terça-feira, janeiro 12, 2010

Uma central nuclear em Portugal? Iniciemos a discussão! II - necessidade, custos, riscos e medidas urgentes

Na parte I deste deste pontapé de partida na discussão da opção nuclear em Portugal, procurei reunir alguns dados sobre a matéria que são informação básica, mas que convém alinhar para se saber minimamente de que se está a falar.

O resumo dessa parte I pode ser feito assim:
a) A energia nuclear é vulgar e usada há mais de 50 anos, para a produção de energia eléctrica;
b) Está em início um "renascimento" do nuclear que vai inscrever-se numa divisão mundial de produções e mercados, detonada pelas negociações climáticas, em que a tecnologia nuclear será a aposta estratégica principal dos EUA, França e Japão, que cederão a liderança das tecnologias de energias renováveis aos países com menos recursos tecnológicos e industriais;
c) As novas centrais nucleares actuais de 3ª geração são seguras e resolveram os riscos das antigas, concebidas há mais de 30 anos;
d) Os resíduos são um problema, mas nada que não seja manejável, dado o seu pequeno volume;
e) A um prazo de 20 anos estarão no mercado as centrais de 4ª geração, presentemente em estudo cooperativo internacional mas de que já houve e há protótipos, as quais terminarão com os problemas de aprovisionamento de Urânio e com o dos resíduos.

Ainda relativamente aos resíduos, vale a pena mencionar que está em curso nos EUA um estudo pelo MIT desse problema à escala global, em que se considera que, a virem a enterrar-se os resíduos radioactivos das centrais, isso deveria ser planeado para todo o planeta, com alguns locais a serem partilhados - o que sugere a hipótese do jazigo desenvolvido na Finlândia poder vir a ter parcelas vendidas a outros países.
Porém, de momento, a opção preferida pelo MIT é simplesmente a de guardar os resíduos nas próprias centrais, em caves, por umas décadas, na expectativa do desenvolvimento das centrais de 4ª geração. É que uma vez estas em operação corrente, dentro de algumas décadas, os resíduos das centrais actuais servirão como combustível dessas, passando de lixo a eliminar a valioso recurso a preservar... e, por isso, o já antigo e dispendioso projecto americano de enterramento dos resíduos nas montanhas de Yucca do Nevada foi definitivamente cancelado há meses pelo Presidente Obama, com a concordância geral.
  • Mas teremos nós necessidade de mais centrais termoeléctricas?
Uma rede eléctrica bem planeada tem um mix de fontes energéticas de natureza diferente e complementar. Este planeamento difere conforme seja feito em nome do interesse público, ou em nome apenas dos interesses de investidores privados.
Sendo feita em nome do interesse público, e em particular em Estados independentes, a rede terá fontes renováveis, se estas forem minimamente rentáveis, por assentarem nos recursos naturais do país. Foi por isso que de 1950 a 1980, em Portugal e como já recordei, se assentou o arranque da nossa industrialização e da electrificação que a suportou em hidroeléctricas, visto Portugal ter a sorte de nele desaguarem a maior parte dos rios da península ibérica.
Durante 30 anos a maioria da nossa energia eléctrica foi de origem renovável nacional, não só quanto aos rios como quanto à engenharia e à construção das barragens, mas mesmo nessa altura já havia um mix: a maioria das barragens não tinha capacidade de armazenamento (ditas de "fio de água"), eram baratas mas só trabalhavam quando corria água nos rios, e havia um certo número com albufeiras, mais caras, que guardavam a água para o Verão, quando havia falta dela.
Porém, isso era suficiente quando éramos um país que andava de burro e usava candeeiros a petróleo (nas aldeias)  e o nosso consumo de electricidade era apenas 1/6 do actual! Esgotados praticamente os recursos energéticos de origem hídrica, teve de se começar a instalar centrais termoeléctricas, tendo-se nos anos 70 planeado, e muito bem, que o carvão era a opção mais barata e segura. É certo que se vão agora construir mais 2+8 barragens e "reforçar a potência instalada" de outras mas, como já mostrei, a energia propriamente dita que vão produzir, de origem hídrica, é insignificante - uns meros 220 MW em média, 3.8% do actual consumo, para um colossal investimento de 5 biliões de !...
O problema novo que surgiu foi o protocolo de Kioto, na década de 90, e o correspondente bloqueio ao carvão devido às suas grandes emissões de CO2! Isso e a liberalização dos mercados energéticos, que levou ao retraimento de grandes investimentos em centrais "pesadas" por aí precisarem de muito tempo para serem recuperados, como explicarei melhor adiante. Ora desde então o consumo de electricidade português aumentou 50%, como todo o consumo, e portanto optou-se por uma fonte energética "descarbonizada": a eólica. Que, por grande coincidência, atingira a maturidade tecnológica nos países europeus que tinham sido precisamente os grandes campeões de Kioto, em particular a Alemanha, de onde importamos a maioria dessas turbinas eólicas!...
Além disso, desde os anos 90 nunca mais houve planeamento técnica e economicamente fundamentado em Portugal, como as coisas ilustram.
A energia eólica, porém, e apesar do investimento total já feito de cerca de 4.75 biliões de , apenas satisfez metade deste crescimento do consumo pós-Kioto. O resto foi coberto importando (o que antes só fazíamos ocasionalmente), e sobretudo com novas centrais... termoeléctricas, mas a gás natural em vez do carvão!
No território nacional ainda haverá muitos montes com vento razoável para aerogeradores, mas acontece que a energia eólica sofre de um duplo problema de intermitência: varia muito durante o dia (em geral é máxima de madrugada), e também durante o ano (é máxima no Inverno). A Espanha, que tem uma proporção de eólica similar à nossa, já decidiu parar o seu crescimento, e nós por cá temos a situação que ultimamente se manifestou: temos de deitar fora o excesso de energia eólica por não termos onde a meter!
Pode ser que os projectados "reforços de potência" das hidroeléctricas resolvam parte da situação actual, mas garantidamente não a resolverá se se continuar a instalar potência eólica até aos valores previstos pelo Governo, de mais 50% do que a que já temos. E não a resolverá porque, como a experiência deste Inverno demonstra, o máximo dos ventos coincide com o das chuvas (com uma correlação de 98%), e portanto de pouco serve aumentar a capacidade de turbinar das barragens e torná-las reversíveis, que ao fim de poucas semanas de Inverno húmido (e portanto também ventoso) as albufeiras estarão cheias e sem capacidade de armazenamento. E aumentar as albufeiras está fora de causa, quer pelo custo, quer pelo impacto ambiental que isso teria. [E a propósito para os colegas académicos: este tema dá para fazer n papers, porque que eu saiba ninguém ainda publicou sobre esta realidade...].

