quarta-feira, setembro 30, 2009

Clusters industrais nas renováveis: 23 mil empregos, ou a fraude portuguesa do século? Parte II - o caso das hidroeléctricas

Recentemente, o Ministro da Economia em acumulação de funções anunciou um plano de aposta nas energias renováveis que implicaria a criação de 23 mil empregos e 15,5 biliões de euros de investimento. O plano estará em execução há já 2 anos e é para continuar por mais 6.

A enormidade do investimento anunciado e as implicações que ele terá para o futuro nacional tornam irrecusável o imperativo ético de trazer à discussão pública a bondade desta decisão. Um contributo para essa discussão, até aqui ausente do palco mediático (salvo posições do antigo Ministro da Indústria dos Governos de Cavaco Silva, Mestre Eng.º Mira Amaral), é o que decidi escrever no que acabará por ser um texto longo. Decidi escrevê-lo por partes, para postar à medida que o tempo mo permita.

Na parte I, mostrei, historiando, como as tecnologias da energia eólica levam tempo a dominar, como é preciso ter estratégias nacionais para atingir esse domínio, que problemas técnicos e que valor acrescentado existe no fabrico de instalações eólicas e, finalmente, como o que Portugal tem feito na matéria peca por um terceiro-mundismo sem sustentabilidade, nomeadamente quanto aos 1800 empregos que estará a criar. Nas eólicas, que em breve terão esgotado o potencial nacional, terão sido investidos directamente 6,5 a 7 biliões de €, importanto quase tudo e subsidiando fortemente essa importação, num exemplo único no mundo de fomento de indústrias estrangeiras. Àquele investimento haverá ainda que adicionar 1 bilião de €, pelo menos, na expansão de rede necessária para ligar as eólicas à rede eléctrica.

Nesta parte II, agora, debruçar-me-ei sobre os projectos hidroeléctricos em curso. Embora estes projectos sejam apresentados como visando o aproveitamento dos Recursos Hídricos nacionais, objectivo que naturalmente recolhe o apoio consensual dos portugueses, na verdade a energia de origem hídrica que estes investimentos acrescentam ao país é insignificante e, como demonstrarei, não é esse o seu objectivo principal.
O objectivo principal dos projectos hidroeléctricos em curso é a criação de reservatórios de energia... eólica, e principalmente energia eólica de Espanha! Mas que, na sua maior parte, vão ficar sem qualquer utilização.

  • Os factos dos investimentos hidroeléctricos em curso
Em 2008, começou a ser publicitado o relançamento do aproveitamento dos recursos hidroeléctricos nacionais, prosseguindo a construção de centrais que tinha sido bloqueada quando em 1995 o filósofo Prof. Doutor Manuel Carrilho acusou, no Parlamento, o então Ministro da Indústria e ex-especialista da EDP Eng.º Mira Amaral, de "barbarismo tecnocrático" por ele defender a barragem de Foz Coa. A barragem, que já estava em plena construção, foi suspensa pelo sub-sequente Governo de Guterres (1995-2001), e as gravuras pré-históricas lá encontradas só podem hoje ser visitadas com marcação prévia e com muita antecedência, como descobrem os ingénuos visitantes a quem ocasionalmente ocorre ir até lá fazer um passeio turístico.

As 8 hidroeléctricas cujo licenciamento foi atribuído já neste ano de 2009 tinham prevista uma potência instalada total, inicialmente, de 941 MW, mas a potência média esperada, considerando o caudal dos respectivos rios (que não se pode mudar), era de apenas 120,9 MW, menos de 1/8 do que produz em média a central a carvão de Sines e uns míseros 2,1 % do actual consumo nacional, um valor que apenas dá para cobrir o aumento de consumo de um único ano (sem recessão), como bem notou o ambientalista Prof. Doutor Joanaz de Melo.
Recordo que, como expliquei aqui, é a potência média que nos dá uma ideia da energia que uma central eléctrica efectivamente produz, e não a sua "potência instalada", que só é atingida muito ocasionalmente, ao longo do ano.

Dos referidos 941 MW inicialmente previstos para as 8 barragens, quase metade (424 MW) foram concedidos à espanhola Iberdrola, concretamente 4 das referidas 8 hidroeléctricas e que se situam na bacia do Tâmega e cuja exploração é inter-dependente.

A potência média dessas centrais da bacia do Tâmega, porém, era de apenas 59 MW, e há quem diga que mesmo este valor está sobreavaliado em 20%. E, no entanto, a Iberdrola ofereceu no leilão de concessionamento 1 bilião de € por elas, e mais tarde anunciou que afinal vai investir 1,7 biliões de € ali.
Ao mesmo tempo, a Iberdrola anunciou que vai ampliar a "potência instalada" das referidas centrais dos 424 MW inicialmente previstos para 1135 MW, mais 711 MW que o valor inicial, sobretudo na barragem de Gouvães!

Por outro lado a EDP, que ficou com 3 das 8 centrais e quase metade da potência a instalar inicialmente prevista (444 MW), anunciou também a ampliação desta potência em mais 263 MW, sobretudo na barragem do Alvito, e os investimentos atingirão, somando valores mencionados na imprensa, cerca de 1,1 biliões de €. Porém, a potência média destes 3 aproveitamentos, cuja potência instalada atingirá assim os 707 MW, a potência a que realmente é proporcional a energia de origem hídrica a gerar, será de apenas 50,6 MW.

A última das 8 barragens, Girabolhos, foi atribuída à espanhola Endesa, para um investimento inicialmente anunciado de 110 milhões de €. Esta barragem tinha prevista uma potência a instalar de 72 MW e uma potência média (proporcional à energia hídrica disponível) de apenas 11,3 MW, mas também a Endesa decidiu, já depois de ganha a concessão e similarmente ao que aconteceu com as outras 7 centrais, multiplicar por cinco a potência instalada, para 355 MW! O investimento final é agora indicado como sendo de 360 milhões de €!

Temos assim que, no total das 8 barragens, se estima em apenas 121 MW a potência média de origem hídrica disponível, mas a potência a instalar prevista no Caderno de Encargos, que era de 941 MW, vai ser efectivamente de... 2200 MW! Isto, para um investimento total anunciado (na imprensa) de 3,0 biliões de € (2/3 dos quais espanhois).

Desde já chamo a atenção de um detalhe crucial para entender estes aumentos de potência instalada e que adiante explicarei para que servem: em quase todos os casos os aproveitamentos serão reversíveis, isto é, as turbinas poderão trabalhar como bombas hidráulicas, enchendo os reservatórios das albufeiras com água já turbinada, puxada de jusante. Como comenta encantado o Eng.º Carlos Pimenta, "põe-se o rio a andar ao contrário"...

Entretanto, a estratégia destes investimentos só se entenderá perfeitamente se se recordar que a EDP tem em curso o reforço de potência instalada de outras 8 barragens (Bemposta II, Picote II, Alqueva II, Venda Nova II e III, Salamonde II, Paradela II e Cabril II), aumentando essa potência num total de 2000 MW, e ainda mais duas novas em construção (Ribeiradio e Baixo Sabor, com 244 MW de potência instalada), que adicionarão ao todo apenas uma potência média de 41,6 MW, para um investimento total de 1,85 biliões de €.

Somando todos estes investimentos, temos que no conjunto se está a falar de 4,85 biliões de € (2,85 da EDP e 2 espanhóis), + 0,55 biliões de € estimáveis de investimentos na rede eléctrica (pela REN), valor igual ao custo do novo aeroporto ou 4/5 do do TGV (embora no TGV o Estado co-financie 2/5, enquanto das novas hidroeléctricas o Estado tenha recebido 666 milhões de €). A potência instalada total será de 4640 MW, dos quais 4070 reversíveis mas, como mostrarei mais adiante, a energia de origem hídrica efectivamente produzida por tudo isto não ultrapassará o valor insignificante correspondente à potência média de 175 MW, menos do que produz um só dos 4 geradores da central a carvão de Sines. Na verdade, não é para esta energia que isto tudo está a ser feito, como ficará patente.

  • Quantos empregos? Milhares, só durante a construção dos aproveitamentos...!

As centrais hidroeléctricas, quando em exploração normal, ocupam muito pouca mão-de-obra porque hoje em dia são automatizadas e tele-comandadas. Fora alguns guardas e pessoal de manutenção permanente, as centrais não precisam de operadores, e dos 18 empreendimentos em curso só 10, como vimos, são inteiramente novos. O número de empregos permanentes criados por estas novas centrais não irá ultrapassar sensivelmente uma centena.
Já durante a construção dos aproveitamentos haverá uma utilização intensiva de mão-de-obra, mas o tempo de construção de cada um é, em média, cerca de 4 anos. Trata-se em grande parte de mão-de-obra temporária e deslocada para as empreitadas que, no auge da construção, atinge tipicamente o milhar. Assim, e à média de mil homens por 3 anos e por cada aproveitamento, tem-se que todos os empreendimentos somados poderão ocupar directamente, como ordem de grandeza, 6 mil trabalhadores durante 9 anos (2007-2016). Mas, dadas as condições de trabalho em causa (temporário, duro, e exigindo a deslocação para locais isolados), é muito provável que essas condições atraiam sobretudo trabalhadores imigrantes, considerando ainda que o ordenado típico oferecido para o pessoal não-qualificado nesta construção civil é de 550 € mensais com contratos por 3 anos (a duração típica da fase mais intensiva de cada obra).
Além destes quiçá seis mil empregos temporários, é frequente considerar que por cada um são criados 3 outros indirectos - obviamente, também só durante a construção dos empreendimentos. Parte destes empregos poderão estar nos serviços de apoio aos próprios trabalhadores deslocados (restaurantes, hospedarias), mas a maioria estará nas indústrias fornecedoras dos materais para os empreendimentos - cimenteiras, fábricas de equipamento eléctrico e mecânico, etc. Se, como é provável, houver uma situação de quebra de encomendas nessas indústrias devida à recessão em curso, é conjecturável que essas indústrias se encontrem numa situação de sub-ocupação dos recursos produtivos e que, portanto, as encomendas provenientes das barragens se limitem a ajudar a manter empregos já existentes - e em boa parte nas empresas estrangeiras donde se importem os equipamentos e materiais. Quanto tempo cada um destes empregos é ocupado pelas referidas encomendas é um dado desconhecido, mas certamente será, em média, bem inferior aos 4 anos de duração das obras.
Não deixa de ser verdade, no entanto, que a construção destes empreendimentos sempre incorpora uma maioria de valor acrescentado nacional, ao contrário dos parques eólicos.
  • O "reforço de potência" das centrais hidroeléctricas e a energia de origem hídrica que elas produzem
Recentemente, o Ministro do Ambiente clarificou no Parlamento alguns números actualizados destes projectos, mencionando os aumentos de potência instalada que acabaram por ser decididos pelas "eléctricas" depois da concessão, e associando-lhe um aumento de energia produzida. Esta associação entre a potência instalada numa central e a energia que ela produz é extremamente comum mas, como já expliquei aqui, é uma tremenda confusão, habilmente explorada por alguns e propagada depois por muitos outros (que não sabem Física elementar)!
Numa hidroeléctrica, a quantidade de energia produzível depende, antes de mais, do caudal do rio, ou seja, da quantidade de água por segundo que nele corre, e é evidente que no Verão há menos água que no Inverno, e que há anos secos e anos chuvosos - mas a potência instalada da central é projectada para se poder tirar dela o máximo de energia possível, quando for desejável!

