terça-feira, janeiro 25, 2011

Não é só cá!

No post em que publiquei uma reflexão feita para a EFACEC há 14 anos, mencionava o conteúdo esforçado dos doutoramentos americanos, com uma forte componente curricular e uma Tese cuja preparação exigia aproveitamento com "A" nas disciplinas precedentes, e comparava isso com o facilistimo dos nossos doutoramentos da altura, e com os actuais.
Um leitor irado escreveu-me a dizer que agora já havia muitas Universidades americanas que ficavam satisfeitas com "B" nas disciplinas de doutoramento. E provavelmente tem razão!...
Numa interessante entrevista, o Prof. S. Sachdev, uma das figuras internacionais mais proeminentes de uma das minhas áreas de interesse e um homem suave e conciliador, narra a sua experiência como Professor numa Universidade canadiana, onde fez carreira após 20 anos de experiência na indústria. E, perguntado sobre se via diferenças entre os estudantes que tinha no início da sua vida de Professor, nos anos 70, e os dos finais dos anos 90, dizia:
"I see a tremendous difference in the Canadian students of the 1970’s and 1990’s.  In 1970, I instructed a final year class of 30 students.  About one-half of those students had a few years experience working with technologies.  Those students joined the engineering program to enhance their knowledge and understanding of engineering principles.  Those students made sure that their colleagues paid attention to the instructions; I did not have to make any effort in maintaining the discipline in the class.  After every examination, they always came to me to discuss the problems they could not handle.  They never complained about the marks they received for their answers.   In the 1990’s, maintaining discipline in the class was one additional task of the instructor.  Some students would disturb others by talking while the lecture was going on.  The average student did not have much interest in learning; they wanted to get a degree so that they would be able to land a job.  After the examination, many students wanted higher grades without understanding why their grade was not what they would have liked to see.  Of course the smart students continued to be good, thoughtful and concerned about understanding the techniques and technologies. "

Esta evolução da atitude e valores dos estudantes norte-americanos reflecte-se naturalmente no grau de exigência das Universidades, e tem por isso muito interesse o artigo hoje publicado no New York Times.
Depois de referir um outro artigo segundo o qual um estudo da Universidade da Califórnia mostrou que de 1961 para 2003 o número de horas semanais de aulas e estudo dos estudantes se reduziu de 40 para 23, o NYT cita um outro estudo recente, abrangendo dezenas de Universidades, e  que mostra que os estudantes americanos aprendem agora muito pouco nos dois primeiros anos de Universidade. Na verdade, o número médio de horas semanais de estudo é agora de... 12!
Outro investigador americano em Educação comentou estes resultados dizendo que "No work, all play, no job". E desenvolveu: "Owing to the generally weak state of K-12 schooling, most high school graduates are not accustomed to serious academic work. They enroll in college with the expectation that it will be a continuation of K-12, that is, undemanding. What most of them want is just a credential attesting to their employability, accompanied by as much fun as possible." E de seguida acusava: "Wishing to keep such “students” happy and enrolled, many schools have acquiesced in or even encouraged the faculty to lower academic standards. High grades are encouraged lest students get angry and drop out when graded on their true performance".
Parte do desemprego dos nossos licenciados tem sem dúvida raízes semelhantes.
Mas um facto que evidencia que o mercado de trabalho não se compadece com fracas preparações também se começa a notar. Um Mestre em Eng.ª Electrotécnica do IST continua a ter emprego praticamente garantido, hoje em dia, mas o ordenado de entrada anda agora frequentemente nos 800€ e raramente supera os 1000€.
Contas feitas e actualizando valores à taxa de inflacção, isto é 20 a 40% abaixo dos ordenados de entrada dos licenciados de há 15 anos...

domingo, janeiro 16, 2011

PISA chinesa, Confúcio e estratégia energética

Como se sabe, recentemente o país rejubilou com a melhoria das classificações obtidas pelos nossos adolescentes nos testes internacionais de competência em leitura, ciência e matemática, os chamados PISA.
Não foi só Portugal, porém, que melhorou os seus resultados.
Como mostro na figura anexa, todos os países "fracos" melhoraram, enquanto ao mesmo tempo houve uma (ligeira) pioria de grande parte dos países bonzinhos (mas não dos mesmos bons!).
A explicação reside nas negociações que ocorreram na preparação destes testes da OCDE, em que os países "fracos", a começar pelo representado pelo Presidente da OCDE, o México, conseguiram uma maior facilitação das perguntas "fáceis", acompanhada por um aumento correspondente da dificuldade das perguntas "difíceis". Assim, a média geral manteve-se, mas a dispersão em torno dessa média reduziu-se: os "fracos" ficaram melhor, e os "bonzinhos" ficaram pior, como assinalo na figura.
Mas o que me traz aqui não é a denúncia de (mais) esta manipulação de resultados. O que me traz aqui é um resultado que faltava nesta figura, e que eu acrescentei a verde à esquerda: o de Xangai. 600!!!...

