quarta-feira, junho 30, 2010

Um MBA em Energia no ISCTE

Pelo New York Times acabo de ter conhecimento do MBA que vai começar em breve, promovido pelo ISCTE e em colaboração com a Universidade de Columbia, sobre Energia.
Uau, é coisa com impacto! Portugal a dar cartas ao mundo, ensinando-o!...
Dei uma vista de olhos ao programa, e é tudo sobre financiamentos de renováveis, contando até com uns "laboratórios" de energias renováveis onde se ministrarão umas noções sobre vento, hídricas, etc.
O corpo docente anunciado parece de respeito! São quase tudo estrangeiros, o que dá à coisa uma garantia de qualidade, de certeza! E depois há o líder do curso, o notável especialista mundial Manuel Pinho, cujo currículo inovatório é conhecido, tendo ganho o seu lugar na História ao promover a primeira central comercial de energia de ondas no Mundo!
Ah, mas não se apressem que o período de inscrições terminou hoje! A não ser que vocês sejam internacionais!...
Tive alguma dificuldade, entretanto, foi em encontrar na lista do corpo docente alguém que saiba de sistemas de energia real.
Mas quem sou eu, um simples português...

segunda-feira, junho 28, 2010

A desinteressada candura ecotópica e o seu "flavour" ibérico...

Quando se trata de "conservar o ambiente", é vulgar ouvirmos nos últimos tempos os ecologistas utópicos lamentarem-se de que "a economia esteja a invadir o raciocínio conservacionista da natureza". Queixam-se eles, que só querem salvar o planeta, de um escrutínio crescente em nome da economia às políticas de financiamento da sua sublime causa... E lamentam-se, frequentemente, que nesses cálculos económicos dos seus escrutinadores se não contabilizam as "externalidades", que são os custos que as práticas tradicionais de exploração da natureza terão para toda a gente - tais como as despesas de saúde das pessoas intoxicadas pelas cinzas e fumos das centrais a carvão, os estragos na flora provocados pela chuva ácida, etc.
Não vou discutir hoje a economia das "externalidades", mas apenas notar que a própria necessidade da sua invocação resulta da natureza subsídio-dependente da ideologia ecotópica e da necessidade que ela tem, por isso, de convencer os decisores políticos a decretarem a transferência dos rendimentos do povo para a sua causa. Causa que será, como é apresentada, de uma desinteressada candura ambientalista e visando apenas o bem da Humanidade...

É por isso que o que pretendo apreciar hoje convosco é o tarifário criado em Portugal para as energias renováveis, e assim admirarmos juntos a candura do desinteressado propósito de salvação do clima planetário que lhe subjaz.
Como escrevi recentemente, o custo médio de produção para um investimento actual da energia eólica em Portugal remunerado a 20 anos com uma taxa razoável de 7,5% anda pelos 7,0 ç/kWh, e a presente tarifa que a remunera desde 2005 aparentemente fá-lo a 7,4 ç/kWh, mas verifica-se que na verdade o valor médio que lhe foi pago nos últimos 4 anos foi de 9.2, 9.49.5 e 9.3 ç/kWh (vd. gráfico anexo: o custo do kWh eólico deixou de facto de crescer em 2009).

O gráfico apresentado mostra que nos últimos dois anos, 2008 e 2009, o custo médio da geração PRE (que inclui as outras renováveis e térmicas "despoluentes") até excedeu o custo específico das eólicas; trata-se do efeito de um "sobressalto" tarifário na cogeração, que é depois da eólica o principal contribuinte para estes sobrecustos e também para a produção de electricidade, e de que falarei um dia destes.
O preço médio do kWh eólico tem andado, desde 2005, acima dos 9 ç/kWh apesar da tarifa média anunciada nunca ter sido superior a 7,4 ç/kWh . Vale a pena, por isso, analisar a legislação existente para perceber como permite ela esta situação (uma pedagógica explicação da fórmula de cálculo tarifária pode ser consultada aqui, e um exemplo de trabalho académico de síntese sobre o assunto é este).

O Decreto-Lei "fundador" do actual tarifário das renováveis foi o nº 168 de Maio de 1999, do Governo de Guterres, que previa desde logo uma actualização mensal com a inflação e um prazo de 12 anos (144 meses) de pagamento destas tarifas (com uma redução depois desse prazo). Porém, a referida actualização da inflação não era a referente à data de início de operação das centrais, mas sim à data fixa de Dezembro de 1998, e o Decreto-Lei do mesmo Governo que ano e meio depois o "aperfeiçoou", o nº 339-C de Dezembro de 2001, manteve a mesma data! E, por acréscimo, permitia que todas as centrais já em operação ou até mesmo apenas em construção pudessem optar por este novo regime tarifário...
Assim, só com essa "retroactividade" do cálculo da inflação, as tarifas indicadas no próprio Decreto de 2001 eram acrescidas em 10%, para as centrais que entrassem em operação naquela mesma data!

Merece entretanto a pena analisar os princípios invocados para as fórmulas tarifárias, já contidas no Decreto "fundador" de 1999 e que foram depois sucessivamente "aperfeiçoadas". A racionalidade invocada foi a dos "custos evitados" por as renováveis substituírem centrais poluentes: custos fixos de capital, custos variáveis de Operação e Manutenção (incluindo combustíveis), e custos ambientais.
Como as renováveis não substituem a construção de novas centrais, a parcela de custos fixos foi definida pequena, no caso de uma eólica típica apenas 0,24 ç/kWh.
A parcela de custos variáveis teve por referência o das termoeléctricas, e para a mesma eólica típica era de 2,49 ç/kWh em 1999. A soma destas duas parcelas dava uma quantia irrisória face aos custos de produção das renováveis, de modo que foi na parcela de custos ambientais evitados que se "ajeitou" a tarifa para dar o valor pretendido.
Desde o início que a parcela de custos ambientais tomou por referência o CO2 emitido por uma central de ciclo combinado a gás natural típica, mas o Decreto "fundador" de 1999, apesar de lhe atribuir o valor estrambólico de 74,8 €/ton. ( no mercado de "carbono" esse valor andava à época por 1/5 desse valor), não conseguiu adicionar mais que cerca de 2,77 ç/kWh às duas parcelas anteriores. A fórmula incluía ainda uma "compensação" pelas "perdas evitadas" nas redes, segundo o argumento de que a produção renovável é consumida na mesma zona onde é produzida e por isso evita as perdas no transporte pela rede e, conjugando a actualização da inflação, o valor resultante ficava (em 1999) pelos 5,65 ç/kWh, não excessivamente mais que o custo médio real de produção do kWh pelas centrais convencionais à época (perto de 5,0 ç/kWh). Porém, é claro que com tal valor nenhuma renovável era viável, e daí o "aperfeiçoamento" introduzido ano e meio depois pelo mesmo Governo (com a pontificação de dois novos Ministros: Braga da Cruz e José Sócrates).

