Há poucos dias iniciei um post sobre a questão das SmartGrids, ou redes eléctricas "espertinhas", tendo então publicado a respectiva parte I, revendo a "visão" da "Europa" sobre o tema e a respectiva falta de perspectiva económica numa ideologia abarrotada de "wishful thinking" de futuros produtores-consumidores a micro-gerarem energia e a armazenarem-na em imaginários automóveis eléctricos...
Vou agora, nesta parte II, estender essa revisão a outro dos outros dois pólos que importam: os EUA e a China.
A "visão" americana para as SmartGrids oficializou-se no "Energy Independence and Security Act", também conhecido por "Clean Energy act", proposto pelos Democratas e aprovado pelo Congresso nos finais de 2007 ainda sob a Admnistração Bush, e que as define pela combinação das seguintes características:
" (1) Increased use of digital information and controls technology to improve reliability, security, and efficiency of the electric grid. (2) Dynamic optimization of grid operations and resources, with full cyber-security. (3) Deployment and integration of distributed resources and generation, including renewable resources. (4) Development and incorporation of demand response, demand-side resources, and energy-efficiency resources. (5) Deployment of ‘‘smart’’ technologies (real-time, automated, interactive technologies that optimize the physical operation of appliances and consumer devices) for metering, communications concerning grid operations and status, and distribution automation. (6) Integration of ‘‘smart’’ appliances and consumer devices. (7) Deployment and integration of advanced electricity storage and peak-shaving technologies, including plug-in electric and hybrid electric vehicles, and thermal-storage air conditioning. (8) Provision to consumers of timely information and control options. (9) Development of standards for communication and interoperability of appliances and equipment connected to the electric grid, including the infrastructure serving the grid. (10) Identification and lowering of unreasonable or unnecessary barriers to adoption of smart grid technologies, practices, and services."
Esta mesma lei atribuiu ao IEEE a quantia de 5 milhões de dólares para suporte ao respectivo programa, o que ajuda a entender o entusiasmo desta prestigiada instituição nos temas propostos, embora eles sejam, de facto, uma mistura de diferentes coisas.
Por um lado, encontramos nesta Lei algumas das mesmas fantasias ecotópicas em moda na Europa, como a do armazenamento de energia pelos consumidores em baterias de automóveis eléctricos ou a do condicionamento do consumo, embora inclinando-se mais para o uso de electrodómésticos "espertos" do que para a "educação" do consumidor - mas, tal como na Europa, a respectiva necessidade advém do desejo de adaptar o consumo à intermitência da energia eólica (e, mais remotamente, da solar fotovoltaica). Embora, nos EUA, outra determinante desta preocupação com o condicionamento do consumo seja o aumento da mera eficiência, dado o inegável enorme esbanjamento que por lá se verifica no consumo energético (com preços da energia a menos de metade dos europeus).
Os electrodomésticos controláveis que mais têm sido considerados são as máquinas de lavar roupa e loiça, e também os frigoríficos. Isso requer duas coisas: que tais aparelhos comuniquem digitalmente com os contadores "espertinhos" (smart meters), cuja tarifa por sua vez reflectirá em cada momento a oferta de energia (e portanto a intermitência das fontes renováveis eólicas e solares), de modo a funcionarem automaticamente nas horas de melhor preço; e que as pessoas adaptem os seus horários de vida, nomeadamente que sujeitem a altura em que tiram a loiça ou a roupa das máquinas ao horário aleatório de funcionamento das mesmas.
A primeira destas coisas requer, entre outras, a existência de standards de comunicação informática para os electrodomésticos "espertos"; a segunda requer a "educação" das pessoas. Os standards e as tecnologias têm aparecido, como o ZigBee, assim como "chips" que os implementem, mas as pessoas é que não parecem fáceis de "educar", e isso torna de alto risco qualquer aposta dos fabricantes de electrodomésticos no desenvolvimento desses aparelhos, tudo forçosamente mais caro, claro... razão porque ainda não há à venda um único electrodoméstico desses que seja! Os optimistas prevêm-nos lá para 2015, mas é desconhecido qualquer estudo de mercado que mostre as suas vantagens para os consumidores - talvez por ainda não se lhes ter querido revelar o preço a que ficará a electricidade de origem eólica e solar, quando considerados os respectivos sobrecustos sistémicos...