Ora o New York Times de hoje traz um artigo de opinião sobre estes resultados, em que assinala o que há de comum entre os países/regiões que conseguiram os melhores resultados: todos, com excepção da Finlândia (China, Singapura e Coreia do Sul), têm em comum na sua tradição cultural... Confúcio. De facto, a multi-milenar reverência confucionista pela educação está profundamente radicada na cultura destes povos, e é bom lembrar que os exames foram inventados na China e que durante muitos séculos a China foi governada por uma meritocracia seleccionada por exames. A Revolução Cultural tentou eliminar os vestígios do confucionismo mas, para sorte dos chineses, falhou. Claro que o confucionismo tem as suas fraquezas, mas o que queria aqui notar é que a China não é só mão-de-obra barata - é um Estado alicerçado em 25 séculos de civilização! É como se o Ocidente ainda vivesse no Império Romano (modernizado, claro)...

Ora e isto leva-me a notar outra notícia do NYT de hoje: mais uma fábrica americana de paineís solares fechou, despedindo 800 trabalhadores, para se transferir para a China.
há um ano eu vaticinava que não havia possibilidades do Ocidente competir com a China no domínio das tecnologias de equipamentos de energias renováveis, nomeadamente a solar e a eólica, e que, portanto, a estratégia tecnico-económica óbvia para os EUA (e a Rússia) era, no plano das indústrias de bens de equipamento para a produção de energia, a aposta no nuclear, a que é muito mais difícil a países menos desenvolvidos lá chegarem.
Mas posso ter-me enganado.
Posso ter-me enganado porque também quanto à energia nuclear a China tem uma estratégia clara, sensata e que se move sem hesitações. As 25 centrais nucleares que tem presentemente em construção inserem-se numa estratégia que vê a 4ª geração destas centrais, as de neutróes rápidos e que processam o quase inesgotável Urânio 238 (e a maioria dos próprios resíduos), como a tecnologia base da sua produção energética a partir de meados deste século.
E, enquanto isso, os EUA fornecem a tecnologia de partida mas, no seu próprio território, avançam devagar, e da "Europa" nem vale a pena falar...

E para terminar, recomendo a leitura atenta deste excelente testemunho publicado no Wall Street Journal. Já há anos a Scientific American publicara um dos muitos estudos que há sobre a superioridade dos resultados dos sino-descendentes no sistema de ensino dos EUA, e onde se chega sempre à conclusão de que a causa está na atitude dos pais perante a educação dos filhos - embora dos EUA me digam que muitos americanos preferem atribuir a diferença à genética: assim, ficam desculpabilizados e não têm de mudar nada...

sábado, janeiro 15, 2011

2ªs notas de rodapé sobre "O papel da I&D no grupo EFACEC"

Há duas semanas postei um texto que escrevera para a Administração da EFACEC - Sistemas de Electrónica há 14 anos e, como o texto já era bastante longo, procurei não o aumentar com esclarecimentos adicionais. Há dias escrevi umas notas de rodapé sobre dois dos aspectos focados naquele texto, elaborado na perspectiva da indústria nacional, sobre o papel da componente curricular nos doutoramentos e sobre a alienação na produção de "papers" seguindo as modas americanas. Hoje vou discutir outras duas questões tratadas naquele texto, mas antes quero adicionar uns esclarecimentos às últimas notas de rodapé.

Tenho a consciência que as notas que escrevi não me tornam popular entre muitos dos meus colegas académicos, mas não é minha intenção menorizá-los ou de alguma forma feri-los; o sistema é como é e cada um joga o jogo conforme as suas regras. O que eu pretendo é reflectir sobre o país e em como a Ciência o pode servir, algo que não faço como académico de carreira mas como cidadão interventivo - porque a Ciência em si
e neutra, mas a forma como a usamos não é. Obviamente, se puder contribuir para que os meus colegas questionem o que andam cá a fazer pelos contribuintes que os sustentam, mesmo que suscite a sua discordância, já não será mau. Da parte deles, em particular neste momento de profunda crise nacional, é tudo o que desejo.

Relativamente à importância que atribuo a uma forte componente curricular nos programas de doutoramento americanos, a razão talvez precise de ser explicitada: é que se o doutoramento for visto, como deve ser visto, apenas como a formação escolar de uma posterior carreira de Investigação fora da própria Universidade, e que é a perspectiva em que há 14 anos escrevi o texto para a EFACEC, então é claro que o doutorado deve ser capaz de trabalhar em assuntos diferentes do tema específico em que se doutorou. Para isso precisa de ter aprendido a investigar (papel propriamente da tese), mas também de ter background para o fazer em temas diversos do dessa tese, e é esse o papel principal da formação curricular pós-graduada.
Um colega meu que se doutorou nos EUA há umas décadas e que depois trabalhou uns anos numa grande empresa americana, contava-me que era regra testarem ali a capacidade do doutorado recém-contratado pondo-o a investigar numa área muito diversa da da sua tese, a ver como ele se saía...

Relativamente à produção de papers pelos académicos, é também de esclarecer que embora existam técnicas alienadas de maximizar a sua produção, alienadas por sacrificarem tudo ao número desses papers, nem todos os académicos que produzem muitos papers o logram dessa forma. Alguns conseguem ir mudando de assunto e mesmo assim publicar inovações em todas as áreas. Um modelo exemplar de tal académico foi o Prof. Carlos Portela que já aqui homenageei. Claro que destes não há muitos e um sistema meramente quantitativo de ponderação de papers não os consegue distinguir, e claro que uma actividade de engenharia que permita defrontar problemas reais de natureza diferente estimula essa versatilidade (como acontecia com Carlos Portela). Só gente com essa competência multi-facetada corresponde à ideia popular que fora da Universidade se tem do "Professor", o sábio...!
Infelizmente a Universidade nos últimos tempos tem optado pela orientação de ponderar os papers não pela sua diversidade temática mas pelo número de citações de que são objecto, o que é mais uma aplicação mecânica das fórmulas americanas: nunca em tecnologia haverá muitas citações a um trabalho verdadeiramente inovador feito integralmente em Portugal num tema importante (como sucederá se tiver resultado de um projecto feito com empresas nacionais), pelo simples facto de ser feito em Portugal! É como nos produtos comerciais: a "marca Portugal" é um handicap...

