1. Resistência às reformas e esperança de que o tempo volte para trás
Na anterior parte V desta série de posts de reflexão sobre o papel da I&D na competitividade nacional, explanei o meu entendimento de que Portugal perdeu competitividade nos últimos mais de 17 anos, mas que foi possível disfarçá-lo com crédito externo barato, até à ocorrência da presente crise financeira. A continuação deste disfarce só será possível se esta crise for passageira, e for viável regressar ao "antigamente", ou seja, à continuação da política seguida.
Esta, por sua vez, no domínio económico caracterizou-se pela caução estatal, e mesmo encorajamento, a uma economia centrada no investimento privado em sectores abrigados da concorrência, que se tornou consumidora de elevadíssimos recursos nacionais - sobretudo em capital. O próprio Estado também manteve e incrementou um défice constante, acumulando uma dívida pública elevada, embora não creia que esse seja o factor fundamental da crise soberana: esse défice é antigo (embora Maastricht o limitasse a 3%...), outros Estados europeus têm dívidas similares e até superiores, e nem por isso tiveram (ainda) de pedir assistência. É na economia que está o busílis, nomeadamente na dívida externa total.
Entretanto, a assistência financeira internacional condicionou a disponibilidade de fundos (a juros elevados) a uma política orçamental equilibrada, e recomendou também a redução das "excessivas" rendas obtidas pelos sectores protegidos, como modo de libertar rendimento e capital, mas a esta recomendação têm sido feitos ouvidos de mercador, mostrando a força dos laços criados entre os decisores económicos e os decisores políticos instalados no modo de vida estabelecido.
Como disse, a continuidade desta via só é possível se houver forma de voltar ao crédito externo barato sem grandes mossas porque, se tal não acontecer, descapitalizado como está o país, será inevitável um afundamento da economia como raramente Portugal viveu na sua História. Vou, pois, tentar caracterizar as duas vias que se perfilam na actual Encruzilhada nacional.
É curial começar por notar que não é só Portugal que se vê obrigado ao recurso à assistência financeira internacional, na Europa. Ao nosso país juntaram-se os seus dois velhos companheiros de status, a Grécia e a Espanha (esta em menor grau mas essencialmente com os mesmos problemas estruturais), bem como a Irlanda e, provavelmente em breve, a Itália. Dadas algumas dificuldades que a própria França sofre, não é possível deixar de notar a manifestação de uma clivagem na União Europeia: em crise, estão os países mediterrânicos, de tradição católica ou ortodoxa, e em prosperidade estão os países germânicos, de tradição protestante.
A via em que apostam quase todos os políticos nacionais activos é a benévola, em companhia dos restantes países assistidos. A diferença entre a esquerda e a direita nesta matéria é que a primeira reclama que se tome uma atitude negociadora contundente, recorrendo se necessário à chantagem do não pagamento, enquanto a segunda pensa que uma atitude de aceitação de tudo o que for exigido pelos credores, senão mesmo de aparente identificação, é a melhor táctica. A estratégia, no entanto, parece a mesma: que tudo volte ao "antigamente".
Com nuances: a direita acredita que é preciso ceder nos salários e prestações sociais para que os credores voltem a conceder os velhos e bons créditos - mas não tanto que o rendimento disponível caia a ponto de se tornar impossível manter toda a enorme corte aninhada em Fundações, Institutos e empresas autárquicas subsídio-dependentes, nem satisfazer os encargos de dívida dos privados de que o Estado se assumiu fiador, ou seja, não tanto que se torne impossível manter os empregos de cortesãos nem sustentar as rendas financeiras de PPP e renováveis (incluindo nestas os CMEC e Garantias de Potência...).
Nesta perspectiva, a estratégia parece ser apenas de ganhar tempo até que a "crise psicológica" dos mercados financeiros passe e se possa voltar ao rumo anterior. E pode ser que funcione.
