segunda-feira, novembro 23, 2009

Quando a ciência comanda a política, a política comanda a ciência

De um modo geral, os cientistas gostam da ideia de que a política seja conduzida pela racionalidade e a objectividade da Ciência. Pensam que, com isso, se reduzirá ou mesmo eliminará a irracionalidade que tem conduzido repetidamente a História às grandes catástrofes das guerras e dos regimes baseados em fés totalitárias.
Presentemente, a teoria do Aquecimento Global antropogénico e os seus derivados políticos, nomeadamente o protocolo de Kioto de 1997 e a Cimeira de Copenhaga do mês que vem, são considerados por muitos, com satisfação, como um exemplo de como a Ciência pode conduzir boas políticas.
No caso do Aquecimento Global antropogénico há mesmo o sentimento de se estar perante a missão de salvar o Mundo!
Os europeus, em particular, sentem-se de novo na vanguarda da História, arautos desta nova e nobre missão de salvação da Humanidade, já que têm sido eles, conduzidos pela "verde" Alemanha (nunca suficientemente penitenciada dos seus crimes irracionais passados), quem tem procurado liderar o Mundo nesta nobre missão baseada na Ciência. Liderança da Europa que contribui para alimentar uma auto-estima muito abalada pela sua irrelevância político-militar e pelo imparável declínio da sua economia, da sua tecnologia e da influência da sua cultura.