   1. A importância da ligação dos projectos académicos de I&D às empresas e à sociedade em geral

No texto escrito para a EFACEC afirmava a importância da ligação da Universidade às empresas, e exemplificava com o bom resultado de anteriores projectos de I&D feitos no âmbito de contratos entre a Universidade e uma empresa, concretamente a EDP; bom resultado em termos da utilidade posterior das pessoas ali formadas para a indústria. Esta é uma questão chave para que a I&D realizada por académicos - professores e formandos - possa fertilizar o desenvolvimento económico nacional, sobretudo se, como acontece por cá, a pós-graduação for pobre em componente curricular e na versatilidade que esta proporciona.

Para começar, importa que essa ligação Universidade-empresas se materialize em projectos de I&D contratados entre a Universidade e empresas. Os projectos devem ser suscitados por problemas empresariais e traduzir-se em Investigação associada à produção de Teses de pós-graduação, que é como na Universidade de faz a I&D, ligando-a sempre à formação.
Porém, uma perversão comum deste conceito é a interacção entre a Universidade e as empresas ser gerida por cúpulas institucionais desde o início, o que fatalmente redunda em contratos feitos por conveniência política, quase sempre por empresas monopolistas de produtos não-transaccionáveis, a quem os custos incorridos são indiferentes ou dedutíveis nos impostos (portanto pagos pelo contribuinte) e onde as nomeações das Administrações dependem do poder político.
Os resultados de tais projectos, geralmente apenas umas folhas de papel impresso, vão fatalmente para umas gavetas onde ficam a ganhar pó. Podem ser bons para as estatísticas (de parte a parte), podem trazer dinheiro à Universidade e publicidade às empresas, mas o seu resultado para o que me traz aqui, o desenvolvimento do país, é zero! Ou negativo, dado que alguém terá sempre de pagar os custos incorridos, e nunca será nenhuma das partes envolvidas nestes arranjos!
Os projectos devem, por isso, ser definidos por operacionais - os directores técnicos que nas empresas têm a responsabilidade tecnológica, e os professores universitários que irão gerir a I&D correspondente.
Claro que é essencial apoio superior a essa interacção, de ambos os lados (já aqui voltarei), mas têm de ser os operacionais a definir os projectos, e essa definição tem de ser interactiva, ela própria feita por aproximações sucessivas.
Por um lado porque muitas vezes os técnicos das empresas não têm uma ideia clara das alternativas tecnológicas, ou pelo contrário presumem que a têm e querem apenas usar os recursos humanos da Universidade como extensão dos que lhes faltam na empresa ("mão de obra barata"), e por outro lado porque frequentemente os académicos querem impingir um resultado qualquer que já desenvolveram e que pouca relação tem com os problemas da empresa, ou pelo contrário não têm recursos para responder às solicitações da empresa, seja mão-de-obra (formandos), seja conhecimentos, e comprometem-se com o que não podem realizar (para "sacar dinheiro"), .
Chegar a uma boa definição do que se pode e deve fazer num projecto de I&D Universidade-empresas implica acertar nisto tudo, e por isso frequentemente uma das partes, senão ambas, sai frustrada com os resultados - geralmente a parte empresarial, razão por que muitas empresas vêm tais parcerias como uma "despesa" e não como um investimento.
Obviamente que tudo será mais fácil quanto mais o Académico e/ou os técnicos da empresa conhecerem e respeitarem o mundo da outra parte, forem tecnologicamente competentes e negociadores honestos. O ideal é mesmo o Académico estar "embebido" no universo empresarial, mas associado ao seu desenvolvimento tecnológico e não, como por vezes sucede, em Administrações distantes de tal desenvolvimento, sendo por isso que a relação de consultoria técnica é das mais adequadas a essa simbiose.
Naturalmente também se pode defender que a presença de técnicos das empresas na docência universitária é outra forma de promover a ligação da I&D empresarial com a académica, mas isso raramente sucede: infelizmente, tal como as mais das vezes os académicos estão nas empresas em funções de Administração distantes do desenvolvimento tecnológico, também os técnicos das empresas vão às Universidades apenas dar aulas (e buscar prestígio) e não têm qualquer participação na actividade de I&D que ali se desenvolve.
Os casos de maior fertilidade nesta participação de técnicos de empresa na docência universitária são aqueles em que um doutorado em Engenharia faz uma carreira de grande criatividade nas empresas e só depois acaba na Universidade. Carlos Portela foi um desses, especialmente na parte da sua vida decorrida no Brasil. O "Papa" de uma das minhas áreas de interesse também. E nem me estou a referir aos Professores que, como Ferreira Dias e quando ainda não se fazia I&D em Portugal, criaram os conteúdos e métodos das disciplinas que então se ensinavam em função do que eram as necessidades da indústria nacional onde trabalhavam. Mas isto hoje não existe em Portugal (com a excepção de Renato Morgado na Univ. do Minho)!