Temos assim que a situação actual é a de um consumo de electricidade de aproximadamente 5700 +/- 2700 MW, 3000 MW no vazio da madrugada, 8500 MW na ponta (que já atingiu 9000, mas muito raramente). E que este consumo pode ser presentemente satisfeito, em média, com 16% de energia eólica ajudada pelas hidroeléctricas reversíveis, 22% de energia hídrica (o que soma 38% de energia renovável), 55% proveniente de termoeléctricas (carvão, sobretudo gás natural, mas também cogeração) e 7% de importação. Com as novas hidroeléctricas em construção, estas percentagens subirão para 41-42% de vento+água, permitindo reduzir as importações para 3.5%, se o consumo não aumentar. Isto em ano médio de chuva e vento, sendo que a produção de origem renovável varia muito de ano para ano.
E como crescerão os consumos?
Em Portugal têm crescido cerca de 1.5% acima do crescimento do PIB. Supondo inalteração do padrão de consumo e um difícil crescimento económico anual de 1% do PIB até 2020, temos que dentro de 10 anos o consumo terá crescido para 128% do actual. E depois disso talvez nos aproximemos da média de crescimento médio anual da UE, o que nos levará dentro de 20 anos a 150% do actual consumo.
É verdade que   os ecotópicos encarniçados argumentam que falta considerar o aumento de eficiência energética, a economia de consumos, o efeito das "smart grid" na redução de consumos e a micro-geração, etc, mas isso não acontecerá, a menos que se estabeleça uma ditadura política. Em Portugal passa-se um frio desgraçado nas casas e sobretudo nas escolas e nos centros comerciais e a iluminação é geralmente sofrível, de modo que não há margem para poupar nos consumos, como um dia destes desenvolverei com mais rigor. O mais que se pode admitir é alguma economia devida à substituição das lâmpadas incandescentes e dos frigoríficos, no máximo 5%; isto não são os EUA, que consomem per capita o dobro da média europeia e onde há, de facto, muito desperdício que a tecnologia poderá poupar sem dor!
E quanto à micro-geração estamos conversados.

Entretanto, existem 2 centrais termoeléctricas de combustível fóssil novas a entrar em funcionamento e que permitem garantir as necessidades urgentes dos próximos anos: de ciclo combinado, a gás natural. São de 860 MW (Lares, da EDP, acabada de inaugurar) e de 830 MW (Pego, da Siemens e da Endesa) e, como se lhes prevê uma utilização média a 53%, acrescentarão cerca de 900 MW em média ao mix nacional, satisfazendo 15% do consumo e eliminando a necessidade de importações por uns anos. Mas têm três problemas:
1) as centrais em si são baratas, mas o gás natural, que nos vem em pipelines da Argélia através da Espanha e também de barco da Nigéria, tem o seu preço indexado ao petróleo, pelo que a tendência é para subir, nos próximos anos;
2) as reservas mundiais de gás natural dão para mais alguns anos que as de petróleo, mas com o aumento explosivo do seu consumo que está a ocorrer por todo o lado, esses anos são umas décadas, quiçá 60 anos. E depois?
2) poluem. Menos que as a carvão, mas com elas as emissões de CO2 aumentarão, à medida que tiverem um uso crescente. Pelo que não resolvem o problema da redução de emissões e, pelo contrário, agravá-lo-ão.

