Trata-se de um reactor experimental que Portugal comprou com o intuito de adquirir know-how na matéria, e que justificou até, então, a criação da defunta Junta de Energia Nuclear, onde trabalharam alguns dos melhores "cérebros" que Portugal tinha antes da queda do regime em 1974.
Na sequência da publicação da notícia proliferaram os comentários on-line sobre o reactor e surgiu um argumento contra a opção de instalação de uma central nuclear em Portugal que fora defendido há 30 anos, na última vez que tal opção foi discutida em Portugal. Esse argumento é que uma central nuclear é tão grande que a sua avaria repentina pode "mandar abaixo" toda a rede eléctrica, provocando um "apagão".
Ora e a propósito de apagões, houve ontem um no Brasil que deixou 50 milhões de pessoas às escuras (1/4 da população brasileira), havendo quem argumentasse que tal se deveu "à falta de investimento na rede de distribuição" devida "à ganância dos accionistas". Mas, na realidade, o apagão de ontem no Brasil nada tem a ver com redes de distribuição, e ilustra precisamente o que pode acontecer quando uma grande central "salta fora" repentinamente de uma rede eléctrica.
De facto, foi a central de Itaipu, que fica na fronteira do Brasil com o Paraguai e com a Argentina, que "saltou fora". Itaipu é umas maiores centrais hidroeléctricas do mundo, de facto a maior do mundo em produção de energia, produzindo uma potência média de 11 GW, o que é quase o dobro do consumo médio de Portugal! Fornece 90% da energia consumida pelo Paraguai e quase 1/5 da consumida pelo Brasil, mas está muito longe dos centros de consumo deste país, com linhas especiais de Alta Tensão com mais de 900 km de comprimento.
Foi uma sequência (rara) de incidentes que desligou essas linhas de Transmissão e levou a central a "saltar fora" e, no seguimento, a rede "partiu-se" (algumas linhas de Muito Alta Tensão terão desligado por não aguentarem a sobrecarga pedida ao norte) e as poucas centrais que havia na rede que ficou a Sul não aguentaram o pedido de energia que lhes caiu em cima repentinamente e saltaram fora também. É aliás assim que acontecem quase todos os apagões.
Uma vez ocorrido o apagão, a reposição da rede em serviço, ligando-se uma central de cada vez enquanto se procura a causa do incidente, leva tempo - neste caso levou 6 horas, provocando o caos e obrigando a cantora Madonna, que estava no Rio de Janeiro a visitar umas favelas, a ter de ir jantar à luz das velas.
Ora uma central nuclear não pode ser pequena, em termos da potência que fornece, para ser rentável. 1,35 GW é uma potência típica. E, naturalmente, pode-lhe sempre acontecer o que aconteceu agora com Itaipu.
Porém, hoje em dia o consumo médio de Portugal é de 6,0 GW, variando entre cerca de 3,5 GW de mínimo pela madrugada, e 9,0 GW de ponta pelas 20 horas, o que é muito mais do que o que acontecia há 30 anos, quando os consumos de electricidade eram de pouco mais de 1/4 dos actuais, em Portugal. Nessa altura, o consumo nas horas de vazio (madrugada) era inferior à produção de uma tal central, cerca de apenas 1 GW, o que criava um problema ao excedente e o grande risco de, caso a nuclear se tivesse de desligar inopinadamente, toda a rede "ir abaixo" e se ter um apagão. Mas isso já não é assim hoje, e o disparo de uma nuclear teria efeitos semelhantes, na pior hipótese, aos do disparo da central de Sines (1,2 GW), que aliás já tem acontecido e "mandado abaixo" o Sul do país - mas a fiabilidade de uma nuclear é muito superior à de uma central a carvão, e por isso o risco de tal acontecer é bem menor, menos de metade. E depende muito da concepção da rede em que se insira.