O Decreto de 2001, com efeito, apenas adicionou à fórmula anterior um "coeficiente adimensional" arbitrário de reforço dos custos ambientais evitados, obviamente sem outra racionalidade que a pretensão de se obter um valor final "jeitoso". Assim, a parcela de 2,77 ç/kWh acima referida foi multiplicada por um "coeficiente" de 5/3, acrescentando 1,84 ç/kWh ao total já anteriormente somado e, com mais a "compensação pelas perdas evitadas" e a já mencionada "actualização" de 1,1 pela inflação desde 1998, no final de 2001 a tarifa para uma eólica típica estava em 8,19 ç/kWh - que, com a inflação verificada depois, atingiu em 2010 10,0 ç/kWh! E assim chegamos aos valores publicados pela ERSE para os últimos anos...
Este Decreto de 2001 diferenciou também, através do referido coeficiente arbitrário de multiplicação dos "custos ambientais evitados", as tarifas para as mini-hídricas e as fotovoltaicas, mas deixou de fora todas as outras (biomassa, biogás, etc) . E, para grande gáudio dos promotores de renováveis, eliminou o limite de 12 anos anteriormente previsto para a vigência da tarifa, que passou a eterna...!
Em Fevereiro de 2005 estava a tarifa da eólica típica em menção já com o valor de 9,0 ç/kWh, quando o Governo de Santana Lopes publicou nova legislação que a corrigiu, no Decreto-Lei nº 33/2005 de 16 de Fevereiro. Este Decreto foi detestado pelos promotores de renováveis por se justificar dizendo que "as medidas de promoção do aumento da produção de electricidade através de fontes renováveis não podem ser cegas à factura energética suportada pelos consumidores", e por ter introduzido as seguintes moderações na vaca leiteira que se criara:
  • A data de início de contagem do tempo para efeitos de actualização por inflação deixou de ser Dezembro de 1998 para passar a ser a do início de operação de cada nova central;
  • A parcela de "custos variáveis" evitados na tarifa subiu de 2,494 ç/kWh (na verdade, considerando a inflação na fórmula até aí praticada, 2,95 ç/kWh) para 3,60 ç/kWh, mas...
  • ... a parcela de "custos ambientais" evitados passou a considerar o verdadeiro preço de mercado da tonelada de CO2, 20 €/ton., e modificou os "coeficientes adimensionais" legislados em 2001, por um lado reduzindo para 7,36 ç/kWh a tarifa eólica total que já ia em 9,0 ç/kWh, como vimos, e por outro lado e pela primeira vez criando variantes que tornavam minimamente atractivas as renováveis das mini-hídricas, biomassa e biogás.
  • Foi proibida a acumulação de "incentivos" com os deste tarifário, nomeadamente o comércio de "certificados verdes", mas não ficando claro se isso também abrangia o recurso a fundos comunitários que tinham financiado até aí 20% das renováveis, e em muitos casos 40%.
  • Finalmente, este Decreto voltou a introduzir um limite de validade às tarifas oferecidas, 15 anos para uma eólica típica (com 25% de utilização anual) mas menos se ela tivesse uma utilização maior, o mesmo prazo para a maioria das outras renováveis e 12 anos para as fotovoltaicas típicas com utilização de 21%.
Este Decreto, porém, só se aplicava às instalações concessionadas após a data da sua publicação, embora limitasse a "apenas" mais 15 anos as chorudas condições do tarifário anterior. Em 2007, já com o actual Governo, a legislação anterior foi ainda retocada no sentido de aumentar as remunerações das renováveis de biomassa, biogás, ondas e sobretudo solar.
Entretanto, e dados os prazos de construção, as centrais que já obtiveram o licenciamento depois da promulgação do Decreto de 2005 só começaram a operar a partir de 2007, e é por isso que a inflexão no preço médio pago aos produtores só nesse ano começaria a estabilizar - além de que as concessionadas nos grandes concursos posteriores aceitaram descontos de 5%. Presentemente, pois, as tarifas pagas às eólicas típicas situam-se entre 10,0 e 7,0 ç/kWh, conforme a respectiva data de licenciamento. Os mais recentes custam relativamente menos mas, entretanto e dado o volume total da produção eólica, os custos adicionais de sistema começaram a subir exponencialmente, como a dissipação já ocorrida no Inverno passado e os projectos de construção de centrais de bombagem manifestam, assim como o disparo ocorrido nos investimentos nas redes da REN e de Alta Tensão na EDP!
Entretanto, convém recordar que sendo o custo de produção médio para investimentos actuais da ordem dos 7,0 ç/kWh para um prazo de amortização de 20 anos, é-o de 8,0 ç/kWh para prazos de 15 anos, mas os grandes pacotes concessionados pelo Governo de 1200 MW a 400 MW gozaram certamente de descontos de quantidade na aquisição das turbinas, assim como de ganhos de maturação na sua instalação e ligação à rede (que deverão ter reduzido aqueles custos de produção para uns 6,5 ç/kWh, com uma remuneração do investimento a 7.5% por 15 anos). Os projectos mais antigos, no entanto, gozaram em média de 20% de co-financiamento comunitário e de preços nas turbinas mais baixos, o que lhes trará em média os custos de produção para 5 ç/kWh, metade do que estarão a facturar...
Tudo ponderado e como estimei num post anterior, dos 720 a 750 milhões de € que custará este ano a produção energética de origem eólica (sem contar os custos adicionais de sistema), uns 200 milhões serão sobrecustos resultantes de proveitos concedidos acima da taxa de remuneração dos activos da REN e EDP. Compreende-se assim melhor a agressividade da reacção organizada que acolheu o Manifesto para uma Nova Política Energética...
Entretanto, vale a pena notar que a filosofia do tarifário português para as energias renováveis é muito semelhante à espanhola, embora esta tenha uma pequena parcela negociável em mercado e não invoque nenhumas falaciosas teorias sobre "custos evitados" para se justificar. Em Espanha, a tarifa definida em 2007 para as eólicas era de 7,32 ç/kWh por 20 anos (7,36 por 15 anos cá desde 2005), embora tivesse uma variação admitida, em função de parâmetros de qualidade técnica e comercial, entre 8,49 e 7,13. Já neste ano (2010) e certamente devido ao encarecimento do dinheiro para investimentos, essa tarifa foi actualizada para 7,75 ç/kWh (podendo variar entre 8,99 e 7,54). Como cá, as tarifas são actualizadas com a inflação.

Na Alemanha, pelo contrário, sendo o país que inventou este sistema de remuneração das tarifas, a respectiva filosofia foi estabelecida em 2000 no "Acto para as Fontes de Energia Renovável" e baseia-se na determinação "científica" dos respectivos custos de produção, assumindo uma taxa de remuneração de investimentos explicitamente igual aos 7-8% usuais na indústria. A Alemanha não permite, entretanto, o investimento em renováveis assim subsidiadas às empresas de electricidade tradicionais.
O tarifário alemão tem diversas características interessantes, manifestando a habitual racionalidade e competência técnica germânicas, mas as mais importantes são:
a) o seu período de validade é, em princípio, de apenas 5 anos, sofrendo depois uma redução acentuada que vigora nos anos seguintes;
b) A duração deste período de validade depende da qualidade do local e da utilização que este permite às turbinas; quanto pior o local,  mais longa a duração da remuneração inicial, por forma a manter os proveitos moderados mas garantidos - algo aproximado pela flexibilidade do prazo de 15 anos previsto cá pelo Decreto de 2005.
Em 2000, a tarifa de referência para locais de qualidade de referência (para os referidos primeiros 5 anos) era de 8,9 ç/kWh. Em 2004 era de 8,7 ç/kWh mas reduzindo-se para 5,5 ao fim de 5 anos; em 2007 era de 7,95 e, para 2009, foi elevada, como em Espanha, mas para 9,2 ç/kWh, provavelmente pelas mesmas razões (subida das taxas de juro), reduzindo-se para apenas 5.0 ç/kWh depois do referido prazo de 5 anos. Em condições de referência e ao longo dos 20 anos previstos de operação, a tarifa média é de 6,1 ç/kWh.
Um estudo de razoável qualidade do Instituto Fraunhofer (de 2004) compara os sistemas tarifários espanhol e alemão. A figura seguinte ilustra as consequências das diferenças que aquele estudo sublinha:

No sistema alemão, os lucros são as parcelas a laranja, enquanto no sistema ibérico, e sobretudo em Espanha desde o Decreto do Governo de Santana Lopes que limitou o prazo das nossas tarifas a 15 anos (20 anos em Espanha para tarifas semelhantes), os lucros são as parcelas a laranja + as a azul...
Como é evidente, o que o tarifário alemão garante é praticamente um lucro fixo para os produtores eólicos, independente do local de instalação; o benefício dos locais de melhores ventos vai para os consumidores.