Fazendo um balanço da situação, mesmo admitindo uma redução de 5% de consumos optimizáveis (basicamente nas lâmpadas incandescentes e electrodomésticos), dentro de 10 anos Portugal precisará no mínimo de +550 MW em média anual, e dentro de 20 anos de +1250 MW. No mínimo. E não falei ainda do carro eléctrico: se ele efectivamente começar a ser comercializado em série dentro de 10 anos, daqui a 20 teremos o grosso do parque automóvel substituído, o que, como já mostrei há meses, requerá +800 MW médios, pelo menos.
Entretanto, até 2020 a já velha Central a carvão de Sines será desclassificada e irá para a sucata, não sendo viável a disponibilidade até essa data (daqui a 7-10 anos) de soluções experimentadas com captura e sequestro do carbono, o que significará para a rede -950 MW médios anuais.
Ou seja e como ordem de grandeza, precisaremos de +1500 MW médios anuais dentro de 10 anos e, além destes, de + 2000 MW dentro de 20 anos.
Evidentemente, como deve ter ficado claro, isso não poderá ser satisfeito com energias renováveis, por não haver maneira de lidar com a sua intermitência para além dos valores de vento e água que já usamos. E o solar terá um problema similar ainda mais agravado - e nem estou a falar de questões económicas, mas apenas técnicas!

Do ponto de vista técnico, de que tipo de central precisaremos para o mix, de modo a se poder ter uma rede bem gerida e sem os problemas actuais?
Em 1º lugar uma central que substitua a de Sines, que é de base (funcionamento quase permanente), e em 2º lugar capacidade de satisfazer a ponta. E uma reserva que permita lidar com a variabilidade anual da chuva e do vento. Em qualquer dos casos produção termoeléctrica, a única que permite satisfazer a procura quando ela se manifesta.

A necessidade de +1500 MW médios a um prazo de 10 anos pode tecnicamente ser satisfeita com um grupo electroprodutor nuclear, e também o pode com centrais de ciclo combinado a gás natural.  Mas dez anos é pouco tempo para se preparar tudo o que é preciso para a defesa dos interesses nacionais nesta questão, como discutirei mais adiante. Antes, porém, vejamos a questão da competitividade económica do nuclear e dos efeitos económicos multiplicadores que pode ou não ter.
  • Condições para a competitividade económica da opção nuclear em Portugal
Num post de há meses efectuei um cálculo dos custos de produção do kWh oriundo de diversas fontes de energia, e de que recordo aqui alguns:
  • Solar fotovoltaico: 25 ç;
  • Eólica marítima: 11 ç;
  • Eólicas em terra: 8,65 ç (sem consideração do custo adicional de armazenagem hídrica);
  • Ciclo combinado actual: 6,8 ç;
  • Nuclear: 4,2 ç.
Como se pode ver, os custos do kWh nuclear e de gás natural são bastante diferentes, mas como são as únicas opções em alternativa, vale a pena tentar afinar este cálculo e ver o que os pode fazer variar.

As centrais de ciclo combinado a gás natural traduzem um grande progresso tecnológico ocorrido desde os anos 80, com um rendimento termodinâmico imbatível - da ordem dos 57%, contra os 35% usuais das centrais a vapor e que podem ir, no máximo, a 45%. Além disso são muito baratas, comparativamente, e de construção rápida (2 anos).
As duas centrais portuguesas recentes que referi ficaram por 475 €/kW no caso da da EDP, e 360 €/kW no caso da da Siemens/Endesa, que aproveita o recinto da central a carvão da Siemens já existente no Pego para poupar terrenos e outras infra-estruturas. Ou seja, e dadas as suas potências, terão custado 0,41 e 0,30 biliões de , respectivamente.
Com um tempo de vida estimado de 25 anos e uma utilização anual de 50%, os custos de investimento por kWh produzido são muito baixos e os lucros excelentes, e é isso que as torna tão interessantes aos investidores privados, o que merece a compreensão do actual Governo! Com efeito, quando foi anunciada pelo Governo a disponibilidade de licenças para a construção de centrais destas, candidataram-se nada menos de 8 consórcios!...
O grosso do custo do kWh produzido pelas centrais a gás não vem, de facto, do investimento. Vem do custo do gás natural.
Esse custo do kWh tem sido estudado, para as condições portuguesas, e assumindo uma taxa de juro de 8% para o investimento, a amortizar em 20 anos, com uma utilização média de 53% destas centrais como se tem verificado, têm-se as seguintes parcelas:
- custo de investimento: 0,93 - 1,23 ç/kWh (o menor é para centrais como a da Siemens);
- custo de Operação e Manutenção: 0,5 - 1,0 ç/kWh;
- multa pelo CO2 emitido: 0,7 ç/kWh (a 20 € /ton. de CO2);
- custo do gás natural: 3,57-3,88 ç/kWh (preços 2010, rendimentos de 55-58%).
Total: 5,7 - 6,8 ç/kWh (valor médio: 6.2 ç/kWh).