E isto leva-nos à seguinte pergunta: basta aumentar a potência dos geradores de uma central hidroeléctrica, para tirar de um rio mais energia? Infelizmente a resposta é: não!

A energia que se pode tirar de um rio depende do caudal deste e da altura da queda de água da barragem. A energia que aí reside, a energia primária das hidroeléctricas, é a energia mecânica potencial que, todos o sabemos do ensino secundário, é quantificada pela massa de água multiplicada pela altura da sua queda.
A massa de água depende do caudal natural do rio, e não há nada que possamos fazer para o aumentar, pelo menos continuadamente.
A altura da queda depende da altura da barragem, mas esta depois de concessionada também não pode ser aumentada, porque isso iria alargar muito a albufeira e inundar terras não previstas na concessão.
Por conseguinte, a energia que a Iberdrola, a Endesa e a EDP vão poder tirar destas barragens, essa energia, ou a potência média, se preferirem, é praticamente a mesma - aumentem estas "eléctricas" a potência lá instalada ou não! As únicas excepções são algumas centrais que, já antes, não podiam aproveitar toda a água do rio no Inverno - centrais que tinham de "deixar passar" água sem a turbinar em alturas de cheia, quando o rio está muito caudaloso, por insuficiência de turbinas - como é o caso das velhas centrais do Picote e Bemposta, no Douro.

O que o "reforço de potência" permite, na verdade, é turbinar mais água no mesmo tempo - mas isso não aumenta a água disponível no rio, e portanto a energia!

Por exemplo, suponhamos que o rio tem um caudal de 10 metros cúbicos de água por segundo no Verão, mas de 100 metros cúbicos na época de chuvas; se se tiver potência instalada que chegue, consegue-se turbinar os 100 metros cúbicos por segundo no Inverno, mas no Verão as turbinas só funcionarão a 10% da sua capacidade - a menos que se tenha um reservatório, uma albufeira, onde se armazene a água de modo que se possa então, por exemplo, fechar as turbinas durante 9 horas e depois, à hora de ponta, a 10ª hora, despejar tudo de uma vez. Que é precisamente para que servem essas albufeiras, ou reservatórios elevados de água, e portanto de energia! Obviamente a energia gerada é a mesma, e a diferença está só no ritmo a que isso é feito ao longo do tempo, aquilo a que se chama potência.
Em regra, se a central não tiver albufeira, a diferença entre o caudal médio e o caudal de Inverno de um rio é por cá de 1 para 3, e por isso tipicamente a potência média que a central debita é à volta de 30% da potência instalada (que é a máxima de que ela é capaz). Se a central tiver albufeira, pode armazenar a água para ser usada nas horas em que mais falte a energia eléctrica, as horas de ponta, e aí já a potência média da central pode ser de apenas 1/6 da potência instalada - ou seja, a central poderá ter uma potência instalada dupla da do caso anterior, mas isso não significa que produza mais energia, repito, e sim e apenas que pode concentrar essa produção em certas horas.

Espero ter conseguido explicar esta diferença essencial entre potência instalada e potência média (a que é proporcional a energia) aos senhores jornalistas e politólogos!...

Ora, no caso dos investimentos em realização em Portugal, se a energia de origem hídrica que todos estes investimentos vão produzir é tão pequena (potência média de 175 MW), e se o reforço da potência instalada pouco aumenta a energia hídrica das centrais que já existiam, porque razão, então, se vão investir tantos biliões adicionais nestas barragens? Porque razão se não constrói uma potência instalada de até 6 vezes essa potência média de 175 MW, que seria 1100 MW, e em vez disso se vão construir 4640 MW, 4 vezes mais?
A resposta está no facto das turbinas previstas serem reversíveis, de poderem "pôr o rio a funcionar ao contrário", e o interesse desse facto explico-o no seguimento - mas, como é óbvio, quaisquer que sejam as turbinas elas não podem aumentar nem o caudal do rio nem a altura da sua queda, e portanto não aumentam a energia de origem hídrica extraível dos rios.

  • As turbinas reversíveis e as albufeiras como reservatórios de energia... eólica!
Antes de prosseguir, e só para fixar conceitos, noto que a energia é sempre a mesma entidade, mas que pode mudar de forma - pode ser mecânica, na forma de água nas alturas de uma albufeira, mudar para a forma eléctrica na central e nessa forma ser transportada até aos consumidores - mas, se a central funcionar ao contrário, se as turbinas puderem trabalhar como bombas hidráulicas, então é possível fornecer energia eléctrica à central e ela transformá-la de novo em energia mecânica de água nas alturas. Qual o interesse? Armazenamento! A água contida numa albufeira é energia armazenada que pode ser turbinada de novo, convertendo-se em electricidade, quando convier!

Ora esta utilização da albufeira como reservatório de energia, carregado pela central eléctrica a funcionar como uma estação de bombagem, é muito útil e de facto usada há muito pelo mundo fora quando existe, algures, uma outra fonte de energia que se queira aproveitar mas que se não possa controlar. É, precisamente, o caso das fontes de energia renovável, muitas vezes. O Sol não ilumina de noite e, portanto, se se quiser aproveitar a energia solar à noite, é preciso armazenar essa energia nalgum lado. Pode-se, pois, converter a energia solar em eléctrica, transportar essa electricidade até uma hidroeléctrica com turbinas reversíveis, bombar água para cima com essa electricidade, e á noite voltar a turbinar a água da albufeira, produzindo de novo electricidade. A albufeira funcionou como reservatório de energia de origem... solar.

Evidentemente, desde já se pode ver que se quisermos usar energia solar à noite, e só solar, além da central fotovoltaica (já de si caríssima) vamos ter que construir uma estação de armazenamento par tal. Se for muita, justifica-se a dimensão de uma hidroeléctrica com albufeira para a armazenar até á noite... e é exactamente isso que acontece com os aproveitamentos hidroeléctricos em causa, só que não para armazenar energia de origem solar (por enquanto...), e sim energia de origem eólica!

Que a reversibilidade das turbinas das novas hidroeléctricas visa o uso destas como reservatórios de energia de origem eólica pode ser confirmado no próprio Caderno de Encargos oficial dos aproveitamentos e também aqui e em muitas declarações públicas de entusiastas das renováveis! A questão que interessará saber ao povo, entretanto, é que problema técnico justifica o uso das presentes hidroeléctricas como reservatórios de energia de origem eólica, e isso é o que vou tentar explicar de seguida, não vos pedindo que saibam Engenharia ou Física mas apenas que consigam perceber uns gráficos simples, extraídos do próprio Caderno de Encargos dos empreendimentos.

Na figura ao lado mostra-se como evoluiu a produção da energia eólica produzida no nosso país num dia típico de 2006. No nosso país, a legislação criada no tempo de Guterres garante aos produtores eólicos a compra pela rede eléctrica de toda a energia que sejam capazes de produzir, com uma tarifa altamente lucrativa, e por isso eles produzem tudo o que podem. Porém, e como é patente no gráfico, o vento sopra com uma extrema irregularidade, produzindo uma energia eléctrica muito intermitente e que não se adequa nada ao diagrama de consumos dos utentes da rede. Ainda por cima, e em média, sopra predominantemente à noite, quando há menos consumos.
Se não houver muita potência eólica instalada na rede, o problema poderá não ter grandes consequências, porque as outras centrais convencionais se encarregarão de filtrar estas irregularidades, especialmente as centrais fáceis de controlar, como as hidroeléctricas e as a gás.
Porém, se a energia de origem eólica ultrapassar, digamos, 20% do total (o máximo dos máximos internacionalmente considerado como comportável e só atingido na Dinamarca), acontece o que se mostra no gráfico seguinte, previsto já para 2011 em Portugal, data em que a energia eólica atingirá os 25% da produção total nacional, com 5700 MW de potência instalada (e 1400 MW de potência média), o dobro do que se tinha no final de 2008.
Neste diagrama, a linha vermelha superior assinala o consumo nacional num dia chuvoso. Como se pode ver, a produção de energia supera largamente o consumo, e isso devido sobretudo à produção eólica (verde alface) que, pelos contratos feitos com os produtores e pela legislação existente, nunca pode ser parada ou reduzida, e que "sopra" predominantemente à noite! Que fazer para equilibrar a produção total com o consumo?
A produção de origem térmica (verde escuro) pelas "cogerações" (outro negócio semelhante e ainda pior, porque até polui, e de que falarei qualquer dia) também não pode ser parada, nem a das hidroeléctricas sem albufeira (em baixo, azul marinho), e sempre é precisa alguma térmica convencional para controlar o sistema (cinzento). Poder-se-ia pensar em exportar para Espanha, mas a Espanha estará nessa altura com um problema semelhante, cheia de "vento" e um consumo de horas mortas!