E é nesta figura que melhor se exprime o "flavour" ibérico da ecotopia renovável...

sexta-feira, junho 25, 2010

Os CAE e os CMEC são ainda parcialmente sobrecustos das eólicas

No post que escrevi há dias sobre Custos e preços da electricidade, renováveis, e os interesses instalados, notei que os CMEC, os "Custos de Manutenção dos Equilíbrios Contratuais", assim como os CAE, os "Contratos de Aquisição de Energia", constituíam "prémios" generosos para os respectivos produtores de energia, exemplificando com o caso dos CAE cuja produção é remunerada a 7,24 ç/kWh quando o respectivo custo de produção andaria pelos 5.6-6.0 ç/kWh, já incorporando este valor uma remuneração do capital fixo de 7.5%.
Porém, estes custos de produção, que eu calculara no mesmo post, pressupunham que os factores de utilização das centrais fossem respectivamente de 83% para as a carvão, e de 50% para as de ciclo combinado a gás natural, e que são valores típicos.
Estes factores de utilização são típicos internacionalmente, mas não são os que se observam agora em Portugal, devido à prioridade que os PRE ("Produtores em Regime Especial") têm no fornecimento da sua energia. De facto, os PRE têm reduzido a produção daquelas centrais tradicionais mas não a necessidade da sua disponibilidade, resultante do socorro que têm de prestar às quebras de vento na produção eólica. Por conseguinte, o custo de capital do kWh dessas centrais térmicas aumenta, e esse sobrecusto é inteiramente causado pela prioridade dada à produção eólica.
Veja-se, por exemplo, o caso das centrais a carvão: eu calculara que o seu custo de capital é de 2,1 ç/kWh, enquanto o custo final de produção será de uns 5,6 ç/kWh, para uma utilização anual de 83%. Se a utilização real da central se reduzir dos 83% para metade, como está aproximadamente a acontecer, os custos de capital e também dos encargos fixos de Operação e Manutenção (uns 0,5 ç) duplicam para os kWh, o que modifica o custo total destes de 2,1+0,5+3=5,6 para (2.1+0,5)*2+3=8.2 ç/kWh.
Poder-se-ia argumentar que este custo se poderia evitar se se pudesse simplesmente desmantelar metade das centrais a carvão e dizer que tinham deixado de ser necessárias, mas a intermitência eólica não o permite.
Para as centrais de ciclo combinado o impacto não será tão grande, dado o maior peso nelas do custo variável do combustível mas, em média, chegamos muito aproximadamente ao referido custo de 7,24 ç/kWh que os CAE e os CMEC asseguram - ainda que não seja certo que a divisão de compensações seja justa entre os dois tipos de centrais.
Pelo que, na verdade, os CAE e os CMEC das termoeléctricas, a maioria (ficam de fora as hidroeléctricas), podem ser considerados ainda sobrecustos das fontes renováveis intermitentes.

Os 1900 empregos criados pela energia solar em Abrantes

A empresa RPP Solar, de Abrantes, está a recrutar trabalhadores e, segundo o anunciado, para empregos muito qualificados de Directores e Engenheiros. O seu propósito é o fabrico de painéis solares e a oferta de "soluções integradas".
Trata-se de um projecto de grande ambição e acarinhado pelo Governo como um PIN ("Projecto de Interesse Nacional"), o que lhe garantiu o enquadramento no QREN e o acessos aos correspondentes fundos públicos e comunitários: para já, 128 milhões de €, dos quais 58 M€ em "incentivos financeiros", ou seja, subsídios directos.
A RPP Solar teve também o generoso contributo da Câmara de Abrantes, que lhe terá vendido por apenas 100 mil € o terreno para a fábrica, terreno que custara à Câmara 10 vezes mais. O Presidente da Câmara que promoveu essa generosa contribuição foi, após o termo do seu mandato, recrutado pela RPP Solar "ainda sem saber para fazer o quê", mas compreende-se que com tantos empregos a criar e com os 58 M€ garantidos pelo nosso Governo para os sustentar, haja sempre lugar para mais um (só essa verba dá para sustentar os 1900 trabalhadores por ano e meio, pelo menos!).
O projecto, que se diz implicar um investimento total à volta de 1000 M€, é protagonizado pelo empresário Alexandre Alves, o famoso "Barão Vermelho" que foi presidente do Benfica e da há muito desaparecida por falência Fábrica Nacional de Ar Condicionado (FNAC) e se queixa amargamente da pequenez dos subsídios públicos conseguidos, invocando o facto da fábrica de Moura que foi construída nessa vila como "contrapartida" da mega-central solar de Moura ter sido co-financiada pelos contribuintes portugueses a 50%! E diz que só lhe deram esse dinheiro "porque não tem maricas na empresa"...
Segundo parece, os 1000 milhões de € que diz que vai investir na RPP Solar são assegurados, segundo o "Barão Vermelho", por financiamento bancário "além de capitais próprios gerados, sobretudo na actividade imobiliária onde apostou forte nos últimos dez anos, quer em Portugal quer em Espanha".
Esta iniciativa do "Barão Vermelho" revela um notável espírito inovador mas, quanto aos tais capitais gerados pela actividade imobiliária ele terá, ao que parece, alguns problemas com a justiça, segundo revela o Correio da Manhã de hoje. Isso e a falência recente de uma firma sua será o que suscita as atenções da PJ...
Ora os mais jovens nunca terão, talvez, ouvido falar do "Barão Vermelho", que adquiriu este cognome não só por ter sido Presidente do Benfica no início dos anos 90 mas sobretudo por conciliar, ao que constava, o ser capitalista com ser membro do PCP, o que lhe dava acesso nos anos 80, como a outros capitalistas comunistas de que conheci alguns, a negócios privilegiados com as então marxistas-leninistas ex-colónias portuguesas. Os mais jovens não o conhecerão, mas há quem se lembre, como evoca aqui o Ecotretas!
A FNAC faliu num processo que muita gente na altura (há 20 anos) considerou fraudulento, mas o "Barão Vermelho" não foi condenado, pelo que me preocupa mais a razão de fundo da falência da FNAC que os pormenores jurídicos do caso.
Ora eu lembro-me bem dos aparelhos de ar condicionado da FNAC que tinha, na altura, o prático monopólio do mercado nacional, numa época em que ainda não estávamos na União Europeia e este mercado era fechado. Depois apareceram no mercado os aparelhos de ar condicionado japoneses, muito mais silenciosos, económicos, eficientes e com controlo electrónico, e evidentemente a FNAC nunca mais vendeu nada! Lembro-me também de um colega que projectava instalações eléctricas me contar que os japoneses, quando decidiram atacar o mercado português, terem convidado os projectistas como ele para uma semana no Brasil onde lhes explicaram as suas condições, que incluíam prazos de pagamento a 6 meses - o que os deixava deliciados, habituados como estavam às condições severas da FNAC...

Mas pode ser que o "Barão Vermelho" tenha aprendido com isto tudo e agora o projecto corra bem, quem sabe!...
A minha curiosidade preocupada, de facto, é sobre outra coisa:
- Dados estes subsídios chorudos do nosso Governo ao fabrico de painéis solares em Portugal, não vai haver contrapartida nos respectivos preços de venda? E admitindo que sim, não vai haver descida nas tarifas pagas aos produtores de energia solar? Ou vamos ter de pagar, nós os contribuintes, o fabrico dos painéis e depois também a energia solar aos preços exorbitantes tarifados, confirmando a constituição da vaca leiteira que anunciei aqui?

terça-feira, junho 22, 2010

Minority Report e os chips nos carros

No filme de ficção científica Minority Report, à medida que as personagens se deslocam pelos centros comerciais, os plasmas de publicidade personalizam as suas propostas de acordo com quem vai a passar. "Eles" sabem quem vai a passar porque toda a gente anda com um chip que o identifica, no filme.
A ideia não tem nada de inexequível. O Google "aprende" os nossos hábitos e gostos e antecipa-se a escrever por completo o nome do que queremos procurar na net. E todos sabem como é fácil hoje em dia cruzar toda a informação do que compramos por meios electrónicos para nos fazer os "profiles" comerciais. O Fisco também já o faz.
No filme, um dia a polícia aparece de surpresa em casa do "herói" para o prender porque sabe, pelo seu perfil, que ele vai cometer um crime. E assim, antecipa-se, evitando esse crime.
Vem isto a propósito da ideia deste Governo de montar chips em todos os automóveis. Para quê, ainda não acharam sequer precisarem de o explicar. As SCUT deram-lhes agora um pretexto para tentar justificá-los.
É claro, tenho quase a certeza, que por detrás da ideia está essencialmente mais um negócio "decretino". Alguém fez as contas de como ficaria rico se vendesse uns milhões de chips em Portugal, provavelmente feitos na China, e nada melhor que um Decreto governamental para obrigar os cidadãos a comprá-lo!
Mas a ideia de um dia a polícia me aparecer em casa ou onde eu estiver, sabe-se lá se por bons motivos ou se apenas porque me querem tramar (como no filme), não me agrada.
Por isso, eu jamais usarei esse chip! E se vier a ser incorporado nos carros novos, quando comprar o próximo hei-de arrancá-lo!
E se vier a ser obrigatório, o máximo que me imagino a fazer é levá-lo comigo só nas viagens em que tenha de passar pelas tais portagens electrónicas, se não houver outras, e depois voltar a pô-lo numa gaveta de uma cave funda!
Mas para não ter mais uma coisa que me aborreça, espero bem que o Parlamento chumbe liminarmente essa ideia na quinta-feira - e de modo a que ela não renasça tão cedo!

