Num evento com empresários de Coimbra no passado dia 23, o Presidente da REN e destacado militante do Partido do Governo, Eng.º Penedos, anunciou o advento de um "novo paradigma energético", em que "a procura irá condicionar a oferta". Num discurso que, tal como foi transcrito pela imprensa, terá sido bastante confuso, falou de um futuro a cinco anos em que o consumidor, então também microprodutor, "irá estar em casa e poder ver os preços daquela hora no mercado e decidir se vai consumir energia ou se vai pura e simplesmente prescindir e passar o consumo para outra hora que seja mais económica"!...
A confusão deste discurso é que, desde sempre, foi a procura que condicionou a oferta de energia. Um consumidor liga o interruptor e as centrais eléctricas ajustam a produção a essa procura. Isto é como funciona e sempre funcionou o sistema de energia! Se foi isto que ele disse, não se entende onde está a novidade!
Porém, o que o Eng.º Penedos quis sem dúvida dizer foi o oposto e que, como eu já aqui alertei, é o que de facto os ecotópicos nos preparam: será a oferta que condicionará a procura!
O que o Eng.º Penedos nos anuncia é, por outras palavras, claras e sem confusão, o seguinte: como as energias renováveis são intermitentes e incontroláveis, ao contrário das fontes tradicionais, vai acontecer haver horas e dias em que não haverá energia para todos - o que se vai traduzir em preços exorbitantes que, muito simplesmente, deixarão de fora da civilização de que usufruímos há um século quem não for muito rico! E que, provavelmente, enriquecerão em muito empresas monopolistas como a REN...
Certamente para parecer moderado e equilibrado, o Sr. Eng.º Penedos mostrou-se também aberto à opção nuclear - com uma condição: desde que sejam centrais de uma tecnologia que ainda não existe! Centrais nucleares como as 435 que existem presentemente a funcionar em 31 países, incluindo as 8 que existem em Espanha, que produzem 15% da electricidade mundial e quase 80% da barata electricidade francesa, de que se constroiem novas em grande quantidade por toda a Ásia (há presentemente 52 em construção, mais de metade das quais na China), estão fora de causa! Aceitáveis, só as que "não produzam resíduos", estando sem dúvida a referir-se às centrais de IV geração de cuja disponibilidade se fala lá para 2040...
O Eng.º Penedos dirige uma empresa em que a margem de lucro é proporcional aos investimentos feitos. Por isso, e ele sabe isso perfeitamente, a REN investe com uma lógica completamente contrária à da eficiência - quanto mais investir em redes e equipamentos desnecessários, mais lucros tem. A chamada lógica burocrática.
Foi contra isto que, vai para 30 anos, Reagan decretou a "purple", liberalizando o acesso às redes e à produção de energia nos EUA, o que foi no seguimento copiado por todo o mundo. E, porque havia largo excesso de equipamento de rede, na década seguinte à promulgação da "purple" não foi preciso investir mais apesar do crescimento dos consumos, o que permitiu uma grande redução dos preços da energia nos EUA, ainda hoje a 55% dos nossos.
Infelizmente a História muitas vezes dá um passo em frente para depois dar dois passos atrás...
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Dias depois de ter "postado" isto, apareceu nos media uma notícia deveras triste: a de que o Eng.º Penedos seria arguido, juntamente com o seu filho, de um esquema de favorecimento de um certo grupo empresarial de Aveiro que terá a seu cargo. nomeadamente, o tratamento dos resíduos industriais das nossas empresas "energéticas".
Francamente, estou pouco interessado em saber se o Eng.º Penedos cometeu algum crime ou não. O que deveras me preocupa é outra coisa.
De há uns tempos para cá, quer a EDP quer a REN deixaram de tratar os resíduos industrais dos seus equipamentos, nomeadamente cinzas (algumas com teores de mercúrio) e óleos (portadores dos cancerígenos pcb). Esses resíduos passaram a ser tratados em "outsourcing", por empresas como a O2 - Tratamento e Limpeza Ambientais, SA, que surge agora no cerne desta triste história.
Ora, há uns meses, muito antes desta investigação criminal ser conhecida, um quadro de uma destas empresas manifestou-me a sua preocupação quanto ao desconhecido destino que estariam a ter os referidos resíduos industriais. No meio da conversa, surgiram referências jocosas à máfia italiana e aos crimes ambientais que o "negócio do lixo" tem causado por todo o lado e de que a filmografia é pródiga a romancear.
Sabemos agora que a referida empresa de Aveiro está envolvida em avultados esquemas de corrupção e em enormes fraudes fiscais, nomeadamente com a emissão de facturas falsas. Será que o tratamento dos resíduos industriais propriamente ditos foi feito como deve ser, sabendo-se como por todo o lado esse negócio é frequentemente mafioso? De facto, e conforme o Eng.º Oliveira me chamou a atenção depois de publicar uma versão anterior deste post, a TVI mostrou há semanas uma reportagem sobre a "máfia lusa dos lixos" que é verdadeiramente aterradora! E, no entanto, os medias e aparentemente a justiça parecem muito mais interessados na identificação de corruptos do que em identificar se a empresa que está por detrás de tudo isto comete ou não crimes ambientais!
Seria verdadeiramente triste vir a saber-se, entretanto, o que sinceramente desejo que não aconteça, que a liminar rejeição da opção nuclear para Portugal, em nome do seu alegado "problema dos resíduos", andasse a par da cumplicidade com negócios mafiosos no tratamento dos outros resíduos industriais da produção de energia e nos eventuais crimes ambientais associados...!
6 comentários:
Caro Prof. Pinto de Sá
José Penedos é uma pessoa com vastas qualidades, entre as quais a habilidade de, em questões difíceis, saber dar uma no cravo e outra na ferradura, de forma a ficar bem com Deus e com o Diabo.
