quinta-feira, outubro 13, 2011

Encargos de potência: rendas ou sobrecustos da energia eólica?

Há semanas fui entrevistado para um programa sobre as barragens que passou na RTP 2 há dias, e que pode ser visualizado aqui por quem quiser.

Encargos de potência: rendas ou sobrecustos da... por BBird351
Nesse programa expliquei à jornalista o papel das barragens reversíveis na regularização da energia eólica e como o sobrecusto daí decorrente era imputável àquela forma de produção, mas houve pontas soltas na minha entrevista que não foram convenientemente tratadas pela reportagem.
Uma dessas pontas é a verba que as barragens vão receber a título de encargo de potência, e que o Prof. Joanaz de Melo estimou em 49 M€/ano (eu estimei 52 M€ nestas contas aqui, mas a diferença é um detalhe menor).
O Prof. Joanaz de Melo e a reporter falam desta verba como uma "renda", que as barragens receberão "quer produzam quer não", mas é altura de esclarecer que essa receita corresponde de facto ao pagamento de um serviço, e que esse serviço é absolutamente necessário, pelas razões que vou mostrar.
Um sistema eléctrico tem de ter capacidade instalada capaz de satisfazer a ponta máxima de consumo anual que possa ocorrer, e que por cá é no Inverno. Como pode haver alguma central momentâneamente avariada, e como o consumo pode por qualquer razão metereológica exceder um pouco o previsto (um frio intenso, por exemplo), em geral na península ibérica tem-se uma reserva de 10% sobre essa ponta de potência máxima.
Quer isto dizer, por exemplo, que se se admitir que no Inverno poderemos atingir 9,5 GW de consumo máximo, o sistema tem que prever 10,5 GW de potência disponível para acorrer a essa ponta de consumo.
Numa central termoeléctrica, ou nas hidroeléctricas no Inverno, podemos contar com a sua potência instalada para isso.
Mesmo no que respeita aos produtores independentes mas termoeléctricos, como a biomassa, Resíduos Sólidos, biogás, cogeração, e também nas mini-hídricas, podemos estatisticamente contar com uma parte muito substancial da sua capacidade para ajudar à tal ponta máxima de consumo.
Porém, nas centrais de energias renováveis intermitentes, não!
A energia fotovoltaica, por exemplo, obviamente não gera à noite, e também gera muito menos no Inverno que no Verão.
Porém, o grande problema da nossa rede nesta matéria é a energia eólica, devido à enorme capacidade que ela já tem cá instalada e à que ainda se planeou vir a instalar!
Com efeito, neste momento teremos uns 4,2 GW de eólicas instaladas que, em média anual, produzem 1,05 GWh.ano (17.5% de toda a electricidade consumida anualmente, tanto já como na Dinamarca), e que em certas madrugadas de muitos dias do ano chegam a estar a produzir mais do que o que se é capaz de consumir, razão de ser da armazenagem pelas barragens que a reportagem abordou.
Porém, isto é imprevisível e não se pode contar com isto para a tal ponta de consumo anual pelo Inverno!
De facto, há também muitos dias, em especial no Verão, em que as eólicas só trabalham a 6% da sua capacidade, por falta de vento, e embora no Inverno, quando ocorrem as pontas de consumo, o mínimo com que se possa contar seja um pouco melhor, mesmo assim não ultrapassa os 0,4 GW, menos de 10%!
Ou seja: por mais energia eólica que tenhamos, temos de ter sempre outras centrais que podem estar "a produzir ou não", como dizia o Prof. Joanaz de Melo, mas que realizam um serviço indispensável: o de acorrer à produção, especialmente na tal ponta de consumo anual, no qual praticamente não se pode contar com o vento para o efeito.
E se essas centrais têm que estar disponíveis, têm que ser construídas e mantidas em boas condições. Mesmo que muitas vezes estejam paradas!...
E isso implica um custo.
Custo que, obviamente, resulta da intermitência incontrolável das formas de produção fotovoltaica e eólica. Um sobrecusto que se lhes deve, por isso, imputar por inteiro!
Espero que tenha ficado claro por que razão, mesmo que o plano completamente delirante de virmos a ter 8500 MW de potência eólica instalada se concretizasse, continuaríamos a precisar de praticamente as mesmas centrais hidroeléctricas e térmicas para satisfazer as pontas de consumo, já que não se pode nunca contar antecipadamente com mais de 6 a 8% da capacidade eólica para satisfazer essa necessidade!
E falei em térmicas porque há anos em que há pouca chuva e portanto também não há agua nos rios no Verão, nem vento, e embora no Verão as pontas de consumo sejam menores que no Inverno, em contrapartida ainda há menos vento e menos água nos rios.
Isto não é novidade nenhuma para quem sabe alguma coisa do assunto, e é por isso que nos anos 70 em Portugal se avançou para a construção de algumas termoeléctricas, depois de uma série de anos secos.
E é por isso que boa parte dos tais "subsídios" pagos também às termoeléctricas são ainda sobrecustos da energia eólica; o vento pode reduzir a produção de energia total daquelas térmicas, mas não reduz em quase nada a necessidade de as ter "à mão". E se elas não cobram na energia, é preciso pagar-lhes só para estarem lá.
De facto, o problema da energia eólica, a partir do momento em que atinge quando está no máximo o consumo mínimo de um país (o que já acontece cá), é que só é capaz de andar se tiver duas muletas: uma para as alturas de excesso (muleta da armazenagem), e outra para as alturas de falta de vento (muleta de backup). E na fotovoltaica é ainda pior!
Ora as muletas têm de se pagar!