27% dos alunos do Técnico não sabe calcular 1/2+1/2...

Diz hoje o Público que 27% dos alunos do Técnico não sabem calcular 1/2+1/2...
"Em algum lado têm de começar a ser responsáveis. Têm uma preparação de uma pessoa de início de secundário ou pior. São ensinados a não pensar e isso em Matemática é desastroso. Foram treinados como um cãozinho para um exame”, diz a minha colega Luísa Ribeiro.
Subscrevo.
Também não tenho nenhuma dúvida que a actual geração juvenil não fará parte da solução do problema do atraso de Portugal. Pelo contrário, faz parte do problema.
E eles sabem.
Por isso ou não querem pensar na vida, preferindo festas e cerveja, ou vão-se embora, os bem orientados, ou se agarram ansiosos uns à propaganda segundo a qual tudo se consegue com "espírito positivo", "inovação" e "gestão", ou seja, com truques de xico-esperto, outros à esperança de que alguma coisa mude e que o seu trabalho os recompense.
Todos merecem o nosso esforço, mas os últimos são quem nos encoraja...

Custos e preços da electricidade, mercado, renováveis, e os interesses instalados

Alguns colegas do Técnico observaram-me que ando a escrever demasiado sobre economia da energia e de menos sobre as suas tecnologias, no que têm uma certa razão. Porém, sem consideração pela economia das tecnologias, e dado que não tenho andado a tratar daquelas cujo custo não importa desde que funcionem (as militares e as da saúde), não podemos ter a noção do interesse para a sociedade (os outros) das tecnologias que estudamos. Ou seja: a ciência não é neutra! Ainda por cima, o país tem em discussão o seu plano energético para os próximos 10 anos, o ENE 2020. Por isso, neste post e em mais um ou dois que agendei escrever, vou ainda abordar a economia da energia, obviamente em relação com as respectivas tecnologias, de modo a clarificar os poderosos interesses instalados neste negócio.

Conforme escrevi há dias sobre "A relação entre os preços da electricidade, mercado e renováveis", os relatórios da ERSE contêm a informação necessária para compreender que a produção renovável não faz descer os preços da energia paga pelos consumidores - faz apenas descer os preços da que ainda falta, depois de absorvida a produção renovável, e fá-los descer tanto mais quanto menos ela for necessária. Acrescentei também que a maior parte dessa energia comprada em mercado tem depois remunerações adicionais transferidas da rúbrica contabilística "Custos de Energia" para a dos "Custos de Interesse Económico Geral".
Vale a pena, entretanto, analisar um pouco melhor esta questão, tentando precisar o sobrecusto que pagamos pela energia e em particular pela renovável, de modo a compreendermos bem os interesses que se instalaram na matéria!

Conforme recordei no post referido, até 2004 o comércio de energia em Portugal era regulado por "Contratos de Aquisição de Energia" (CAE) que garantiam preços aos produtores e, assim, o retorno dos respectivos investimentos.
Com o advento do mercado ibérico (MIBEL) e cumprindo directivas de Bruxelas, este tipo de Contrato foi extinto em 2007, mantendo-se embora duas excepções para entidades exteriores à EDP que tinham restrições bancárias, a "Tejo Energia" e a "Turbogás"- e a que voltarei.
Os CAE foram extintos mas em sua substituição foram criados os "Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual" (CMEC) que, como o próprio texto que os criou explica, "... são determinados, para cada centro electroprodutor, pela diferença entre o valor residual do respectivo CAE, calculado à data da sua extinção, e as receitas expectáveis em regime de mercado". Não se podia clarificar melhor que se tratou de uma simples mudança de nome!
No final de 2004 foi decretada a forma de cálculo dos CMEC  que inclui a remuneração da "garantia de potência e serviços do sistema" e que estipula que esses Custos são tarifariamente contabilizados na rubrica "Uso Geral do Sistema" (UGS), assumindo então como referência que o valor de mercado da energia seria de 3,6 ç/kWh, o qual em 2007 o Governo actualizou para 5 ç/kWh. No entanto, é curial notar que o prazo de validade para os CMEC não é eterno: é 2012 para a termoeléctrica a fuelóleo de Setúbal, 2017 para a de Sines a carvão, e entre 2013 e 2024 para as hidroeléctricas - basicamente até ao termos de amortização dos respectivos investimentos.
As centrais do Pego (carvão) e da Tapada do Outeiro (ciclo combinado a gás natural), que não pertencem à EDP, foram as que mantiveram os CAE, a vigorar até 2021 e 2024, respectivamente.
Entretanto, em 2007 o Governo concessionou à EDP o prolongamento da exploração das hidroeléctricas dos referidos anos de 2013-2024 por mais uma geração, o que foi asperamente criticado pelo Dr. Ing. Jorge Vasconcelos mas de que hoje se compreende o motivo: o plano de "complementaridade hídrico-eólico" de dissipação e armazenamento por bombagem do excesso de energia eólica, tão almejado por este Governo e pelo lobby eólico, e que garante a essas hidroeléctricas a protecção de mercado da subsidiação às eólicas que as abastecerão a baixo preço (às hidroeléctricas, mas não aos consumidores)!
No cálculo dos CMEC, são as termoeléctricas as mais beneficiadas. Mas, em conjunto com os CAE subsistentes, verifica-se pelos documentos da ERSE que em média há cerca de 2,36 ç/kWh da tarifa que pagamos que foram contabilisticamente transferidos dos custos de energia para os CIEG, a adicionar à transferência do sobrecusto das renováveis.
Claro que esta "compensação pelas perdas em mercadoé criticada pelos comercializadores de energia não protegidos por CAE nem CMEC, mas são os clientes da Baixa Tensão Normal (BTN) quem paga, de facto, esse custo escondido e o das renováveis: as famílias, as micro-empresas do pequeno comércio, restauração e oficinas, e a Iluminação Pública - uns 45% do consumo. A figura seguinte ilustra-o (a azul escuro a parte dos CIEG na tarifa).
Como é aí patente, o custo real da parcela de energia da tarifa doméstica de electricidade é perto de 55% do total (8,6 ç/kWh), e não os 32% que se encena! E a tarifa total seria ainda 11% superior se os sobrecustos dos CMEC e das renováveis não tivessem sido na sua maioria remetidos para um défice a pagar até 2027, o que eleva para mais de 9,0 ç/kWh o custo real da parcela de energia na tarifa de BT!...

