quantidade de energia eólica menor, devido às perdas no processo de armazenamento. Ou seja, esta parcela resulta dos consumidores pagarem também as perdas da armazenagem, na origem e ao produtor.

Considerando então agora estes novos rendimentos e que , para os três cenários de potência eólica instalada e admitindo sempre um factor de utilização de 25%, no primeiro (4250 MW instalados, 1062.5 MW produzidos em média) se armazenarão em média 175 MW (1/6), que no segundo (5700 MW, 1425 MW em média) se armazenarão em média 350 MW (1/4),  e que no último (8500 MW, 2125 MW em média) se armazenarão 700 MW (1/3), obtem-se, assumindo como antes 8,5% de taxa de remuneração do investimento e um diferencial de 6,5 ç/kWh entre o preço de venda e o de compra pela EDP da energia eólica:
  • Cenário com a potência eólica actualmente instalada (4250 MW)
Neste cenário a EDP não consegue recuperar o investimento feito. Os custos adicionais para os consumidores resultantes do armazenamento serão:
- receitas das hidroeléctricas - 1,81 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,45 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,26 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,4 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 3,7%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 56 MW de perdas (em média) = 80 MW.

  • Cenário com a potência eólica instalada de 5700 MW
Neste cenário a EDP já consegue recuperar o investimento feito, mas ao fim de 50 anos. Os custos adicionais para os consumidores resultantes do armazenamento serão:
- receitas das hidroeléctricas - 1,97 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,74 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,71 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,62 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 5,8%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 120 MW de perdas (em média) = 16 MW.

  • Cenário com a potência eólica instalada de 8500 MW
Neste cenário a EDP recupera o investimento feito em 13 anos. Os custos adicionais para os consumidores resultantes do armazenamento serão:
- receitas das hidroeléctricas - 2,16 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 1,12 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 3,28 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 1,07 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 10%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 266 MW de perdas (em média) = -130 MW.

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor,
Não sei se já se terá apercebido, mas a expansão da rede de gás natural baseia-se num modelo semelhante ao das eólicas, garantindo o Estado uma remuneração de 9% para o capital investido em «tubos» & afins.
Por consequência, se um dos dois grandes custos de produção – a energia – tem e terá garantidamente um preço ridiculamente elevado, como é que alguma vez será possível vir a ter um sector secundário competitivo em Portugal?
E pior do que isso: como é que os contribuintes se livram deste pesadelo?
Cordialmente,
AM

Sergio disse...

Deixo aqui uma notícia/comédia sobre uma empresa de painéis solares que recebeu subsídios governamentais (USA) e faliu... http://www.thedailyshow.com/watch/thu-september-15-2011/that-custom-tailored-obama-scandal-you-ordered-is-finally-here

Zé Maria disse...

Tive oportunidade de visitar na Madeira uma hídrica reversível que está a funcionar. Talvez seja um bom ponto de partida para obter número fiáveis, embora naquele caso, o reservatório superior seja relativamente pequeno.
ZM

Rui disse...

Boa Noite.

Caro Professor Pinto de Sá;

Antes de mais, tenho a dizer que está a fazer um óptimo trabalho ao publicar neste blogue grandes verdades. Sou estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores e ainda não tenho grandes conhecimentos de contabilidade e finanças, gostaria de saber, em mais detalhe, como chegou aos valores ç/kWh num dos três cenários que indica, valores como:
-receitas das hidroeléctricas;
-pagamento das perdas;
-Adicional de custo por cada kWh consumido no país;
-% de sobrecusto na factura média;
-saldo energético das novas barragens;

De forma a ampliar os meus conhecimentos nesta área.
Obrigado pela atenção.

Rui

Pinto de Sá disse...

Rui,
Terá que ir ler os links para posts anteriores, e eventualmente nesses para outros mais antigos.
Tenho isso tudo explicado ao longo do blog, pelo que se fizer o "trabalho de casa" de o pesquisar, encontrará toda a informação necessária.
Cumprimentos