Entretanto, nos últimos dias o escândalo resultante da divulgação dos emails trocados entre climatologistas defensores da teoria do Aquecimento Global antropogénico, com as confissões neles contidas das perplexidades existentes perante alguns dados empíricos e das manipulações da respectiva apresentação, veio revelar ao Mundo um facto pouco conhecido e perturbador: o de que o Aquecimento Global antropogénico não é um consenso na Ciência do clima!
Quem frequente o cyberespaço já sabia que existe uma corrente científica que nega a evidência das origens antropogénicas do Aquecimento Global. É uma corrente que não tem eco nos media e que, portanto, é desconhecida do grande público e que quase não tem aceitação nas revistas científicas da especialidade. São conhecidos por "cépticos" ou "negacionistas" e o seu "apagamento" da ribalta é muito ajudado por o negacionismo ter sido adoptado pelo Presidente Bush, cujos erros políticos muito contribuíram para desacreditar até a  simples expressão de tais posições.
De um ponto de vista estrito da História da Ciência, a existência de "cépticos" é natural e irrelevante a longo prazo, dado que a evolução da Ciência acaba sempre por resolver as dúvidas cientificamente legítimas e por estabelecer o consenso. Einstein, que enterrara de vez a fantasia do éter, também recusou a Física quântica com o argumento de que "Deus não jogava aos dados" e, até, recusara antes a consequência que o jesuíta Lemaître tirara da sua própria teoria da relatividade quanto à ocorrência de um Big Bang e, portanto, do facto do Universo não ter existido sempre!...
Os cépticos quanto às origens antropogénicas do Aquecimento Global têm, por vezes, motivações suspeitas, mas do mesmo acusam eles os "verdes", acusações a que a recente revelação dos interesses financeiros de Al Gore nas energias renováveis veio dar mais credibilidade. O certo é que, como esta revelação dos emails veio revelar, o estado da climatologia tem ainda muitas lacunas e incertezas quanto ao que, de facto, se está a passar com o clima.
Pode-se acusar os "cépticos" de, simplesmente, não quererem aceitar a novidade (como sucedeu a Einstein), mas algumas das suas críticas e teorias são, pelo menos, cientificamente curiosas. Uma delas, recente e elaborada por um Engenheiro nuclear reformado (é verdade que muitos dos "cépticos" são gente já de certa idade, o que se associa bem com a resistência à novidade) defende, por exemplo, que as alterações climáticas são essencialmente explicadas por fenómenos gravitacionais, como as marés, os ventos , a tectónica das placas e movimentos no núcleo líquido do planeta, resultantes do efeito gravitacional de natureza periódica dos astros circundantes - especialmente, na sua análise, a alteração da excentricidade da Terra pelo efeito ressonante de Saturno e de Júpiter, e o aumento de radiação solar recebida em consequência. É uma teoria curiosa porque sem dúvida que tais dinâmicas devem ter algum efeito no clima, e elas são quase universalmente ignoradas pelos climatologistas que quase sempre se limitam ao estudo da atmosfera e da superfície planetária. Pode ser uma perspectiva errada, mas o certo é que está por aprofundar.
Entretanto, no que todos os advogados da antropogenia do Aquecimento Global concordam é que há um Aquecimento inexplicável por causas naturais e que ele se correlaciona bem com o aumento do CO2 na atmosfera, e este com o crescimento explosivo da população humana ocorrido desde a revolução industrial. Mas, como não é totalmente clara a relação de causa-efeito, o que diz o último relatório (2007) do Painel Inter-governamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC) é apenas: "increases in anthropogenic greenhouse gas concentrations is very likely to have caused most of the increases in global average temperatures since the mid-20th century". Para além disso são quase tudo incertezas, e mesmo o mencionado Aquecimento é questionado por muitos "cépticos" (e é aí que entram os dados e manipulações revelados pelos referidos emails). Curiosamente, já Benjamin Franklin, o inventor do pára-raios e interessado climatologista, mantinha acesas discussões epistolares com outros cientistas da época (1763) sobre as alterações climáticas então em curso, muito antes da sociedade de consumo e da explosão demográfica...
Mas mesmo aceitando a origem antropogénica de um eventual Aquecimento Global, entretanto, a determinação da importância relativa das actividades humanas que o produzirão é muito especulativa, segundo os relatórios mais recentes do próprio IPPC. As simples actividades de uso dos solos e em particular a desflorestação estimam-se como responsáveis por 1/3 do referido aquecimento, mas com uma incerteza admitida para os valores estimados de + ou - 50%!...
Obviamente, as consequências políticas internacionais de tal estimativa são enormes. Geralmente os "verdes" mais radicais tendem a ignorar, de entre as invocadas causas do Aquecimento Global, tudo o que não seja o consumo energético e os automóveis do Ocidente desenvolvido; mas, segundo o próprio IPPC, tal consumo não será responsável por mais de 40% do referido Aquecimento, como tenho divulgado aqui; ora sem uma redução das outras causas, muitas das quais resultam de tecnologias primitivas como os fogões de lenha ou o metano libertado pelas lixeiras a céu aberto do 3º Mundo, além da desflorestação criada pela necessidade de terrenos cultiváveis pelo explosivo crescimento da sua população, pouco adiantarão os sacrifícios do Ocidente desenvolvido. E, sabendo isso, é improvável que a aceitação desses sacrifícios seja consensual nos países do Ocidente onde há discussão pública destes assuntos com consequências eleitorais (o que não acontece em Portugal, como é sabido). Para já não falar na improbabilidade de grandes povos que iniciaram finalmente a saída de misérias ancestrais, como os da China, Índia ou Brasil, aceitarem qualquer sacrifício dos seus desenvolvimentos económicos.
O tempo e o aperfeiçoamento dos dados empíricos e dos modelos hão-de acabar por resolver as dúvidas científicas e criar consensos. Um grande problema, porém, poderão tornar-se as políticas que se assumem como iluminadas por esta Ciência climática.