A título de exemplo do que estou a falar, faço notar que a ERSE revela que a remuneração das duas centrais com CAE em 2010 foi definida como de 7,24 ç/kWh, embora a própria ERSE estime em 5,26 ç/kWh os respectivos valores de venda no mercado; o resto é "compensado" posteriormente. Estas remunerações serão semelhantes aos das centrais da EDP abrangidas pelos CMEC, pelo que é altura de rever os custos de produção das diversas fontes de energia eléctrica em Portugal, para se ter uma ideia do que se está a passar.
Há cerca de um ano fiz uma estimativa desses custos de produção que visava proporcionar uma ideia da sua ordem de grandeza relativa, mas esse cálculo merece ser agora afinado, considerando:
 - os custos adicionais do tempo de construção das centrais, e que na altura negligenciara, a somar aos custos "overnignt" que ali considerara a partir de informações oficiais norte-americanas;
- as taxas reais de remuneração dos activos eléctricos consideradas pela ERSE como vigorando presentemente em Portugal (7.55% em 2009, 8,39% em 2010...);
- afinação de alguns custos "overnight" e dos factores de utilização das diversas formas de produção energética com dados específicos portugueses.
Vem, assim, a lista seguinte, constando na primeira coluna os custos de capital overnight por kW; esta estimativa de custos tem uma variedade de fontes, desde os actuais do Departamento de Energia dos EUA, a estudos canadianos, finlandeses e à wikipedia, passando por informação nacional. Na segunda coluna apresento os mesmos custos já incluindo o tempo de construção (durante o qual o investimento acumula juros sem rendimento) e o factor de contingência usual:

Solar fotovoltaico:       4000 €  >>     4515€;
Solar térmico:               5340 € >>       6200€; (modelo espanhol de Andasol)
Biomassa:                      2320 € >>        2690€;
biogás:                           1700 € >>         1910€;
Eólica (off-shore):       2380 € >>       2880€;
Eólica (em terra):        1300 € >>       1465€;
Hidroeléctrica (média): 1420 €>>    1750€;
Carvão dessulfurizado:  1415 € >>   1730€;
Ciclo combinado a gás:     475 €>>      550€;.
nuclear:                           2250 € >>      2990€;

Coloquei a castanho as centrais tradicionais portuguesas, e a azul o nuclear, este só para referência.
Algumas destas formas de produção têm custos de investimento muito variáveis de caso para caso, como nas hidroeléctricas, e uma primeira diferença entre as diferentes centrais é quanto tempo é necessário para amortizar o seu pagamento. Este tempo varia entre 20 anos para as eólicas e as solares, 30 para as a gás e carvão, e 40 para as hidroeléctricas e as nucleares, o que não quer dizer que estas últimas não operem bastante para além desses anos, já amortizadas...

Entretanto e quanto ao custo do dinheiro assumo o valor considerado pela ERSE para remuneração dos activos de produção da EDP para 2009: 7,55%, o que é muito razoável para a remuneração de capitais próprios!
Umas contas simples mostram que com esta taxa, a anuidade a recuperar nas vendas de energia terá de ser de 8,00%, 8,51% e 9,85% conforme os prazos considerados forem de 40, 30 ou 20 anos. Isto é independente do tipo de central. O que depende do tipo de central é a relação entre a sua potência média de funcionamento (a que é proporcional a energia vendida), e a sua potência nominal, a que é proporcional o investimento a recuperar, ou seja, o respectivo factor de utilização.
Com os factores de utilização colocados entre parêntesis e os custos de capital finais acima indicados, vem como custo de capital para o kWh de cada uma destas formas de energia:


Solar fotovoltaico:                   22,8 ç/kWh (21.5%);
         nos painéis fixos será     32,7 ç/kWh
Solar térmico:                             17,06 ç/kWh (40.8%);
Biomassa:                                        3,42 ç/kWh (63%);

biogás:                                              3,4 ç/kWh (63%);
Eólica (off-shore):                        9,80 ç/kWh (33%);
Eólica (em terra):                         6,45 ç/kWh (25.5%);

Hidroeléctrica (média):    5,32 ç/kWh (30%);
Carvão dessulfurizado:      2,1 ç/kWh (83%);
Ciclo combinado a gás:       1,07 ç/kWh (50%);

Nuclear:                                            2,96 ç/kWh (92%).

Adicionando agora os custos típicos de Operação e Manutenção, combustível (onde é caso disso), e os custos especiais de remoção e tratamento de resíduos no caso do nuclear, vêm finalmente os custos totais de referência seguintes:


Solar fotovoltaico:                                     23,5 ç/kWh (22.8);
Solar fotovoltaico nos telhados:              33,5 ç/kWh (32.7);
Solar térmico:                                              19,0 ç/kWh (17.06);
Biomassa:                                                        9,7 ç/kWh (3.42);
Eólica (off-shore):                                       11,0 ç/kWh (9.80);
Eólica (em terra):                                          7,0 ç/kWh (6.58);
Biogás:                                                                5,5 ç/kWh (3.4);
Ciclo combinado a gás:                                6,0 ç/kWh (1.07);
Hidroeléctrica (média):                               5,7 ç/kWh (5.32);
Carvão dessulfurizado:                                5,6 ç/kWh (2.1);
Nuclear:                                                             4,9 ç/kWh (2.96).

Como disse, estes são custos de referência, mas precisam de alguns esclarecimentos importantes:
a) Existem muito poucas instalações no mundo de "solar térmico" que possam servir de referência. As que existem dividem-se em sem e com capacidade de armazenamento de calor, sendo as primeiras mais baratas de construção mas tendo um factor de utilização também muito inferior. Neste caso usei como referência a espanhola de Andasol. Além de uma manutenção mais onerosa que as fotovoltaicas, estas centrais consomem imensa água de refrigeração, o que tem levado a serem muito criticadas quando usadas em zonas solarengas mas secas.
b) O custo de produção das centrais de biomassa depende largamente do custo de abastecimento da biomassa, que sendo dispendioso é, no entanto, uma actividade que cria muito emprego. Infelizmente para nós, a recolha de resíduos agrícolas (particularmente de árvores de pomar) é muito mais barata do que a de florestais, mas a limpeza das florestas é uma actividade que de qualquer modo tem de ser paga por alguém, a menos que nos resignemos aos nossos regulares incêndios estivais. Tecnologicamente, existe um potencial de inovação na procura de soluções para o seguinte problema: quanto maior a potência da central, menor o seu custo de produção por kWh, mas maior também a área de recolha e transporte da biomassa e o respectivo custo. A biomassa florestal pode ser queimada em centrais clássicas a carvão (misturada com este), depois de devidamente tratada, e efectivamente esse é um (meritório) projecto em curso na "Tejo Energia" (Pego), e naturalmente tem o seu melhor potencial de exploração económica nas indústrias de papel, cogerando também calor.
c) O custo de produção do biogás depende consideravelmente da infra-estrutura de recolha desse gás, sendo de distinguir entre o metano dos Resíduos Sólidos Urbanos e o das estruturas agro-pecuárias (o metano queimado nestas centrais é 14 vezes pior que o CO2 que elas libertam para o efeito de estufa). Em geral são pequenas centrais de 0,75 a 3 MW, mas de que pode haver grande quantidade num país ou região, não requerendo os onerosos custos de recolha e transporte da biomassa. No valor calculado assumi um factor de utilização de 63%, mas se a central puder trabalhar ininterruptamente (90% do ano), o custo de produção reduz-se de 5,5 para uns excelentes 4,9 ç/kWh...
d) Nas eólicas o factor-chave para o custo do kWh produzido é a qualidade do vento, ou seja, o factor de utilização das turbinas. Em Portugal 25.5% tem sido o seu valor médio, mas na região Oeste esse factor é 10% superior (28%), o que reduz o custo de produção aí para uns competitivos 6,34 ç/kWh. Além disso, em 2005 o preço das turbinas atingira os 1200 €/kWe (voltou a subir depois, antes da recessão), o que trouxe o custo de produção das instaladas até finais de 2007 para cerca de 6,5 ç/kWh em média, e 5,9 ç/kWh na região Oeste...
d) No custo do carvão tive em conta não só a multa pela emissão de CO2, mas também o facto de o nosso carvão ser importado, e o de melhor qualidade ser mais caro.
e) Quanto ao custo do kWh nuclear, o valor indicado é o estimável para as novas centrais de 3ª geração de concepção europeia, bastante mais caras que a maioria das centrais existentes. Com efeito, num post anterior escrevera que o custo de produção atribuído pelo regulador francês à energia nuclear da EDF era de 4,1 ç/kWh enquanto esta dizia que era de 4,4 ç/kWh, mas os meus números eram já algo antigos. Os números actuais dos custos de produção do nuclear francês, como se pode ver aqui (com centrais ainda de 2ª geração), são de 3,4 ç/kWh, e o regulador francês apenas aceita um preço de venda de 4,0 ç/kWh...

