sexta-feira, julho 02, 2010

A fusão nuclear fria portuguesa

Uma das histórias mais patéticas sobre devaneios tecnológicos é a do projecto Huemul argentino e da sua alegada descoberta de como controlar a fusão nuclear a frio.
Por alturas da II Guerra Mundial a Argentina era governada por um regime militar populista liderado pelo general Péron (cuja primeira mulher, a lendária Eva Péron, deu azo a uma conhecida ópera-rock protagonizada por Madonna). A Argentina, aliás como Portugal com as conservas, acumulara muito dinheiro com a sua neutralidade na guerra e as exportações de carne, e Péron tinha sonhos de vir a liderar uma grande potência, a "Nova Argentina".
Por outro lado, embora neutral durante a guerra, as simpatias do regime peronista iam assumidamente para a Alemanha, razão pela qual veio a acolher grande número de responsáveis nazis que conseguiram fugir depois da derrota e ocupação militar do seu país.
Um desses refugiados nazis foi o germânico Ronald Ritcher, que pretendia ser capaz de produzir a fusão nuclear de átomos de deutério com ondas de choque de relativa pequena potência - para quem não saiba, o (ainda) sonho do controlo da fusão nuclear é o motivo do gigantesco projecto internacional ITER, a tentar-se lá para 2020, se tudo correr bem - mas a quente!...
Á época em que Ritcher abordou Péron, 1948, a Humanidade trabalhava no controlo da cisão nuclear, que em breve (anos 50) viria a produzir reactores para a produção de energia eléctrica e para a locomoção de submarinos. Mas a fusão nuclear estava fora de hipótese para toda a gente!
Porém, Ritcher conseguiu convencer Péron a financiar uma megalómana instalação secreta numa ilha, prometendo que iria produzir fantásticas quantidades de energia obtidas por fusão nuclear a frio, empacotadas em dois tipos de recipientes, de meio litro e de um litro, até que um dia lhe anunciou ter conseguido os resultados pretendidos, e o Governo argentino anunciou solenemente ao Mundo que "on February 16, 1951, in the... Isla Huemul... thermonuclear reactions under controlled conditions were performed on a technical scale"!
Evidentemente, era uma burla, e o saldo do "projecto Huemul" foi, além de uma vergonha para a Argentina e de um enorme desperdício de meios, um agravamento do atraso científico do país, por todos os recursos terem sido desviados para aquele projecto.

Porque foi possível um mitómano como Ritcher ter convencido Péron a embarcar em tal aldrabice?  Primeiro, porque Péron admirava profundamente a competência alemã e acreditava que qualquer coisa que um cientista alemão se propuzesse realizar teria sucesso, e segundo porque se recusou a ouvir os cientistas argentinos que o avisaram da inviabilidade do projecto por causa das divergências políticas que tinha com eles.

Vem esta história sobre a fusão nuclear fria argentina a propósito do vaticínio que o Primeiro-Ministro de Portugal fez recentemente sobre o papel do carro eléctrico na "estratégia europeia contra as alterações climáticas", e que Portugal lidera ao ter a rede mais "inteligente" e "integrada" de abastecimento de veículos eléctricos. E que esta ideia de grandeza até convence muita gente foi patente ontem no programa "Quadratura do Círculo", com o sensato António Costa a invocar esse projecto, feito por "empresas privadas", como exemplo das coisas positivas que estão a acontecer no país.
Ora porque é que é Portugal quem tem a rede de abastecimento de automóveis eléctricos mais "inteligente" e "integrada"? Porque os automóveis eléctricos... não existem!
Como a fusão nuclear fria, que também não existe.
O Primeiro-Ministro português acredita que os automóveis eléctricos vão existir muito em breve, dando então uso à tal rede de abastecimento, mas receio que a sua fé seja semelhante à de Péron.
O primeiro automóvel eléctrico em comercialização deverá estar no mercado lá para o fim do ano, o Nissan Leaf de que já aqui falei. Mas é muito duvidoso que se lhe siga uma inundação de automóveis eléctricos nas estradas portuguesas; não existem ainda baterias capazes de viabilizar automóveis eléctricos, nem é previsível que venham a existir nos próximos 10 anos, como tenho repetidamente chamado a atenção aqui e aqui.
Claro que se podem fabricar automóveis eléctricos, protótipos, pré-séries, e até tentativas experimentais de comercialização; ao que me refiro, quando digo que o automóvel eléctrico não existe, é a um automóvel eléctrico que seja viável em economia e sobretudo autonomia, a ponto de poder constituir uma opção de uso social corrente.
Mas, tal como Péron, em matéria de Ciência e de Tecnologia o nosso Primeiro-Ministro parece só ouvir quem concorda com ele...

1 comentário:

Anónimo disse...

Lá pelo final da Guerra Fria, o Parlamento Alemão discutiu e desaprovou uma proposta de lei, dos Verdes, que pretendia que os distintos representantes do povo tivessem de soprar para «o balão» antes de entrarem naquela assembleia ... Cá - como lá - não faltam exemplos evidenciando a sensatez subjacente à proposta rejeitada.
Acrescentaria apenas que ao teste do álcool se deveria adicionar um teste de despiste de drogas...