segunda-feira, julho 19, 2010

Ainda sobre o cluster da ENERCON

Há perto de 3 meses comentei aqui o facto de a EDP ter feito a maior encomenda da História de aerogeradores, cerca de 2100 MW deles por cerca de 2,1 mil milhões de euros, à... Vestas dinamarquesa, e não ao cluster "nacional" da ENERCON de Viana do Castelo.

Hoje, o Público, pelo teclado da jornalista Lurdes Ferreira, vem dar conta que essa operação terá zangado imenso o Primeiro-Ministro de Portugal, que terá mesmo ralhado ao CEO da EDP, e o jornal adianta-se depois em divagações sobre porque terá a EDP feito aquela opção.
Entre essas divagações, o jornal aponta, como razões possíveis da opção da EDP:
  • O preço. De facto a EDP conseguiu um desconto de quantidade que lhe conseguiu um preço de cerca de apenas 85% do preço corrente das turbinas. A Vestas, que é de longe  o maior fabricante europeu de aerogeradores, só com esta encomenda viu a cotação das suas acções subir 11%!...
  • A incapacidade de resposta da ENERCON "nacional". Isto mesmo foi explicado a este blog por um funcionário do referido cluster, que clarificou que o mesmo está dimensionado para fabricar apenas cerca de 200 aerogeradores por ano, o que corresponde às encomendas para o mercado nacional da ENERCON dos anos de 2010, 2011 e 2012. Obviamente! Pois se este "cluster" foi apenas uma pequena e tardia contrapartida pela entrega preferencial do mercado nacional de energia eólica aos alemães, como notei aqui...
  • "Dificuldades da ENERCON em garantir entregas nos EUA". Como eu já narrara aqui há um ano, e voltei a falar disso depois, a ENERCON tem um litígio de patentes com os EUA em virtude do que foi proibida de exportar para lá até precisamente 2010! Por causa disso fui vilipendiado pelo dirigente da ENERCON e pela jornalista Lurdes Ferreira, mas factos são factos! Toda a gente pode consultar aqui a decisão judicial americana.
  • Inadequação do tipo de turbinas fabricadas em Viana do Castelo à encomenda da EDP. As turbinas de Viana do Castelo são de 2 a 2,3 MW, e a EDP procuraria turbinas de 3 MW...
Ora esta última razão é a que melhor ilustra o logro em que o lobby eólico, que entregou o mercado português de turbinas eólicas ao estrangeiro assim liquidando a possibilidade de Portugal alguma vez poder vir a desenvolver e testar tecnologia própria nesses equipamentos, nos tenta fazer cair com a história das fábricas de Viana do Castelo. É que as turbinas que lá se fabricam já estão obsoletas!
De facto, e como já notara aqui, sendo a longevidade média das turbinas eólicas de apenas 15 anos, a sua tecnologia nunca chega a amadurecer porque antes disso surge uma nova geração, mais evoluída, que torna a anterior obsoleta. E, presentemente, o estado da arte são as gigantescas turbinas de 3 MW, e até já as há de 6 MW, e já não as de 2 MW que se fabricam em Viana do Castelo!
E por tudo isto, é com pena que vejo a vida ir confirmando o que escrevi há um ano; que "não se vislumbram razões para acreditar que estas fábricas sobrevivam ao esgotamento do mercado nacional das eólicas. Não têm condições de sobrevivência".

Entretanto, a EDP empenhou o país em mais 2 mil milhões de € devidos ao estrangeiro, para um investimento financeiro no estrangeiro com turbinas estrangeiras. E é assim que Portugal é o líder das energias renováveis!...

6 comentários:

secameca disse...

O mais engraçado até nem é isso. O mais engraçado é que o Estado português decidiu abrir mão da EDP a capitais privados, perdendo o controle da empresa, mas esta retém o monopólio de facto do mercado nacional.

Os cidadãos portugueses simplesmente não têm alternativa às políticas danosas, para a economia nacional, por parte da EDP. Em outros países seriam exigidas contrapartidas à Vestas, caso ela recebesse o contracto, de modo a deslocar parte da produção (bem como postos de trabalho) para o território nacional.