Pode também, no entanto, acontecer que o rumo que as coisas tomem seja outro, e que Portugal nunca mais volte a ter crédito barato - no mínimo por uma década. Caso em que, dadas a falta de competitividade e a descapitalização da nossa economia, o nosso nível de vida poderá cair para o da Polónia, senão mesmo o da Bulgária, como adiante mostrarei, e que nos poderá reconduzir ao lugar que ocupávamos há um século, tornando muito difícil qualquer política de I&D. Talvez as rendas "excessivas" e os empregos dos boys se consigam manter, mas os rendimentos do trabalho e pensionistas terão de cair para menos de metade, talvez mesmo um terço dos valores de 2009, e é duvidoso que faça sequer sentido haver I&D em tal país...!
2. O dilema germânico
A chave da Encruzilhada reside na atitude que a Germânia tomar.
Alguns crentes na via benévola pensam que as dificuldades resultam da relutância de uma Senhora que preside a um dos muitos Estados da União, por acaso o maior, e que por isso as coisas quase se resumem a fazê-la mudar de humor. Outros têm consciência de que a coisa é mais séria e sabem, por exemplo, que os media alemães são tão anti-países devedores que a opinião favorável à sua ajuda se tornou tabu na Alemanha, que o próprio "pacto fiscal" que Portugal se apressou a assinar e que foi já também aprovado no Bundestag foi questionado perante o Tribunal Constitucional alemão e que este aceitou avaliá-lo (lá para Setembro...), e que sem o seu aval o Presidente da República alemão não o promulgará.
Confiam, porém, que no fim imperará a "racionalidade", e que sendo do próprio interesse alemão a manutenção dos mercados dos países do Sul e não perderem o que já lhes emprestaram, acabarão por aceitar a emissão de moeda que libertará o tão desejado crédito. Partindo do princípio, também, que a Alemanha subscreve o ideal europeu com que foi criada a Comunidade...
Pode ser que esta visão se cumpra - o que desejo sinceramente, como provavelmente todos os meus compatriotas. Neste sentido, merece nota um interessante editorial de um jornal polaco que defendia mesmo, há semanas, estarmos perante o fim da "Europa alemã", e não do seu início, porquanto os dois "mitos" em que se basearia tal ideia (?), de que estaríamos a viver o início de uma "Europa alemã", se não verificariam. E que mitos seriam esses? O de que "a Alemanha – o maior beneficiário da moeda única e a maior economia da Europa – renunciou à solidariedade com o resto do continente e virou-lhe as costas", e o de que " apesar da crise – a Alemanha está hoje tão bem que perdeu o interesse na Europa e procura parceiros em países como a China ou o Brasil".
Infelizmente, sou de opinião de que os dois referido mitos têm boas razões de ser e que, na verdade, o contrário é que são mitos.
A primeira razão é económica. A segunda é mais política.
2.1 A suposta necessidade alemã dos mercados dos países devedores
A enorme escala da economia alemã, ou a pequenez da nossa, se se quiser, merece ser quantificada com alguns números.
Em 2011, em que o nosso PIB foi de 171 bis € (doravante usarei o jargão "bis" para designar milhares de milhões, ou biliões na notação americano-brasileira), só as exportações alemãs foram de... 1060 bis €! E tinham crescido, relativamente ao ano anterior de 2010... 11,4%!
Simultaneamente, as importações alemãs em 2011 foram de 902 bis €.
Ora este crescimento está a ser feito para fora da União Europeia, "movimento para fora" que ilustro na figura seguinte:
De facto, a União Europeia a 27 toda só absorve 59% das exportações alemãs e a Eurozona apenas 41%, tendo caído de 43% ainda um ano antes. Esta redução foi mais que compensada pelo crescimento das exportações para a Ásia, em particular a China, que cresceram de 12 para 16%!
No entanto, a Eurozona não está em crise.
O que está em crise é o conjunto de países mediterrânicos latinos e católicos/ortodoxos!
Ora, quanto vale Portugal nas exportações alemãs? 0,66%!
E Portugal mais a Grécia? 1,14%!
E Portugal, a Grécia e a Irlanda? 1,55%!
E Portugal, a Grécia, a Irlanda e Espanha? 4,85%!
E Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha e Itália juntos? 10,75%!...
Ou seja: mesmo que todos estes cinco países ficassem repentinamente incapazes de importar o que quer que fosse da Alemanha, bastava a esta o aumento de um ano de exportações, como o que teve em 2011, para compensar essa perda! Com a diferença que esses não pagam com o próprio crédito alemão, como nós...