6 comentários:

Lura do Grilo disse...

Mudando de assunto. Quando falará nos Carnegie Melon, MIT e outros programas da treta?

Anónimo disse...

Gostava de perceber porque considera os referidos programas como "programas da treta". Se fosse possível, gostaria que fundamentasse com factos e não opiniões.

Um obrigado
- Um aluno de um desses "programas da treta"

Lura do Grilo disse...

Simples. Foram contratos ruinosos: nunca preencheram as vagas e foram frequentados por muitos alunos não portugueses.

São assim como as energias renováveis: caros e não valeram a pena.

Gonçalo Aguiar disse...

Caro Professor:

Adorei a sua explicação nesta entrevista e da maneira isenta como o fez. Gostaria de lhe perguntar, se é possível em termos de engenharia ter o país inteiro unicamente abastecido por energia eólica com este esquema de armazenagem? Pergunto-lhe não em termos económicos e de mercado, mas sim em termos de fazibilidade de engenharia. Eu oiço muitas vezes os ambientalistas a falarem na hipótese de abastecer países, e eventualmente o mundo inteiro, apenas com fontes renováveis, e eles sustentam as suas teses predominantemente referenciando o "The Energy Report - 100% Renewable energy by 2050" (http://wwf.org.uk/wwf_articles.cfm?unewsid=4565). É possível, na sua opinião, um cenário destes em 2050?

Melhores cumprimentos,

Pinto de Sá disse...

Caro Gonçalo,
Infelizmente as nossas barragens têm uma capacidade de armazenamento relativamente pequena.
As albufeiras são pequenas (as espanholas são bem maiores).
Mas, teoricamente, seria possível termos muito mais eólica e só se usar a que precisássemos.
O PARADOXO é que, economicamente, no estado actual da tecnologia essa energia ficaria tão cara que não seria possível a grande parte da população e empresas comprá-la, e portanto não se venderia. E sendo assim, não seria precisa.

Anónimo disse...

Caro Lura do Grilo, apenas posso falar do que conheço.

Após uma rápida consulta pela web posso contrapor a sua afirmação:

http://www.mitportugal.org/about/number.html

Sobre as vagas está enganado.

Sobre os fundos o MIT investe muito mais que o estado Português ao qual é adicionada uma crescente fracção da industria portuguesa através de parcerias e projectos. Projectos e parcerias que são vantajosos para as referidas empresas senão não continuariam associados.

Este programa tem sido usado como uma plataforma de investigação e desenvolvimento para as empresas (que de outra forma teria que financiar os seus próprios departamentos com custos superiores) bem como inovação e criação de novas empresas baseadas em resultados de investigação.

Se considera que 38% dos alunos serem estrangeiros apesar de haver alunos, docentes e membros da indústria portuguesa a receber formação no MIT algo desvantajoso não consigo convencer do contrario porque me parece bastante óbvio as vantagens do intercâmbio de informação e aprendizagem mutua.

É a minha opinião, que para combater os efeitos da crise a médio e longo prazo as melhores apostas são em educação, inovação e especialização. Nunca seremos competitivos com a China (ou outros) a produzir pelos preços mais baixos mas podemos competir na qualidade do producto, qualidade de execução e concepção.

Espero ter mudado a sua opinião, mas se não consegui um obrigado pela oportunidade de contra-argumentação.

Gonçalo Pereira