Em países mais inteligentes, exemplo China, com uma encomenda destas até seria feita transferência de tecnologia para o sector nacional.

Na situação actual a EDP pode fazer os contractos que quiser e os cidadãos portugueses ficam a dever a factura sem ter qualquer poder de decisão.

Ribeiroplace disse...

Acho que não era mal pensado criar uma fábrica da Vestas em Portugal, pelo menos para minimizar os custos de trnasporte. É verdade o cluster da Enercon já tem produção até 2012, mas é possível que daqui a uns breves meses se fabriquem E82 de 3MW ou E101 também de 3MW nesse cluster. O que a EDP não devia fazer era comprar tantas turbinas de uma vez, essa instalação num curto espaço de tempo irá provocar uma intermitência ainda mais forte na rede energética nacional.

Pinto de Sá disse...

Ribeiro,
Todos os clientes procuram comprar em quantidade, para obter descontos, como fez a EDP. Isso não quer dizer que a Vestas vá construir essas turbinas todas de uma vez! Quer é dizer que tem capacidade de produção disponível para o fazer, e a ENERCON em Viana do Castelo não tem, porque está dimensionada apenas para o mercado nacional até 2012.
Quanto à intermitência - note que a encomenda da EDP não é para instalar as turbinas em Portugal! Como expliquei no post, é feita com dinheiro estrangeiro (dívida externa) e turbinas estrangeiras para as instalar no estrangeiro!
Uma mera operação financeira!...

Ribeiroplace disse...

Mais uma coisa a acrescentar, a tecnologia da Enercon E82 de 2.3 MW não é obsoleta, se calhar ainda é mais avançada que outras, o que acontece é que como o rotor da E82 é livre, não tem caixa multiplicadora, é mais difícil extrair grandes quantidades de potência, a vantagem é que conseguem começar a produzir a uma velocidade de vento baixa. A dificuldade da Enercon é o sistema de refrigeração, para produzir 3MW além de ser necessário aumentar o tamanho do rotor e talvez das pás, é necessário alterar a refrigeração de ar para água. Estas em comparação com a V90 da Vestas de 3MW, que já existem em Portugal desde 2003 [INEGI-Parques eólicos em Portugal] adequam-se a uma classe de ventos mais baixa. Ou seja numa zona de ventos mais fracos até será mais rentável colocar uma E82 de 2.3 MW.

Pinto de Sá disse...

Ribeiro,
Peço-lhe que leia melhor o que escrevi antes de comentar, senão está sempre a acertar ao lado.
Quando eu disse que as turbinas de 2 MW eram obsoletas, não me referia á questão da electrónica que eu sei bem que na ENERCON dispensa a caixa de velocidades - é exactamente o ganho do sistema de velocidade variável cuja patente está em disputa, e que permite, como diz, aproveitar o vento a partir de velocidades mais baixas.
Mas o grande problema das eólicas é a mecânica das pás, e é isso que faz com que só depois das de 2 MW é que se tenha evoluído para os 3, e por aí adiante. Claro que se as de 3 são mais rentáveis, as de 2 ficam obsoletas - por comparação.
Mas as estatísticas de operação não mostram que a ausência de caixa de velocidades tenha trazido grande melhoria na fiabilidade das turbinas, já que os dados mostram que é a eléctrónica a parte mais vulnerável.

Ribeiroplace disse...

Tem razão a electrónica é a parte mais vulnerável, mas os tempos de paragem são mais curtos e a resolução de avarias são mais simples. É mais fácil mudar uma placa de circuitos do que uma caixa de velocidades (98% de disponibilidade das máquinas Enercon em Portugal). Além do mais a máquina Vestas possui o transformador na nacelle, o que além do risco para os técnicos, uma substituição de um transformador na base de uma torre é bem mais fácil, que a troca do transformador localizado na Nacelle. Já agora parabéns pelo blog, eu estou a realizar um estudo sobre a minimização dos efeitos de intermitência da energia eólica na rede energética nacional e os temas aqui expostos são bastante elucidativos.