Como se pode ver, o custo do capital constitui uma parcela tão pequena do custo final desta energia que, se a taxa de juro extraída do investimento for de 15% em vez dos 8%, o custo final apenas aumenta 0,6-0,8 ç/kWh, o que explica o grande interesse despertado nos investidores privados pelo negócio - especialmente para os que já têm infra-estruturas.
A opção pelo gás natural, de que as centrais eléctricas já gastam mais de metade do consumido no país, é claramente mais barata que qualquer fonte renovável mesmo pagando a multa pelo CO2 emitido, mas pode-se-lhe apontar os seguintes óbices, além dos já mencionados (reservas mundiais limitadas, preço indexado ao petróleo e emissão de CO2):
- Na Europa o gás está a esgotar-se. É todo importado de países algo instáveis politicamente, e essas importações europeias prevê-se que dupliquem até 2020.
- A incorporação nacional de valor nestas centrais é praticamente nula.
Trata-se, portanto, de uma opção típica de visão de curto prazo. Para já não falar da completa traição aos ideais "green" com que se andaram a justificar os disparatados investimentos em eólicas...

Nas centrais nucleares, o investimento por kW instalado é muito mais caro!
Têm sido anunciados valores da ordem de 1000 e de 1500 €/kW instalado, mas os custos por que têm ficado, de facto, as nucleares de 3ª geração já instaladas no Ocidente são de 2000 a 2400 €/kW - e isto sem consideração dos juros a pagar ao capital investido. No entanto, quase metade deste custo é pela construção civil da dupla casamata estanque em que uma nuclear moderna é envolvida, e esse custo varia bastante com os países. E é de notar que a construção civil pode ser toda nacional...
Geralmente, também, a taxa de juro a pagar ao capital investido na construção varia muito com o compromisso político do Estado; pode ir de um ideal de 5%, para um investimento essencialmente público ou regulado, para até 12%, se feito por privados.
Para uma nuclear ao custo de construção de 2400 €, com uma taxa de juro de 8% (igual à considerada para as centrais de ciclo combinado), um prazo de construção ideal de 4 anos, uma margem de segurança de 15% no investimento e 40 anos de amortização do capital, com uma utilização média anual de 90% da capacidade da central, têm-se as seguintes parcelas de custo:
- custo de Operação e Manutenção: 1,2 ç/kWh;
- multa pelo CO2 emitido: --;

- custo do urânio: 0,55 ç/kWh (0,2 ç do urânio + 0,35 ç pelo seu enriquecimento);
- Processamento dos resíduos: 0,08 ç/kWh;
- poupança para o desmantelamento final: 0,1 ç/kWh (rende juros);
- custo de investimento: 3,57 ç/kWh;
Total: 5,5 ç/kWh.
Como é patente, este custo, que é dominado pelo custo do investimento, é apenas marginalmente inferior ao calculado para as centrais de ciclo combinado. Pode, porém, reduzir-se, e pode também aumentar consideravelmente se ocorrerem alguns factos.

Pode reduzir-se se, além da construção durar os referidos e prometidos 4 anos, se puder reduzir o custo de construção de base.
Assim, admitindo um custo de base optimizado de 2000 €/kWh e uma taxa de juro suportada por um forte compromisso público de 5%, o custo de investimento por kWh, e com ele o custo final, reduz-se em 1,65 ç/kWh, para apenas 3.85 ç/kWh. Não é infazível. A "ERSE francesa" diz que o custo do kWh nuclear da EDF é de 4,1 ç/kWh...
Pelo contrário, se a duração da obra resvalar, por exemplo, dos 4 anos prometidos para 8 (e entretanto os juros do investimento a acumularem...), com uma taxa de juro de 8% e se o construtor puder passar os custos para o cliente, o custo de capital aumenta em 1,3 ç/kWh, e com ele o custo final para o valor máximo actual da produção a gás natural, 6,8 ç/kWh!...
Em termos de incorporação nacional, além da contribuição para a construção civil inicial há a considerar o facto de uma central destas empregar tipicamente 300 a 400 pessoas, o que é uma das razões do seu maior custo de Operação, relativamente às de Ciclo Combinado.
É também relevante notar que Portugal tem jazigos de urânio, que foram explorados (para exportação), durante 50 anos, a partir de 1951. Desses jazigos já se exportaram cerca de 1/3, mas as reservas remanescentes, na Urgeiriça e especialmente em Niza, ainda dão para uma nuclear de 1500 MW trabalhar durante pelo menos 30 anos...

