domingo, outubro 30, 2011

Smartgrids: Fantasia e realidade. Parte IV: os roteiros de Portugal

Há cerca de um ano iniciei uma série de posts sobre as smartgrids, começando por uma apreciação do roteiro europeu.
Dias depois acrescentei uma apreciação do roteiro norte-americano, e a seguir do roteiro da China, onde concluía com um sublinhado da importância de normas internacionais, standards, de comunicação informática para a viabilização das smartgrids em larga escala.
Neste último post anunciava que terminaria a série com um post final sobre as perspectivas portuguesas, mas passaria um ano até que as condições para isso estivessem maduras, coisa que considero estar neste momento. No último número (3º) da revista Energia e Futuro publiquei um artigo de síntese sobre o assunto, de que respigo aqui as conclusões:
7.    Lições do périplo e opções para o roteiro português nas smartgrids
Portugal, como já foi referido, adoptou na década transacta a visão europeia mais utópica  das smartgrids, com um firme apoio do Governo e das empresas de electricidade em que este detinha golden-shares. Exemplos da promoção governamental desta visão foram o projecto “Green Islands” para os Açores, e na EDP uma experiência de instalação de smart meters foi reali­zada na cidade de Évora, embora ainda não sejam conhecidos resultados práticos da mesma. No entanto, o périplo que aqui se fez pelos diversos roteiros para as smartgrids nos grandes blocos mundiais permite suportar as seguintes lições:
I.     O objectivo principal da instalação de smart meters, como componente das smartgrids, é o suporte de tarifas de electricidade volá­teis e rapidamente variáveis que reflictam a disponibi­li­dade intermitente da energia gerada por fontes eólicas e solares, supostas dominantes ou mesmo exclusivas no mix elec­tro-produtor; um objectivo secundário mas importante nos EUA é uma racionalização dos consumos e correspondente redução. Um outro propósito pode exis­tir, o da redução de “per­das comerciais” (fraudes e furtos) quando estas são signifi­cativas [1], moti­va­ção princi­pal da Itália quando iniciou a instalação de smart meters em larga escala em 2006; mas este propósito pouco tem a ver com smart­grids.
II.     A operacionalização dos smart meters acarreta sempre, no actual estado da tecnologia, um subs­tancial agravamento de custos [2], agravado pelo contexto de uma geração predominante intermitente que arrasta uma subida generalizada das tarifas. Este aumento de custos sus­cita reacções negativas dos consumidores que são dificil­mente suportáveis pelos operadores em ambientes democráticos, e os estudos realizados na Europa sobre a rentabilidade do investi­mento em smart meters têm sido todos negativos (excepto quando as “perdas comerciais” evi­tadas são importantes).
III.     As experiências americanas mostram que a racionalização de consumos e alguma adaptação dos mesmos à intermitência da geração (reflectida nas tarifas) só é aceite por parte conside­rá­vel dos consumidores se: 1) lhes proporcionar ganhos económicos; 2) não causar descon­forto excessivo; 3) garantir a privacidade e permitir dizer “não”; 4) exigir uma intervenção mínima, intuitiva e livre (do tipo “carregar num botão”). Estes requisitos só podem ser satisfeitos por sistemas intei­ramente automáticos que liguem em rede aparelhos consumidores e electrodomésticos aos smart meters, sistemas esses de baixo custo. Este baixo custo requer, por sua vez, a existên­cia de normas de comu­nica­ção para essas redes domésticas que permita a interoperabilidade de novos apa­relhos consumidores fabricáveis em massa, garantindo, assim, a concorrência e a ino­vação. Estas normas ainda não existem e, sem elas, não haverá fabri­cação dos referidos apare­lhos “smart” e, sem estes, não haverá “gestão da pro­cura” em escala significativa.
IV.     Dos pontos anteriores conclui-se que a “gestão da procura” numa escala económica e sistemi­camente significativa não ocorrerá enquanto uma nova tecnologia de redes de comu­nicações domésticas e respectivos aparelhos de consumo se não desenvolver em larga escala, o que não sucederá previsivelmente antes de uma década (a um nível capaz de ter impacto), opinião esta partilhada pela China. Dada por um lado a fra­queza da indús­tria por­tuguesa de electro­do­mésti­cos e outros aparelhos de consumo em Baixa Tensão, e por outro lado a natureza de mer­cado verdadeiramente global de produtos em jogo nestas tec­nologias, não parece que Portugal tenha um interesse prioritário em disputar lide­ranças nesta frente tecnológica das smart­grids.