Finalmente, dadas todas as muitas razões para que um projecto de I&D entre a Universidade e empresas falhe, importa ainda notar que além do entrosamento competente e honesto dos operacionais de ambos os lados, é também preciso o apoio das Direcções das partes.
Nas empresas, é obviamente preciso que as Administrações comecem por considerar a inovação tecnológica como importante na estratégia da empresa, e depois que saibam gerir os seus operacionais com sabedoria - mantendo-os ligados à terra, apoiando-os na defesa dos interesses da empresa contra os desvios académicos mas vigiando o espírito de quintinha, sabendo graduar as expectativas de carreira e os estímulos materiais (perante a concorrência de procura desses Recursos Humanos) e, sobretudo, sabendo integrar organicamente os elementos formados na Universidade nesses projectos.
Em áreas que constituam novos negócios da empresa, a criação de novas estruturas organizativas correspondentes é uma boa solução, mas terá de defrontar o despeito das estruturas e ambições já existentes.
Uma variante mais elaborada da má tendência por vezes existente nas empresas de "irem à Universidade buscar mão-de-obra barata" para projectos cuja definição já foi feita na empresa (mal ou bem), é a de, embora reconhecendo inicialmente a sua incompetência em determinado assunto que lhes interesse e darem, por isso, espaço à iniciativa universitária na exploração das soluções tecnológicas, terminado o projecto contratado e levados os graduados liquidarem a continuidade da experiência, por vezes até "apagando" o papel da Universidade nos sucessos alcançados e fazendo crer que eles foram obtidos no seio da empresa. Embora empresarialmente isto possa fazer algum sentido em termos de imagem, é uma falta de visão de longo prazo que liquida a sustentabilidade destas relações.
Invariavelmente as exigências depois do dia-a-dia na empresa levam à incapacidade de acompanhamento da evolução tecnológica que vai ocorrendo e, a prazo de meia dúzia de anos, no máximo uma década, todos os frutos do projecto ficam obsoletos - com a agravante da "terra queimada" deixada na Universidade ser depois muito mais difícil de voltar a lavrar.
É certo que estas empresas pensam, por vezes, que se e quando o assunto precisar de novo projecto de I&D poderão ir bater a outra porta; mas infelizmente o nosso país quase nunca tem outra porta com a mesma competência da primeira, quando o projecto na primeira correu bem, porque só por acaso a empresa encontra "know-how" que lhe seja útil e já criado em algum Professor ou grupo de Professores, e porque é exactamente este tipo de projecto que permite orientar os Professores para o tipo de tecnologia efectivamente necessária às empresas.
Mesmo que a empresa incentive o desenvolvimento do know-how de que necessita noutra Universidade por si preferida, levará muitos anos, se chegar a suceder, para que essa Universidade possa igualar as qualidades da que com ela colaborou inicialmente.
E menciono este tipo de prática empresarial na relação com as Universidades porque ela existe e é típica da EFACEC, por exemplo. Só em desespero de causa recorre à colaboração de uma Universidades fora do "norte" e, por melhor que esses projectos lhe corram, "mata-os" uma vez acabados tentando sempre que da "próxima vez" o projecto seja feito na FEUP. O INESC-Norte agradece mas é bom registar que com tal comportamento a EFACEC se comporta, relativamente ao que não é "norte" de Portugal, como uma empresa tão ou mais estrangeira que algumas suas concorrentes. Portugal é assim...

Quanto às Universidades... são outra longa matéria, para desenvolvimento em próximo post!

   2.  Os projectos europeus de I&D

 No post original sobre a EFACEC, mencionei o afluxo dos fundos europeus na viragem da década de 80 para a de 90, e em como o INESC se tinha especializado na sua captação, coisa com que a EFACEC devia competir, na minha opinião.
Ora esta questão dos fundos e dos projectos europeus é crucial para a contribuição da I&D das nossas Universidades para o desenvolvimento da nossa economia. É crucial mas tem sido quase sempre... altamente negativa!
Negativa porque tem desviado as Universidades e Institutos para-universitários da procura de ligações à realidade nacional, sem que os projectos desenvolvidos com tais fundos tenham sequer dado algum contributo útil à Europa. Ou seja, a participação nos projectos comunitários de I&D tem um alto custo de oportunidade (o custo da perda dos benefícios dos projectos nacionais que, por causa destes, se deixaram de fazer), e o único benefício que terão é a obtenção de fundos pelas Universidades e institutos afins, que reforçam assim a tendência a se pensarem como um fim em si mesmo - tal como acontece com todas as burocracias.
Não sou o único a colocar estas questões. Na mesma altura em que as colocava à EFACEC, em 1996, elas eram discutidas no Parlamento do Reino Unido, por exemplo.
Ora os fundos "estruturais" para I&D só constituem uma parcela determinante dos seus financiamentos para os países periféricos, como se pode ver neste relatório. E, também como se pode ver neste outro trabalho (há muitos), a correlação entre o uso destes fundos e o desenvolvimento económico nas regiões europeias não é positiva.
Como compatibilizar, se tal é possível, a captação dos fundos europeus com a aplicação da I&D ao desenvolvimento das empresas nacionais (ou localizadas em Portugal) e, portanto, ao bem estar do povo português?
Sem dúvida, começando por ter objectivos nacionais, uma estratégia nacional, um plano nacional e, depois, explorando oportunisticamente esses fundos e os projectos em que vêm. Oportunisticamente significa aproveitá-los para fazer o que realmente nos interessa, de acordo com a nossa própria estratégia, sem pena da Europa porque esses projectos nunca resultam em nada nem para a própria Europa. E sobre isto termino este post, com dois louváveis exemplos do oportunismo que defendo quanto aos fundos europeus:

Há cerca de 18 anos, uma sucursal da GE norte-americana em Espanha, onde esta instalara no tempo do plano Marshall uma fábrica de equipamentos de protecção de redes eléctricas, decidiu promover um projecto de modernização dos seus equipamentos com fundos europeus. Para isso organizou um projecto de I&D multi-participado, em que até Portugal entrou, a par de empresas francesas e alemãs. E, nesse projecto, foram de facto desenvolvidas novas tecnologias, mas o projecto não chegou à criação de nenhum novo produto. E não chegou porque, entretanto, outra jogada oportunista se desenvolvera dentro do oportunismo da GE: um grupo de técnicos dessa sucursal espanhola, com o apoio de outras entidades exteriores, abandonou a empresa quando o projecto estava perto do fim e criou a primeira empresa espanhola daquela tecnologia, a ZIV. Que tem sido um sucesso...

O segundo exemplo é nacional. Há 20 anos Portugal conseguiu participar num projecto europeu para o desenvolvimento de uma nova geração de Sensores e Actuadores Inteligentes e Distribuídos. Tratava-se de um projecto visando essencialmente a melhoria da segurança de algumas indústrias químicas perigosas italianas e de centrais nucleares francesas e, portanto, a participação de Portugal surgiu por pressão política, e não por necessidade técnica. Como tal a tarefa que foi atribuída a Portugal foi secundária, a da criação da "interface homem-máquina" do sistema. Esta interface requeria por um lado vizualizações gráficas, do que se encarregou a Universidade, e de uma Base de Dados ligada em tempo real aos sensores e actuadores, de que se encarregou a EFACEC. E porque se interessou a EFACEC por tal tarefa? Porque estava interessada em desenvolver precisamente o seu know-how e produtos de Bases de Dados para Tempo Real para os sistemas de SCADA de redes eléctricas, SCADA que tinham sido estrategicamente definidos como área de negócio da empresa. E tudo correu bem (excepto que não há notícia do projecto ter tido alguma aplicação às centrais nucleares ou às fábricas de química)...!

Pessoalmente, se a participação em projectos de I&D tecnológica com fundos europeus não se puder inserir numa estratégia oportunista destas, sou contra a participação nacional. Para Portugal, os custos de oportunidade que esses projectos implicam não compensam os dinheiros obtidos.

domingo, janeiro 09, 2011

1ªs notas de rodapé sobre "O papel da I&D no grupo EFACEC"

Há umas duas semanas, postei um texto que escrevera para a Administração da EFACEC - Sistemas de Electrónica 14 anos antes, após terminar o desenvolvimento de 3 anos da primeira série de Unidades Terminais e de Protecção nacionais (para Média e Alta Tensão), no laboratório que criei para essa empresa, em Carnaxide. Como o texto já era bastante longo procurei não o alongar com esclarecimentos adicionais mas, agora e tendo em conta que os muitos anos passados trouxeram outra luz ao que então escrevera, julgo que vale a pena desenvolver e/ou discutir certas ideias presentes naquele texto, que fora escrito na perspectiva da indústria nacional, da economia, e não na dos Investigadores académicos, da Universidade!

