segunda-feira, julho 13, 2009

As patentes e os artigos científicos pertencem a universos opostos

Se Portugal há alguns anos não tinha dos melhores scores em matéria de papers per capita publicados em revistas científicas, ainda fazia muito pior figura em matéria de patentes de invenções industriais (ditas de utilidade)! Na verdade e neste domínio, a sua produção era praticamente nula, uma fracção das patentes registadas até pela... Grécia!
Com o Governo actual foi dado um impulso ao registo de patentes nacionais, que passou de cerca de uma dúzia por ano para cerca de duas dezenas, o que melhorou as estatísticas de absolutamente vergonhosas para menos vergonhosas (embora per capita ainda tenhamos apenas 1/4 das de Espanha e menos que a Grécia, estando na 47ª posição mundial). A liderança mundial pertence ao Japão e à Coreia do Sul, outrora conhecidos como meros copistas...


Estando a decorrer no Porto a "XII International Conference on Technology Policy and Innovation ", ocorre, entretanto, a pergunta: fora a boa figura nas estatísticas e a "melhoria da auto-estima" (uma importante recomendação pedagógica das modernas escolas de "Ciências da Educação"...), para que servem as patentes?
Para quem tenha tido algum contacto ou participação em desenvolvimento industrial de novos produtos ou processos, a resposta é: servem para excluir outros da exploração económica daquilo que se inventou!
Ou seja: o registo de patentes é uma arma estratégica comercial, não é nenhuma medalha tecnológica! É um cadeado para fechar portas comerciais, não é uma desinteressada oferta à Humanidade! Ofertas desinteressadas serão os papers (se o seu conteúdo tiver algum valor)! As patentes visam exactamente o contrário dos papers, ainda que nas estatísticas oficiais possam aparecer lado a lado.

Não vou lembrar como Edison ou o homem que inventou a abertura das latas de conserva sem abre-latas enriqueceram com as patentes das suas invenções, nem quão antigas são as "guerras de patentes", como as com que Edison
tentou impedir o uso do motor de indução trifásico inventado por Tesla ou de como as empresas dos telégrafos combateram o advento do telefone. Vou apenas lembrar duas histórias recentes de grande impacto para os que sonham com uma "liderança tecnológica portuguesa" a partir das Universidades.