Dos cinco países em grandes dificuldades, a Itália, que absorve 5,9% das exportações da Alemanha e lhe fornece 5,3% das importações, que tem 5,4 vezes a nossa população e é ainda a 8ª economia mundial, é o mais recente foco de preocupações e parece demasiado grande e sólida, mas a verdade é que só em 2011 as suas exportações para a Alemanha caíram 3,8 bis €, devido à concorrência dos países de Leste, e que o seu PIB tem estado tão estagnado como o nosso desde há uma década! A perda de competitividade da produção italiana perante a concorrência coreana, que se veio somar à japonesa, permite conjecturar que esse país seria o que menos sofreria com uma saída do euro, devido ao impulso à competitividade da sua produção - que existe! - que uma desvalorização cambial acarretaria.
No entanto, esta crise restringe-se aos países latinos do Sul. A pobre Roménia, por exemplo, recebe mais 1,8 bis € de exportações alemãs que Portugal, a Eslováquia + 3,4 bis €, a Hungria mais do dobro, a Chéquia mais de 4 vezes, e a Polónia mais de 6 vezes que nós!...
A Áustria, com os seus 8,4 milhões de habitantes, recebe quase tantas exportações alemãs como a Itália, que tem 57 milhões...
Se considerarmos o comércio inverso, a dependência alemã de importações estrangeiras, a situação ainda é pior!
A Roménia exporta para a Alemanha quase o dobro do que nós exportamos (4,7 bis €), e todos os outros muito mais! A Chéquia, por exemplo, e que tem excedentes no comércio com a Alemanha, exporta para lá 40,6 bis €, quase 9 vezes mais que nós, e a Grécia não chega a exportar 2 bis € para a Alemanha, menos de metade da nossa quota!...
Na verdade, enquanto dentro da União Europeia a 27, o sub-conjunto dos países devedores + Itália compra 18% das exportações alemãs, os países que aderiram mais recentemente e que referi compram 32% dessas exportações; e se restringirmos a observação à Eurozona, constataremos que os cinco mediterrânicos absorvem aí 1/4 das exportações alemãs, mas que os países da órbita alemã absorvem o dobro!
Pode-se falar de outro aspecto: a exposição da Banca Alemã às dívidas dos países devedores do Sul. Mas, quanto a isso, apenas direi que os alemães colocam assim o dilema: perder de repente 500 bis €, ou bombar para o Sul 50 bis € todos os anos.
Considero que é aqui que entra a política pura: como avaliará a Alemanha o referido dilema?
Tal depende estritamente da confiança que ela tenha sobre a capacidade dos povos do Sul se "endireitarem", e isso é do domínio da geopolítica e das identidades nacionais.
2.1 A Germânia é muito mais que a Alemanha
Mesmo dentro dos Estados nacionais, é frequente que uma região mais rica, com traços de identidade própria, pense que "sustenta" o resto do país e procure a maior autonomia possível. É em Espanha o caso dos Bascos e sobretudo da Catalunha, em Itália o caso da Lombardia, e até em Portugal esse sentimento existe em boa parte das "forças vivas" do grande Porto, sentimento que não tem maior expressão por que as suas classes baixas e médias-baixas não são mais ricas que as do Sul...
Basta extrapolar destes exemplos para entender o sentimento que os povos germânicos têm para com os devedores do Sul.
Por outro lado, se nos interessássemos um pouco pela História da Europa, continente que nos é historicamente desconhecido excepto de quando por ele andámos integrados nos exércitos espanhóis, saberíamos que os povos germânicos vão da Croácia à Lituânia, onde agora está parte de um antigo coração da Germânia, a Prússia.
A Germânia tem uma identidade que se desvinculou da latinização que nos caracteriza quando exterminou as três legiões romanas que a tentaram conquistar, em 9 D.C.
Depois disso manteve-se estruturada em numerosos feudos, até à primeira unificação, ou 1º Reich, o Sacro Império Romano da Nação Germânica, desde a Idade Média até à sua dissolução por Napoleão.