V.     As micro-redes não se concretizarão, a não ser em certas instalações militares. Uma super-rede continental europeia, pelo contrário, poderá vir a materializar-se, se resolver algumas questões de soberania, mas Portugal não tem condições geográficas adequadas a uma signifi­ca­tiva inter­venção no assunto.
VI.     Nem a “gestão da procura” nem as “super-redes”, que em todo o caso não se materializarão no futuro próximo, resolverão completamente o problema da intermitência de uma exces­siva gera­ção eólica e fotovoltaica. Os EUA, a China e diversos países europeus (da Polónia à Holanda) pla­neiam, por isso, uma importante componente nuclear no mix descarbonizado de geração eléc­trica.
VII.     Qualquer instalação em larga escala de tecnologias “smart” nas redes eléctricas exige a adopção internacional de normas de comunicação. Recentemente a Europa, os EUA e a China chegaram a consenso sobre essas normas, mas apenas no domínio da ciber­segurança e das comunicações usadas nas redes de Média e de Alta Ten­são.
O último ponto tem um particular interesse se se considerarem as tecnologias de Automatização das redes de Média e Alta Tensão (Distribuição e Transmissão), ou seja, as redes que se situam entre as de Baixa Tensão das micro-redes e as especiais em Muito Alta Tensão das super-redes. Um estudo do mercado norte-americano[3] em que, como se viu, a modernização das redes EXISTEN­TES e do seu controlo informático é um dos pilares do projecto das smartgrids, perspec­tiva: “Uma infra-estrutura avançada de contagem e smart meters são as tecnologias fundacionais da rede eléctrica “smart”. Mas esta é mais do que contadores domésticos inteligentes.… Há outros projectos em fases iniciais de implementação de tecnologias e conceitos mais avançados de smartgrids….  A Automatização da Distribuição é a próxima “big thing” em smartgrids…. Para as empresas de electricidade, a sua implantação pode propiciar economias significativas através de melhorias mensuráveis na eficiência operacional, fiabilidade, qualidade de serviço e conserva­ção de energia –todas contribuindo para a satisfação dos consumidores. … A maioria dos gastos das empresas de energia serão em aparelhos de corte na Distribuição e respectivos con­trolos.
É de notar a coincidência das conclusões deste estudo do mercado americano com a opinião apresentada pelo Director da CPFL no Brasil, podendo afirmar-se que, seja qual for o ritmo de evo­lução das tecnologias “smart” na Baixa e na Muito Alta Tensão, a Automatização da Distribui­ção em Média e Alta tensão é algo que sucederá seguramente, visto que se aplica a redes já exis­tentes e para as quais também já existem as normas internacionais de comunicação informática.
Acontece que, por razões históricas, Portugal desenvolveu desde há 30 anos considerável expe­riência académica, industrial e de utilização nas tecnologias de Automatização da Distribuição de energia, o que lhe dá em princípio uma oportunidade de lutar aí por um lugar na liderança das smartgrids. Assim não seja esse “know-how”  perdido em prol de visões tecnoló­gicas determina­das por ideologias utópicas!
[1] O custo só da instalação dos smart meters é estimado, para grandes escalas, em 250€ por unidade, mas alguns sistemas mais simples, como o italiano, terão custado apenas cerca de 70€/unidade.
[2] Groupement Européen des entreprises et Organismes de Distribution d’ Energie, «GEODE Position Paper on Smart Metering», Novembro 2009.
[3] MRG Inc, “U.S. Smart Grid, Beyond the Smart Meter”, Março 2010.

Num próximo post final analisarei o que está a acontecer neste quadro em Portugal.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor Pinto de Sá, não coloca um post há mais de um mês. Decidiu acabar com o blog ou simplesmente não tem tido tanto tempo para o blog?

Espero que o blog continue pois é excelente, um verdadeira pedrada no charco.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Prof. Pinto de Sá
acompanho seu blog, a muito tempo. é excelente.
estou escrevendo aqui, para lhe pedir um favor.
achei no twiter a seguinte informação:
Antarissol BRASILECOLÓGICO
A energia elétrica aumentou 67% em 9 anos, o kWh brasileiro é o 3º. mais caro do mundo, @minc_rj

me parece q les exageram nos dados. como já li alguns post seus, sobre o assunto.
poderia fazer uma pequena listagem dos preços da en. de algusn paises da europa, com os do brasil,e se tiver de algum pais sul americano e mais os estados unidos.
se vc tiver estes dados e puder fazer um post agradeço.
não posso afirmar mas esta emp. brasileira exagerou no valor da eletricidade do Brasil.

feliz 2012
att
vitor luciano luchese