É aí, já estão a ver, que entram as novas hidroeléctricas com turbinas reversíveis: para consumir a energia de origem eólica em excesso, armazenando-a na forma de água nas alturas, como é mostrado na linha azul grossa, em baixo.
Depois, nas horas de maior consumo e menos vento, durante o dia, essa água armazenada é turbinada, e a energia de novo devolvida à rede, juntamente com a que veio propriamente do rio (zona azul superior a partir das 9 da manhã, por baixo da linha vermelha do consumo).
Por conseguinte, a necessidade das hidroeléctricas reversíveis resulta de haver energia eólica em excesso, e é a solução para o problema que isso cria. Por um preço extraordinário, como se viu!
E falta acrescentar um detalhe: no ciclo de bombagem de água para cima da albufeira e depois de novo a sua turbinagem, perde-se energia, por atrito nas condutas de água da central. Concretamente, por cada 4 kwh que se gastam a bombar a água para cima, só se recuperam 3 kwh depois no retorno da água. A água é a mesma (áparte alguma evaporação da albufeira), mas é preciso aplicar mais "força" para a içar do que a que ela devolve ao descer de novo, por causa dos atritos.
  • Serão precisos 2000 MW de potência hidroeléctrica reversível para dar consumo às eólicas, mas vão existir 4900!
A REN fez um estudo sobre quanta potência de bombagem, ou hidroeléctrica revertida, virá a ser precisa para conseguir consumir o excesso de potência eólica na pior situação, e essa situação é a ilustrada na figura anterior, que mostra que por volta das 5 da manhã será preciso dar vazão a 2000 MW de potência eólica.
Com os novos aproveitamentos e reforços de potência aprovados a capacidade hidroeléctrica reversível atinge os 4070 MW, mas Portugal já tinha, antes destas novas centrais, cinco hidroeléctricas antigas com capacidade de bombagem ou reversíveis: Aguieira, Alqueva I, Torrão, Vilarinho das Furnas e Alto Rabagão. Estas hidroeléctricas ofereciam já 820 MW de bombagem, pelo que com os novos investimentos o país ficará a dispôr de 4890 MW reversíveis. Ter-se-ão, portanto, quase 2900 MW de hidroeléctricas reversíveis, em grande parte aquelas que foram decididas já depois do concurso das famosas "10" de 2008, cujo propósito é desconhecido.
É possíve, no entanto, conjecturar duas hipóteses alternativas:
  1. O Governo planeia instalar mais de 3000 MW de energia solar ou de eólicas offshore, para que não se antevê consumo (a menos que se esteja a pensar fechar definitivamente a barata produção a carvão que, no cenário previsto pela REN e como se pode ver pela figura anterior, já se prevê que só funcione metade dos dias em 2011);
  2. Há um plano oculto de disponibilização das centrais reversíveis portuguesas a Espanha, para dar consumo ao excesso de potência eólica e solar daquele país.
Este último cenário merece algum desenvolvimento.
A Espanha tem, presentemente, 3272 MW de potência hidroeléctrica reversível, e planeia construir em breve mais 1600 MW, em duas centrais. Com estas, atingirá os 4872 MW, por coincidência quase exactamente o mesmo valor que Portugal!
Se se admitir que a potência eólica instalada em Espanha acompanhe a mesma proporção da portuguesa, e atendendo a que o seu consumo de energia eléctrica é 6 vezes o nosso, é conjecturável que ela venha a precisar de uns 9.000 MW de potência hidroeléctrica reversível para encaixar o seu excesso de produção, para os quais só dispõe de 4900... a menos que os restantes 4100 sejam disponibilizados por Portugal. Isso explicaria os investimentos da Iberdrola e da Endesa nos 1370 MW em Portugal, e a EDP disponibilizaria os restantes 2900 MW que terá em excesso...
A questão final que se põe, entretanto, é de como será remunerada a função de armazenamento de energia pelas hidroeléctricas reversíveis.
Não é difícil fazer umas contas e verificar que a função de bombagem chega para justificar o investimento destas hidroeléctricas, somando-a à pouca energia de origem hídrica que poderão produzir, se o preço da energia eléctrica que consumirem para a bombagem for... grátis! Isto é, se a água que for bombada custar o mesmo que a que vem do rio!
A rede é que terá de arcar com o custo de pagar aos produtores eólicos a sua desnecessária energia à tarifa contratada, para a vender de borla às hidroeléctricas reversíveis, repercutindo o respectivo prejuízo no défice ou nos consumidores domésticos, claro.
Mas, quanto à energia proveniente de Espanha nestas condições, obtê-la grátis é capaz de ser difícil. E, se ela for paga ao preço de mercado corrente, isso significará que Espanha terá conseguido arranjar uma fórmula para se desfazer da sua energia renovável excedentária transferindo parte do prejuízo para Portugal.
Ora, se as hidroeléctricas reversíveis comprarem a energia eléctrica para bombar água, terão de revendê-la por 4/3 do preço de compra só para não terem prejuízo (devido às perdas por atrito), e nesse caso os respectivos investimentos nunca serão recuperados, aos preços actuais na praça ibérica de energia eléctrica (3 ç/kwh nas horas mortas e 5 ç/kwh nas horas de ponta)!

Entretanto, em Maio do ano corrente de 2009 Espanha praticamente acabou com a subsidiação da energia renovável, e assim muito dificilmente se ultrapassarão os 20.000 MW de potência eólica instalada lá até ao fim de 2010. Essa potência corresponde à que tínhamos instalado em Portugal até ao Verão transacto (3334 MW), dada a proporção de consumos nos dois países, mas que ainda é só 60% da que o Governo português decidiu subsidiar. Com o fim da subsidiação em Espanha, esta não vai precisar das hidroeléctricas portuguesas para armazenar excessos de energia, porque os seus instaladores, já em grandes coros de protesto, vão parar os seus investimentos - mas Espanha terá parado a tempo de a energia eólica e solar não se tornar lá um encargo totalmente descontrolado!

De uma forma ou de outra, mesmo admitindo que boa parte destes investimentos se justificam pela (pouca) energia que estas hidroeléctricas vão produzir, haverá sempre 2,6 biliões de €, dos quais pelo menos 1,7 biliões de € portugueses (estando os espanhóis a "arder" com 0,95 bilião), que só se justificam por causa dos planos do Governo para a instalação de energia eólica e que, em bom rigor, deveriam ser imputados a essa opção eólica, e não às próprias hidroeléctricas!Somados os 2,6 biliões de € destes investimentos hidroeléctricos aos 6,5-7 biliões que o investimento das eólicas terá custado quando os 5700 MW estiverem todos no terreno, dentro de um ano ou dois, temos que o custo para o consumidor desta energia ficará pelo menos em 140% do custo ao produtor, ou 11 a 13 ç/kwh - o quádruplo do que custa a do carvão ou o triplo da de uma nuclear!...
Por enquanto o consumidor não o sente, porque o operador da rede vai remetendo para o défice, mas alguém terá de vir a pagar isto e é duvidoso que seja o Governo ou as "eléctricas"...
Além disso, se descontarmos aos 175 MW médios de origem hídrica as perdas na bombagem que vão correr nestas hidroeléctricas, poder-se-á afirmar que o seu contributo líquido para a produção de energia nacional deste colossal investimento será muito aproximadamente... ZERO!

domingo, setembro 27, 2009

Um cientista céptico

O Público de hoje publica uma entrevista com um cientista ilustre , Bjorn Lomborg, que reconhece a existência do aquecimento global mas contesta as políticas ideológica e economicamente motivadas que se estão a promover para lhe fazer face.
Não é o assunto central deste blog, a climatologia, mas se há coisa que tenho subcrito aqui é a de que há que ter calma e não embarcar em fantasias e extremismos ecotópicos!
Bjorn Lomborg também sonha com a razão.
No entanto, sou menos pessimista que ele quanto à Conferência de Copenhague e aos seus preparativos. Como o Presidente Obama, penso que será sempre um grande progresso político a Humanidade entender-se para resolver um problema comum. Se haverá um progresso climático, não sei, mas o próprio consenso político, a atingir-se, vale a pena destes esforços, porque o grande problema da Humanidade não é o clima - é o próprio Homem! Como os negacionistas do Aquecimento Global são incansáveis na defesa das suas posições e me enviam imensos comentários, mas o meu programa de blog não passa por colocar esse tema no seu centro, anexo a figura acima que mostra as medições feitas pelos satélites da NASA para "remote sensing" do clima do planeta, sobre a temperatura da nossa atmosfera. Encontra-se aqui também uma boa introdução ao assunto para os interessados em se iniciarem no tema.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Coisas que é bom saber

Como já notei por aqui, o carvão é a fonte de energia eléctrica mais barata, e por isso é também a mais utilizada no Mundo, gerando 40% de toda a electricidade que se produz no planeta. Em Portugal temos duas centrais a carvão, em Sines e em Abrantes (Pego), capazes de gerarem só elas 30% de toda a electricidade portuguesa, cada uma mais que todas as eólicas que temos.
Infelizmente, as centrais a carvão são também uma terrível fonte de Gases de Efeito de Estufa (GEE), estimando-se que produzam, só elas, 1/4 de todo o CO2 gerado pela actividade humana.
Por causa disto, e porque há muito carvão no planeta, há muito que se estudam técnicas de captura (ou sequestro) do CO2 das centrais a carvão. A ideia é extrair o CO2 dos fumos da central, liquefazê-lo e injectá-lo no sub-solo.
Não se trata de um problema para o qual exista alguma dificuldade tecnológica que não se saiba resolver, ao contrário do que acontece com as baterias dos carros eléctricos ou com os painéis fotovoltaicos. Existem soluções que se sabe (em laboratório) perfeitamente como funcionam, que podem vir ainda a ser muito aperfeiçoadas e, por isso, o único problema que subsiste à sua aplicação generalizada é vontade política. Vontade política de fazer os investimentos necessários à escala de centrais reais, porque a captura do CO2 vai encarecer significativamente essas centrais e reduzir-lhes o rendimento (parte da energia produzida vai ter que ser usada para a própria captura do CO2). Mesmo assim, todos os cálculos mostram que o carvão ainda continuará a ser mais barato que todas as fontes de energia renovável, apenas mais caro que o nuclear, relativamente ao qual é agora mais barato, e que as grandes eólicas em terra (on-shore) em locais de muito bom vento.
A EDP, e muito bem ainda que quase secretamente, considera vir a substituir a actual Central de Sines, que já leva 25 anos de vida e não durará muito mais anos, por uma dessas futuras Centrais a carvão com captura de CO2, embora com uma potência instalada menor que a actual - o que se justifica por, como disse, parte da energia do carvão se ter de gastar na própria captura do CO2 gerado.
Com a preparação dos novos acordos climáticos e a nova política da Administração Obama, os EUA - e a Ásia - preparam-se para lançar finalmente em força esta tecnologia incontornável, como se pode ver aqui. Em futuros posts hei-de voltar a este assunto, até porque esta tecnologia vai ser campo de batalha com os ecotópicos.

Outra coisa que é bom saber é que este ano de 2009 será o ano, desde a descoberta das gigantescas reservas do Casaquistão em 2000, em que mais reservas novas de petróleo foram descobertas. Claro que convém continuar a ser poupado e a não ter carros desnecessariamente gastadores mas, cada vez se vai confirmando mais que, parafraseando Mark Twain, as notícias do esgotamento para breve do petróleo poderão ser grandemente exageradas.
Leonardo Maugeri, um especialista da petrolífera italiana ENI e que é também professor do MIT, a cujo conselho consultivo em energia pertence, publica no número de Outubro da Scientific American (uma revista insuspeita de negacionismos climáticos) um artigo em que defende que o fim do petróleo não está, de facto, para breve, e por duas razões: a) por estarem em desenvolvimento tecnologias de extracção que permitem aumentar os actuais 30% que se conseguem extrair do sub-solo para 50%; b) por tudo indicar que ainda há muito petróleo por encontrar.
Eu já falei disto aqui, e Maugeri também considera que o "pânico" do fim breve do petróleo serve apenas para estimular a especulação financeira com o mesmo e que, a haver alguma falta de petróleo no mercado internacional, é por falta de refinarias, o que aliás o Presidente da GALP e antigo jovem catedrático da FEUP, o Prof. Doutor Eng.º Ferreira de Oliveira também afirmou numa entrevista dada à Televisão em 2008 e de que me lembro muito bem.

quinta-feira, setembro 24, 2009

Noções básicas sobre Economia da Energia para não-especialistas - actualizado

Há algumas noções básicas sobre Energia que geralmente faltam a jornalistas e politólogos, o que os torna muitas vezes actores (quiçá involuntários) de fantasias e vigarices, quando se fala de opções energéticas e ambientais.
Vou, por isso, tentar explicar aqui algumas dessas noções básicas.

  • Potência e Energia de uma instalação de produção de electricidade
A potência de uma instalação de produção (central, turbina, etc) indica a energia máxima que ela é capaz de gerar ao momento e que não pode ser ultrapassada, e é conhecida por potência "nominal" ou "instalada". Mas o que se vende e compra é a energia, e não essa potência ou energia máxima ao momento (por segundo) de que a central é capaz.

