quarta-feira, fevereiro 15, 2012

O Insustentável custo da energia - 1ª nota

Como sabem alguns, na passada segunda-feira o programa Prós e Contras da RTP1 dedicou 2 horas e tal ao debate do problema do elevado custo da energia.
Apesar da extensão do programa, saí dele frustrado com o que ficou por esclarecer e, por isso, inicio aqui um conjunto de notas em que vou clarificar os equívocos que, a meu ver, merecem esclarecimento.
Começo por algumas dúvidas levantadas pela minha própria intervenção naquele debate e que um ex-aluno meu gravou. Podem ver aqui a intervenção com os comentários do rapaz.

O esclarecimento que o assunto não teve e que gostaria de ter dado, é que o problema era a dependência do petróleo, e não o dos preços de outros combustíveis indexados ao petróleo. O problema era a falsidade que sugere que o preço da electricidade varia directamente com o do petróleo como se fosse feita com ele, e que portanto as renováveis eliminam essa dependência!
Ora embora seja certo que o preço do carvão tem estado indexado ao do petróleo, o do custo de produção das centrais a carvão não o está, porque esse custo é essencialmente determinado pelo custo de investimento da central, e não pelo do combustível carvão, que pouco pesa no custo final. Concretamente, e embora isto dependa da qualidade do carvão usado, numa central a carvão pode estimar-se o custo de produção final do kWh em 5,8 ç, que se decompõe do seguinte modo:  remuneração do investimento = 2,06 ç; multa pela emissão de 0,9 Kgh de CO2 = 1,9 ç; manutenção e exploração = 0,04 ç; carvão = 1,8 ç (30% do custo total). Mas a parte do preço do carvão depende de de onde vem ele; onde o há e é usado directamente das minas para as centrais, e se se não se pagar a multa de CO2 (como sucede na Ásia e EUA), o custo do kWh gerado cai para 3,5 ç, dos quais apenas 1,4 ç são do carvão. Ora estes 3,4 ç são imbatíveis, e é precisamente por isso que o carvão é a base mundial de produção de electricidade, ou será que o resto do mundo é estúpido?
Mas mais: nas modernas centrais a carvão, super-críticas, que a China presentemente constrói, que trabalham com vapor a temperatura e pressão muito maiores, o rendimento termodinâmico é bem maior que na nossa velha de Sines. O custo de investimento é maior, mas o do carvão bem menor (as centrais são mais eficientes), bem como o da eventual multa de CO2 (menos carvão queimado por kWh é também menos CO2 emitido). O custo final pode até ser um pouco maior (mas ainda muito baixo), mas muito menos dependente do custo do carvão de que há reservas mundiais enormes!
Quanto ao custo do gás natural: ele é de facto determinante do custo de produção do kWh das centrais de ciclo combinado, bem maior que o das centrais a carvão. Mas, como o comentário do meu ex-aluno mostra e com inteira razão, o custo do gás no mercado mundial tem vindo a desindexar-se do do petróleo, e é bem provável que essa desindexação aumente no futuro, graças sobretudo à liquefação do gás, permitindo o seu transporte marítimo em navios, e também à descoberta recente de imensos recursos do mesmo, nomeadamente de gás xistoso, conduzindo ao estabelecimento de um mercado mundial do mesmo independente do do petróleo.
Mas tudo isto confirma o que eu disse: não há relação entre independência do petróleo e produção de electricidade por renováveis!

8 comentários:

Gonçalo Aguiar disse...

Obrigado pelo esclarecimento.
Foi pena não o ter conseguido fazer em directo, muito por culpa da moderadora, que não moderou nada, e dos convidados da mesa da direita que o sistematicamente interromperam.

Uma vez mais a demagogia e arrogância sobrepuseram-se à razão e à ciência, e o "Zé e a Maria" acabaram por não perceber porque é que a electricidade está cara como está, e o que é que se pode fazer para esta não encarecer mais. Era fundamental que isso tivesse acontecido.

Os senhores da bancada da direita preferiram mostrar dados irrelevantes de como a actual política energética é favorável, e de como não haveria outra hipótese, do que explicar de facto as negociatas que andaram a fazer durante as últimas décadas.
Isto só vem provar que monopólios do estado são péssimos para o consumidor. Forma-se triângulos de clientelismo, entre o estado, autoridades reguladoras e o monopólio. É preciso de uma vez por todas haver concorrência no sector energético em Portugal. Isto é URGENTE! Tenho muitas dificuldades em pensar como será depois de 2015, aquando da liberalização do mercado, e se não houver concorrência...


Veja aqui a sua intervenção sem cortes:

http://www.youtube.com/watch?v=R2IQdkYvYEs&feature=g-u-u&context=G29067d0FUAAAAHgANAA

Poderá também rever o debate por inteiro consultando o canal do uploader desse vídeo "especuladorzen".

Francisco Gonçalves disse...

Parabéns ao seu blog...

Francisco

Francisco Gonçalves disse...

Os meus parabéns pelo blog, que vou visitando e divulgando, pois é positivo aprender com quem sabe... só lamento que o colega do Norte, e meu ex-prof. OF, se tenha passado para o outro lado...

Lura do Grilo disse...