Entretanto, porém, a mesma energia que produziria uma tal nuclear será produzida, já no fim de 2010, pelos 5,1 GW de centrais eólicas que estão em instalação (e de que neste momento já estarão instalados uns 3,5 GW). Ou seja, a mesma potência média de 1,23 GW que uma central nuclear de 1,35 GW produz anualmente, serão produzidos por um conjunto de parques eólicos de 5,1 GW.
Acontece, porém, que a energia eólica é intermitente. Na maior parte do tempo, não produz mais que 5% (0,25 GW) da potência instalada, mas há ocasiões, sobretudo no Inverno e à noite, em que podem produzir 90%, ou seja, 4,5 a 5 GW. E isso é muito mais que os 3,5 GW que Portugal estará a consumir nessa altura e que é a razão de ser do projecto das 8 hidroeléctricas adjudicadas, como já mostrei , que trabalharão como estações de bombagem para dar consumo a essas eólicas.
É evidente, portanto, que vamos estar, com estas eólicas a superarem o consumo das madrugadas, precisamente na situação que há 30 anos levou a excluir a instalação da nuclear de Ferrel!
Há quem argumente que a situação é diferente porque no caso de uma nuclear se perderiam 1,35 GW de uma vez, enquanto que agora temos muitas turbinas eólicas pequenas e que, portanto, o risco de se desligarem todas simultaneamente é muito menor.
Ora isto é falso, e é precisamente a principal razão de ser deste meu post hoje: o risco de "saltarem fora" de uma só vez 3 a 4 GW de eólicas é maior do que o de saltar a tal nuclear (de 1,35 GW)! E porquê? Porque:
- Os parques eólicos estão concentrados, na sua maioria, em zonas restritas, especialmente no Minho;
- As eólicas que temos não foram concebidas para suportarem perturbações na rede eléctrica a que estão ligadas, desligando-se à menor perturbação; isto acontece porque o Estado português não previu nem publicou normas técnicas que o exigissem (ao contrário de todos os outros países com eólica em quantidade significativa, e apesar delas terem sido elaboradas no Instituto Superior Técnico no início desta década). Ou seja, cada eólica e cada parque eólico dos que temos suporta muito menos perturbações na rede eléctrica do que qualquer central tradicional, incluindo uma nuclear!
Ou seja: quando ocorrer o inevitável apagão ibérico que tudo isto prepara, já sabem o motivo! E lembrem-se que a nuclear de há 30 anos foi rejeitada em parte por isto poder acontecer, na altura, mas que agora para o eólico nenhum responsável quis saber disso...
6 comentários:
Caro Prof. Pinto de Sá
Excelente post.
Relativamente aos geradores eólicos, julgo que já conhecerá o sistema “Fault-ride through”, aqui descrito :
http://www.eurojournals.com/ejsr_28_3_02.pdf
Por sinal ainda não li o documento, mas tive conhecimento de que a REN tem vindo a impor o sistema aos promotores das eólicas, para evitar as saídas prematuras das turbinas eólicas e consequente agravamento de uma perturbação da rede.
O sistema tornou-se obrigatório para os novos geradores, mas também já tem sido instalado nalguns casos do passado.
O problema é que o custo é da ordem de 100 000 euros por turbina eólica, o que torna esta forma de produção cada vez menos competitiva.
Boa Tarde,
Só hoje reparei que na factura da EDP vêm discriminadas as fontes da energia consumida em Portugal (a informação consta também do site www.edpsu.pt). Não deixa de ser curioso que cerca de 6% da energia que consumimos provém de geração nuclear em Espanha, valor que é metade da produção eólica nacional (12%) e 3/4 da geração hídrica (9%). Cada vez entendo menos a diabolização do nuclear da qual eu já fui, aliás, um dos arautos. Só a questão dos resíduos me continua a causar reservas.
Cumprimentos,
Vasco Branco
Caro Eng.º Jorge Oliveira,
Conheço perfeitamente toda a problemática relativa à capacitação das eólicas para o LVRT ("Low-voltage Ride Through"). Na verdade, no início do ano fiz um estudo detalhado do problema aplicado a Portugal.