Porém, o que esta análise procurou mostrar é que a competitividade económica de uma nuclear face à alternativa a gás natural depende, essencialmente, da capacidade de negociar a aquisição de uma central e do crédito de construção a bom preço, de um bom planeamento das obras e de uma execução rigorosa das mesmas.
E isto requer que tenhamos uma estrutura nacional, apoiada pelo poder político, capaz de planear as coisas em detalhe, de elaborar o Caderno de Encargos, a escolha e negociação de propostas e a fiscalização das obras, com três características: competência técnica, mestria de gestão e incorruptível dedicação ao serviço público.
E aqui é que está o grande problema!...


  • O que é urgente
Desde a decisão de construção de uma central nuclear até ao início dessa construção, a experiência finlandesa, por exemplo, mostra que são precisos pelos menos 4 anos. E a construção em si também não demora menos de 4 anos.
Por outro lado, antes da decisão é preciso fundamentá-la e precisá-la. Isso requer estudos, a fazer por especialistas devidamente geridos, que nunca demoram menos de 2 anos ( tempo levado por uma empresa de consultoria americana, por exemplo, a quem a Tailândia encomendou esse estudo  - por 3,6 M€). Pelo que se a decisão de se avançar para tal empreendimento se tomasse agora, correndo tudo bem e a marcha acelerada, teríamos a nossa nuclear em 2020. Mesmo a tempo de substituir a central de Sines, e dando tempo a que os processos de construção no estrangeiro das primeiras centrais de 3ª geração ganhassem experiência e maturidade, isto é, entrassem em produção em série. Note-se que estou a falar de uma central de 1500 MW médios, portanto com um reactor de 1650 MW para trabalhar 90% do ano, e que custaria, sem juros e bem negociado (2000 €/MW), 3,3 biliões de !... [Não resisto à piada negra de recordar que, mesmo que se perdesse completamente este investimento, ele ainda seria só 80% do dinheiro já metido pela Caixa Geral de Depósitos no BPN!...]

Porém, há muitos outros factores a planear sistemicamente para que tal decisão se inserisse numa estratégia sustentável para as gerações vindouras, como por exemplo:
> Um acompanhamento de perto da evolução das opções tecnológicas no mercado, bem como de todas as experiências internacionais na matéria quanto a todos os aspectos do ciclo produtivo da energia nuclear.
> O levantamento de todos os aspectos onde se poderia maximizar a incorporação técnico-económica nacional. A Espanha, por exemplo, participa na preparação do urânio das suas centrais;
> A preparação de recursos humanos qualificados. Uma boa ideia seria começar por enviar alguns estudantes de élite para se doutorarem onde haja engenharia nuclear suportada em experiência industrial, e outra seria a FCT disponibilizar alguns fundos para I&D nacional aplicada nessas áreas, de modo a fixar alguns interessados no tema;
> O permanente diálogo com as populações e a opinião pública, e a total transparência dos processos e decisões, únicas atitudes que, como estudos feitos pelas próprias empresas do ramo mostram, inspiram às populações a confiança necessária à aceitação do nuclear.

Mas, além dos trabalhos de estudo e planeamento, será preciso que haja elevados padrões éticos e estabilidade nas estruturas que tomassem estas responsabilidades.
Na Finlândia, por exemplo, onde está em construção uma das primeiras centrais francesas de 3ª geração, os prazos de construção já derraparam 3 anos, mas o contrato que fora feito assaca ao construtor (neste caso a AREVA) os custos desses atrasos, portanto sem agravamento do preço final. Porém, os atrasos ocorreram por causa do rigor da fiscalização finlandesa, que não permite a aceitação de trabalhos menos que perfeitos em aspectos da obra que podem comprometer a sua segurança futura, e por isso a AREVA e as entidades finlandesas já estão em processos contenciosos. Na entidade que supervisiona estas coisas, na Finlândia, a Direcção tem 3 pessoas que têm de decidir tudo por maioria, assim se dificultando os "arranjos" pessoais.
Se for assim também cá, não haverá nada a recear.
O problema é que alguém acredita que num país onde o próprio Tribunal de Contas vai denunciando os contratos ruinosos feitos pelo Estado na construção das estradas ou do Terminal de Contentores do porto de Lisboa, e nada acontece, alguém acredita que as coisas correriam com a confiança que merecem na Finlândia?