No entanto, foi com Bismark que surgiu a moderna Alemanha, ou 2º Reich, embora na altura a competição entre a Prússia e a dinastia dos Habsburgos tenha deixado de fora da unificação os povos do Império Austro-Húngaro. Povos que, porém, foram integrados já no século XX por breve trecho, quando do Anschluss nazi (3º Reich), e no qual os austríacos sancionaram com uma votação de 99% a pertença ao Reich germânico (a Áustria viria a fornecer mais SS per capita que a própria Alemanha...).
Com a derrota alemã na II Guerra Mundial, a Germânia foi desmembrada pelos vencedores. A Prússia foi simplesmente abolida, e o seu território repartido entre a Rússia, a Lituânia e a Polónia. Parte da Alemanha (Silésia, Pomerânia) foi integrada na Polónia (que em contrapartida teve de ceder territórios seus à Rússia...), a Morávia foi integrada na Chéquia, e parte da própria Alemanha ficou permanentemente sob ocupação soviética e constituiu um Estado independente.
Ora o muro de Berlim caiu em 1989. E, em 1990, deu-se a reunificação das duas Alemanhas.
Mas a unificação dos povos do antigo Reich continuou, agora através da União Europeia:
A Áustria aderiu à União em 1995;
A Chéquia, a Eslováquia, a Hungria, a Polónia e a Lituânia aderiram em 2004;
A Croácia acaba de ter a sua adesão definida para 2013.
Além destes países com grande composição germânica, outros que lhe tiveram grandes ligações históricas também vieram a aderir à União, como a Finlândia (em 1995), que deve a sua independência à ajuda de contingentes alemães na sua curta guerra civil anti-bolchevique (para já não mencionar a sua aliança com a Alemanha nazi na guerra da continuação), ou a Roménia (em 2007), que também fez parte do eixo durante a II Guerra.
Finalmente, é de mencionar que a própria Holanda, tendo embora uma tradição liberal, como os países escandinavos, partilha de muitas afinidades culturais (e económicas) com a Alemanha, tal como a região flamenga da Bélgica, o que não será estranho ao volume dos contingentes de voluntários que forneceram às SS durante a II Guerra Mundial.
Ora, como é sabido, todos estes países apoiam a atitude alemã contra os países devedores do Sul.
Não é, portanto, plausível o fim do euro, e muito menos ainda o da União Europeia, visto ser esta o que permite a reunificação dos povos germânicos sob a mesma bandeira, o mesmo hino, a mesma moeda, e o mesmo nome: União Europeia, precisamente!
O que já é plausível, e aliás se manifesta perante os nossos olhos, é que o conjunto destes povos não esteja disposto a sacrificar-se para sustentar os latinos do Sul, mesmo que isso implique forçá-los a sairem da União!
Tanto mais que, como mostrei no sub-capítulo anterior, a esta clivagem identitária já corresponde uma clivagem comercial e de entrosamentos financeiros...
Sendo assim, penso poder-se admitir como certo que a "hipótese benévola" de a União vir a emitir eurobonds ou qualque outro meio de emissão de moeda que permita a Portugal e outros viverem a crédito, não ocorrerá.
Naturalmente que nem a Alemanha, nem nenhum dos outros Estados pan-germânicos, desejam perder o que já cá têm emprestado, e por isso é provável que não criem nenhuma situação de rutura - tanto mais que a Alemanha não tem praticamente budget militar, que a França e o Reino Unido mantêm forças nucleares e que, portanto, a hipótese de guerra está completamente fora dos cenários de futuro.
Mas emprestarem dinheiro em quantidade e sem restrições, isso não o farão. Nunca mais haverá crédito barato para Portugal, se esta prospecção estiver certa, como penso estar.
E isso coloca-nos a necessidade de pensarmos no nosso futuro próprio, de nação com 870 anos, e na estratégia que pretendemos adoptar. Do que falarei em próximo post.
7 comentários:
Ya. A Merkel está a fazer sem guerra o que Hitler quiz fazer com a segunda guerra. Mas isto não vai ser tão simples. A miséria que isto está a causar vai fazer com que os povos se começem a revoltar. Só que agora não há o comunismo para os guiar e como tal vai ser a anarquia total. Vem aí muita repressão
Isso desvaloriza os crimes de Hitler, um louco demoníaco que gostava de guerra (dizia que cada geração devia ter uma). Além disso as teses raciais estavam na moda, o anti-semitismo era generalizado, e havia o exemplo da URSS, que fascinava os nazis e que dele copiaram ("nacionalizando-os")muitos aspectos - como os campos de concentração, a polícia política, até o vermelho da bandeira...