É precisamente por isso que digo o que digo quanto à existência de normas técnicas. Aliás, também fui eu quem em 2002 fez uma proposta de normativo técnico para a Direcção-Geral de Energia sobre a interligação à rede das renováveis, proposta essa encomendada e paga pela DGE.
Ficou na gaveta até hoje!...
E olhe que na altura quem governava era o PSD, e não o PS..
Caro Prof. Pinto de Sá
Eu não gostaria de me afastar do essencial do post, mas o seu comentário final, quando diz “E olhe que na altura quem governava era o PSD, e não o PS..” justifica uma observação da minha parte.
Com efeito, se está a fazer alguma alusão a uma ligação minha ao PSD, que de forma alguma lhe levo a mal, devo então esclarecê-lo de que já há quatro anos me desvinculei do partido, por não suportar a enorme azelhice da direcção e, sobretudo, porque, após a vitória eleitoral de 2002, o PSD aniquilou o Gabinete de Estudos e nunca mais se verificou um debate interno relativamente às questões prementes do sector energético nacional.
Depois de deixar o governo, em 2005, o PSD fixou-se na problemática da contabilidade e finanças públicas, matéria que pode fazer as delícias dos macroeconomistas, mas que um engenheiro, mesmo com um MBA, sabe não ser a mais decisiva para a economia de um país…
A única pessoa do PSD, honra lhe seja feita, que teve e continua a ter uma intervenção pública no domínio da Energia é o colega Mira Amaral. Infelizmente está sozinho.
Mas posso garantir-lhe que, no ano que refere, 2002, era indiferente, em termos de política energética, estar no governo o PSD ou o PS. De facto, mercê de uma infame dependência de interesses do Primeiro Ministro de então, o governo do PSD deixava em mãos alheias o controlo de tudo quanto respeitava à política energética, incluindo o controlo das empresas de energia participadas pelo Estado, nas quais o PS continuou a pôr e a dispor, até hoje.
Aliás, chamo-lhe a atenção para um facto, que pode ser confirmado com facilidade e que diz bem do empenho do Governo do PSD, de 2002, no sector energético : no Ministério da Economia, de Carlos Tavares, o qual tutelava a Energia, não existia um único engenheiro, um único, repito. Se isto não tem significado, não sei o que terá. Eu sei bem qual era a razão, mas não quero alongar-me e fico por aqui.
Caros Eng.s,
E em 2002 onde estava o incontornável Eng.º Penedos e respectivos assessores de longa data? E já agora: mas alguém com um mínimo de bom senso ainda admite que o PS, o PSD, o PCP, o BE e o PP, andam a tratar de resolver os problemas do País?
Cordialmente,
CTA
Eu sei que no último grande concurso de adjudicação de pontos de injecção para as eólicas, foi inserida uma cláusula a requerer o cumprimento de uma "curva de LVRT" que, aliás, é copiada da espanhola.
E sei que a REN vai discricionariamente pedindo a este e áquele produtor que implemente tais curvas.
Há nisto, porém, dois problemas:
a) o primeiro é técnico: essas curvas e a sua implementação não seguem nenhum padrão ou estudo técnico baseado em algo e, sobretudo, não há meios para a verificação do seu cumprimento;
b) Nada disto obedece a uma Directiva Europeia - que, curiosamente, nunca foi aplicada em Portugal - que mandava que estas coisas fossem legisladas para que fosse transparentes.
Ora é fácil de ver que sendo tudo tratado caso a caso e discricionariamente, se criam oportunidades para todo o tipo de favores pessoais, de criação de dificuldades para a posterior venda de facilidades...
Aliás, o mesmo se aplica à própria ideia dos concursos de adjudicação! Na proposta normativa que fiz em 2002 estabelecia regras técnicas de ligação à rede, aliás adaptadas das alemãs, que tornavam tudo transparente e tecnicamente são. Sem elas, é fácil de ver, sabe-se lá que critérios terá havido na adjudicação desses pontos de ligação, que em rigor não deviam precisar sequer da intervenção do Estado!
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