Como fica evidente, excluindo os custos adicionais de sistema que a intermitência eólica acarreta quando a sua proporção no mix energético atinge valores que já ultrapassámos (custos de backup para as quedas do vento e de armazenamento para os excessos, mais os da rede necessária para transmitir as pontas de potência eólica), o custo de produção da energia eólica pode não exceder demasiado os custos médios das produções convencionais (uns 5,6 ç/kWh incluindo uma parcela de importação de origem nuclear espanhola).
Com 7,0 ç/kWh como custo médio das eólicas pós-2007, 6,5 para as instaladas até aí, que cai para 5,9 nas melhores zonas e considerando que muitos projectos ainda gozaram do recurso a fundos europeus que comparticiparam em média 18% dos projectos até 2006 e frequentemente 40% do investimento inicial (reduzindo os custos de produção médios dos beneficiados até 2007 para 5.0 ç/kWh e, para os que lograram 40% de subsídio, para apenas 4,0 ç/kWh), estes custos permitiriam uma subsidiação modesta, desde que a compra de toda a produção fosse garantida a preço fixo, conforme a lógica europeia dominante.
Porém, o grande problema que torna a energia eólica tão desmesuradamente cara é precisamente o mecanismo tarifário que o lobby eólico conseguiu pôr na legislação! Sendo definido por legislação complexa e obscura, esse tarifário tem com efeito premiado os produtores eólicos com uma remuneração média de 9.3 ç/kWh, cerca de 33% acima do custo de produção médio actual (suposto financiada com crédito bancário) mas que, nos casos em que as instalações beneficiaram de fundos comunitários para o investimento inicial - único investimento que há de facto a fazer nas eólicas - se aproxima dos 100%!!! Umas contas simples mostram que dos cerca de 720 milhões de € anuais pagos actualmente aos produtores eólicos, uns 230 milhões de € são para o tal "prémio", e que este negócio é uma verdadeira vaca leiteira!
Já de si os CMEC e os CAE proporcionam prémios de montante muito generoso - 20 a 25% - aos produtores tradicionais (7,24 ç/kWh nos CAE, recordo, para custos médios de produção que andarão pelos 5,6-6,0 ç/kWh) mas, no caso da energia eólica, como se vê, os valores são exorbitantes e sem sequer contrapartida em empregos nacionais em Operação e Manutenção! E vale a pena notar que estes valores, definidos no tempo de Guterres, tinham originalmente um prazo garantido de 35 anos que foi reduzido por Manuel Lancastre no Governo de 2004-2005 para 15 anos+5, ao mesmo tempo que a tarifa era reduzida em 14%, para grande descontentamento do lobby eólico!
Para termos de comparação, vale a pena atentar no tarifário alemão, por exemplo: é de uma clareza cristalina, com tabelas de remuneração por tecnologia, e aprovado pelo Parlamento (Bundestag)!
Analisando os valores desse tarifário alemão, uma boa referência porque foram os alemães que inventaram este tipo de tarifa, pode ver-se para começar que as tarifas praticadas são degressivas; prevêm um período de amortização de 20 anos com uma redução anual de 2%, de modo que, por exemplo, em 2004 a tarifa para a energia eólica começava com 8,7 ç/kWh, mas ao fim de 20 anos estará em apenas 5,5 ç/kWh, tendo por valor médio 7,3 ç/kWh - o mesmo valor para o qual Manuel Lancastre reduziu o valor da tarifa portuguesa, em 2005, mas que é actualizado com a inflacção, conduzindo aos preços actuais indicados pela ERSE de mais de 9.1 ç/kWh (9,11 em 2010)!
Em Portugal, nessa data (2004) a tarifa era exactamente igual à alemã inicial, só que sem degressão e, como notei, prevendo-se que o fosse por 35 anos!!! Por outro lado, os 8,7 ç/kWh iniciais eram os mesmos, mas os custos de produção dos kWh eólicos é que não! Em 1º lugar, e segundo a EWEA, os custos de investimento por MWe eram na Alemanha 11% superiores aos portugueses, e por outro lado o factor de utilização médio é lá 11% inferior; quer isto dizer que os mesmos cálculos que conduzem ao custo de produção médio actual de 7.0 ç/kWh em Portugal, conduzem a 8.7 ç/kWh na Alemanha - e, portanto, lá a tarifa não dá "prémios"; remunera o investimento com uma taxa até inferior aos 7.5% que aqui assumi para Portugal, o que até não seria mau se o mesmo fosse feito com capitais próprios (na Alemanha era-o tipicamente a 30%).
Em contrapartida, o biogás dos Resíduos Sólidos Urbanos é remunerado por cá com "apenas" 8,0 ç/kWh, e o dos resíduos agro-pecuários, que tem o potencial do melhor custo de produção, tem uma remuneração que depende da origem do biogás, mas apenas desde 2005 com Manuel Lancastre e ainda com uma potência total permitida insignificante, sem falar dos entraves burocráticos! Ao que parece, no biogás agro-pecuário o esforço de instalação de infra-estruturas que ele requer não tem atraído investidores, e a baixa tarifa de 5.48 ç/kWh associada reforça a sua "má imagem", segundo alguns...
Entretanto, a 2ª vaca leiteira que os lobbies que nos governam preparam é na energia solar. Com remunerações de 34,5 ç/kWh para uma fotovoltaica com custos de produção de 23,5 (já admitindo uma remuneração de capital a 7,5%...), temos sobrelucros (por decreto) semelhantes ao das eólicas para uma incorporação de valor nacional também semelhante (ou seja, ridículo), sobrelucro "decretino" ainda maior no caso dos painéis fixos caseiros ( 58,7 ç/kWh para um custo de 33.5...)! E assim se compreende, por exemplo, que o Dr. Miguel Barreto, Director-Geral da Energia até 2008 e o pai da actual legislação sobre a microgeração fotovoltaica, depois de abandonar o cargo público onde criou essa legislação tenha ido administrar o mesmo negócio para a Martifer "Home Energy"...

Entretanto, em entrevista à Vida Económica do passado dia 4, a Ministra da Energia da Polónia explicava a aposta do seu país para o cumprimento dos compromissos europeus no domínio da redução de emissões e de energias renováveis: a decisão de substituir o carvão pelo nuclear, e a aposta, além de na eólica, na biomassa e no biogás, que irão ter lá maior peso que a eólica.
E a Ministra justificou: "... prevê-se a criação de cerca de 2 mil centrais a biogás na Polónia. São centrais relativamente pequenas a instalar em todo o país para complementar e criar uma nova fonte de rendimento para o sector agrícola".
Sem dúvida que a Polónia é um país com futuro!

segunda-feira, junho 21, 2010

O Magalhães e o eduquês

O blog Rerum Natura chama a atenção para um estudo extensivo e prolongado feito pela Universidade de Standfor sobre o impacto do uso precoce de computadores no sucesso escolar dos jovens, medido em termos de real aprendizagem de capacidades de leitura e matemática.
Como todos os pais sabem, o impacto é negativo!
O computador serve muito mais para dispersar as crianças com jogos e comunicação ligeira, do que para fazer os trabalhos de casa. Aliás, como todos sabem, tende é a roubar-lhes tempo para os trabalhos de casa...

sexta-feira, junho 11, 2010

A relação entre os preços da electricidade, o mercado e as fontes renováveis.