A potência mede-se em kw (kilowatt) ou MW (1 MW = 1000 kw), mas a energia mede-se em kwh (kilowatt-hora) ou MWh, sendo o kwh (o que pagamos em casa) a energia gerada ou consumida ao fim de uma hora ao ritmo (à potência) de 1 kw. A energia é a potência somada ao longo do tempo. A potência é a energia gerada em cada segundo, ou ao momento.
Ora, devido ao modo como funcionam, as instalações produtoras raramente conseguem trabalhar muito tempo à sua potência nominal. Depende da natureza da sua fonte primária de energia.

Por exemplo, uma central solar de 46 MW como a de Moura, é capaz de gerar energia no máximo a 46,4 MW, mas isso só acontece em condições ideais de Sol. À noite não trabalha, por exemplo. Para se ter uma ideia, então, de quanta energia é a central capaz de produzir, temos que fazer a média ao longo do ano da potência a que ela vai variavelmente trabalhando. E concluímos que numa instalação solar fotovoltaica doméstica simples, a potência média que, multiplicada pelo número de horas do ano, dá a energia anual gerada, é de apenas 15% da potência nominal. Mas, se a central puder controlar a orientação dos painéis ao longo do dia, seguindo o Sol, como na de Moura, isso aumenta consideravelmente o aproveitamento da luz, elevando a potência média para 21-23% da nominal.
Ou seja, para ter uma ideia da energia anual que a Central de Moura produz, o número indicativo é de 10,5 MW (a multiplicar pelas 8760 horas do ano), e não os 46,4 MW de potência instalada, e isto considerando que o Sul de Portugal, de Espanha e de Itália têm as melhores condições possíveis de energia solar na Europa.
Para que interessa, então, saber a potência nominal de uma central, se ela tem tão fraca relação com a energia que efectivamente produz? Para saber quanto custa o investimento na central, pois esse investimento é quase proporcional à potência nominal da instalação, mesmo que depois a central só funcione em média com uma fracção dessa potência!
O mesmo se aplica às turbinas eólicas, que também só trabalham quando há vento mas que são dimensionadas para aproveitarem as condições de vento máximo, que é quando operam à potência nominal.

Em Portugal, como aliás é típico, a potência média a que trabalha uma eólica é de perto de 1/4 (20 a 26%) da potência nominal, portanto ligeiramente mais que uma central solar com painéis móveis seguidores do Sol. Em Portugal havia no fim do ano passado 2800 MW de "potência eólica instalada", ou seja, um conjunto de parques eólicos cuja soma das potências nominais das turbinas atingia 2800 MW; mas a potência média produzida por essas eólicas todas é apenas de 1/4 disso, ou 700 MW. Esta média resulta de, se há ocasiões de vento forte, em metade do ano o vento é insignificante, e ainda há as paragens por avaria.

Raciocínio idêntico se pode também fazer para outro tipo de central de energia renovável: as hidroeléctricas. Também têm uma potência nominal prevista para as condições de máxima àgua turbinada, mas depois os rios têm períodos de seca ou de pouca água.
Numa hidroeléctrica a diferença entre potência nominal e potência média varia muito com os rios, e o investimento não é tão proporcional à potência nominal como no solar e no eólico porque depende muito de onde a barragem for construída. Além disso a água nos rios varia muito de ano para ano, mas tudo junto a potência média das nossas hidroeléctricas varia entre os pobres 12,8% de Alqueva e os 69% do Picote (no Douro). Em média, para o conjunto das nossas hidroeléctricas e para um ano de pluviosidade média, a potência média gerada ronda os 30% da potência "instalada".
Mas as hidroeléctricas têm uma enorme vantagem sobre as solares e as eólicas: podem armazenar água quando as eólicas ou solares (ou outras que não interesse desligar) estiverem a produzir muito, para a usarem depois quando é precisa, isto é, podem adaptar o ritmo de produção (a potência de funcionamento) às necessidades do consumo existentes em cada momento! Sem falar nas reservas de água potável e na utilização agrícola...
Em Portugal há ao todo cerca de 4350 MW de potência hidroeléctrica instalada, mas a potência média que as centrais hidroeléctricas debitam é de perto de 1300 MW.

Já nas centrais termoeléctricas não há dependência das condições climáticas (vento, água ou sol), e por isso poderiam, em princípio, trabalhar à potência instalada o tempo todo - excepto nas paragens para manutenção - e por isso é que Portugal teve de deixar de se basear exclusivamente em hidroeléctricas nos anos 70.

Por exemplo, uma central termoeléctrica de ciclo combinado, a gás natural, poderia funcionar sempre (ou quase, devido às necessidades de manutenção), mas não é isso que geralmente acontece, devido ao preço elevado do gás e ao moderado investimento da central. As centrais a gás, de facto, são usadas em regra apenas para suprir as restantes, até por serem de controlo fácil e, por isso, em média geralmente apenas geram de 1/4 a 1/2 da sua potência instalada. Em Portugal, no entanto, a grande central de ciclo combinado da Tapada do Outeiro tem desde 2008 funcionado com uma potência média acima de 1/2, por as centrais a gás serem presentemente em Portugal a única solução disponível garantida para cobrir a intermitência das eólicas. Isto, para além de este ano o país ter tido de importar 1/9 da electricidade consumida, à média de 625 MW...!

Já numa central a carvão geralmente a potência média é de perto de 80% da nominal. Isto é, uma central como a de Sines, que tem 1250 MW de potência nominal, gera em média perto de 1000 MW ao longo do ano. Por isso a energia produzida só pela central de Sines é mais 50% que a gerada por todo o parque eólico nacional, e pouco menos que a de todas as hidroeléctricas juntas.

Porém, as campeãs da utilização, as centrais que em todo o mundo produzem mais energia para a potência nominal que têm, as centrais cuja potência média de trabalho ao longo do ano atinge 91% da potência instalada, são as de um tipo de que não temos nenhuma: as nucleares.
É por causa destas diferenças entre as reais possibilidades de utilização dos diferentes tipos de central que é essencial saber qual a potência a que em média uma central realmente trabalha, e não a sua potência instalada, para avaliar do interesse económico do seu financiamento. Uma central nuclear de 1400 MW (potência nominal típica de uma grande nuclear) requereria um investimento muito semelhante ao da inacreditável central solar de 2000 MW anunciada pelos media recentemente; mas, enquanto a central solar só geraria em média 430 MW, a nuclear produziria 3 vezes a energia da tal solar... além de que duraria o triplo (60 anos)! E isto se o investimento anunciado para essa central Solar fosse real, o que é duvidoso, porque os preços de mercado actuais apontam para 30 a 50% mais do que o publicitado...
  • Custo de produção da energia eléctrica, mesmo quando o combustível é grátis
Qualquer central de produção de electricidade custa dinheiro a fazer - mesmo que o combustível seja grátis, como acontece com as energias renováveis.
E, se custa dinheiro, se requer um investimento, esse investimento tem de ser pago pela energia que a central produzirá. Por isso, ainda que o sol, o vento e a água dos rios sejam grátis, a energia eléctrica produzida por qualquer central, mesmo as que usam energias primárias renováveis, não pode ser grátis. Tem de, pelo menos, pagar o investimento da sua construção.
Na verdade, o custo da energia eléctrica produzida por uma central tem quatro parcelas: o custo de capital (o pagamento do investimento), o custo de operação e manutenção e outros, o custo do combustível e os lucros.
O custo de capital depende no número de anos de vida útil da central e inclui, claro, a amortização e os juros do crédito (o custo do dinheiro, o pagamento pelo serviço que nos prestam ao nos permitirem fazer um investimento para o qual não temos dinheiro nosso). Presentemente, por exemplo, a previsão mais recente da Administração dos EUA para os custos de construção (investimento) dos vários tipos de central é, por cada kw de potência instalada da referida central, sem considerar juros e já considerando prazos de construção (custos "overnight"), para centrais a investir agora e estarem prontas em 2015, convertendo USD para €:
  1. Solar fotovoltaico: 4000 € (mas na de Moura foi 5635 €...);
  2. Solar térmico: 3265 €;
  3. Eólica (no mar, off-shore): 2630 €;
  4. Carvão com dessulfurização e captura do CO2: 2390 € (simples estimativa);
  5. Nuclear: 2280 € (há quem considere este valor subestimado e o incremente em até 50%);
  6. Hidroeléctrica (em média): 1650 €;
  7. Eólica (em terra): 1355 €;
  8. Carvão com dessulfurização: 1345 €;
  9. Ciclo combinado a gás com captura do CO2: 1290 € (simples estimativa);
  10. Ciclo combinado a gás: 475 € (valor corrigido em 25/9/09 dos anteriores 675€, considerando o preço da acabada de fazer em Lares);
Alguns destes custos de investimento são muito variáveis de central para central, mas dinheiro é dinheiro, e o dinheiro de um investimento terá sempre de ser pago. Porém, uma primeira diferença entre as diferentes centrais é quanto tempo é necessário para amortizar esse pagamento, que naturalmente não pode ser maior que o tempo de vida da central. Ora o tempo de vida de uma central varia entre os 20 anos para as eólicas e as solares e os 50 para as hidroeléctricas, 40 para as nucleares e 30 para as a gás e carvão...
Uma segunda diferença é o custo do dinheiro, isto é, as taxas de juro. Podemos somar-lhe os lucros e obter as taxas de retorno; em mercados regulados, com preços relativamente garantidos, os investidores aceitam muitas vezes taxas de 5%, mas em mercados liberalizados, em que a incerteza quanto aos preços futuros é maior, os investidores exigem taxas de pelo menos 10%, para encurtar os prazos de amortização e, com isso, os riscos quanto ao futuro.

Umas contas simples mostram que para taxas de 10%, a anuidade a recuperar nas vendas de energia terá de ser de 10,1%, 10,25%, 10,61% e 11,75% conforme os prazos considerados forem de 50, 40, 30 ou 20 anos. Isto independentemente do tipo de central. O que depende do tipo de central é a relação entre a sua potência média de funcionamento (a que é proporcional a energia vendida), e a sua potência nominal, a que é proporcional o investimento a recuperar.
Contas feitas e para as centrais acima listadas, obtêm-se os seguintes custos de capital por unidade de energia a vender (kwh) e para a situação actual de escassez de crédito e elevadas taxas de desconto (10%), em cêntimos:

  1. Solar fotovoltaico: 24,4 ç (mas na de Moura seriam 34,3 ç);
  2. Solar térmico: 19,9 ç;
  3. Eólica (no mar, off-shore): 10,08 ç ( no mar a potência média das eólicas anda pelos 35% da nominal, melhor que as de terra);
  4. Eólica (em terra): 7,3 ç;
  5. Hidroeléctrica (em média, com utilização a 30%): 6,33 ç;
  6. Carvão com dessulfurização e captura do CO2: 3,67 ç;
  7. Ciclo combinado a gás com captura do CO2: 3,14 ç (com utilização a 35%);
  8. Nuclear: 2,93 ç;
  9. Carvão com dessulfurização: 2,06 ç;
  10. Ciclo combinado a gás: 1,28 ç (com utilização a 50%; 2,73 ç com utilização de 30%);
É claro que, como já foi dito atrás, estes custos apenas cobrem os custos de capital, ou de investimento. Faltam-lhes os custos de operação & manutenção e outros, como as multas pagas pelo CO2 emitido pelas centrais de ciclo combinado e sobretudo a carvão, ou os depósitos em $ a fazer para pagar o caro desmantelamento das centrais nucleares no fim da sua (longa) vida, e falta-lhes o custo dos combustíveis nas centrais termoeléctricas (gás, carvão e urânio).