Ou seja, acho que a Alemanha não repetirá nada do nazismo.
Outra coisa, porém, é o provável sentimento alemão de que unidos com os restantes germânicos e "primos", poderão desenvolver-se a ponto de, num prazo de 20 anos, estarem a disputar a liderança mundial à China!
Conhecendo as qualidades germânicas, compreendo que acreditem nisso, e que o queiram, o que só prova como são afirmativos e competentes.
Só precisam, é evidente, é de se desembaraçarem do lastro dos cábulas do Sul!...
Ora acontece que eu não sou alemão! Claro que hoje até podemos escolher (eles querem os melhores de cá com eles), mas não me vejo nessa pele.
Os gráficos das exportações alemãs são muito giros mas não mostram os valores absolutos das exportações. A conversa de que a Alemanha não precisa da zona Euro é só isso: conversa.
Os valores absolutos das exportações e importações alemãs não estão nos gráficos, mas num doc. oficial alemão para que fiz o hyperlink, quando falei dos números que expus, aqui: "União europeia a 27 todasó absorve". Como sempre, disponibilizei ao leitor a fonte das minhas afirmações factuais.
Quanto à "conversa de que a Alemanha não precisa da zona euro", não está certamente a referir-se ao meu post porque não há lá essa "conversa". O que digo, argumentando com dados exactos, é que a Alemanha não precisa dos países devedores do Sul: Grécia, Portugal, Espanha e até a Itália! Por sinal países latinos e católicos, ao contrário da matriz da Germânia (que é muito mais que a Alemanha)!
Meu caro, eu sou um Prof. do IST a sério!...
Eu sei que o Prof. Pinto de Sá tem credenciais académicas a sério ao contrário de algumas pessoas que andam por aí a tomar decisões hoje em dia. Mas eu já ouvi estes argumentos várias vezes e eles caem sempre quando são observados mais de perto.
A crise dos países do sul e do problema católico ou do euro é um exemplo. A crise não tem nada a ver com ética de trabalho católica vs protestante.
A crise começou a mostrar sinais visíveis quando a economia da Islândia caiu. Noto que este país é protestante, nórdico e não está na zona Euro. Mesmo a Alemanha tem uma substancial população católica no sul do país e é aí que está concentrada grande parte da indústria automóvel. A Grécia é um país Ortodoxo tal como a Bulgária. A República Checa e a Áustria também são países católicos. A alcunha mais precisa que tenho ouvido é crise dos países periféricos. Mas tendo em consideração o número de países periféricos vs não periféricos na Europa a alcunha torna-se um bocado incipiente.
Conheço vários jovens da Bulgária a estudar e trabalhar na Alemanha. Na Alemanha as propinas do ensino pós-graduado são 1/10 das praticadas cá em Portugal. Este é apenas um exemplo da diferença das políticas e prioridades entre os nossos países.
http://news.yahoo.com/chinas-imports-shrink-sign-downturn-worsening-095619731--finance.html
Como esperado as importações da China estão a cair. Já há uns meses as importações de carvão e ferro para fazer aço na China começaram a cair com a diminuição do investimento na construção. A China também tem um política de redução de importações e exigência de transferência de tecnologia que a longo prazo vai tornar qualquer grande boom de exportações da Alemanha para a China no curto termo num bust a longo termo. Há uns anos a conversa era sobre as exportações de comboios de alta velocidade da Alemanha para a China. Por alguma razão já não se ouve falar tanto disso.
Os Alemães foram muito espertos quando foi negociada a abertura do mercado da UE à China e restantes países asiáticos. Nós perdemos o nosso sector têxtil e do calçado em consequência. Os Alemães podem escudar-se no sector automóvel com normas e regras em cima de regras bizantinas para impedir a concorrência dos Asiáticos. Agora que estão a começar a perder quota no sector do solar fotovoltaico foi logo lançada uma investigação pela Comissão Europeia sobre práticas anti-concorrência. Não ouvi nada disso quando foi a nossa indústria têxtil e do calçado a apanhar com o dumping de produtos Asiáticos. Nem os Italianos se safaram. A qualidade por si só não é garantia de sucesso.