Esteve bem o professor mas quase não o deixaram falar. Não deu para discutir nada de substancial e ficámos na mesma. A última tirada da criação de empregos nas renováveis não teve resposta à altura mas suponho que o número de empregos será o mesmo criado pelas Estações Base para redes móveis celulares. Aliás essa patarata foi desmontada por um investigador espanhol.

Fico com uma terrível e negativa impressão de Carlos Pimenta: um fundamentalista agressivo e quase malcriado.

A minha mulher, que observa as coisas de um prisma bem diferente do meu, segredou-me:
- Qualquer dia vamos ter que pagar imposto pela lareira para financiar estas coisas.

Pedro A. disse...

Se queremos comparar custos, por rigor intelectual dever-se-ia comparar todos eles.
Por um lado, o custo de capital das centrais térmicas incorpora um conjunto de subsídios na sua construção, que as renováveis não têm.

Por outro, existem externalidades do carvão que, caso fossem rigorosamente contabilizadas, inviabilizariam o seu uso.

Vejamos em http://arstechnica.com/science/news/2012/03/counting-the-cost-the-hidden-price-of-coal-power.ars


So, can we add all this up? Doshi and his collaborators have attempted to do so, including the impacts of climate, air quality, mercury damages, coal transport deaths, public health issues, subsidies for extraction, and the loss of value of the abandoned land. At the low end, their estimates suggest that coal's additional costs run about 9.4 cents a kilowatt-hour (¢/kwhr) in the US. Even that compares unfavorably with the typical cost of power in the US, which is about 9.7¢/kwhr.

And that's the low estimate. Their best estimate places the additional costs at 17.8¢/kwhr—on its own, that's more than the typical cost of existing wind power (14.9¢/kwhr). The worst case is a staggering 26.9¢/kwhr.

Pinto de Sá disse...

Pedro A,
Invocar "rigor intelectual" e logo a seguir dizer que "o custo de capital das centrais térmicas incorpora um conjunto de subsídios na sua construção", sem anexar qualquer prova desse facto, caracteriza-o precisamente como pouco honesto.
Quanto às externalidades do carvão, não as nego mas já a sua quantificação é propensa a toda a espécie de manipulações, habituais nos ecotópicos. O site que hyperlinka é de uma obscura revista, o texto que cita é de um obscuro opinador, e os dados do texto, de uma obscrua "Associação para o Desenvolvimento da ciência", carecem de demonstração. Não é intelectualmente honesto ir à net buscar o que queremos sem cuidar da credibilidade da fonte.
De qualquer modo, que tem isso tudo a ver com o que estava em questão neste post, que era o facto de as renováveis não substituirem nenhumas importações de petróleo, ao contrário do que afirmava Carlos Pimenta?

Pedro A. disse...

Caro Prof.,
Agradeço a atenção e o comentário.

Quanto ao tema dos subsídios e apoios, e apenas como exemplo de um de uma central termica aleatória (neste caso a Tejo Energia):

"Em Abril de 2000 foi proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo acórdão que rejeitou o recurso apresentado pela Câmara Municipal de Abrantes, no sentido da anulação da isenção de sisa concedida na aquisição do direito de superfície da Central Termoeléctrica do Pego pela Tejo Energia.
O acórdão transitou em julgado pelo que se considera definitivo, mantendo-se a isenção de sisa concedida pelo despacho do Subdirector Geral das Contribuições e Impostos de 6 de Outubro de 1993."

In relatório e contas 2001 da Tejo Energia, disponível no respectivo site.

Este é apenas um exemplo dos subsídios que ocorrem na instalação de centrais térmicas que, pelo que conheço (e agradeço a correcção se nao for o caso), não existem no caso das renováveis.
Segundo me informaram, por exemplo as eólicas nao só pagam o IMT (antiga sisa), como também uma taxa extra para o município.

Quanto aos impactos adversos do carvão, certamente admite que existirão, apesar de não quantificados precisamente?
Se for esse o caso, parece-me um um pouco temerário esperar que a factura, quando finalmente a conheçamos, seja inferior a uns cêntimos de euro por kWh produzido.

Pinto de Sá disse...

Caro Pedro A.,
Como saberá, a SISA e o IMI que lhe sucedeu não são impostos que incidam sobre o custo de construção de um imóvel, mas sim sobre a sua transacção. No caso em causa, a central do Pego, terá sido paga a SISA quando da sua construção, e o que estava em jogo era o pagamento de 54 milhões de euros apenas por a Central ter mudado de dono, segundo entendo por isto: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6be59509d18b499b80256c9f00548634?OpenDocument&ExpandSection=1.
Compreendo as queixas do Município, mas não me parece que isto tenha constituído um subsídio à produção de energia a carvão...
De qualquer modo, concordo que as centrais a carvão são poluidoras, mas há normas europeias que têm vindo a ser adoptadas no sentido de reduzir as emissões danosas para a saúde ambiente, e que têm vindo a ser aplicadas nas nossas.
Sei isso por que participei eu próprio em estudos relativos à instalação de sistemas de dessulfurização dos fumos das centrais de Sines e do Pego, há meia dúzia de anos.
Cumprimentos,