O Manifesto para uma Nova Política Energética veio chamar a atenção para o sobrecusto das fontes intermitentes de energia renovável na produção da energia eléctrica, invocando dados publicados pela própria Entidade Reguladora da Energia, a ERSE.
Desde então multiplicaram-se as "explicações" que procuram, com desfaçatez, mistificar tudo ao ponto de defenderem que são as próprias renováveis que fazem baixar os preços da energia, ao baixarem os do respectivo mercado ibérico!
A argumentação começou com o ataque de Vasconcelos ao Manifesto, ainda este nem fora publicado, intoxicou-se com os escritos de Miguel Barreto e Álvaro Martins e passou a ser martelada repetidamente nos media, como há um mês pela mão de Lurdes Ferreira do Público e há dias pelo ex-director do "i" num telejornal da SIC. É o grande consenso "verde" ao serviço objectivo (e em alguns casos subjectivo) do que realmente importa, os interesses instalados na subsídio-dependência energética.
É oportuno, portanto, explicar claramente como se formam os preços da electricidade, e que relação existe de facto entre as fontes renováveis e os "preços do mercado".

Como funciona, então, o comércio da electricidade?

Em primeiro lugar, os denominados "Produtores em Regime Especial" (PRE), que incluem os eólicos, a cogeração e outras produções térmicas como as de biomassa, lixo ("Resíduos Sólidos Urbanos") e biogás, as mini-hídricas e o solar, entregam tudo o que conseguem produzir às redes - à da EDP Distribuição mas também à da REN em mais de metade da energia eólica - a um preço fixo definido por Decreto-Lei: à volta de 11.5 ç/kWh em média para as térmicas (das quais as que queimam lixo são as que recebem menos), 9.5 ç/KWh para as eólicas, cerca de 8.5 ç/kWh para a mini-hídricas, 34 ç/kWh para as solares, e muito mais para a "microprodução".  Quer a quantidade de energia entregue, quer os preços facturados, não dependem da procura que haja nem, portanto, têm alguma coisa a ver com a ideia de "mercado"!
Esta energia produzida pelos PRE varia entre 1/9 e mais do que a totalidade da procura, conforme a época do ano e as horas do dia mas, em média, satisfaz presentemente à volta de 30% do consumo nacional.

Depois de encaixar obrigatoriamente a energia dos PRE, o sistema satisfaz então a procura que falta com as ofertas de produção existentes, por ordem crescente dos preços pedidos. Se toda a procura já estiver satisfeita pela energia dos PRE, o valor que a procura atribui à energia que falta é, obviamente, zero, visto não ser precisa mais nenhuma! Zero que, obviamente, não é o que custou essa energia dos PRE com que se terá satisfeito toda a procura, nem é o que vai ser pago pelos consumidores por ela, mas é apenas o valor que a procura atribui à energia que falta depois de absorvida a dos PRE!...
Em geral, porém, ainda sobra procura, sobretudo no Verão e nas horas de ponta de consumo, pelo que é preciso recorrer aos "Produtores em Regime Ordinário" (os que não são PRE), e a prioridade vai para os que pedem preços menores.
Porém, nada neste "mercado" de electricidade é o que parece, como passo a explicar.

Até 2003 os preços pagos aos produtores ordinários eram calculados em função dos seus custos de produção, e não pela concorrência de mercado. Esses custos incluíam a amortização dos investimentos, os custos de Operação e Manutenção que garantiam a disponibilidade das centrais mesmo que não estivessem a produzir, custos de combustível se fosse caso disso (nas termoeléctricas), e "prémios de risco" (lucros). Esses custos definiam um preço que era combinado nos denominados "Contratos de Aquisição de Energia" (CAE), firmados entre as centrais e a REN, que é responsável pela gestão técnica da rede eléctrica.
Com a preparação para a adesão ao Mercado Ibérico de Electricidade (MIBEL), em 2007, os CAE foram extintos e supostamente entrou-se numa lógica concorrencial, promotora da eficiência e da inovação. Supostamente!...
Mas, primeiro os espanhóis, e depois nós, substituímos os CAE pelos "Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual" (CMEC), que constituem uma fórmula que garantiu que ficava tudo praticamente na mesma para as centrais já existentes, mas com uma habilidade contabilística: essas centrais vendem aparentemente ao preço de mercado, que pode ser muito inferior aos custos de produção, mas a diferença é-lhes depois devolvida! Essa remuneração dos seus custos reais de produção não é, assim, contabilizada como custo de energia, mas é disfarçada numa rubrica contabilistíca denominada "Custos de Interesse Económico Geral" (CIEG)...
Devo dizer que a ideia dos CMEC me não parece má. Porque se de repente mudássemos a fórmula que os construtores dessas centrais tinham considerado para a retribuição do seu investimento, tendo em conta os seus elevados tempos de execução e os enormes capitais envolvidos, estaríamos a garantir a ruína das nossas infra-estruturas nacionais - sobretudo tendo em conta que foram os nossos concorrentes espanhóis quem primeiro teve essa ideia! Aliás, a partir do momento em que lógica concorrencial passou a reinar na produção de electricidade, as incertezas quanto ao futuro levaram a que só houvesse dois tipos de investimentos que interessam: os de remuneração garantida por Decreto-lei, como os dos PRE, e daí a viragem que a EDP realizou para esse sector, ela que tanto torcera o nariz ao fim do monopólio que permitiu o advento das mini-hídricas e da cogeração nos anos 80, e as centrais a gás natural de ciclo combinado que, como já em tempos expliquei, têm um custo de investimento relativo muito baixo e, por isso, remunerações desse investimento pouco sensíveis aos preços de venda conseguidos.
Bem, e que centrais das existentes estão protegidas por CMEC ou, até, ainda por CAE que foram permitidos remanescer? Das que já havia em 2007, quase TODAS! Na verdade, em regime liberalizado existem apenas as novas de ciclo combinado a gás natural do Carregado e Lares (EDP), 8 velhas e amortizadas hidroeléctricas de pequena potência, e a do Alqueva (que também é de baixa potência, apesar de grande albufeira)!
Com algum peso, portanto, só as duas a gás são relevantes, e a elas voltarei.
E a quanto montam as "compensações" pela diferença entre os preços de venda no mercado e os reais custos de produção dessa larga maioria de centrais, disfarçados nos tais CAE e CMEC? Para se saber o seu montante global, basta consultar os relatórios da ERSE!
Um exercício de análise desses relatórios foi feito pela jornalista "verde" Lurdes Ferreira de O Público, em Maio passado, mas a sua intenção era demonstrar que as termoeléctricas também recebiam subsídios, de modo a absolver a subsidiação das renováveis, e nada esclareceu.
O que os referidos relatórios mostram é que a ERSE contabilizou em 223,4 M€ as compensações dos CAE e CMEC a atribuir a todas as centrais por eles protegidas em 2009, e em 553 M€ o valor previsto para 2010. Essas compensações são-no relativamente ao preço médio de mercado verificado em 2009 (4.3 ç/kWh) ou esperado em 2010 (5.0 ç/kWh), mas como no fim do ano é preciso ver que preços efectivamente ocorreram, há sempre uma "compensação" que transita para o ano seguinte.
As renováveis, entretanto, requereram uma "compensação" de 95,8 M€ em 2009 e um valor previsto de 805,1 M€ para 2010, a entregar às empresas que tiveram de pagar a respectiva energia aos preços definidos por Decreto-Lei acima indicados e depois a tiveram de revender ao preço de mercado. No caso dos PRE a contabilidade complica-se porque este diferencial, que já ocorrera em anos anteriores, fora até 2010 remetido para o défice tarifário, isto é, o Governo autorizara que a sua compensação não fosse reflectida nas tarifas dos consumidores mas que também não tivesse de ser suportada pelas empresas que a tiveram de aceitar, concretamente a EDP Distribuição e a REN; e agora decidiu começar a pagar essa compensação a estas empresas, mas "em prestações", embora com juros.
Além destes mecanismos contabilísticos dos CAE e dos CMEC, existe ainda uma outra fórmula compensatória, o "diferencial de correcção de hidraulicidade" (CH), que garante que as hidroeléctricas recebem sempre mais ou menos o mesmo: se chover pouco, recebem mais para compensar, e se chover muito (como este ano), recebem menos.

