Como informei há umas duas semanas, no post abaixo, aos crentes na ecotopia das micro-redes, não vai haver micro-redes.
O que poderá vir a haver são super-redes.
Expliquei também que a super-rede em preparação em Bruxelas requererá um Império, se quiser de facto interligar as ventosas estepes russas e a super-hídrica do Inga no Zaire.
Quanto ao Império veremos, mas para os que acham que é grande petulância minha remar assim contra o Pensamento Único, sugiro a leitura desta notícia aqui. E, depois, expliquem-me como é que esta rede é uma resposta ao fracasso de Copenhaga, como diz a notícia, a não ser por se contentar com um Império continental visto o Império mundial estar fora de causa.
E pode ser que isto seja mera imaginação paranóica minha, mas imaginar as estepes russas e o Sahara com eólicas e painéis solares alemães, faz-me inevitavelmente lembrar que nessas mesmas regiões, há 68 anos, era com panzer, respectivamente do 6º exército e do Afrika Korps, que os alemães lá andavam (estou a brincar...).
Uma das mais fantásticas criações imaginárias dos ecotópicos é a de que no futuro as redes eléctricas terão evoluído das actuais nacionais e em muitos casos transnacionais, para redes locais ou quando muito regionais, as futurísticas micro-redes.
Imaginam eles um futuro em que cada consumidor será também produtor, com o telhado cheio de painéis solares, micro-turbinas na cave e carros eléctricos na garagem com as respectivas baterias a armazenarem a energia em excesso e a revendê-la quando há falta.
E dedicam-se a investigações académicas sobre processos de auto-cicatrização destas redes quando se isolarem da rede eléctrica nacional, controlos automáticos pela internet e coisas assim.
Parece excitante, para quem gosta de tecnologia e sonha em transformar o mundo sem nunca sair do laboratório da Universidade. Ou para quem, no Porto, sonha com uma rede eléctrica finalmente livre do jugo lisboeta...
Mas esta causa padece de um grave problema. Nunca se concretizará!
Nunca se concretizará porque a energia solar fotovoltaica nos telhados nunca será competitiva, nos próximos 20 anos, e nenhum Governo, nem mesmo o nosso, aceitará pagar os custos de tal coisa!
Nunca se concretizará porque as redes existentes são fiáveis e não precisam de nenhuma capacidade de auto-cicatrização. Precisam é que o excesso de eólicas na rede nacional não venha a provocar apagões ibéricos!
E nunca se concretizará porque ninguém alguma vez deixará os carros na garagem (caso a tenha) e irá a pé para o trabalho só para negociar uns cêntimos de energia das respectivas baterias!
O que já faz algum sentido, é uma proposta alemã que está a fazer o seu caminho em Bruxelas.
Esta proposta não defende um futuro de micro-redes.
Defende exactamente o contrário: a super-rede!
De um ponto de vista meramente técnico-económico, as super-redes fazem muito mais sentido que as micro-redes. A ideia é a seguinte:
Instalem-se eólicas onde há muito vento e portanto a respectiva energia sai de facto barata e competitiva: nas costas do mar do Norte, sobretudo nas costas escocesa e irlandesa, e nas estepes russas. Instale-se solar onde há sol todo o ano e sem nuvens, isto é, no Sahara. Ligue-se também a extraordinária super-Itaipu africana, a prometida barragem do Inga, na foz do Zaire. Explore-se a diversidade geográfica para minimizar as necessidades de armazenamento. Usem-se algumas barragens reversíveis, onde as haja, para armazenar alguma energia desta. E ligue-se isto tudo por uma rede de linhas de Muito Alta Tensão com milhares de quilómetros de extensão, em corrente contínua.
As contas estão feitas. É viável. Técnica e economicamente. Permitirá produzir energia, toda de origem renovável, praticamente ao preço da actual. Basicamente porque a vai buscar onde ela é mais rentável, como sempre se fez na energia eléctrica.
É também excitante, a ideia de controlar tudo isto em tempo real, quiçá com satélites, Inteligência Artificial, microprocessadores por todo o lado comunicando à escala pluri-continental!