Há mais de 50 anos o Estado pensou que a energia nuclear seria o futuro e decidiu preparar o país para isso. Criou para tal uma estrutura (directamente dependente do centro do poder, Salazar, na altura), a Junta de Energia Nuclear, e adquiriu até um reactor para estudo que ainda existe, em Sacavém.
Depois da queda do regime essa estrutura ainda hoje conserva umas centenas de pessoas, mas foi desarticulada, despojada de objectivos e responsabilidades, e hoje nem os resíduos radioactivos dos hospitais monitoriza!
É discutível, pois, se no presente Portugal tem categoria para vir a ter energia nuclear, ou se o futuro não será importá-la toda de Espanha, um futuro em que Portugal será apenas a província mais pobre desse país vizinho.
----

Nota ao leitor: evidentemente, aceitam-se todos os comentários, dúvidas, esclarecimentos e críticas substantivas. Só vão para o "delete" os insultos, a retórica sem conteúdo e a auto-propaganda.

16 comentários:

João disse...

Olá

Não tenho conhecimentos para avaliar com objectividade o post, mas parece-me pensado uma e outra vez e esta bem escrito.

Para um leigo como eu está optimo. Por isso aproveito para lhe deixar uma questão.

Vi ha uns tempos um debate com um professor de fisica que insistia que o nuclear era demais.

Que estariamos a comprar mais energia que a que precisamos. E por conseguinte a investir demais.

Gostaria que comentasse este aspecto, que me pareceu pouco focado no artigo.

Pinto de Sá disse...

Como não vi o tal debate com o tal professor, não sei que queria ele dizer com isso, ou se foi isso que disse.
Mas neste post, e no outro que foi a parte I, está tudo explicadinho com os números todos. É só saber fazer contas de somar e subtrair para acompanhar. E, naturalmente, aceito todas as correcções e comentários substantivos.
Cumprimentos.

Macaco Zarolho disse...

Fantástico post! Obrigado.

Anónimo disse...

Os meus parabéns ao autor por esta exposição sóbria da questão do nuclear.

Mas temo que alguns factores inviabilizem o que, à primeira vista, aparenta ser uma boa aposta económica no horizonte 10/20 anos:

1 - Em Portugal não há planeamento a mais do que 3/4 anos (se é que existe dadas as exposições deste blog) e esse tempo é manifestamente reduzido para um empreendimento desta natureza.

2 - A engenharia em Portugal não é valorizada. Basta ter em atenção as palavras do Sr. Belmiro de Azevedo quando diz que qualquer engenheiro que passados 5 anos ainda esteja a fazer engenharia é um falhado. Desde os tempos dos gregos até ao final da idade média, o equivalente da altura dos engenheiros foi sempre visto como o "vil mecânico" ("vil" por que se apropriava das capacidades dos deuses). Mas já há 600 anos que tudo mudou na Europa evoluída. Contudo, Portugal continua com o mesmo tipo de pensamento.
Resumindo não me parece que culturalmente exista uma entidade que reconheça o "talento" da engenharia e o coloque a par de outras actividades tradicionalmente mais rentáveis (como a gestão).
Há pois um grave problema de recursos humanos que não me parece que venha ser colmatado no futuro. Ainda para mais quando se perdeu o "know-how" que havia.

3 - O Estado português não acredita na nomeação de pessoas "éticas" para cargos de supervisão. Afinal são muito imprevisíveis e até se corre o risco de levarem a sério as suas atribuições na defesa do "bem comum". Basta ver as entidades reguladoras desde as comunicações, energia, comunicação social, etc.

4 - A empresa eléctrica nacional está mais preocupada em endividar-se para comprar/construir parques eólicos fora de Portugal para ser considerada um parceiro sério num empreendimento deste nível. Será de supor que nos próximos 10/20 anos tenha a sua margem de manobra financeira muito reduzida.

E por fim espero que se resista à tentação de comprar uma central nuclear "caixa negra" que não se sabe muito bem como funciona e que não tráz valor acrescentado para o país.

Anónimo disse...

Vi recentemente um artigo de Michael Dittmar do Swiss Federal Institute of Technology referindo numa serie de artigos na Tecnology Review do MIT que o urânio não é tão abundante como se pensa. Teria de se recorrer aos arsenais militares para a produção de energia, o que não é uma coisa má, implicando a ocorrência de escassez deste combustível. A confirmar-se esta realidade parece que a opção nuclear a longo prazo não tem assim tanto para oferecer. O investigador refere que já em 2013 poderia surgir os primeiros casos de escassez. Mais informação em http://www.technologyreview.com/blog/arxiv/24414/
no final deste artigo estão os endereços dos papers que são quatro http://arxiv.org/abs/0908.0627 , http://arxiv.org/abs/0908.3075 , http://arxiv.org/abs/0909.1421 e http://arxiv.org/abs/0911.2628.
Agradecia-lhe o esclarecimento desta questão, dado ser um prognóstico que põe em causa o ressurgir do nuclear.

