Este é o 3º post, de 4 previstos, de apresentação de uma posição sobre a política energética nacional em curso. O post anterior pode ser acedido aqui.
10. Está em curso um movimento europeu para a realização não de micro-redes eléctricas, mas sim de uma Super-Rede intercontinental, que poderá afectar seriamente Portugal mas relativamente à qual o Governo é omisso.
Muito recentemente, e após a evidência comprovada da impossibilidade de gestão do continuado crescimento da energia eólica na Europa nas condições de redes nacionais existentes, sobretudo com as novas metas definidas para 2020, tem ganho corpo na UE a ideia, oriunda da Alemanha, de que a incontrolável intermitência inerente às energias eólica e solar, com a impossibilidade da sua regularização por armazenamento, pode ser mitigada explorando a variabilidade das condições meteorológicas em grandes extensões geográficas.
Concretamente, se se explorar a produção de energia eólica onde ela é mais abundante, nas costas do Mar do Norte, do Reino Unido e em toda a restante costa atlântica (incluindo Marrocos), assim como nas planícies ucranianas e russas, se se instalarem grandes centrais solares onde o Sol é mais intenso, no Sahara norte-africano, se se puder aproveitar um gigantesco recurso hidroeléctrico existente em África (“Grande Inga”, na foz do Zaire), adicionando ainda algumas barragens para armazenamento de energia na Europa (sobretudo na Noruega e Suécia), poder-se-á lograr uma filtragem da intermitência das produções locais de energia renovável, aproveitando-a onde haja melhores recursos.
Esta ideia requer a interligação de todos esses meios na Europa e continentes próximos, por uma Super-Rede eléctrica de cabos submarinos e linhas aéreas de grande extensão, a construir, usando novas tecnologias de controlo. Esta Super-Rede exigirá grandes meios informáticos e de telecomunicações para a sua gestão técnica em tempo real, dada a intermitência das energias renováveis e a grande escala e rapidez das transacções previstas, sendo, a realizar-se, a verdadeira materialização do conceito de “smart grid”.
Não as “smart grids” dos míticos “consumidores-produtores” domésticos, fantasiosamente promovidos a parceiros activos do sistema de energia eléctrico, mas a “smart grid” de um Império.
É de recordar que esta ideia não é nova e, tendo já sido academicamente enunciada há cerca de duas décadas, ela incluía também, então, a consideração de um grande potencial de energia renovável de marés que existe em algumas bacias da Rússia e que reaparece em alguns cenários futuristas deste novo projecto. A razão porque então a ideia não foi desenvolvida foi a evidente vulnerabilidade político-militar de uma tal rede eléctrica.
Esta ideia ressurge agora, pois, quando para as energias eólica e solar se planeia um enorme incremento em vários países europeus, por Directiva dos centros de poder da UE, e levanta duas questões de que o nosso Governo parece totalmente distraído: como serão repartidos os custos e os benefícios de um tal sistema intercontinental, e que poderes político-militares serão usados para garantir a sua segurança.
Os riscos desta ideia para um país periférico como Portugal são claros, mas o nosso Governo e demais responsáveis pela política energética nacional parecem muito mais ocupados com fantasiosas (e politicamente perigosas) micro-redes do que com a real Super-Rede eléctrica cuja ideia ganha corpo nos centros de poder europeus, como a continuada publicidade a certas grandes centrais solares a construir no Sahara (projecto "DESERTEC"), e outros documentos recentemente publicados, atestam.
11. O gás natural é a solução imediata a que o Governo se vê obrigado a ceder, mas é uma solução dependente dos voláteis preços internacionais do mesmo, a sofrer um grande incremento de procura mundial. Além disso aumenta a emissão de CO2, anulando o esforço feito de investimento em renováveis.
Limitados que são os recursos de energia renovável tecnicamente exploráveis no país, e dada a sua incontrolável intermitência, o Governo tem concedido licenças de exploração para a construção de centrais termoeléctricas a gás natural de ciclo combinado, efectivamente capazes de colmatar as insuficiências técnicas das formas de produção renovável, graças à sua controlabilidade.
A tecnologia de ciclo combinado permite investimentos privados de relativamente reduzido montante, mas está dependente dos custos do gás natural no mercado regional que abastece a península ibérica.