A "visão" americana das SmartGrids, porém, contém componentes que não são mais que a modernização das redes eléctricas lá existentes as quais, em certos aspectos, se atrasaram tecnologicamente em relação às redes europeias. E, para o explicar melhor, é necessário saber que há já muitas décadas que as redes eléctricas são controladas informaticamente e que possuem redes de comunicações sobrepostas; de facto, há muito que nos EUA a indústria de energia eléctrica é o maior consumidor de tecnologias informáticas, depois da Defesa e da Banca.
Ainda antes de existir informática, as redes eléctricas americanas já dispunham de muitos automatismos dispersos na Distribuição e controlos sofisticados na Geração, em geral mais avançados que as suas congéneres europeias. Depois, nos anos 60 e 70 os EUA foram rápidos a instalar em todas as redes eléctricas Sistemas de Supervisão e de Aquisição de Dados (SCADA), os quais recolhiam informação remota das Centrais e Subestações, e as concentravam em Centros de Controlo. Portugal, por exemplo, só dispôs de um Centro de Controlo nacional moderno da sua rede eléctrica de Geração e Transporte de electricidade no final dos anos 80, e nas redes de Distribuição (Alta e parte da Média Tensão) ainda mais tarde...
Acontece que nos anos 80 se assistiu ao aparecimento das tecnologias baseadas em microprocessadores na automatização, e depois na protecção (um tipo especial de automatização) das redes eléctricas, e foi nessa época que os EUA se atrasaram, pela relutância dos seus grandes fabricantes em fazerem investimentos tecnológicos inovadores em electricidade, depois do movimento político que congelou os grandes investimentos na energia nuclear das décadas anteriores. A desregulamentação que Reagan trouxe à indústria da electricidade nesses anos 80 também contribuiu para essa paragem de investimentos, de modo que ao fim de vinte anos os EUA passaram a ter redes eléctricas relativamente obsoletas. Até que o 11 de Setembro de 2001 veio revelar a vulnerabilidade militar das infra-estruturas americanas, e essa foi uma das razões da Administração Bush para a preocupação com a modernização informática da sua rede eléctrica, nomeadamente na ênfase especificamente americana dada à cyber-segurança.
E é por isso que as 3 primeiras das 10 prioridades da visão americana das SmartGrids são, simplesmente, o "incremento da tecnologia e do controlo digitais" na rede eléctrica. Ao contrário da Europa e do Japão, a América atrasou-se na aplicação da revolução dos microprocessadores (vulgarizados a partir dos anos 80 e sobretudo 90) às redes eléctricas!
E é assim que, por exemplo num documento publicado já no ano corrente de 2010, o Governo americano se centra na promoção de standards de comunicação digital entre dispositivos e sistemas a usar nas SmartGrids, mas dos 8 temas considerados prioritários o 1º é meramente a extensão e modernização dos sistemas de SCADA já existentes na Produção e transporte de electridade, e o 8º o mesmo para as redes de Distribuição; os outros 6 temas incluem questões essencialmente tecnológicas, como os sistemas de comunicações a modernizar e a sua cyber-segurança e, em apenas cerca de 50%, as ideias mais futuristas associadas à intermitência da geração eólica e solar, do condicionamento do consumo à preparação para os automóveis híbridos carregáveis electricamente (os automóveis puramente eléctricos nem sequer são considerados nos estudos americanos, como já tinha notado aqui).
Claro que nos EUA há muito quem não acredite na viabilidade comercial (ou orçamental) dos conceitos mais "green" importados da Europa. Mas, mais sabiamente que os europeus, os americanos só apostam metade dos seus recursos nesta via, deixando espaço para o desenvolvimento de inovações com os pés mais na terra, nomeadamente a modernização de um sistema que se atrasara tecnologicamente e a redução da ineficiência energética, um grave problema lá resultante dos seus baixos preços na energia.
Pés na terra até porque a isso a China oblige, como mostrarei na parte III deste post.
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