Voltemos então ao "mercado" de electricidade: se quase todos os produtores recebem, afinal, um preço regulado pelo que produzem, qual é o papel dessa figura de "mercado" que obriga a tanta ginástica contabilística para que a maioria de produtores seja de facto imune à concorrência?
Para o perceber, basta ver quem é que de facto sobra e se tem de sujeitar aos preços de mercado: as novas centrais a gás natural da EDP e... o comércio luso-espanhol! Mais nada!
Ora este comércio transfronteiriço é ainda limitado por mecanismos que protegem as nossas centrais dos preços espanhóis, mais baixos que os nossos em média 0,33 ç/kWh, devido à parcela nuclear da sua produção, que em Espanha custa 3/4 do preço médio da hidroeléctrica e 4/5 da a gás natural, como relatórios internos da EDP reconhecem (a figura acima é retirada de um desses relatórios da EDP).
Por tabela são também prejudicadas as novas centrais a gás natural da EDP, já que nos últimos meses, quando havia muita água nos rios e albufeiras, as velhas hidroeléctricas da EDP podiam vender a preços despreocupados porque os CMEC se encarregarão de as "compensar" por isso.
Trata-se, porém e principalmente, do reflexo da queda de consumo resultante da crise económica.
Agora que chegou o Verão e as nossas albufeiras começam a estar vazias, o preço de mercado da energia já tem estado sustentadamente acima dos 4 ç/kWh, o que lá vai pagando os custos de O&M das centrais a gás mas que, garantidamente, não pagam sequer os custos do gás que devem ter comprado por grosso e agora têm que gastar, com ou sem lucro.
É por isso que a EDP e todos os negociantes é nas renováveis que apostam cada vez mais - é que aí é que o preço de venda é mesmo imune ao mercado (já que os CAE e CMEC só há nas antigas)!
E é também por isso que, como a jornalista Lurdes Ferreira notava com aparente surpresa, o preço de mercado da electricidade bem pode descer que isso não tem qualquer reflexo no que os consumidores pagam. É que, de facto, mercado de electricidade é coisa que praticamente não há!
[e a propósito: no recente debate organizado pelo Núcleo de Estudantes de Engenharia do Ambiente do Técnico, alguém desvalorizou o custo de 4.1 ç/kWh que eu ali indicara para a energia nuclear francesa como sendo "propaganda da EDF". Ora devo esclarecer que o custo que a EDF indica é de 4.4 ç/kWh, e que é o regulador francês, a ERSE lá do sítio, quem diz que a EDF exagera com vista a aumentar a tarifa e que o custo real é o que eu indiquei!...]

terça-feira, junho 08, 2010

A Energia e o Futuro

Transcrevo no seguimento o artigo de opinião que o Prof. Clemente Pedro Nunes, co-autor como eu  do Manifesto para uma Nova Política Energética,  publicou no último número do Expresso em conclusão do debate ali travado entre ele e o Prof. Costa e Silva, todos nós colegas no IST.

Para benefício dos leitores do Expresso, e da opinião pública em geral, o Manifesto “Uma Nova Política Energética para Portugal” tem permitido um rico debate epistolar, revelador dos estilos e da argumentação em presença. Ficamos muito satisfeitos, porque foi também para isso que o Manifesto foi lançado.

Os epítetos que António Costa Silva utiliza no seu novo artigo de 15 de Maio de 2010 ficam com quem os utiliza, mesmo que escondido por detrás do biombo de pretensa citação de filósofo espanhol.
Mas a um outro nível, certamente mais consentâneo com os pergaminhos académicos invocados por Costa Silva, são de registar neste seu último artigo vários aspectos interessantes, alguns de clara convergência de posições com o que é defendido no manifesto. Analisemos pois a evolução registada:

1. Desde logo, a afirmação de que “temos de discutir as energias renováveis uma a uma em termos da sua maturidade tecnológica e da sua competitividade económica” só peca por não ser ainda mais abrangente: é que temos de estudar, exactamente com esta abrangência e com grande profundidade, todas as fontes de energia primária, tanto as renováveis como as não renováveis, que podem ser comercialmente utilizáveis em Portugal. É exactamente isso que o Manifesto propõe em primeiro lugar aos responsáveis pelo governo de Portugal, e à própria sociedade civil no seu conjunto. A bem da competitividade da economia portuguesa no seu todo .

2. Registe-se também com evidente apreço que Costa Silva reconhece expressamente que "a energia solar está a dar os primeiros passos em Portugal e começou mal com as centrais de Moura e Serpa” para criticar de seguida “o conceito das grandes centrais fotovoltaicas porque ele é errado, integra-se no modelo energético rígido e centralizador que temos”.

Ou seja, o autor subscreve aqui as críticas feitas pelo Manifesto à aventura das grandes centrais fotovoltaicas. Só se esquece de referir que o preço dessa louca aventura recai obrigatoriamente, por obra e graça dum Decreto-Lei, nos bolsos dos consumidores.

3. Mas já é de criticar que Costa Silva não queira teimosamente reconhecer a "total incapacidade da actual politica em reduzir a nossa dependência energética, que se manteve em redor de 83 % ao longo dos últimos dez anos “, como se afirma no Manifesto.

Como igualmente é inquestionável que a actual politica energética não conseguiu reduzir a importação do conjunto “petróleo e gás natural “, e foi por isso que o aumento entretanto registado no respectivo preço foi o principal responsável por “o saldo liquido da factura energética ter tido, a valores constantes de 1998, um aumento de 322 % nos dez anos entre 1998 e 2008 “.

É isto que está no Manifesto e é esta a verdade !

4. Também é de lamentar que o autor se contradiga a si próprio quando se recusa mais uma vez a analisar em profundidade algumas das principais energias renováveis actualmente utilizadas em Portugal, concretamente “a biomassa, biocombustíveis, a lenha e outros derivados da madeira”.

É pois Costa Silva que se recusa na prática a cumprir a sua própria proposta de estudar "todas as renováveis uma a uma em termos tecnológicos e económicos”. Pelos vistos, de biomassa, que é a mais importante energia renovável actualmente utilizada em Portugal, o autor não quer nem ouvir falar.

5. De facto a preocupação de Costa Silva está exclusivamente centrada na energia eólica. A tal ponto vai essa defesa acérrima dos “negócios decretinos” com a energia eólica que afirma expressamente no ponto 4 do seu artigo que "a energia eólica é hoje uma tecnologia madura e muito competitiva”, quando algumas linhas atrás ele próprio afirmara que “o sobrecusto das eólicas é de 340 milhões de Euros, com contratos celebrados para 15 anos”, reconhecendo também que, de acordo com os números oficiais da ERSE para o 1º trimestre do corrente ano de 2010, a energia eólica foi “paga a um preço quatro vezes acima (91 Euros/MWh contra 22,4 Euros) do preço do mercado”.

Uma verdadeira pérola da incongruência interna da própria argumentação de Costa Silva: a energia eólica é hoje muito competitiva mas acarreta um sobrecusto de 340 milhões de Euros, e é paga quatro vezes acima do preço de mercado! Melhor é impossível …

6. Costa Silva usa também uma distorção argumentativa ao afirmar que "o défice tarifário tem mais de dez parcelas diferentes“. Nada disso !

O défice tarifário é apenas a diferença aritmética entre, por um lado, o valor total que os consumidores deveriam pagar se as tarifas cobrissem todos os custos calculados pela ERSE e, por outro lado, o valor que resulta duma intervenção do governo quando impõe administrativamente tarifas mais baixas. Essa diferença é depois remetida para ser recuperada "em anos futuros“, com juros obviamente .

Quanto às “ mais de dez parcelas“, o que certamente aconteceu é que se tem confundido “défice tarifário“ com os chamados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) que, tal como muitos outros custos, são incorporados na tarifa e nos quais se incluem os sobrecustos da Produção em Regime Especial (PRE) , cuja parcela mais significativa corresponde exactamente à energia eólica . A propósito, será igualmente de sublinhar que em Espanha está já muito avançada uma profunda reavaliação dos pesadíssimos sobrecustos que também aí têm sido registados com o apoio político às energias solar e eólica

Concluindo: Todo este debate só reforça a necessidade e a urgência de se elaborar um Novo Plano Energético para Portugal que substitua o de 1984, exactamente como se reclama no Manifesto.

Clemente Pedro Nunes
Professor Catedrático do IST