O custo do desmantelamento de uma central nuclear é estimado usualmente em 30% do de construção, mas o urânio é barato, menos de 10% do custo total (nos últimos anos o mercado foi inundado pelo urânio proveniente das ogivas nucleares desactivadas pelos acordos de desarmamento nuclear entre os EUA e a Rússia), embora se tenha de adicionar o custo de enterramento dos resíduos radioactivos. Por isso, o custo de uma central nuclear dependente muito das taxas de juro conseguidas, e estas dependem muito do risco, que é moderado se o Estado garantir a rentabilidade do investimento - razão porque praticamente se deixaram de construir no Ocidente, com a lucrativa excepção da França. Mas o custo depende essencialmente da construção não sofrer derrapagens!...
O carvão também é relativamente barato. Para uma central com o custo de construção indicado, uma central moderna com ciclo termodinâmico super-crítico (alta pressão e alta temperatura do vapor), os custos de combustível e de manutenção andarão (nos EUA) por 1,05 ç/kwh, mas mais se a central tiver captura do CO2, por nestas parte da energia gerada ter de ser utilizada para essa captura. Acresce cerca de 0,95 kg de CO2 emitido por cada kwh, a que corresponde uma multa de 1,9 ç/kwh (na Europa, uma tonelada de CO2 "paga" 20 €).

Já o gás é caro. Geradores similares aos instalado em Portugal têm consumos típicos de 0,18 m3 de gás por khw gerado, e embora as nossas centrais tenham contratos especiais de fornecimento, é plausível que os preços que consigam sejam da ordem dos 0,27 €/m3, o que conduz ao custo de combustível de 5 ç/kwh, muito superior ao custo de investimento dessas centrais, e a que há que adicionar os custos de operação, manutenção e CO2 (da ordem de 1 ç/kwh). Além disso, apesar do seu excelente rendimento e de a queima do gás emitir menos CO2 que a do carvão, estas centrais também o emitem, cerca de 0,35 kg de CO2 por kwh gerador, o que "paga" 0,7 ç/kwh de multa.

Tudo ponderado, pode-se listar os seguintes custos totais indicativos, como ordem de grandeza, para a unidade de energia (kwh) gerador por cada tipo de central:

  1. Solar fotovoltaico: 25 ç;
  2. Solar térmico: 20,5 ç;
  3. Ciclo combinado com captura do CO2: 12 ç (4,46ç investimento);
  4. Eólica off-shore: 11 ç;
  5. Eólicas em terra: 8,65 ç (com potência média = 25% da instalada);
  6. Ciclo combinado actual: 6,8 ç (4,5 ç/kwh custo do gás e 0,7 ç/kwh de multa pelo CO2, supondo 50% de uso);
  7. Hidroeléctricas: 6,7 ç (mas muito variável, dependente da "qualidade" do aproveitamento hídrico);
  8. Carvão com captura de CO2: 6,2 ç (3,67ç investimento; mais caro que com as actuais sem captura de CO2, mas sem multa);
  9. Carvão actual: 5,8 ç (1,9 ç de multa pelo CO2, inexistente na China, Índia e EUA, país este onde o carvão é também muito bom, trazendo o custo total para apenas cerca de 3,5 ç/kwh).
  10. Nuclear: 4,2 ç (3,0 ç investimento inicial; segundo a Administração americana é só 2,28 ç, o que baixaria o custo total do kwh para apenas 3,5 ç).
Como resulta evidente, apesar do sol grátis, as centrais solares são presentemente economicamente incomportáveis! As eólicas que por aí vemos estão com custos que podem competir com os das hidroeléctricas em locais de bom vento (que permitam potências médias de pelo menos 30% das nominais), mas devido à sua elevada intermitência são responsáveis pelo recurso excessivo às centrais a gás de ciclo combinado, de energia cara e ainda por cima poluente. E o carvão continua barato, mesmo com a elevada multa que paga (em Portugal a central de Sines, como a maioria por esse mundo fora, é já antiga, de baixo rendimento e por isso mais cara que os valores indicados).
Porém, num horizonte sem CO2, é evidente que as centrais competitivas serão a nuclear e as a carvão com captura de CO2, com custos da mesma ordem de grandeza (embora algumas incertezas não permitam ter a certeza de qual será a de energia mais barata - de qualquer modo, pouco diferirá), enquanto de energia renovável, mas mais caras que as termoeléctricas, serão apenas as eólicas (em locais de bom vento) e as hidroeléctricas (em rios com boa água), Eólicas, mas em terra, porquanto as off-shore não só são muito mais caras, como Portugal não tem plataformas marítimas adequadas para elas, ao contrário do Mar do Norte.
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Recebi o seguinte comentário do meu colega e amigo Prof. Santana, ex-administrador da ERSE:
Em primeiro lugar, quero felicitar o meu colega Pinto de Sá pelo seu blog.

Concordo com ele que, no sector eléctrico, o risco e o custo do dinheiro são determinantes, como por exemplo: os promotores da nova central nuclear finlandeza aceitaram uma taxa de remuneração do capital de 5%, naturalmente reduzindo os riscos do projecto; porém, o mais recente estudo do MIT, sobre a questão nuclear, assume o risco de construção e o risco de operar em ambiente de mercado, e com estas condições estabece as condições financeiros do projecto: 50% do capital é dívida com a taxa de 8%, e 50% é capital próprio com a taxa de 15%.
Assim, o custo previsto pelo finlandezes é cerca de 2,4 ç/kWh, enquanto o custo do kWh previsto pelo MIT é quase o triplo!

Relativamente aos custos variáveis dos combustíveis, apresentados pelo Pinto de Sá, tenho uma dúvida, estes custos referem-se a que data?
Actualmente, no OMEL onde predomina a produção a gás natural, o preço marginal na ponta não ultrapassa os 4,5 ç/kWh.
João Santana

Obrigado pelos dados. Fiz todos os cálculos de custo de capital com base na taxa de 10%, e obviamente que para o nuclear (mas também para as renováveis) essa taxa é essencial para determinar o custo final da energia. Os dados da DOE que usei, já de 2009, dão conta da subida dos preços dos materiais e do crédito, mas o relatório do MIT incluiu uma avaliação mais fina dos vários custos, e não só para o nuclear.
Comparando os dados das duas instituições, verifica-se que os custos de capital que o MIT indica são 20% superiores aos da DOE, tanto para o nuclear como para o carvão, mas para o ciclo combinado são 12% inferiores (depois de converter os USD para €, multiplicando por 0,7). O MIT merece toda a consideração, mas a DOE tem a informação estatística oficial da Administração dos EUA, ambos os dados são já de 2009 e os do MIT parecem-me muito arredondados.
Acresce que o MIT considera algumas hipóteses de cálculo, ao comparar custos, que me parecem académicos, nomeadamente: a) atribui o mesmo tempo de vida útil aos três tipos de centrais, 40 anos, quando na verdade as nucleares têm atribuídos 40 mas que têm sido estendidos para 60, enquanto às outras costuma-se atribuir-lhes 25 ou 30. Eu considerei 40 para as nucleares e 20 para as outras duas. b) Atribui o mesmo factor de utilização a todas, 85%, quando na verdade as nucleares têm-no em geral pelos 90%, as a carvão não chega a 80%, e as a gás menos - e isto é determinante no custo de capital por kwh, claro! Eu considerei, nas minhas contas, 91% para o nuclear, 80% para o carvão e 50% para as a gás...
De qualque modo, o MIT indica também os custos finais, já incluindo tudo e nomeadamente combustíveis, para atingir as seguintes previões de custo (não esquecendo de converter USD para €):
nuclear: 5,88 ç/kwh, versus os 4,2 que eu estimara - ainda assim, bem bom, mas o tal custo finlandês de 2,4 ç/kwh é que é excelente! Se considerarmos um factor de utilização de 91% em vez dos 85% do MIT, já o "custo MIT" desce para 5,57 ç/kwh... Mas calibrando os meus cálculos com os do MIT para os "outros custos", então terei de subir o "meu" preço do nuclear dos 4,2 ç/kwh para 4,7 ç/kwh. De qualquer forma, mesmo a 5,57 ç/kwh para a "opção nuclear", esta continua muito competitiva, apenas mais cara que a do carvão sem multa pelo CO2!
carvão: 4,34 ç/kwh, vs. os "meus" 4,0 , sem "multa" pelo CO2; com multa: 5,8 ç/kwh, o mesmo que os "meus". A diferença não é grande, mas aqui a questão principal está no custo atribuído ao carvão, que varia muitíssimo com a respectiva qualidade.
gás: 5,18 ç/kwh (com multa) vs os "meus" 6,8. Aqui é que a diferença é maior, por um lado por, ao contrário do que sucede para o carvão e o nuclear, para o gás o MIT considerar um custo de capital inferior ao da DOE, mas sobretudo pelo inferior preço do gás nos EUA.
Eu considerei um custo do gás de 0,25 ç/m3 para a Tapada do Outeiro, mas reconheço que foi uma estimativa com poucos fundamentos: vi que a ERSE informa que o custo mínimo de venda a retalho do gás pelas operadoras em Portugal é de 0,32 ç/m3, e considerei que a Turbogás da Tapada do Outeiro, por comprar directamente à GALP, tivesse 20% de desconto. Isto estaria em consonância com o tal custo marginal de 4,5 ç/kwh de venda na OMEL - mas ainda muito acima do preço nos EUA. Será por lá não haver a GALP controlar os preços do gás? :-)
Ah, o custo marginal de 4,0 ç/kwh está on-line na OMI. Aliás, o que lá está neste preciso momento até é só 3,83 ç/kwh...!
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Acabei de perceber a razão da discrepância entre o custo de investimento das eólicas obtido das estatísticas do Departamento de Energia (DOE) dos EUA de Março passado, e as que eu tinha de Portugal (2007): é que estas estavam desactualizadas. Em 2008 houve uma subida dos preços das turbinas no mercado mundial! Além disso, subestimei os custos de Operação & Manutenção das eólicas que, segundo a EWEA, são das ordem de 1.2-1.5 ç/kwh, dos quais apenas 60% respeitam às turbinas - o restante é sobretudo para a renda dos terrenos, que eu negligenciara. Corrijo, pois, os cálculos em conformidade. Aliás, noto que a DOE aponta a alta generalizada dos preços das matérias-primas e do crédito para justificar, também, o alto custo actual de construção das nucleares, ainda assim as que produzem a energia mais barata num cenário sem CO2 e, portanto, sem carvão poluente...