Embora a rápida evolução das técnicas de liquefacção e armazenamento do gás tenha permitido diversificar a alguns países subsarianos os fornecedores do gás consumido em Portugal, embora o desenvolvimento recente de novas tecnologias de extracção em subsolos xistosos tenha aumentado as suas reservas mundiais úteis e se preveja a mundialização do seu mercado internacional, com a expansão das instalações de liquefacção, embora os preços internacionais do gás natural tenham sofrido uma forte quebra em 2009 devido à recessão internacional, o aumento explosivo do seu consumo augura uma grande volatilidade aos seus preços, a um prazo de dez anos. Além disso, o custo de produção de energia eléctrica por estas centrais é consideravelmente superior ao das a carvão e, embora em escala consideravelmente inferior ao emitido por estas, as suas emissões de CO2 são também incompatíveis com as reduções pretendidas pela comunidade internacional para 2050, pelo que não são uma solução sustentável a longo prazo.
E, sobretudo, o recurso imposto pelas circunstâncias técnicas a este tipo de centrais é a negação de todo o esforço feito em investimentos em energias renováveis, visando alegadamente combater a dependência de importações de combustíveis fósseis e a redução das emissões de CO2.
12. Juntamente com as fantasiosas ficções sobre os benefícios da política energética seguida para as produções de origem eólica e solar, têm sido completamente mistificados os impactos económicos e sociais desta política, nomeadamente quanto à criação de empregos e ao esforço necessário para o acesso às respectivas tecnologias.
A ignorância técnica relativamente às produções de energia renovável tem sido incentivada pela irresponsabilidade e pela atitude mistificadora com que estas novas tecnologias têm sido abordadas pelo Governo e outros responsáveis, e de que o caso da central das ondas e dos automóveis eléctricos atrás referidos são exemplares. Não admira, por isso, que comecem a verificar-se alguns casos de aparecimento mediático fugaz de aventureiros invocando a invenção desta ou daquela tecnologia de que no entanto não são reveladas quaisquer referências, com o pretexto de “segredo industrial”, como uma alegada nova turbina eólica a ser comercialmente explorada na Ucrânia e descoberta por um empresário beirão, ou um alegado novo tipo de gerador para a energia das ondas por parte de um grupo de jovens alunos de licenciatura de Lisboa onde só dois são estudantes de electrotecnia e nem muito brilhantes, mas que mereceram grande promoção mediática e no último caso até prémios pecuniários. É neste quadro mistificador que se tem propagandeado a criação de clusters nacionais para a produção de equipamentos de energias renováveis, nomeadamente eólicos e solares, anunciando-se dezenas de milhar de empregos e uma “aposta” nacional estratégica no sector.
Ora a verdade é que a tecnologia das turbinas eólicas leva já perto de um século de Investigação e Desenvolvimento internacional, tendo escapado inteiramente ao interesse português, com excepção de alguns empenhados académicos que, todavia, nunca foram envolvidos nos actuais projectos nacionais (como o não foram os especialistas de longa data na central de ondas do Pico). E, por outro lado, a respectiva tecnologia tem sido objecto de acesas guerras internacionais de patentes que proibiram o acesso ao mercado americano, até 2010, do industrial alemão escolhido pelo Governo português para parceiro no respectivo cluster.
Neste contexto, é evidente que a participação nacional numa indústria de turbinas eólicas não pode ser senão acessória, e como quase todos os países que pudessem ser mercados de exportação importantes para esta produção têm exigido a montagem no seu território dessas turbinas, não se vê como se possa sustentar a prazo a existência do referido cluster. Ora na verdade, embora o líder desse cluster prometa a criação de “dezenas de milhar de empregos”, os números disponíveis em instituições internacionais credíveis apontam para a criação, até ao presente, de menos de 3000 empregos, numa produção destinada a um mercado nacional que atingirá em breve a saturação.
Logro similar se tem verificado com a construção dos novos aproveitamentos hidroeléctricos, para os quais também se fala na criação de “dezenas de milhar de empregos”, escamoteando que se tratam na esmagadora maioria de empregos transitórios, na construção civil das barragens e apenas durante parte dos 4 anos que dura a de cada uma, em geral em condições de alojamento em locais isolados e com ordenados tão baixos que só tornam esses empregos atractivos a uma maioria de trabalhadores imigrantes. Em qualquer dos casos, não são empregos sustentáveis e muito menos de qualidade.
Pelo contrário, nas fileiras da biomassa, que tem um enorme peso na produção de energias renováveis no norte da Europa e que é diminuto em Portugal, nas dos biogás, nas dos Resíduos Sólidos e na dos biocombustíveis, sectores que requerem uma ocupação de mão-de-obra permanente em quantidade e que se podem articular sustentadamente com outras actividades, nomeadamente agrícolas e florestais, não tem havido “aposta”. Nem têm sido considerados os estudos que demonstram que aos empregos temporários criados na fase de investimento das instalações de energia renovável se segue a destruição de empregos duradouros resultante da subida decorrente dos custos da electricidade.
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