Na verdade, quem desconhece a História está condenado a repeti-la e, por isso, é conveniente lembrar que o século XX teve dois grandes movimentos políticos que pretenderam salvar o Mundo seguindo a luz da Ciência.
Um deles ocorreu numa época em que a maioria dos cientistas acreditava que a "lei da selva" era a luta do mais forte pela supremacia e, em particular, das espécies mais fortes. Era uma convicção arreigada por todo o lado e que encontrou na Alemanha, como se sabe, a sua expressão política mais determinada e consequente: o nazismo. Poderá parecer de uma irracionalidade inconcebível, hoje em dia em que a Natureza é vista como um sistema ecológico que ilustra a "complementaridade das diferenças", o facto dos dirigentes nazis pensarem que salvavam a Humanidade ao exterminarem as "raças" inferiores, mas a eugenia era generalizadamente vista á época como um supra-sumo científico.
O outro movimento político iluminado pela Ciência foi o do socialismo científico, que pretendia construir uma nova sociedade toda ela baseada numa visão científica das relações humanas (os crentes que me perdoem o uso do pretérito).
Como é sabido, em ambos os casos as supostas Ciências transformaram-se em ideologias quando foram assumidas pelos respectivos movimentos políticos, ideologias que por sua vez passaram a Inquisições de todos os desvios ideológicos e, assim, a comandar a Ciência.
Um dos exemplos mais expressivos deste comando da Ciência pela política foi a negação da genética de Mendel e a defesa de que o meio exterior podia induzir a "adaptação" dos genes por Lyssenko (na fotografia) o que, como se sabe, além da eliminação dos melhores agrónomos russos da época causou danos profundos à produtividade agrícola soviética.
A época em que Lyssenko orientou a política de Estaline para a genética ficou famosa como exemplo das políticas científicas de apadrinhamento de incondicionais e de exclusão de desalinhados, mas qualquer analogia que se possa encontrar entre tal política e a actual promoção da Ciência e Tecnologia "para um futuro sustentável" é, naturalmente, pura coincidência.
O certo é que é preocupante a sobranceria com que na Europa os media vêm as dificuldades do Presidente Obama em convencer o Senado a apoiar a sua política climática de inspiração europeia, assim como as distâncias que os grandes países asiáticos que são a China e a Índia mantêm para com o radicalismo destas ideologias.  E se, por aquelas bandas, se vier a verificar que os rumos escolhidos são outros, esperemos bem que a Europa se não crispe e que não inicie um novo grande conflito ideológico como os que ocorreram no século XX - para afinal, daqui a 10 ou 20 anos (a perda recente do satélite que visava medir as temperaturas oceânicas atrasará esta data), as dúvidas sobre a origem antropogénica do Aquecimento global terem sido definitivamente debeladas - ou, pelo contrário, se terem revelado afinal acertadas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Teria sido mais interessante ter lido argumentos de climatologia do que ler uma argumentação bem construída mas essencialmente política e não técnica.

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

Peço desculpa, mas as revelações do “climategate” não vieram apenas «revelar ao Mundo um facto pouco conhecido e perturbador: o de que o Aquecimento Global antropogénico não é um consenso na Ciência do clima!»

Que esta teoria não gozava de consenso, há muito que se sabia. Que muitos dos seus principais actores eram pessoas sem carácter, autênticos trapaceiros capazes de manipular e falsificar dados, bem como de outros atentados à decência de atitudes, isso sim é que constitui um facto desconhecido e perturbador.

Eu, que já sou velho e, portanto, propenso ao “cepticismo”, fico dividido entre dois sentimentos : a indignação perante a desonestidade daqueles pseudo cientistas e a satisfação por verificar que a minha intuição, apesar da idade, continua em bom estado.

Na verdade, quando há uns anos dediquei mais atenção ao tema do aquecimento global de origem antropogénica, a princípio fiquei um tanto preocupado. No entanto, depois de ter começado a consultar a literatura sobre o assunto (os conhecimentos adquiridos no IST ainda são suficientes para me sentir confortável na abordagem física e matemática da matéria), rapidamente me convenci de que a teoria oficial não tinha fundamentos sólidos.

E reconheço que a minha mudança de posição foi auxiliada pela percepção que comecei a formar acerca da diferença de atitudes entre os “crentes” e os “cépticos”, mas não quero ser aqui indelicado adjectivando a impressão que desde cedo me deixaram os “crentes”, sobretudo os mediáticos entusiastas nacionais.

Quanto aos interesses económicos dos “cépticos” neste assunto, pela minha parte posso dizer que são tantos que até participei, sem qualquer remuneração, na tradução do livro “A Ficção Científica de Al Gore”, editado em Portugal em Maio do ano passado.

Cumprimentos

Pinto de Sá disse...

Este blog pretende-se sobre "ciência, tecnologia, e POLÍTICAS científicas".
Blogs, textos, livros e polémicas sobre climatologia é o que não falta na net - se acha mais interessante, só tem que procurar e entreter-se por lá.
O texto que escrevi é uma meta-reflexão sobre o problema e as suas implicações a jusante - Como, por exemplo, a orientação do MIT-Portugal nesta matéria.

Pinto de Sá disse...

Recebi um comentário que não estava a pensar publicar mas que, depois, achei que valia a pena só para esclarecer algumas coisas. Diz este "Anónimo" (ah, esta falta de coragem...):
"Acha mesmo que um par de emails privados, roubados ilicitamente sabe-se lá a quem, por quem e com que propósito, dão informação sobre os consensos, ou falta dele, na comunidade científica internacional? Devemos estar a brincar com certeza.