Anónimo disse...

Caro Pinto de Sá,

«competência técnica, mestria de gestão e incorruptível dedicação ao serviço público.
E aqui é que está o grande problema!...»

Uma grande verdade, que posta sob equação matemática conduzirá, estou como o Medina Carreira, a uma solução impossível neste Portugal...

Posso por mais preto no seu humor? Aqui vai: Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, esteve com Oliveira Costa no Conselho Geral do Banco Efisa, que integra o BPN, ou estou enganado?

Espero que a escrever textos destes não seja venha a ser preso, ou processado, e olhe que nem todos os processos andam à mesma velocidade em Portugal... até porque é estímulo intelectual vir aqui lê-lo, e seria uma pena perder este prazer.

Cordialmente,

CTA

Pinto de Sá disse...

Este assunto é interessante.
Consultando os documentos de origem, o que preocupa o autor não é a escassez absoluta de urânio, mas a sua escassez a curto prazo. Esta resultará, segundo os seus cálculos, do facto das explorações actualmente existentes não chegarem para satisfazer os consumo, pelo que se irá verificar um défice.
Penso que o autor tem provavelmente razão. Mas não há o risco de se ter de recorrer ao urânio militar, porque a ordem dos factos é a inversa: desde já os anos 90, depois dos acordos de desarmamento, o urânio das ogivas desmanteladas foi posto no mercado das centrais. Prevê-se que esse urânio continue a ser suficiente para abastecer as centrais pelo menos até 2015. Para o entender, convém recordar que o grau de enriquecimento numa ogiva é da ordem dos 85%, enquanto num reactor civil é de 3.7% - pelo que os 250 Kg de uma ogiva média, depois de "re-empobrecidos", dão para alimentar o tal reactor de 1000 MW por quase 3 meses - e foram desmanteladas muitos MILHARES de ogivas. Na verdade, é em bombas que tem sido aplicada a maior parte do urânio.
Como apareceu esta fonte de combustível, e por outro lado não se têm construído muitas centrais nos últimos anos, deixou de se investir quer na exploração mineira, quer na busca de novos jazigos. E portanto, se houver um brusco aumento da procura, é bem provável que ocorra uma escassez momentânea até que a exploração mineira reestabeleça os níveis de procura do mercado.
Mas isso será sempre um fenómeno circunstancial, aliás similar ao que provavelmente ocorrerá com o petróleo: a actual redução da procura desincentiva a construção de novas refinarias, o que "promete" novas subidas do preço do petróleo refinado.
O relatório do MIT de 2003 actualizado em 2009 continua a considerar que as reservas prováveis dão para 150 anos ao actual nível de consumo - eu, na parte I, já reduzi tal prazo para 60 na perspectiva de um aumento do consumo para 2,5 o actual nos próximos 20-30 anos.
Mas no link que inseri sobre as nossas reservas, poderá ver que em Portugal ainda há 6000 toneladas + 1000 prováveis, o que mesmo só isso, que nem consta dos grandes mapas mundiais de Urânio, daria para 30 anos de uma central de 1500 MW.
Em todo o caso a tal escassez momentânea poderá vir a ocorrer depois de 2015, e admito que o novo acordo de desarmamento em curso entre os EUA e a Rússia vise obter mais algum urânio de ogivas - tanto mais que me parece evidente a intenção pelos EUA de manterem uma liderança mundial na construção de centrais nucleares.
Para além de 60 anos, digamos, claro que o U235 não é solução sustentável. Mas ninguém pretende que o seja. Se tudo correr bem (e já há prova experimental da fazibilidade técnica), a própria "queima" deste U235 pelas centrais actuais produzirá o plutónio e o U238 que alimentarão as centrais de 4ª geração, dentro de 20 a 30 anos.

Eduardo Freitas disse...

É um prazer ler os seus posts pela clareza das exposições sempre acompanhadas das respectivas quantificação, em volume e em valor.

Confesso, igualmente, a simpatia que nutro por aqueles que têm a coragem de ir contra a corrente mesmo que com isso, suspeito, possam incorrer em sérios problemas profissionais. O título do seu blog, por exemplo, é para muitos um autêntico crime de lesa-majestade.

Sendo certo que é humano gostarmos de ver "confirmadas" as ideias que defendemos (e tendermos a rejeitar a informação que não "encaixe" na opinião já formada), não deixo de assinalar que tem sido para mim muito estimulante encontrar neste blog argumentação articulada e documentada que vem cimentando ideias que eu próprio já tinha relativas à matéria energética - forte desconfiança relativa às eólicas e perplexidade pela ausência de discussão sobre o nuclear.