Depois temos as políticas agrícolas. Conseguimos ter um balanço positivo na produção de leite cá em Portugal? Toca a cortar na produção. Toca a reduzir o número de galinhas por área nas explorações para transformar o nosso país num importador destes produtos. Se antes comprava-se açúcar barato de boa qualidade ao Brasil agora tem de se fazer fair trade com ex-colónias Francesas. Primeiro dá-se subsídio à plantação de beterraba açucareira para subsidiar os produtores no centro da Europa mas assim que se começa a plantar beterraba na Península Ibérica acaba-se com o subsídio.
Com este tipo de políticas anti-competitivas era de esperar outro resultado?
Os decisores de cá faziam bem em ler Friedrich List e perceber um pouco mais sobre como a Alemanha chegou à posição em que está hoje e porquê a China está também a adoptar este tipo de políticas.
Caro Anónimo das 11.36 pm
Obrigado pelo seu produtivo comentário.
As suas observações são todas pertinentes, e não há nenhuma contradição de fundo entre o que pensamos. Pelo contrário, alega que a Alemanha dirige em proveito próprio as políticas comerciais da UE, o que coincide com a minha opinião de que os interesses nacionais não morreram e de que devíamos defender os nossos, em vez de aplicar caninamente todas as Directivas que vêm de Bruxelas, por mais idiotas ou nocivas que sejam, como as que se verificam na Energia e na I&D.
Sobre a questão do catolicismo e do momento de origem da crise, no entanto, não estamos inteiramente de acordo, e vou tentar sucintamente apontar onde estão os pontos de vista diferentes.
Em primeiro lugar, o início da crise. Sem dúvida, começou com a Islândia, no que respeita à Europa. Mas essa é a crise visível, financeira, imediata, tratada nos media. O que penso é que esta crise foi apenas a constipação que veio revelar a debilidade dos diferentes organismos - uns recuperam, noutros a constipação evolui para pneumonia, porque havia uma debilidade geral que o causaria logo que aparecesse uma constipação... e, sobre isso, sugiro-lhe a leitura do meu post V, anterior a este.
Sobre o catolicismo vs protestantismo, apenas quis sublinhar que há diferenças culturais de base entre grupos de povos. O tipo de diferenças que me parece essencial são as caracterizadas por Max Weber, e daí a minha alusão. Basicamente: puritanismo e aversão às dívidas, visão da riqueza mercantil (aliada ao puritanismo) como moralmente boa, negação das "indulgências", e racionalidade - o luteranismo promoveu, historicamente, a alfabetização e a responsabilidade individual muito antes da Igreja Católica se ter também adaptado, e creio ser difícil não notar a coincidência entre os níveis de desenvolvimento das regiões tradicionalmente protestantes e as católicas, tanto na Europa como na América...
Mas isto não significa que, como alguns, eu defenda que nos devamos "germanizar"! Ou que pense que a Alemanha é um modelo! Significa apenas que acho importante precisamente ter em conta as nossas especificidades nacionais e compreender que não vão mudar!!!
... sobre Friedrich List: não conhecia, mas empiricamente há muito que concluíra o mesmo princípio: uma actividade económica nacional nova não se pode desenvolver se o mercado já estiver ocupado por empresas estrangeiras!
Já escrevi até por aqui que uma das formas de proteger mercados é com NORMAS técnicas, coisa em que Portugal está completamente ausente!
Porém, penso que o nosso problema maior é anterior a esse: é que nem sequer temos qualquer ideia, plano ou estratégia para o lançamento de novas actividades económicas! Toda a nossa estratégia tem sido a de viver a crédito barato e fazer "finanças" - as energias renováveis socratinas são disso o melhor exemplo!
E, precisamente, tentar definir essas actividades, ou pelo menos notar a sua ausência, actividades ao serviços das quais deveria estar uma política nacional de I&D, tem sido um objectivo desta série de posts!
Saudações!
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