Já agora, o anónimo de idade que escreve antes de mim é o autor do blogue mitos climáticos que é um blogue de má qualidade (o tal eng. nuclear referido no post), que manipula informação científica e cuja imagem só sobrevive pois não se permitem comentários de nenhum tipo. Abra lá os comentários à comunidade e verá como cai o castelo de cartas que lhe tem dado visibilidade nos últimos anos."

1 - Um facto habitual na net é o "lançamento de bocas". Este Anónimo diz que foi "um par" de emails "obtidos ilicitamente". Ora, 1º não foi um par - foram anos de emails guardados num servidor; 2º o facto de terem sido obtidos ilicitamente não os desmente. Sobre o assunto há informação que baste no link que tive o cuidado de inserir no meu post, como sempre faço quando afirmo algum facto notável. Pruridos de rigor...

2 - O Engº Jorge de Oliveira que comentou antes deste Anónimo é meu conhecido e nada tem a ver com o "anónimo de idade" que é autor do blog "mitos climáticos". O autor desse blog, que não conheço pessoalmente, é o engº Moura.

3 - O eng.º nuclear reformado que menciono nada tem a ver com o autor do blog "mitos climáticos". Basta seguir o link que, mais uma vez, fiz sobre esse autor, para verificar que se trata de um americano, John Dodd, Mestrado numa Universidade americana e que, por sinal, é comentador habitual da revista "The Economist". A biografia dele está no livro para que fiz o link.
Em Portugal não há engenharia nuclear, sequer.

Anónimo disse...

Os argumentos climatológicos em falta para uma boa argumentação, são os que o Steve McIntyre anda a pedir, digamos, já há algum tempo...
CTA

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

O comentário desse anónimo, que o levou a dar as explicações que pudemos ler, constitui um exemplo elucidativo daquilo a que anteriormente me referi e que me habituei a ler nos blogs que aceitam comentários dos leitores, sem qualquer moderação.

Não digo que todos os adeptos da teoria sejam do calibre desse anónimo, mas a esmagadora maioria dos que acreditam no aquecimento global e que deixam comentários nos blogs são autênticos fanáticos, incapazes de comentar uma opinião sem ofender o respectivo autor.

Por isso, não me surpreende que muitos dos cientistas (?) do Climate Research Unit tivessem tido aquele comportamento vergonhoso em relação aos críticos da teoria.

Anónimo disse...

Pois mas a realidade é que enquanto uns se entretêm a negar anos de investigação sem trazer argumentos de substância que contradigam os factos, começam as disputas pelo uso do oceano ártico que começa a ficar livre de gelo e que, por conseguinte, abre novas rotas marítimas e oportunidades de extracção de petróleo.

Jorge Oliveira disse...

Julgo que não vale a pena alimentar discussões bizantinas sobre, por exemplo, a altura de duas pessoas, se podemos usar uma fita métrica e tirar as dúvidas.

Da mesma forma, quem estiver interessado em discutir o que se passa com a cobertura de gelo nos polos pode consultar o elucidativo site

http://www.iup.uni-bremen.de:8084/amsr/amsre.html

que lhe permite fazer um acompanhamento diário e logo vê se o gelo dos polos está a aumentar ou a diminuir.

Anónimo disse...

No link:

http://wattsupwiththat.com/2009/11/15/reference-450-skeptical-peer-reviewed-papers/

está uma lista de 450 artigos de cépticos.
Mas para começar a análise técnica, que o comentador anónimo em cima nega existir, o que dava mesmo jeito era perceber como é que as temperaturas usadas como dados nos modelos de previsão foram obtidas.

Sobre dúvidas referentes a leituras de temperaturas ver p.e.:

www.climatesci.org/publications/pdf/R-321.pdf

com direito a réplica e contra-réplica cf:

http://climateresearchnews.com/2009/03/pielke-sr-on-jones-et-al-2008-playing-down-1c-urban-warming-per-century-over-china/

Neste tema estou particularmente interessado na precisão dos dados vs. precisão dos resultados, até porque esta avaliação está ao alcance de um qualquer um estudante do 1.º ano duma universidade (não independente)...

JM