A primeira história é a do roubo da tecnologia de velocidade variável com geradores síncronos da Enercon pelo Echelon norte-americano. Concretamente, o que o fundador da Enercon inventou foi um método de controlo automático da electrónica de energia que liga o gerador das turbinas eólicas à rede eléctrica e que, entre outras vantagens, dispensa caixas de velocidades, um componente caro e sujeito a avarias que existia nas soluções concorrentes da época. Esse invento terá sido prototipado no fim da década de 80, numa época em que os EUA eram pioneiros com as primeiras wind farms na Califórnia e muito antes de Kioto, em 1997, fazer explodir o interesse pelas renováveis.
O roubo está bem documentado e é reconhecido pelas intâncias próprias da União Europeia, e as suas consequências manifestaram-se quando a Keneteck Windpower americana processou a Enercon, visto ter registado como patente sua a invenção da Enercon antes desta o ter feito. E, neste processo, conseguiu em 1994 que a Enercon fosse proibida de exportar para os EUA até 2010, o que lhe terá causado 100 milhões de marcos de prejuízos e a perda de 300 empregos.
A Keneteck faliu em 1996 devido aos prejuízos sofridos com a fractura frequente das pás das suas turbinas e a patente foi adquirida pela Enron, que viria também a falir e a ser adquirida pela gigante General Electric. Esta tornou-se a 2ª fabricante mundial de turbinas eólicas, à frente da Enercon e, como se vê, os EUA garantiram assim a independência da sua tecnologia eólica, não deixando o estratégico desenvolvimento do seu programa energético em mãos alheias.
A segunda história é a das baterias híbridas níquel-metal NiMH e da sua aplicação em automóveis eléctricos. Um dos primeiros automóveis inteiramente eléctricos foi o RAV4 EV da Toyota, comercializado entre 1997 e 2003 (mas de que só se venderam algumas centenas de exemplares). O RAV EV tinha uma autonomia média de 160 km, como a anunciada agora para os futuros carros eléctricos com baterias de iões de lítio, e no entanto as suas baterias eram do tipo NiMH. Porque não foi continuada nem repetida esta experiência?
As baterias NiMH tinham várias vantagens sobre as de iões de lítio, incluindo uma muito maior durabilidade. Embora as baterias de iões de lítio tenham um custo unitário de metade (estimativas apontam para o valor de cerca de 6000€ (!) se produzidas em massa), não duram mais que 4 anos de uso regular médio, enquanto as NiMH duravam a vida do carro. É certo que para a mesma capacidade tinham cerca do triplo do peso das de lítio e um rendimento muito inferior, mas mesmo assim eram uma alternativa competitiva, dada a sua longevidade. Porque, então, nunca foi repetida a experiência do RAV EV?
A resposta é: patentes! A tecnologia das baterias NiMH foi desenvolvida por uma empresa especializada, a Ovonic, que em 1994 a General Motors adquiriu e de que depois vendeu as patentes à petrolífera Texaco em 2001, a qual por sua vez foi pouco depois comprada pela petrolífera Chevron. E a partir de 2003 a Chevron deixou de permitir o uso desta tecnologia em automóveis eléctricos...
Estas duas histórias ilustram exemplarmente para que servem as patentes. Quem regista uma patente, por conseguinte, tem de estar preparado para vigiar a sua violação no mercado mundial e tem de ter os meios para as correspondentes litigâncias. Obviamente, não são Universidades nem micro-empresas quem tem estruturas para esse efeito! O registo de uma patente de utilidade tem de se inserir numa estratégia de ofensiva comercial internacional, para um país da nossa dimensão (nos EUA o mercado interno poderá justificá-lo por si só). Ou seja, o registo de uma patente é o primeiro acto de uma agressiva ofensiva comercial em mercados internacionais por uma empresa com envergadura para isso, envergadura produtiva, comercial, e de litigância jurídica! Sem isso, não servirá de nada!
Um corolário do que acabei de escrever é que, efectivamente, a capacidade inovadora de um país, falando daquela inovação que cria riqueza e faz de um país um exemplo de desenvolvimento, se pode medir bem pelo número de patentes que regista. Basta olhar para o ranking dos países na figura anexa para o verificar!
Outro aspecto estreitamente ligado ao objectivo das patentes é, naturalmente, o do segredo industrial. Até uma patente ter sido submetida, o conhecimento que encerra está nas mãos dos investigadores que desenvolvem a correspondente tecnologia, e é evidente que quem financia o seu desenvolvimento se terá de proteger com o segredo. Significa isto que tal financiador terá de impor segredo aos referidos investigadores, e terá que dispor dos meios coercivos para essa imposição. Lá fora, isso faz-se em regra por contratos que prevêm expressamente esse segredo nas suas cláusulas, mas as penalidades pela sua violação não se podem limitar ao despedimento; têm de permitir o recurso eficente aos Tribunais e prever punições exemplares. E têm que ser acompanhadas, é evidente, de políticas de prémios e de reconhecimento que constituam estímulos positivos à invenção. Nada disto se compadece com o espírito académico, onde as carreiras se fazem pela medida dos papers que se publicam e os estudantes têm de escrever em teses públicas aquilo que criarem de inovador!...
Entretanto, dizem os jornais que na Conferência supra-citada a decorrer no Porto, o representante da OCDE afirmou que, devido à crise, "o investimento e o número de patentes desceram e estão a afundar-se com o PIB. São as pequenas e médias empresas que têm mais I&D e são elas que vão sofrer mais", e que "é preciso investir na educação e formação para dar um suporte a curto e médio prazo aos jovens desempregados e restaurar o valor do capital humano".

O registo de patentes, sendo como expus um intrumento de estratégia comercial, estará efectivamente em queda, como toda a actividade económica. Porém, como qualquer académico das tecnologias sabe, é nas épocas de crise económica que mais estudantes de pós-graduação há nas Universidades, precisamente devido ao desemprego. E, por isso, com as crises económicas diminui o registo de patentes mas aumenta a publicação de papers. Para um académico cujo objectivo na vida seja o de publicar, a crise é uma benção. Mas para publicar papers, e não patentes!

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Pinto de Sá

A propósito de baterias e patentes, sabia disto? :

http://www.allcarselectric.com/blog/1022152_toyota-teams-up-with-french-utility-company-to-test-phev-priuses

Pinto de Sá disse...

Caro Anónimo,
Experiências destas são louváveis e há várias em curso pelo mundo fora, como por exemplo aqui:
http://www.spacemart.com/reports/BMW_and_Swedish_Vatenfall_plan_electric_car_network_for_Berlin_999.html

Naturalmente, a solução do automóvel híbrido carregável (plug-in hybrid) é muito mais prudente que a do puto eléctrico. O carregamento eléctrico é apenas uma opção, e o carro continua a ser a gasolina (com travagem regenerativa).
Falta ver o que dá a experiência do ponto de vista da aceitação social e continuará por se ter de resolver o problema do preço e duração das baterias de iões de lítio (sem subsídios, isto é, sustentavelmente).

Pinto de Sá disse...

Há no link que o Anónimo enviou dois aspectos distintos: o primeiro é o da conversão do Híbrido da Toyota em Híbrido electricamente carregável, sobre o que já comentei.
O segundo, porém, é a ideia muito green desse carregamento ser feito a partir de painéis fotovoltaicos existentes na casa do proprietário do carro. E aqui, para já não falar do custo dos painéis (sem subsídios), ocorre-me uma questão simples: como é, o dono do carro deixa-o a carregar em casa DURANTE O DIA e vai para o trabalho de autocarro? É que à noite não há sol para alimentar o painel fotovoltaico...
Francamente, há muita demagogia "green" nestas coisas!

Lowlander disse...

Muito interessante.