quarta-feira, setembro 23, 2009

Uma consultoria grátis

Toda a gente sabe que as faíscas da trovoada preferem as estruturas altas e metálicas para cair.
É o caso, por exemplo, das torres metálicas das linhas eléctricas de Muito Alta Tensão.
E é o caso, também, das altíssimas turbinas eólicas.
Aqui nesta foto pode-se ver o estado de destruição em que ficou uma turbina instalada em Portugal, com uma faísca que lhe caiu em cima, há dias. Um prejuízo de talvez meio milhão de €...!Claro que a tecnologia tem soluções para proteger as turbinas destes acidentes, embora por todo o mundo se verifique uma elevada taxa de destruição de turbinas eólicas pela trovoada.
Aqui no documento deste link encontra-se informação detalhada sobre o problema.
Infelizmente, as soluções devem ser previstas antes da compra e instalação das turbinas.
Ou seja, mesmo até só para usar turbinas importadas, é preciso saber comprar!
Eis os conselhos essenciais dados pelo documento que linkei:

It is incumbent upon the turbine buyer to demand lightning protection to Class 1 of IEC 61024 from candidate vendors. When purchasing a turbine, the smart shopper should, especially for high-risk sites, insist on good lightning protection in the following forms:

  • An explanation of how the manufacturer meets IEC 61024 lightning protection
  • Blade lightning strike-down conductors with receptors as close as possible to both sides of the tip
  • More than one receptor if necessary for turbine blades over 25 m (82 ft) in length
  • Fiber optic to uncouple base to tower-top control communication
  • Multiple-level surge protection or fiber-optic links for site-wide communication systems
  • Good protection from turbine vendor
  • Good bonding and shielding of all control/sensor cabling
  • Good surge protection and ground reference between the generator, transformer, and power collection system
  • Good safety protection for operators and site personnel.

terça-feira, setembro 22, 2009

As ovelhas negras de Copenhague

Talvez quem tenha lido o meu post anterior tenha ficado surpreendido pelo que contei sobre a China e a Índia relativamente às medidas de desenvolvimento tecnológico e industrial para as energias renováveis que aqueles países encetaram desde Kyoto - que, no entanto e inteligentemente, não subscreveram.
Dizia eu lá ontem que era provável que a China aparecesse agora em Copenhague a defender a descarbonização das economias. E hoje aí está!

Quem vai arrastar os pés são os EUA e o Terceiro-Mundo, sobretudo o do Hemisfério Sul.

O Terceiro-Mundo do Sul porque acha que esse problema não é nada com ele. Talvez estejam dispostos a ouvir falar do assunto, se houver dinheiro na mesa... e nisso vão ter o apoio activo - e fatal, para um possível acordo global - dos ecotópicos, os ecologistas que só são pela descarbonização porque são sim anti-globalização e anti-indústrialização.

Os EUA porque perderam a maior parte do tempo decorrido desde Kyoto a não fazer nada quanto ao assunto, com o negacionismo de Bush. E, mesmo agora, ainda estão a encetar os debates, com os ecotópicos na ofensiva e os realistas ainda muito atrasados - veja-se esta notícia do dia, sobre as primeiras experiências no terreno e a oposição que suscitam, da tecnologia de captura do CO2 das centrais a carvão, uma tecnologia absolutamente necessária e inevitável!
Os EUA hão-de também acabar por aderir ao esforço mundial, mas não vão de certeza liderá-lo nos próximos anos, como o desejava o Presidente Obama.

Com grande probablidade, quem vai liderar o processo nos próximos anos é a China, cuja capacidade industrial e ambição estratégica de liderança mundial não encontram nada que se lhe compare a Ocidente!

Talvez o Japão, a Coreia e a Índia lhe façam frente.
Mas, de uma forma ou de outra, o vento sopra do Oriente!

segunda-feira, setembro 21, 2009

Clusters industrais nas renováveis: 23 mil empregos, ou a fraude portuguesa do século? Parte I - eólicas

Recentemente, o Ministro da Economia em acumulação de funções anunciou um plano de aposta nas energias renováveis que implicaria a criação de 23 mil empregos e 15,5 biliões de euros de investimento (uso o termo "bilião" de acordo com a prática americana a que os investigadores estão habituados, ou seja, mil milhões). O plano estará em execução há já 2 anos e é para continuar por mais 6 e pressupõe, naturalmente, que o PS ganhe as próximas eleições.

Para se ter uma noção da enormidade deste investimento, vale a pena recordar que a Caixa Geral de Depósitos teve de injectar no "caso BPN" 2,55 biliões e que este valor é mais de metade do capital da própria CGD, mas que o investimento anunciado é mais de 5 vezes o do BPN!

15,5 biliões de euros é o dobro do orçamento do TGV, é quanto custam 6 centrais nucleares ou 5 a carvão com captura do CO2 de 1200 MW cada uma, muito mais do que o consumo português é capaz de encaixar! (e a propósito, o buraco do caso BPN também dava para pagar uma boa central nuclear!...)

15,5 biliões de euros são 10% do PIB de Portugal, é o valor do (insustentável) défice externo português de um ano inteiro, que levará o país à falência em meia dúzia de anos, se continuar!

A enormidade do investimento anunciado e as implicações que ele terá para o futuro nacional tornam irrecusável o imperativo ético de trazer á discussão pública a bondade da sua decisão. Um contributo para essa discussão, até aqui ausente do palco mediático (salvo posições pontuais do antigo Ministro da Indústria dos Governos de Cavaco, o Mestre Eng.º Mira Amaral), é o que procurarei dar no que escrevo de seguida e que será um texto longo. Vou, por isso, escrevê-lo por partes, que irei postando à medida que o tempo mo permita.

Nesta parte I, o meu objectivo é mostrar como as tecnologias da energia eólica levam tempo a dominar, como é preciso ter estratégias nacionais para atingir esse domínio, que problemas técnicos e que valor acrescentado existe no fabrico de instalações eólicas e, finalmente, como o que Portugal tem feito na matéria peca por um terceiro-mundismo sem qualquer sustentabilidade.

  • Evolução histórica e contexto mundial da indústria de turbinas eólicas

As turbinas eólicas e as instalações de energia solar são produtos de alta tecnologia, não são calçado ou texteis! Se fossem tecnologias simples, há muito que teriam sido comercializadas!

A ideia de usar geradores eólicos para produzir energia eléctrica não é nova. De facto, os primeiros foram construídos mal a electricidade começou a ser comercializada, há 120 anos, e há 75 anos eram vulgares para alimentar quintas isoladas onde as redes eléctricas ainda não haviam chegado e quando os motores Diesel ainda eram caros. Na época usavam-se torres de aço articuladas, como nos postes das linhas de Muito Alta Tensão da REN, e chegaram a construir-se geradores a vento de 100 kw, na antiga URSS (1931), na Escócia (1954) e pela EDF francesa (anos 50)[à esquerda: aerogerador de 3 kw usado em quintas isoladas, nos anos 70, suficiente para alimentar uma habitação quando ainda não havia máquinas de lavar loiça nem ar condicionado].

Porém, a energia produzida por estas máquinas era muito pouca para o que custavam e, por isso, logo que as redes eléctricas chegaram aos locais isolados onde eram usadas, foram abandonadas. A energia proveniente das barragens e das centrais termoeléctricas era muito mais barata, e até a produzida por grupos Diesel, além destes terem uma instalação muito mais flexível!

Mas a Investigação & Desenvolvimento (I&D) de aerogeradores continuou, e não será de espantar que a Dinamarca, hoje a campeã mundial do consumo de energia eólica, tivesse nos anos 60 construído uma turbina de 200 kw (Gedser) com muitos dos avanços que viriam a equipar as turbinas de hoje [à esquerda, repare-se nas pás da hélice, semelhantes às dos moinhos de vento]. Porém, esta turbina era economicamente inviável, por se estar num tempo de petróleo barato. Mas vale a pena notar que o gosto dinamarquês pela energia eólica já vinha dos anos 20 do século XX...

Na mesma década de 60, há 45 anos, também a Alemanha (que não será por acaso é hoje o maior produtor e líder tecnológico mundial de turbinas) construíu vários avançados protótipos (para a época), indo com isso encontrando difíceis problemas mecânicos e engenhosas soluções para os mesmos. Uma dessas turbinas chegou mesmo a conseguir funcionar meio ano antes de avariar, graças a avanços fundamentais na construção mecânica parecidos com os que viriam a existir nas articulações das pás das hélices dos helicópteros [à direita, turbina Hutter alemã de há 45 anos: as pás das hélices já eram em fibra de vidro e plástico!..].

O maior dos engenheiros desta I&D alemã foi o Dr. Ing. austríaco Ulrich Hutter, que juntava o rigor matemático e a preparação teórica à capacidade experimental industrial, à boa maneira germânica, e que trabalhou no tema desde o seu Mestrado em 1942, com vários protótipos construídos nesses anos e nos anos 50. Hutter era especialista em aeronáutica, e durante a Guerra trabalhou no projecto de bombardeiros tácticos de mergulho para a Lwftwaffe, embora este projecto nunca tenha passado à produção...

Enquanto a Dinamarca e a Alemanha continuaram a aperfeiçoar continuamente os seus aerogeradores depois dos anos 60, o maior investimento de I&D em turbinas eólicas ocorreu nos EUA a seguir ao choque petrolífero de 1973, e foi financiado directamente pelo Governo americano. Mas, como aconteceu repetidamente na História, este projecto de I&D dirigido por um Governo falhou, devido à má política na sua orientação.

O projecto procurou copiar os resultados teóricos e experimentais do Dr-Ing. Ulrich Hutter, mas copiou mal, não reparando em pormenores mecânicos essenciais e acabando por gastar vários anos (e muito dinheiro) a acumular fracassos (no fundo, repetindo as experiências que os alemães tinham feito 30 anos antes), até aprenderem finalmente porque é que no projecto alemão havia certos pormenores à primeira vista inúteis - só que nessa altura o Congresso deu o projecto por terminado e cortou-lhe os financiamentos, reduzindo a duração das investigações dos necessários 8 anos para 4!

Entretanto, a Califórnia decidiu subsidiar a energia eólica com descontos nas tarifas nos anos 80 e encheu-se de wind farms, com pequenas turbinas de 50-100 kw que chegaram a somar 1700 MW; mas, devido ao fracasso da I&D americana e à política económica liberal de Reagan, assim como a uma má política de subsidiação em que os decisores políticos confundiam potência instalada com energia gerável (como cá...), o mercado acabou por ser ocupado pelos europeus, com 50% dele só para a Dinamarca. A tecnologia dinamarquesa não era brilhante mas era relativamente robusta e conseguira certificações de fiabilidade em que as americanas falhavam, embora os ventos fortes da Califórnia tenham acabado por avariar todas as turbinas, impondo custos de manutenção enormes, até que ao ver que elas não promoviam a indústria americana os Governos acabaram com as tarifas subsidiadas e as wind farms foram paulatinamente desaparecendo, no início dos anos 90.

Ao mesmo tempo, os preços muito mais altos da energia eléctrica na Europa Ocidental permitiram que a Dinamarca e a Alemanha continuassem paulatinamente o aperfeiçoamento das suas turbinas, até que nos anos 90 uma nova tecnologia fez o seu aparecimento nas turbinas eólicas, facilitanto em muito o seu controlo aerodinâmico e aumentando grandemente o seu rendimento e, por conseguinte, a sua viabilidade económica: a electrónica de energia.