Não foi esta a primeira vez que veio a público advogar a opção nuclear, mas defendendo soluções tecnológicas que atiram para as calendas gregas.
Boa tarde,
Como julgo ter compreendido de um post anterior, a energia nuclear não será tão barata como alguns advogam (comparando com as actuais a carvão e gás) se, no cálculo do preço tivermos em conta o custo de transporte e armazenamento dos resíduos bem como o custo de desmantelamento da central. Nesse sentido pergunto:
- Como se explica que a energia nuclear em França tenha preços bastante competitivos?
- Seria possível transpôr esse cenário para a realidade portuguesa?
- Tendo em conta a fobia que existe na sociedade relativamente ao nuclear - não somente relativa aos velhos preconceitos em torno da segurança das centrais, mas também no que toca ao destino dos resíduos - acredita que haverá algum político disposto a colocar a cabeça no cepo e avançar com o nuclear em Portugal antes de aparecerem os tais reactores de IV geração?
Cumprimentos,
Vasco Branco
Tenciono escrever um post detalhado sobre a opção nuclear, mas estas coisas para serem sérias dão trabalho, exigem tempo e eu ainda tenho outros afazeres.
De qualquer modo, trata-se de uma questão que tem muitas vertentes, e a dos resíduos é uma delas.
Em posts anteriores já foi aflorado, quer directamente quer na discussão de comentários, a questão do preço do kwh nuclear. Neste preço entra o custo da central, que é determinante, o do seu desmantelamento no final da vida útil (hoje em dia 40 anos mas que têm sido estendidos para 60), orçamentável em 30% do custo de construção da central, e o tratamento dos resíduos.
Vale a pena notar que o alto custo de construção das centrais deriva das exigências de segurança das mesmas.
Presentemente, o tratamento dos resíduos consiste em mantê-los numa piscina a arrefecerem entre 2 a 3 anos (a fissão nuclear prossegue mesmo depois do uso do U235, que não total), e depois de arrefecidos vitrificá-los, encerrá-los em pesados contentores blindados e enterrá-los bem fundo em locais geologicamente estáveis.
Claro que o processo não é isento de riscos, mas muita coisa se pode fazer para os minimizar, começando pela própria tecnologia das centrais escolhidas.
O problema é que se se começa logo por excluir o nuclear, sem sequer se chegar a estudar os riscos reais e as alternativas para a sua minimização, e isso está a acontecer, verdade seja dita, não só em Portugal - em Espanha há uma tomada de posição do PSOE para o abandono do nuclear, e na Alemanha um acordo no mesmo sentido entre os sociais-democratas e os verdes. E, mesmo nos EUA, há muita indecisão.
Só na Ásia, em que estão mais interessados no desenvolvimento económico que em ideologias exóticas, é que o nuclear prossegue hoje em dia em força - especialmente no Japão, Coreia do Sul, China e Índia - e Rússia. E porquê? Porque se o nuclear tiver uma construção bem gerida, o seu kwh fica muito barato - na verdade, o mais barato de todos. Basicamente por causa da fórmula de Einstein, E=mc2. Uma central nuclear gasta por ano cerca de uma tonelada de urânio 235 (contido em 33 toneladas de urânio total), uma quantidade de matéria ridícula face à colossal quantidade de energia produzida com ela, uma quantidade que cabe numa mala de viagem - e, na verdade, dessa tonelada apenas 0,4 Kg se transformou directamente em energia, sendo o que sobra os resíduos (radioactivos, pois)!
Claro que há riscos e que há medos. Mas se os povos forem devidamente esclarecidos face às várias opções e ao balanço dos custos e benefícios vários, imdediatos e a longo prazo, poderão decidir como lhes aprouver. A mim o que mais me incomoda é que estas opções estejam a ser tomadas pelos dirigentes políticos sem o correspondente debate e esclarecimento públicos, mas na Europa isso não admira - há toda uma deriva anti-democrática em curso, patente na recusa dos referendos aos tratados, por exemplo...
Simplesmente a Europa não é o mundo, e Portugal muito menos. E se a Ásia em geral continuar a apostar na tecnologia e a ignorar ideologias fantasistas, não tenho nenhuma dúvida que a decadência ocidental será rápida, e a europeia mais rápida ainda; aliás, não é por acaso que o crescimento europeu no seu todo mal excedeu 2% ao ano, na útima década, contra a média de 10% da China, de 6-8% da Índia e de 6% dos EUA...
Mas, sobretudo, o que considero escandaloso é que exista uma política de subsidiação às renováveis sem que se tenha previamente criado uma indústria nacional no sector - e nisto é que somos uma espécie de Albânia: um farol da ecologia mundial!!! E que o custo disto seja escondido em défices obscuros, como aliás acontece noutros sectores (as estradas, etc)!
Também me parece que a energia eléctrica se transformará num luxo em Portugal.
Mesmo nos EUA é previsível que o preço da energia duplique ou triplique nas próximas décadas (segundo um post deste blog). Por cá o aumento deve ser bastante maior...
Mas fiquemos felizes e contentes a enviar dívida para o deficit para que a possamos pagar com juros quando os políticos forem outros.
O que deve estar acontecer a esses resíduos talvez seja o que se pode observar nesta reportagem da TVI :
http://www.tvi24.iol.pt/ambiente/residuos-mafia-portuguesa-mafia-residuos-ambiente-poluicao/1096328-4070.html
Parabens pela excelente resposta a Vasco Branco. Em poucas palavras foi dito o importante sobre energia nuclear. Fico esperando o seu post mais detalhado sobre o assunto.
Cumprimentos
J Aguiar
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