Só tem um problema. Um problema político.
Precisa de um Império para poder gerir tudo isto em boa ordem.
Um IV Reich? Quiçá travestido de Governo de Bruxelas benigno, invocando até um tal "Tratado de Lisboa"?...
Talvez não. Mas, seguramente, só em tal cenário as barragens reversíveis em construção em Portugal terão alguma utilidade.
6 comentários:
Uma pergunta. Como se enquadra o nuclear nesta estratégia?
A Alemanha abandonou o nuclear como fonte de energia eléctrica. Daí que faça sentido essa estratégia (desde que também existam garantias de segurança de fornecimento). Mas será a melhor opção para os restantes países?
"Muito Alta Tensão com milhares de quilómetros de extensão, em corrente contínua."
Creio que queria dizer alternada ao invés de contínua.
Anónimo,
Esta ideia alemã não passa, creio, de uma ideia, embora a proposta (alemã) de que se tem andado a falar de instalar gigantescas centrais solares no Sahara se enquadre precisamente nesta ideia.
A ideia tem muitos problemas políticos com ela, mas mencionaria apenas dois:
1) A ideia da barragem do Inga já é velha. E porque nunca foi realizada? Por causa do risco político de trazer aquela energia através de toda a África até à Europa. A barragem de Cabora Bassa ilustra-o: durante décadas foi impedida de funcionar pela guerra, visto ser facílimo dinamitar um poste de Alta Tensão quando uma linha percorre muitas centenas de quilómetros.
2) Um outro problema é o de como serão repartidos os custos de tal sistema e as respectivas remunerações. À falta de um plano europeu integrado, por exemplo, é duvidoso que as nossas barragens reversíveis, pagas por nós, venham a ser remuneradas rentavelmente por, por exemplo, virem a armazenar energia solar do Sahara...
Quanto ao Tiago Costa: era mesmo corrente contínua que queria dizer. A longa distância, tem-se de usar corrente contínua para o transporte de energia. Tal como aí no Brasil há duas linhas de 900 km de Itaipu para o centro do país que são em corrente contínua, tal como são em corrente contínua as linhas de Cabora Bassa para a África do Sul.
Caro Prof. Pinto de Sá
Também penso que anda muita fantasia à volta das micro-redes, smart grids, automóveis eléctricos a vender energia à rede e conceitos afins. Basta ver o encanto com que estas ideias são acolhidas pelos paraquedistas que pousam nos conselhos de administração das nossas empresas eléctricas, para desconfiar. Dá até algum divertimento ver a forma como alguns dos nossos colegas mais matreiros os entretêm com isto.
Também acredito mais que se caminhe para uma super rede do que para múltiplas micro redes.
As vantagens de uma rede vasta são conhecidas. Quando tudo corre bem, claro. Porque em caso de apagão é inevitável fraccionar a rede para iniciar a reposição em serviço.
Em todo o caso, julgo que não se pode ignorar uma hipótese que pode vir a perturbar o funcionamento de uma rede vasta.
Concretamente, se se verificar uma evolução tecnológica que permita pôr à disposição dos consumidores individuais meios de produção de energia eléctrica mais baratos ou mais fiáveis do que os oferecidos pela rede - pensemos, por exemplo, nos desafortunados clientes da EDP na região Oeste - é possível que muitos se desliguem da rede durante uma boa parte do tempo, ou mesmo permanentemente, vindo apenas a ligar-se quando passarem por algum percalço no seu próprio sistema de abastecimento.
A perspectiva de uma rede encarada apenas como backup para uma boa parte dos consumidores, os quais podem entrar e sair da rede - na melhor das hipóteses aleatoriamente, na pior um grande número em simultâneo - pode constituir um campo de investigação interessante.
Caro Eng.º Jorge Oliveira,
Se os agricultores do Oeste se quiserem prevenir contra apagões, não precisam de esperar pela microgeração que nunca será economicamente rentável a não ser se for subsidiada, o que obviamente não é sustentável.
Basta-lhes comprarem e instalarem grupos electrogéneos...
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