Macaco Zarolho disse...

Caro Pinto de Sá,

Fugindo um pouco a este post e pondo a questão da articulação de fontes de energia deixe-me perguntar-lhe algo. O Público anuncia hoje que a 'Índia quer produzir 1,3 gigawatts de energia solar em 2013' - claro que isto parece un enorme número mas está dependente do volume populacional/industrial e das suas necessidades energéticas. O que eu gostaria de saber - e venho aqui como leigo que nada ou pouco sabe sobre electricidade, energia e redes de produção/abastecimento - é se o mesmo seria possível em Portugal. Ou melhor, qual seria o impacto se os telhados de Portugal fossem cobertos por painéis solares. O que poderíamos esperar dessa fonte de energia? Daria para alimentar um prédio? Ou apenas para aquecer água? Qual seria o custo? Ao contrário da energia eólica, o pico de produção de energia solar coincide com o pico da procura.

Obrigado,
O macaco

Pinto de Sá disse...

Caro macaco,
Sobre o uso da energia solar nos telhados e as suas perspectivas, já por aqui escrevi:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/search/label/solar
Mas tenho "em carteira" um post mais desenvolvido sobre as perspectivas. No entanto e para adiantar, posso alinhavar o seguinte: a) nenhum estudo prospectivo internacional sobre fontes de energia eléctrica conta com o solar antes de 20 anos; b) quase de certeza quando for viável, será com películas finas, e não silício. Significa isso que precisará de grandes áreas, grandes centrais, portanto, e as pequenas instalações dos telhados nunca serão rentáveis.
Quanto ao 1,3 GW da Índia, note que há por cá um projecto para uma central de 2 GW!!! Mas, como poderá ver no meu blog, com 1,3 GW de potência instalada (ou seja, máxima), a potência MÉDIA anual que dali se tira não ultrapassará 270 MW - menos do que produz um só dos 4 geradores da central a carvão de Sines, ou metade do que produz a nova central a gás da Figueira da Foz...
E há outros aspectos: estas centrais gastam imensa água para a lavagem dos painéis, e há ainda outro mais interessante: retêm junto ao solo uma imensa quantidade de calor solar que não convertem em energia, de forma semelhante ao do efeito de estufa!...

Anónimo disse...

Bom dia

Agradecia que me tirasse uma dúvida: quando escreve biliões refere-se ao milhar de milhão (1.000.000.000,00 – forma Americana do bilião) ou ao milhão de milhão (1.000.000.000.000,00 – forma Europeia do bilião)?

Atentamente

Pinto de Sá disse...

À forma americana (milhar de milhões).
Justifiquei isto aqui, evocando o Nuno Crato:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/09/clusters-industrais-nas-renovaveis-23.html
Cumprimentos!

p.Pintado disse...

Boa noite. Estou desde as 2h da manhã a ler o seu blogue e identifico-me realmente com a sua forma de pensar, a forma lógica de pensar nas coisas, pensar no que é pró e no que é contra.

Passando este elogio tenho uma dúvida relativamente a umas unidades monetárias. Quando se refere a Bilião refere-se ao senso Europeu (1Bilião = 1 000 000 000 000) ou ao senso Americano (1Bilião = 1 000 000 000)?
Para a compreensão dos valores em causa era necessário esse esclarecimento.

Obrigado

Cumprimentos, Pedro Pintado

p.Pintado disse...

Peço desculpa pelo meu comentário repentino, pelo que não tinha lido os 3 últimos comentários. A minha dúvida está esclarecida.

Obrigado

Guerreiro disse...

Boa noite

Quero deixar os parabéns pelo post muito informativo e muito bem escrito! Estive a ler e para mim, custa-me a entender como chegou a certos valores, como por exemplo: "dentro de 10 anos Portugal precisará no mínimo de +550 MW em média anual".

Consegue dar alguma informação da informação que utilizou para chegar a esta conclusão?

Pinto de Sá disse...

Guerreiro, está tudo explicado, mas é preciso ler com atenção. Por exemplo, quanto ao que cita, escrevi: "E como crescerão os consumos?
Em Portugal têm crescido cerca de 1.5% acima do crescimento do PIB. Supondo inalteração do padrão de consumo e um difícil crescimento económico anual de 1% do PIB até 2020, temos que dentro de 10 anos o consumo terá crescido para 128% do actual. E depois disso talvez nos aproximemos da média de crescimento médio anual da UE, o que nos levará dentro de 20 anos a 150% do actual consumo."
É claro que isto foi escrito em Janeiro de 2010, antes do recurso à troika...
Neste momento, já seria bom que em 2020 Portugal tivesse voltado ao consumo de 2012, pelo que a necessidade de mais geração está adiada sine die. O que não impede que se continuem a instalar mais eólicas!...