  1. O papel da componente curricular nos doutoramentos
Afirmava eu que "a faceta das pós-graduações ameri­canas que é talvez a mais útil, a da ex­is­tência de uma com­ponente curri­cular de elevado nível e exigência, não está interiorizada (diria mesmo que mui­tas das ca­dei­ras de mestrado das escolas de eng. portuguesas são uma fraude)". Talvez se surpreenda com esta afirmação quem pense que isto de "inovação" é uma questão de "espírito positivo", de "auto-estima", de tirar umas cadeiras de "Empreendedorismo" e "Inovação". Eu penso que será isso se entendermos por "inovação" a arte da vigarice, a qual frequentemente também nos surpreende pela criatividade!
Na verdade, em tudo o que é realmente produtivo, a criação depende da fertilização cruzada de diferentes conhecimentos. E é por isso que é preciso antes de mais nada ter esses diferentes conhecimentos!
Tal como é sabido na Inteligência Artificial que, mais que a capacidade de inferência, o que mais interessa na Inteligência é a quantidade e qualidade do conhecimento sobre o qual realizar inferências, também na capacidade de inovação tecnológica importa antes de mais saber bem e muito.
O modelo de doutoramentos americanos é aquele em que se formou não só a espantosa criatividade tecnológica americana, mas também a asiática e muita da europeia!
Até há alguns anos, para se atingir um doutoramento em Engenharia nos EUA tinha-se de ter feito primeiro um Bacharelato de 4 anos, e depois um Mestrado de 2 anos, com tipicamente ano e meio de cadeiras. As cadeiras de Mestrado pertenciam a uma categoria muito mais exigente que as do Bacharelato, as de pós-graduação, e em regra apenas 1 em 4 bacharéis americanos em Eng.ª fazia o Mestrado. Porém, devido à procura por estudantes estrangeiros, o número de Mestres produzidos em Engenharia nos EUA era de facto de 1 para cada 3 Bacharéis.
Tirando a importantíssima diferenciação qualitativa entre as cadeiras de pós-graduação do Mestrado e as do Bacharelato, em número de anos curriculares a exigência não era muito superior à que tínhamos em Portugal antes de Bolonha (mais meio ano, e mais outro tanto para a Tese) e era mesmo igual á que existia até 1970 (quando as licenciaturas em Eng.ª eram de 6 anos em Portugal). Havia também nos EUA Mestrados profissionais, sem Tese, e que em vez desta tinham (mais) cadeiras.
Ora o doutoramento americano requeria em regra mais outro tanto de cadeiras de pós-graduação (portanto, tipicamente mais ano e meio), o que totalizava 7 anos de cadeiras, dos quais 3 de nível superior. 
Quando o Mestrado em Engenharia surgiu em Portugal, em 1983, além de exigir a licenciatura prévia de 5 anos, exigia também que esta tivesse sido feita com média de pelo menos 14 valores. As cadeiras estendiam-se por um ano e pode-se dizer, portanto, que nessa altura o Mestrado português em Eng.ª equivalia ao americano, do qual fora aliás em alguns casos simplesmente copiado, nomeadamente a nível dos conteúdos curriculares. Foi a época da criação do INESC e da explosão de doutoramentos em geral. Estes doutoramentos, porém, continuavam a não ter componente curricular, na tradição europeia de origem alemã, e daí as minhas críticas observações no texto feito para a EFACEC.
Compare-se isto com o que trouxe Bolonha: "licenciaturas" de 3 anos, e um Mestrado de 5 com apenas 4 anos e meio de cadeiras, e sem pré-selecção entre uma coisa e outra!
Por outro lado os doutoramentos agora disponíveis seguem o modelo de Bolonha (3º ciclo),alguns em parceria com Universidades americanas, nomeadamente no âmbito do "MIT-Portugal", mas onde se tem apenas um ano de cadeiras (no caso do MIT-Portugal, de qualidade mais que duvidosa!...).
Ou seja: com Bolonha, a componente curricular do doutoramento totaliza agora 5 anos e meio, menos que um Mestrado dos anos 80/90 e tanto como um Mestrado americano, além de que deixou de existir o requisito de ter feito o grau anterior com pelo menos 14 valores!
Por outro lado, a Tese que antes não tinha componente curricular mas se estendia em regra por 4 ou 5 anos, agora é para 2 anos.
Em suma: o Mestrado actual curricularmente é menos do que a antiga licenciatura, e o Doutoramento actual totaliza menos cadeiras que o Mestrado dos anos 80/90, para já nem falar no doutoramento americano...
Quanto ao Doutoramento antigo, de tipicamente de 5 anos de Tese, pura e simplesmente desapareceu. Não há. Nem o correspondente treino de I&D!...


          2. A alienação na produção de "papers" seguindo as modas americanas


Outra coisa que mencionava no referido texto, escrito há 14 anos, era a "perversão dos “papers” como um fim em si, levando a técnicas de publicação por recombinação de todo o tipo de no­vas modas, e da perversão dessas próprias modas, nascidas muitas vezes de resul­ta­dos obtidos na I&D de aplicação militar (o que é oculto mas ocupa mais de 50% da I&D uni­ver­sitária norte-americana), com fraca relação com os problemas in­dustriais".
Uma máxima que governa a carreira académica americana é: publish or perish!
A ideia subjacente é que a Investigação produzida se traduz sempre em papers, publicações avalizadas por pares (referees), privilegiando-se as publicadas em revistas (definitivas, arquiváveis em bibliotecas), sobre as publicadas apenas em Conferências (visando trocas de impressões com pares sobre os mais recentes resultados).
Porém, como a carreira académica depende sobretudo do número destas publicações, um académico tende a dedicar todo o esforço a isso, tornando a publicação do máximo número de papers o seu principal objectivo na vida. E para este efeito (publicação do máximo número de papers) existem várias técnicas, como por exemplo:
 - Conseguir que num assunto qualquer muito específico se seja uma referência mundial, e depois nunca mais largar esse assunto, explorando-o de todas as perspectivas possíveis e fazendo raides sobre assuntos conexos, mas sempre centrados no referido assunto, ganhando assim uma imagem de autoridade na matéria e trabalhando para a manutenção dessa imagem. Pode-se não saber mais nada de coisa nenhuma e o tal assunto ser irrelevante, mas se naquele assunto muito específico se publicar muito, a carreira académica é garantida e pode-se mesmo chegar a ser considerado um sábio!
- Seguir as últimas modas. Quando as modas aparecem, é fácil a qualquer trabalho que as aplique ser publicado, porque será sempre inovador desde que se mantenha na crista da onda da moda (que, como as ondas, morrem na praia e são substituídas por modas novas). Exemplos passados: Inteligência Artificial, redes neuronais, agentes, etc... A moda desta estação: smart grids!