Entretanto, a União Europeia começara a preparar desde 1990 o protocolo de Kyoto que viria a ser aprovado em 1997, o qual muito promoveu politicamente as energias renováveis e, com tudo isto, ao longo da década seguinte (a actual) a potência nominal das turbinas dinamarquesas e alemãs, em competição, foi crescendo de 50 para 100 kw, depois 200, depois 500, depois 1000, 1500, até se chegar aos 2000 (2 MW), 2.5 MW e aos 5 e 6 MW, ao mesmo tempo que o seu custo por kw descia.

Pelo seu lado, e também em meados dos anos 90, os EUA absorveram o know-how europeu por processos discutíveis (espionagem) como já narrei neste blog, e as soluções técnicas tornaram-se comuns e universais desde então, com a disputa ainda em curso entre duas opções: "geração síncrona com conversão de frequência", de patente disputada entre a Enercon alemã e a GE americana, e "geração assíncrona duplamente alimentada" usada por todos os outros fabricantes, com especial relevo para a líder de mercado dinamarquesa Vestas. Estes três fabricantes são os maiores do mundo juntamente com a espanhola Gamesa, adiante historiada.

Na presente década, pois, e como fruto por um lado de quase 70 anos acumulados de I&D, na Dinamarca e sobretudo na Alemanha, e do protocolo de Kyoto por outro lado, assistiu-se a uma verdadeira explosão da instalação de turbinas eólicas, com natural primazia para a Dinamarca e a Alemanha, mas também para Espanha.

A evolução da tecnologia de energia eólica em Espanha é particularmente instrutiva, dado que aquele país não participara na história do seu desenvolvimento tecnológico que resumi.
O seu principal fabricante, a basca Gamesa, foi fundada em 1976 como empresa essencialmente metalúrgica mas com o objectivo de explorar tecnologias emergentes, como a microeléctrónica, os materiais compósitos e a aeronáutica. Em 1993 produzia para a indústria aeronáutica asas, peças de fuselagem e partes de motores de avião e, praticamente ao mesmo tempo (1994), constituiu um ramo para a produção de turbinas eólicas, que é hoje em dia a sua principal aposta e cuja I&D ocupa, só por si, 600 investigadores. Sendo o terceiro fabricante mundial de turbinas, emprega mais de 7 mil trabalhadores e já instalou fábricas de montagem nos dois países cujo mercado está em maior crescimento: EUA e China. Vale a pena notar que, partindo de uma base tecnológica já de si favorável, a Gamesa, seguida por outros fabricantes espanhóis de turbinas eólicas (que no conjunto empregam cerca de 21 mil pessoas), se iniciaram na produção de turbinas com tecnologia própria na primeira metade dos anos 90, bem antes do protocolo de Kyoto mas quando as negociações internacionais climáticas de iniciativa europeia já permitiam antever o que aí viria - desde que se tivesse visão, claro...

Outro grande fabricante mundial actual que entrou no mercado mais ou menos na mesma altura (anos 90) foi a indiana Suzlon, cujo volume de vendas é 2/3 do da Gamesa, que ocupa a 5ª posição mundial como fabricante na pégada dos anteriores, e cuja história também é instrutiva.

Na Índia a energia eléctrica é cara e de má qualidade, o que torna economicamente viável a produção eólica mesmo sem subsídios, desde que o preço do barril de petróleo esteja acima dos 40 USD - embora o carvão seja a fonte de energia primária de 85% da electricidade indiana, complementada por nuclear.
Os fundadores da Suzlon foram o Sr. Tanti e os seus irmãos que, sendo empresários texteis, começaram por comprar uma turbina eólica alemã de que tinham de fazer a manutenção, acabando por decidir abandonar os texteis e fabricar turbinas dessas a partir de 1995. Beneficiando do enorme mercado interno e mais tarde do chinês, viriam a aproveitar o boom da actual década, em que a potência mundial instalada de origem eólica tem duplicado cada três anos!
Porém, a tecnologia indiana é relativamente fraca, com frequentes fracturas das pás das turbinas exportadas para os EUA (sempre o mesmo velho problema...) e, por isso, a empresa tem recorrido fortemente à contratação de especialistas europeus, tendo sediado importantes centros de I&D na Bélgica, Holanda e Alemanha (Hamburgo), cujos resultados são depois endogeneizados na Índia.
Nesta sábia estratégia de "se não podes criar a tecnologia nem espiá-la, compra empresas que a tenham", o passo mais importante da Suzlon foi a compra da REpower alemã à Areva francesa.
A REpower é um fabricante de porte comparativamente pequeno mas que domina a tecnologia da aerodinâmica e materiais das pás das grandes turbinas, fabricando das maiores que existem. Enquanto investimento, a REpower era também uma aposta da francesa Areva (cuja actividade central é a indústria nuclear) mas, perante a determinação da Suzlon, a Areva aceitou vender os seus 30% da REpower à Suzlon. (Nota: esta história sobre a disputa da Suzlon com a Areva pela compra da REpower tinha vários erros na versão inicial, que foram corrigidos em 7/10/09 - nomeadamente, a Areva nada tem a ver com a Alstom, embora se fale numa fusão entre ambas).
Porém, dado o capital envolvido, a Suzlon estabeleceu uma parceria para essa compra, realizada em 2007, com a... portuguesa Martifer! Mas a lei alemã exige a posse completa de uma empresa para se lhe poder aceder à tecnologia e, por isso, um ano depois a Suzlon comprou à Martifer a parte desta. A Martifer, que explorou a disputa de oferta de preços entre a Areva e a Suzlon, realizou, assim, um negócio financeiro espertinho e nem deve ter chegado a perceber o objectivo estratégico industrial da Suzlon, embora esta vá dizendo (como sempre se diz nestas compras, de início, para não afugentar clientes nem colaboradores-chave), que não vai interferir na gestão da REpower nem tirar-lhe a tecnologia...

Turbinas de 6 MW da REpower e da Enercon alemãs. Note-se o homem minúsculo entre as duas primeiras turbinas...

A estratégia da Suzlon é admirável porquanto, como é sabido, quando da emergência de uma nova tecnologia de grande valor comercial, a expansão comercial como função da tecnologia obedece a uma "curva em S". Presentemente nas turbinas eólicas está-se na fase intermédia de forte subida do "S" e, nestas condições, qualquer concorrente que ofereça algo que funcione consegue manter-se no mercado (como sucedeu na época do boom da informática dos PC na década de 90). Mas, fatalmente, o mercado há-de chegar à zona superior estabilizada do "S" e, nessa altura, só os concorrentes com fortes vantagens tecnológicas de produto ou de produção conseguirão manter-se. A aposta da Suzlon de compra de tecnologia europeia manifesta, pois, que está nisto para ficar!

Finalmente merece referência a história da tecnologia chinesa, de que dois fabricantes estão já na lista das "10 maiores", depois das anteriormente referidas. E merece referência para se entender como funciona o mercado e a indústria no país que tem o mais rápido desenvolvimento do mundo e 1/5 da população deste, cujo Partido Comunista no poder definiu "a rota capitalista para o socialismo".

A estratégia da China para a energia eólica começou com a sua inclusão no plano quinquenal do Partido para o desenvolvimento do país, originando directamente a criação da Goldwind Science & Technology em 1998, na sequência de Kyoto e já com uns anos de atraso relativamente às concorrentes estrangeiras.

Ao fim de um ano a empresa maioritariamente estatal Goldwing tinha um protótipo pronto, e com mais três (2002) iniciava a produção em massa, mudando a séde para Xangai e tendo obtido autorização do Partido para prosseguir os seus desenvolvimentos tecnológicos em obediência às directivas do 10º Plano Quinquenal. Em 2006 detinha 1/3 do mercado chinês, onde liderava, e ascendia à posição de 10º fabricante mundial de turbinas, ...atingindo a liderança mundial neste ano de 2009!!!

O crescimento da geração eólica, promovido por uma directiva do Partido para que 10% da energia proveniente das duas novas centrais a carvão lá construídas por semana seja compensada por fontes renováveis, assim como tarifas subsidiadas (10% acima das usuais), tem sido tão rápido que se estima que mais de 1/4 das turbinas eólicas montadas estejam paradas por falta de ligação à rede eléctrica, que muitas delas tenham sido montadas em locais sem vento, e que a intermitência deste coloque sérios problemas à gestão das redes eléctricas (problemas típicos do planeamento centralizado burocrático )! De qualquer modo, dos fabricantes estrangeiros, o que tem maior penetração na China (aliás como na Índia) é, de forma esmagadoramente dominante (37% do mercado, mais de metade da quota de importação), a dinamarquesa Vestas, ainda líder mundial. A Alemanha ocupa 14% do mercado chinês, mas a Espanha também consegue 5,5% desse gigantesco mercado!...

A qualidade das turbinas chinesas é fraca (muitas partem as pás e o eixo ao fim de poucas semanas - sempre o mesmo velho problema...), e a China ainda não exporta turbinas. Mas a lei chinesa requer que 70% do valor das turbinas instaladas seja de fabrico nacional, o que tem obrigado os exportadores estrangeiros a abrirem fábricas lá. Considerando a prática tradicional chinesa de usarem isso para aprender a tecnologia estrangeira e depois passarem a usá-la nas suas próprias produções, vale a pena notar que o custo de produção das turbinas chinesas é de apenas 70% do das estrangeiras, o que permite antever uma séria ameaça aos actuais líderes europeus no que respeita, pelo menos, ao mercado chinês.

É também de notar que a reacção chinesa ao protocolo de Kyoto foi a de o não subscrever mas iniciar de imediato o desenvolvimento da base industrial para o cumprir! É muito provável, pois, que 12 anos depois de Kyoto, em Dezembro próximo em Copenhague, a China reapareça agora a defender a descarbonização das economias (até porque a estratégia que aplicou no vento também a aplicou no carvão, no solar, etc).

Como ficará claro adiante, a estratégia chinesa desde Kyoto foi exactamente a oposta da portuguesa.

  • Chaves tecnológicas e valores acrescentados na construção de turbinas eólicas

Quanto maior for uma turbina eólica, mais potência pode gerar. Por um lado, esta potência aumenta com o quadrado da área varrida pela hélice (pás de 44,7 metros geram 5 vezes a potência de pás de 20 metros), e por outro lado quanto mais alta for a turbina mais vento apanha (o vento é mais forte nas alturas). Ora a potência que se pode tirar do vento aumenta com o cubo da sua velocidade (de um vento a 38 km/h tira-se o dobro da potência que se tira de um vento a 30 km/h), e como quanto mais alta for a turbina maiores poderão ser também as pás da sua hélice, facimente se percebe o interesse em ter turbinas altas e com grandes pás de hélice.

Duplicar as dimensões das pás de uma turbina e triplicar a altura da sua torre pode, como ordem de grandeza, aumentar 8 vezes a sua potência (dependendo das zonas).

