sábado, maio 28, 2011

Prioridades para uma opção nuclear em Portugal

Os que me conhecem sabem que sou um admirador da tecnologia nuclear (e da tecnologia aeronáutica, da dos computadores, etc...).
Sou também um opositor assumido das mistificações propagandísticas, do obscurantismo anti-científico e da mentira tecnológica.
Não resulta daqui que defenda, porém, a "opção nuclear" para Portugal como uma compra "alternativa" no Media market, ao estilo do que se fez com as eólicas ou o solar!

Julgo oportuno recordar o que escrevi sobre isto em Janeiro de 2010:

Desde a decisão de construção de uma central nuclear até ao início dessa construção, a experiência finlandesa, por exemplo, mostra que são precisos pelos menos 4 anos. E a construção em si também não demora menos de 4 anos.
Por outro lado, antes da decisão é preciso fundamentá-la e precisá-la. Isso requer estudos, a fazer por especialistas devidamente geridos, que nunca demoram menos de 2 anos .... Pelo que se a decisão de se avançar para tal empreendimento se tomasse agora, correndo tudo bem e a marcha acelerada, teríamos a nossa nuclear em 2020. Mesmo a tempo de substituir a central de Sines, e dando tempo a que os processos de construção no estrangeiro das primeiras centrais de 3ª geração ganhassem experiência e maturidade, isto é, entrassem em produção em série. Note-se que estou a falar de uma central de 1500 MW médios, portanto com um reactor de 1650 MW para trabalhar 90% do ano, e que custaria, sem juros e bem negociado (2000 €/MW), 3,3 biliões de !...


Porém, há muitos outros factores a planear sistemicamente para que tal decisão se inserisse numa estratégia sustentável para as gerações vindouras, como por exemplo:
> Um acompanhamento de perto da evolução das opções tecnológicas no mercado, bem como de todas as experiências internacionais na matéria quanto a todos os aspectos do ciclo produtivo da energia nuclear.
> O levantamento de todos os aspectos onde se poderia maximizar a incorporação técnico-económica nacional. A Espanha, por exemplo, participa na preparação do urânio das suas centrais;

> A preparação de recursos humanos qualificados. Uma boa ideia seria começar por enviar alguns estudantes de elite para se doutorarem onde haja engenharia nuclear suportada em experiência industrial, e outra seria a FCT disponibilizar alguns fundos para I&D nacional aplicada nessas áreas, de modo a fixar alguns interessados no tema;
> O permanente diálogo com as populações e a opinião pública, e a total transparência dos processos e decisões, únicas atitudes que, como estudos feitos pelas próprias empresas do ramo mostram, inspiram às populações a confiança necessária à aceitação do nuclear.

Mas, além dos trabalhos de estudo e planeamento, será preciso que haja elevados padrões éticos e estabilidade nas estruturas que tomassem estas responsabilidades.
...
Há mais de 50 anos o Estado pensou que a energia nuclear seria o futuro e decidiu preparar o país para isso. Criou para tal uma estrutura (directamente dependente do centro do poder, Salazar, na altura), a Junta de Energia Nuclear, e adquiriu até um reactor para estudo que ainda existe, em Sacavém.
Depois da queda do regime essa estrutura ainda hoje conserva umas centenas de pessoas, mas foi desarticulada, despojada de objectivos e responsabilidades, e hoje nem os resíduos radioactivos dos hospitais monitoriza!
É discutível, pois, se no presente Portugal tem categoria para vir a ter energia nuclear, ou se o futuro não será importá-la toda de Espanha,
um futuro em que Portugal será apenas a província mais pobre desse país vizinho.


E, pouco depois, em Fevereiro de 2010, precisei algumas destas ideias:

Não se trata, porém e no imediato, de considerar a compra de uma central nuclear, com a mesma irresponsabilidade e ausência de planeamento com que foi feita a importação de equipamentos de energias renováveis, mas sim e apenas de iniciar a preparação de uma possível futura opção nesse sentido.
Dado o conjunto de aspectos a considerar, é necessária uma estrutura organizativa que coordene esses aspectos. E, dados os longos tempos a envolver nas acções e eventuais investimentos associadas, a actividade dessa estrutura não deverá obedecer aos horizontes temporais de calendários eleitorais. Por esta razão, é necessário que a sua criação resulte de um pacto de regime que garanta uma maioria de apoio parlamentar permanente, e é também imperioso que a sua chefia tenha uma independência imaculada de outros interesses que não os nacionais, sendo por isso recomendável que a sua nomeação requeira a anuência da Presidência da República, podendo a atribuição de funções militares de prevenção e segurança facilitar essa tutela Presidencial. Vale a pena recordar, aliás, que a Junta de Energia Nuclear criada há mais de 50 anos dependia directamente de Salazar, e não do Governo de ocasião. Aliás, o aqui proposto é a refundação de uma Junta como essa, para iniciar a preparação de uma possível opção nuclear!
Esta Nova Junta da Energia Nuclear deverá dispor de uma Comissão Executiva com 3 membros, e constituir um Conselho Consultivo onde estejam representados reconhecidos peritos das áreas relevantes e com um leque de sensibilidades ideológicas diversificado, que garanta o escrutínio e a transparência de todas as actividades desenvolvidas. As actividades prioritárias da Comissão Executiva, a terminar no prazo de um ano, deverão incluir:

a) A recolha e análise de todos os estudos parcelares realizados no passado sobre a opção nuclear para Portugal;
b) A constituição de uma equipa interdisciplinar de técnicos de primeira qualidade, cobrindo nomeadamente os aspectos das engenharias civil, mecânica, de controlo e automação, a Física nuclear tecnológica, a Geologia, as Finanças e as Seguranças civil e militar;
c) A identificação das normas internacionais, das necessidades de recursos técnicos especializados futuros e dos projectos em curso ou lançamento noutros países.

Numa segunda etapa, esta Nova Junta deverá preparar, num prazo adicional de 4 a 5 anos, já com a equipa técnica de alta qualidade criada na 1ª etapa e uma definição de objectivos mais precisa:

1) O estudo das opções tecnológicas e comerciais disponíveis internacionalmente;
2) O estudos dos possíveis modelos de financiamento;
3) As normas técnicas nacionais, em harmonia com as internacionais existentes e em particular as europeias, detalhadas e precisas, a aplicar nos projectos de centrais;
4) A formação dos recursos humanos necessários ao acompanhamento e fiscalização de obras;
5) A pré-selecção de locais apropriados;
6) A definição das actividades económicas sustentáveis para as quais se possa associar a máxima incorporação nacional, da preparação do combustível ao tratamento de resíduos, passando pelo aproveitamento dos jazigos nacionais de Urânio;
7) As colaborações internacionais desejáveis, técnicas, económicas e de segurança;
8) A preparação de um Caderno de Encargos rigoroso para uma Central Nuclear.
9) O debate público aberto e esclarecedor das opções em apreço.

Finda esta preparação, que se iniciada já poderia estar concluída em 2015 ou 2016, o país estaria em condições de decidir se avançaria ou não para a construção de uma Central nuclear. Até lá muita coisa evoluirá no domínio das opções internacionais de energia nuclear, dando tempo a que se venha a aproveitar a experiência alheia. Se por volta de 2015 ou 2016 se tiver efectivamente verificado o renascimento do Nuclear, Portugal estará em condições de fazer a opção correspondente, podendo vir a ter a sua primeira central a tempo de substituir a de carvão em Sines, dentro de uma década. Se não for essa a evolução que ocorrer, também não terá sido grande a perda incorrida nesta preparação - afinal o país custeou por mais de 50 anos uma Junta de Energia Nuclear de que não retirou qualquer préstimo!
A ausência da preparação desta opção é que poderá ser trágica!


É de notar que esta posição não é uma extravagância minha. Na verdade, é a da própria Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), que estabeleceu um guia (DS 424) para a implementação das suas normas internacionais de segurança nuclear, de especial importância para países sem experiência prévia no assunto, como se pode ver aqui, e aqui.
Resumidamente, a IAEA prescreve três etapas até um país estar em condições de gerir uma primeira central nuclear, com um papel central do Estado do país em causa durante pelo menos metade do processo:
  • Pre-project phase 1 (1-3 years) leading to knowledgeable commitment to a nuclear power program, resulting in set up of a Nuclear Power Program Implementing Organisation (NEPIO).  This deals with the program, not the particular projects after phase 2.
  • Project decision-making phase 2 (3-7 years) involving preparatory work after the decision is made and up to inviting bids, with the regulatory body being established.  In phase 2 the government role progressively gives way to that of the regulatory body and the owner-operator.
  • Construction phase 3 (7-10 years) with regulatory body operational, up to commissioning and operation.

2 comentários:

Henrique disse...

Descobri o seu blog à pouco tempo, mas desde então tenho seguido atentamente os diversos posts que vai colocando...

Agora, se me permite, gostaria de saber a sua opinião, relativamente ao anúncio publico da Alemanha sobre a sua intenção em deixar o nuclear até 2022?

Pinto de Sá disse...

Não custa nada e dá votos dizer que se vai abandonar o nuclear até 2022. Até lá, vamos ver... também já tinham decidido em 1991 deixar, e depois decidiram rever a decisão, para agora a retomar - e entretanto as nucleares lá estão. Sem elas, a Alemanha terá de gastar mais carvão e/ou gás natural, e portanto poluir mais. Ou então importar mais, de França... de origem nuclear.