O Ministério da I&D considera essencial publicar muito e ufana-se da melhoria estatística que se consiga nessa matéria, mas as empresas que produzem bens transaccionáveis, isto é, as que não dependem de favores estatais para a vida mas sim de terem capacidade competitiva, como a EFACEC, abominam os papers. Se há coisa que com toda a justiça detestam é que um investigador seu esteja preocupado em publicar, em vez de terminar o novo produto no prazo curto que a concorrência exige! E também não lêem papers - porque, obviamente, papers sobre assuntos exotéricos muito especializados ou sobre modas de ocasião desligadas da realidade em nada contribuem para a competitividade das empresas!
Quando muito, os únicos papers que lhes poderão interessa publicar, e às empresas compradoras de bens de equipamento ler, são que se apresentam em algumas Conferências em que também haja Exposições de novos equipamentos!
Claro que neste contexto de subordinação à produção e comercialização, durante os 7 anos em que colaborei com a EFACEC só publiquei alguns papers e em conferências dessas, os quais são irrelevantes para efeitos de carreira académica...
Quanto às modas tecnológicas, vale a pena mencionar ainda alguns exemplos de disparidade entre elas e as necessidades empresariais. Nos anos 80/90 a grande moda era a Inteligência Artificial. No Porto houve um doutoramento de alguém que durante vários anos desenvolveu uma aplicação de Inteligência Artificial para a gestão das avalanches de alarmes geradas nos centros de controlo da rede eléctrica de Muito Alta Tensão em caso de incidentes; mas, ao mesmo tempo, um eng.º desses centros desenvolveu em apenas alguns meses um programa que fazia exactamente a mesma coisa mas usando apenas o seu bom senso. Outro exemplo são os algoritmos baseados em redes neuronais para a identificação de padrões de incidentes nas redes eléctricas e de que há anos se publicam inúmeros papers: não há um único em comercialização. Os algoritmos clássicos servem perfeitamente, e os problemas reais que existem têm a ver é com as redes e protocolos de comunicação, e nada com redes neuronais!
Donde vêm, então, essas modas? Não o posso provar (dado o secretismo inerente), mas estou convencido que vêm da I&D militar, que nos EUA despende 58% dos recursos pagos pelo Estado em I&D. Senão, vejamos: a moda da Inteligência Artificial nos anos 80 é contemporânea do projecto de Reagan para a "guerra das estrelas", cujo principal problema tecnológico era o sistema automático de gestão de batalha, capaz de se auto-reconfigurar, e onde aquela tecnologia parecia ser a solução; as redes neuronais são óptimas para o reconhecimento automático de alvos militares por satélites, ou de caras de suspeitos por redes de videovigilância.
É sabido que estas tecnologias procuram, depois de desenvolvidas, aplicações civis que as rentabilizem, e é assim que estou convencido que passam dos Departamentos de Controlo e Robótica onde são desenvolvidas nos EUA para os outros Departamentos académicos. E, a propósito, é discutível o peso que têm em Portugal esses Departamentos académicos, dado não termos indústria de Defesa; andam, assim, entretidos a desenvolver robots para jogar futebol e outros brinquedos, suportados pelo erário público, em vez de estarem a desenvolver o "drône" português ou torpedos mais inteligentes para os novos submarinos, ou então serem reestruturados em algo de útil...

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Uma previsão optimista sobre o custo das baterias?

Uma notícia de hoje dá conta de uma notícia que excitou os ecotópicos: o Deutch Bank (logo por sinal um Banco com grandes investimentos na indústria alemã de energias renováveis) anuncia que reviu em baixa a sua previsão para o preço das baterias de iões de lítio dos automóveis eléctricos para 2020: 250 USD (190 €)/kWh, em vez dos 350 que previra anteriormente.
"Estimativas" destas, entusiastas e sem bases racionais, estamos todos fartos de ouvir acerca dos painéis fotovoltaicos, mas a questão que me traz aqui é o seguinte raciocínio:
- Presentemente, estas baterias estão a cerca de 625 €/kWh (810 USD), como se pode ver pelo Nissan Leaf, ou ainda pior nos outros. Por isso, dos 30000€ que custa de base o Leaf, o mesmo que custa, antes de impostos, um BMW da série 5, metade é para a bateria. Isto para um carro com que nunca se poderá fazer uma viagem de Lisboa ao Porto ou ao Algarve, porque a sua autonomia só dá para metade dessa distância...
Para que o Leaf seja efectivamente competivo em consumos com os automóveis actuais mais económicos, os híbridos a gasolina ou os Diesel (tendo em conta a semelhança de consumos em €), é preciso que custe antes de impostos a mesma ordem de grandeza, e que a sua autonomia seja também suficiente para, pelo menos, uma viagem Lisboa-Porto ou Lisboa-Faro. Ou seja, dupla!
Quer isto dizer que para se atingir essa situação de competitividade, é preciso que a bateria do Nissan tenha pelo menos o dobro da capacidade que tem agora, e que custe menos de metade do que custa agora. Ou seja, é preciso que o seu preço caia para menos de 1/4 do valor actual, portanto para uma ordem de grandeza de 160 €/kWh.
A previsão optimista do Deutch Bank prevê que em 2020 esse preço esteja pelos 190 €/kWh. Mais ou menos o tal valor necessário de 160 kWh para que sejam competitivas. Ok - confere basicamente com as nossas previsões.
Portanto, daqui a 10 anos (nesta hipótese optimista) o automóvel eléctrico poderá começar a ser competitivo, e a lograr por isso uma quota de mercado razoável. Se for de 25% desse mercado (ultra-optimista, já que continuará a ter muito menos autonomia que os seus competidores Diesel e/ou híbridos), tal significará em Portugal que se venderão então (2020) uns 50 mil por ano, e a esse ritmo serão precisos mais 10 anos para que constituam 1/8 do parque automóvel nacional.
Não está longe da nossa previsão, que portanto não pode ser acusada de "bota-abaixo". O automóvel eléctrico só começará a ter alguma expressão na redução das importações de petróleo no mínimo daqui a uns 20 anos...