Infelizmente, o aumento das dimensões das pás e da torre de uma turbina também lhe aumenta o peso, e sobretudo os esforços mecânicos a que as pás, o seu eixo, e a torre são submetidos. Pás de hélice como as fotografadas aqui, fazendo uma rotação completa cada 3 segundos, podem atingir nas extremidades velocidades de 300 km/h! As forças a que as pás são sujeitas são enormes!

Porém, um dos maiores problema dessas forças é que elas são diferentes quando a pá da hélice passa ao alto e passa em baixo, por causa da diferença de velocidades do vento com as alturas. Isso sujeita as pás e o seu eixo a torsões cíclicas que tendem, com o tempo, a "fatigá-los" e a acabar por os partir. O uso de 3 pás em vez de apenas duas (como se usaram inicialmente - vd fotos acima das turbinas Hutter) é uma das soluções para reduzir esses esforços no que respeita ao eixo.

Outro problema é que a rotação das turbinas cria inércia giroscópica (a mesma que explica porque as bicicletas não caiem quando em movimento), o que acarreta que para reorientar o eixo de uma turbina de modo a que ele se alinhe com o vento, quando este muda de direcção, são precisas forças enormes que também tendem a "fatigar" e partir o eixo e os encaixes das pás.

Além dos problemas indicados, as pás devem ter uma forma que optimize a energia que são capazes de extrair do vento e devem ser leves, mas rígidas. Trata-se de um tipo de problemas comum no projecto de aviões e, por isso, não é de admirar que os especialistas iniciais do assunto (como Hutter) e algumas das indústrias associadas (como a Gamesa) fossem especialistas em aeronáutica, embora os aerogeradores tenham problemas específicos diferentes dos dos aviões. Mas, também nos aviões, foi preciso tempo para que dos leves biplanos e triplanos da Grande Guerra se passasse aos monoplanos da Guerra Mundial e aos jactos com asas de geometria variável actuais...

O fabrico das pás das hélices e o crescimento do seu tamanho ocorrido na última década está fortemente associado ao uso de novos materiais e às respectivas técnicas de fabricação. Basicamente feitas de plásticos (polímeros) reforçados com fibra de vidro laminada, são em regra endurecidas com resinas epox cujo vazamento tem de ser perfeitamente homogéneo, e há uma tendência recente para o emprego de fibras de carbono. As soluções variam com os fabricantes e estão em permanente evolução, e é óbvio que a estrutura das enormes pás das hélices (desejavelmente leves mas muito rígidas e resistentes) é o problema técnico mais difícil das turbinas eólicas.

Uma outra tecnologia chave é a do controlo da electrónica de energia das modernas turbinas. Se até há poucos anos esse controlo procurava apenas extrair o máximo de energia do vento permitindo, por exemplo, que a velocidade de rotação da hélice acompanhe a velocidade do vento até certo ponto, o que muito aumenta o rendimento da turbina, à medida que a quantidade de potência eólica instalada começou a tornar-se importante, as redes eléctricas a que elas se ligam começaram a exigir que as turbinas conseguissem suportar as perturbações que sempre existem nessas redes, e que as características da potência a que operam fossem controláveis, como nas centrais convencionais.

As soluções para estas exigências de qualidade passam pela adaptação quer dos algoritmos de controlo, quer pela própria electrónica de energia que equipa as turbinas modernas, e são um dos pontos de forte competição actual entre os fabricantes, com algumas tecnologias a poderem mais facilmente que outras cumprir estas exigências de qualidade. É particularmente instrutivo verificar que, nesta qualificação das turbinas eólicas, existe uma clara colaboração entre as autoridades públicas, as empresas de electicidade responsáveis pelas redes dos países onde a indústria de turbinas é forte, e esta indústria, quer pela colaboração atempada com os fabricantes nacionais, quer por a exigência de funcionamentos de qualidade ser uma forma de barrar mercados a concorrentes estrangeiros eventualmente mais baratos mas menos qualificados, sobretudo quando se traduz em normas com força legal. Ora, é ilustrativo verificar que, nesta matéria, Portugal está completamente a Leste do que está a acontecer no mundo, como já manifestei neste blog!...

Finalmente, e após ter procurado dar uma ideia das dificuldades tecnológicas associadas à produção de energia eólica (consumir tecnologia é fácil, mas não é isso que torna alguém evoluído), penso merecer ainda uma menção o valor que poderá ter a simples fabricação ou montagem de turbinas projectadas por outrem, e com processos de fabrico (nomeadamente nas componentes críticas) também projectados por outrem.

O custo das partes de uma turbina eólica moderna somado fornece o custo da sua produção (70%), mas a que se soma ainda o do seu transporte e instalação no terreno (30%).

Nestas partes de uma turbina, as pás e o respectivo eixo rotativo de suporte valem perto de 30%, a torre e mecanismos de posicionamento da barquinha superior 20%, e os restantes 50% são pelo conjunto do gerador+electrónica de energia+caixa de velocidades (caso exista). Obviamente que o projecto da turbina é integrado e é a chave da sua viabilidade, mas do ponto de vista da simples fabricação, projecto áparte, é esta a divisão principal de custos.
Destas partes, as que incorporam maior volume de trabalho operário são a fabricação das pás das hélices e a electrificação do gerador e partes associadas (ligação de cabos), que o documento acima linkado estima em 15% do respectivo custo total.

  • As opções feitas por Portugal: modernismo, ou incompetência e fraude?

Todo o trabalho de I&D nas tecnologias de turbinas eólicas que conduziu, ao fim de 70 anos, à maturidade que a geração eólica tinha atingido por volta de 1994, passou ao largo de Portugal.

Portugal acordou para a energia eólica no Governo de Guterres, em 2001, com o Prof. Oliveira Fernandes da FEUP, mas acordou apenas... como consumidor! E nisto é que, de facto, fomos pioneiros e somos líderes mundiais.

De facto, todos os outros países, sem excepção, que apostaram na instalação e consumo de energia eólica tinham previamente desenvolvido uma indústria de turbinas com tecnologia própria, como historiei, e os que não tinham ou têm essa indústria e tecnologia nacionais têm continuado no grosso do pelotão, tentando ficar o mais possível na reactaguarda sem dar nas vistas - como é o caso da Suécia, Noruega, Finlândia, Bélgica, Holanda, Polónia, Bulgária, Roménia, República checa, Eslováquia, Itália, Suiça ou França! E isto para só falar da Europa, a campeã de kyoto e das renováveis...!

Os casos mais paradigmáticos de como se atrasou a adesão ao consumo de energia eólica para dar tempo primeiro ao desenvolvimento interno de tecnologia própria e indústria nacionais de turbinas foram, sem dúvida, a China e os EUA, como historiei, e cuja abertura às importações visa pressionar os actores nacionais para a evolução tecnológica, mas sem que percam o controlo sobre os respectivos mercados. Além da China que, como mostrei, exige 70% de incorporação chinesa nas turbinas instaladas (começou por só exigir 57%...), também os EUA dão incentivos na forma de créditos fiscais à fabricação feita no seu país. Nenhum país, repito, nenhum excepto Portugal, permitiu a inundação do seu mercado de geração de electricidade por equipamentos importados de energia renovável subsidiada sem criação de qualquer emprego industrial no país!

De 2001 até ao presente (2009), e sobretudo desde 2003, a importação e instalação de turbinas eólicas foi fulgurante. Em Junho passado estavam instalados 3335 MW de turbinas eólicas, e até ao final do ano a DGEG espera ter a instalação de um total de 3800 MW, 3/4 de todo o potencial eólico nacional, num investimento que se pode estimar em 4,2 biliões de €, dos quais uns 3 em equipamento importado e o restante em trabalhos de instalação - sem mencionar os investimentos que a EDP e a REN tiveram de fazer para ampliar as redes de forma a integrar essa energia! Estavam também já licenciados, em Junho, mais 442 MW, o que totaliza mais de 80% do potencial eólico português!

Ou seja, o mercado nacional para turbinas eólicas aproxima-se muito rapidamente do esgotamento. Que empregos, portanto, poderão vir a ser agora criados pela energia eólica em Portugal?

Ora foi só em 2006 que o Governo português sentiu a incomodidade de promover a forte subsidiação da indústria estrangeira de turbinas eólicas - facto único no mundo! - sem qualquer criação de riqueza no país e começou a falar na criação de um "cluster eólico". Já a importação e instalação de turbinas estrangeiras levava 5 anos! Verdade seja dita que, mesmo assim, foi preciso chegar ao Governo actual para que a vergonha da situação fosse sentida mas, infelizmente, rapidamente se passou à pura propaganda mistificadora.

As promessa de milhares e milhare de empregos soam por todo o lado, mas o prometido "cluster eólico" teve a primeira fábrica a operar apenas no fim de 2008, e com apenas 800 operários não-qualificados. A EFACEC assegura a electrificação dos geradores nas barquinhas e dos parques eólicos à rede mas, obviamente, isso é uma actividade não-exportável que se esgotará quando se esgotar a total ocupação do potencial eólico nacional, muito em breve.

O projecto do "cluster eólico" baseia-se num investimento liderado pela Enercon, o fabricante alemão preferido pelos decisores dos concursos públicos concessionários dos "pontos de ligação" à rede das eólicas, cobre em princípio todas as fases da fabricação e anuncia que, quando completo, empregará 1800 pessoas (na região de Viana do Castelo) e terá comportado um investimento directo estrangeiro de 0,1 biliões de € (2% do investimento nacional total na energia eólica). Há ainda e finalmente a generosa dádiva de 35 milhões de € a Portugal para que este comece a investir na tecnologia eólica (sob tutela de um "fundo" cuja Administração foi nomeada pelo Governo, e já só em 2009)...

A questão que se coloca é como se poderá sustentar tal "cluster industrial", uma vez esgotado (em breve) o mercado nacional, que apenas acrescente o valor da mão de obra nas partes cujo fabrico não pode ser robotizado e que, segundo o documento linkado acima, não constituirá mais de 15-20% do valor da turbina, considerando que:

  1. Como Portugal não tem qualquer know-how no assunto, está completamente dependente da Enercon;
  2. Os custos de transporte das turbinas eólicas é tremendo, dada a sua dimensão, o que recomenda fortemente a fabricação local nos mercados de exportação;
  3. Os maiores mercados emergentes, os dos EUA e da China, subsidiam ou impõem a fabricação local, o que se soma à redução dos custos de transporte;
  4. Os mercados próximos, europeus, ou estão perto do esgotamento, ou protegem os seus fabricantes nacionais.

De tudo o que foi exposto, não se vislumbram razões para acreditar que estas fábricas sobrevivam ao esgotamento do mercado nacional das eólicas. Não têm condições de sobrevivência. Não se trata de uma indústria como a de automóveis da Auto-Europa onde existe um mercado relativamente estável; o mercado destas fábricas é um mercado em explosão, mas que na Europa está já quase esgotado. Que ficará praticamente esgotado em Portugal muito em breve.

Na verdade, face aos 4 bilões de € totais que terão rendido aos fabricantes estrangeiros o investimento português em energia eólica, gastar 2,7% disso numa acção de promoção política pedida pelo governo português para fazer umas fábricas que são para fechar poucos anos depois, não parece grande comissão.