Renováveis, Carvão e Gás Natural

Hoje em O SOL, o nosso estimado amigo Mira Amaral dá mais uma estocada no seu combate pela verdade e por Portugal. Aqui o transcrevo com gosto:

O Secretário de Estado Carlos Zorrinho, recém-chegado a estas complexas questões da energia, está em maus lençóis, entalado entre a herança de Manuel Pinho, centrada num exagerado voluntarismo, diria mesmo fundamentalismo, nas renováveis da moda, e os consumidores de electricidade, domésticos e empresariais, os quais começam agora a sentir na factura eléctrica os grandes sobrecustos dessa politica (?) energética.
No dia em que publicámos o Manifesto para uma Nova Política Energética (7 de Abril de 2010) tivemos a elegância de ir ao Secretário de Estado Zorrinho explicar as nossas preocupações, que os actuais aumentos dos preços da electricidade vêm agora confirmar!
O Senhor ignorou olimpicamente os nossos alertas e o Governo veio logo a seguir publicar a 20 de Maio o Decreto-Lei 51/2010, reforçando a aposta em nova produção eólica e permitindo que os actuais produtores aumentassem a potência instalada em 20%!
Já tínhamos previsto que era impossível, como tinha acontecido até agora através duma subsidiação cruzada, que os sobrecusto da Produção em Regime Especial (PRE), isto é a produção que beneficia de preços políticos fixados pelo Governo como a eólica, a fotovoltaica e a co-geração, ficasse confinada aos consumidores domésticos, as microempresas e a iluminação pública, poupando-se as empresas a as actividades de maior peso económico a tais sobrecustos. Os dramáticos aumentos agora anunciados para as empresas confirmam as nossas previsões!
De acordo com a ERSE, verifica-se que nos chamados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), o que aumentam de forma exponencial são os sobrecustos das PRE (eólica e co-geração), havendo também um aumento recente dos sobrecustos dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE’s) e dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC’s), derivados do facto de as centrais térmicas, sujeitas aos CAE’s e CMEC’s, estarem a trabalhar hoje em dia menos horas do que estava previsto quando entraram em funcionamento. Com efeito, as renováveis têm preferência na entrada em rede, relegando as centrais térmicas para a função meramente de apoio às renováveis. Assim sendo, os CMEC’s e os sobrecustos dos CAE’s sobem justamente porque vão pagar aos produtores térmicos a diferença entre o que deveriam facturar quando estava previsto que funcionassem como centrais de base e o que facturam agora em regime suboptimo, só de apoio às renováveis. Poder-se-ia pensar que, uma vez que a sua produção dimimui na proporção inversa do crescimento da energia renovável, estas centrais térmicas se estariam a tornar dispensáveis e que a sua equilibragem contratual seria injustificada, tendendo no limite essas centrais  a desaparecerem, e com elas esses sobrecustos. Porém, tal não acontece porque o carácter intermitente das renováveis da moda exige a disponibilidade dessas centrais, as únicas capazes de suprirem a falta de vento e de chuva quando essa falta ocorre. Assim, quanto mais renovável na rede, mais sobem os CMEC’S e os sobrecustos dos CAE’s!
 (Milhões  euros)


2010
2011
Variação 2011/2010
Sobrecustos das PME’s
805
1210
50,3%
CMEC’s
305
427
40,0%
Sobrecusto das CAE’s
248
299
20,8%

Fonte: ERSE
 Na recente entrevista ao “SOL” o Secretário de Estado tenta escamotear o facto de que os aumentos dos CMEC’s e dos sobrecustos das CAE’s são decorrentes precisamente do aproveitamento suboptimo do parque térmico a carvão ou gás natural, consequência directa da intermitência a que são obrigados, pela prioridade absoluta dada às renováveis na entrada em rede. Assim, Carlos Zorrinho diz que quer renegociar os contratos com as térmicas (CMEC’s e CAE’s), esquecendo-se que o problema vem dum mix de produção desequilibrada devida ao excesso de renováveis da moda sendo pois esse sobrecusto imputável a elas! Mas nesses excessos não toca!
Carlos Zorrinho volta ainda a insistir noutra falácia, a de que as renováveis da moda que só produzem electricidade vão reduzir a importação de petróleo, o que não é verdade! Com efeito, nas nossas centrais já não se utiliza petróleo para produzir electricidade e ainda vai levar muito tempo até à massificação do automóvel eléctrico, situação em que a electricidade substituirá o petróleo. A única forma actual de reduzir as importações de petróleo era apostar nos biocombustíveis, fonte de energia renovável que tem sido completamente esquecida pelo governo!
Enfim, continuamos no irrealismo energético! Até quando?
Luís Mira Amaral
Engenheiro e Economista