Ontem, nem percebi bem porque razão, os media lembraram-se de ir visitar o túmulo da central eléctrica de energia das ondas que jaz na Póvoa de Varzim, paralizada sem remédio apenas 3 meses depois de inaugurada. Custou esta experiência, totalmente importada chaves-na-mão e sem qualquer incorporação portuguesa a não ser o dinheiro investido, 9 milhões de €, dos quais 1,2 milhões do erário público, e vale a pena ouvir as palavras do então Ministro da Economia (no hyperlink atrás) para ver a grandiloquência do projecto!
A central começou a funcionar e ao fim de 3 meses avariou de tal maneira que a construtora saiu do projecto.
Mas, segundo a reportagem da SIC para que hyperlinko atrás, há mais projectos destes em preparação, aparentemente "encalhados" por burocracias. E, dizem os jornalistas e um tal Sr. António Sarmento de um "Wave Energy Center", que assim Portugal "corre o risco de perder a corrida" a esta forma de energia. E qual a contribuição de Portugal para tal corrida? Como explica a reportagem, uma tarifa subsidiada que "despertou o entusiasmo em todo o mundo" que teria protótipos para testar e ninguém que pagasse a experiência...
E no entanto, esta não é a primeira central de ondas testada em Portugal.
Ao que parece, já toda a gente se esqueceu da central da Ilha do Pico, decidida em 1992 e inaugurada em 1999, e imediatamente transtornada por avarias constantes que a paralisaram até 2005, quando um consórcio a repôs em funcionamento por um ano apenas para confirmar "a persistência de limitações técnicas na estrutura original do grupo gerador"...
A ideia parece não ter sido de todo abandonada, mas em 2008 já eram até os próprios suportes em cimento da estrutura que estavam danificados pelo mar...
Será que andamos com azar, em Portugal?
A verdade é que a História das tentivas de conseguir usar a energia das ondas para produzir electricidade tem mais de um século! É uma história antiga e com múltiplas experiências prototípicas em variados países do mundo, com realce para o Reino Unido e o Japão, e que se defronta com problemas semelhantes aos das turbinas eólicas, mas ainda muito mais difíceis!
Tal como para as turbinas eólicas, as bases científicas para o seu projecto foram estabelecidas na altura da II Guerra Mundial por um país beligerante com carências dramáticas de petróleo, neste caso o Japão. Compreende-se, por isso e aliás, que desde então e até aos anos 90 o Japão tenha investigado infatigavelmente formas de extrair energia das ondas. O Japão tem tudo o que é preciso para liderar tal tecnologia: décadas de experiência, excelentes e muitos engenheiros, óptima capacidade industrial, imenso mar e falta de recursos naturais em combustíveis fósseis!
E no entanto, o Japão nunca passou até agora da fase dos protótipos experimentais.
Além do Japão, muitos outros países têm investigado teórica e experimentalmente à exaustão diversas soluções, dos EUA ao Reino Unido, passando pela Austrália, Irlanda, e outros. Mas experimentação comercial, essa, só em... Portugal!!!
E qual é a dificuldade técnico-económica que tem impedido o resto do mundo de considerar que se podia passar à fase comercial desta tecnologia?
Um problema similar ao que defrontam as turbinas eólicas, mas em muito pior escala: a extrema irregularidade e variabilidade das ondas! Basicamente, uma turbina de ondas tem de ser capaz de suportar uma potência instantânea máxima nas ondas 10 vezes maior que a potência média que extrai delas, enquanto no vento essa relação é só de 4 vezes.
Ora se este problema já tornou extremamente difícil a construção de pás para as turbinas eólicas que suportassem o vento sem se partirem (o que só há poucas décadas, e só para os melhores fabricantes, foi conseguido), imagine-se a dificuldade do problema para as turbinas de ondas! Além disso estas turbinas têm de ser capazes de suportarem tempestades oceânicas e a corrosão marinha. Claro que se pode sobredimensionar uma turbina para aguentar tal esforço, mas então o problema passa a ser económico: a potência média que tal turbina extrai das ondas não paga o sobredimensionamento que a referida potência máxima requer, nem de perto nem de longe!
Talvez um dia se encontrem soluções que resolvam satisfatoriamente o problema. Portugal até tem participado nessa investigação, como a central da Ilha do Pico atesta, uma central experimental em que o Prof. António Falcão do IST tantos anos da sua investigação académica investiu e em que algumas empresas nacionais põem lá o nome mas nenhum empenho.
Recentemente, o Prof. António Falcão publicou um artigo de síntese numa prestigiada revista em que descreve as inúmeras opções tecnológicas em investigação, sobretudo na União Europeia desde que esta resolveu financiar tal pesquisa no início dos anos 90. Sendo um artigo focado nas opções tecnológicas, ele conclui notando que as turbinas de ondas, para serem viáveis, têm de ter dimensões que as tornem ressonantes com a oscilação das ondas (que nem é sempre a mesma), o que por sua vez requer que não possam ser pequenas, o que implica sempre um elevado custo para as instalações experimentais, impedindo que se evolua de pequenas turbinas para maiores á medida que se adquira experiência e resolvam os problemas construtivos, como aconteceu com as turbinas eólicas.
Um grande mistério é por que razão ninguém fala da experiência da Ilha do Pico que antecedeu a "Pelamis" que tanto entusiasmou o Ministro Pinho! Ou será que ele(s) até sabia(m) que aquilo nunca funcionaria e esperava(m) apenas que ninguém mais falasse no assunto a seguir à (encomendada) inauguração? É inacreditável...
Nota: os meus agradecimentos ao colega Gil Marques pelo comentário privado que me endereçou.
9 comentários:
Acho que era mais do que previsível que a Central de Ondas da Póvoa de Varzim seria um "flop" e apenas destinada a uma inauguração oportuna.
Depois de cortada a fita não há de facto motivos para insistir no projecto. Afinal não há mais fitas para cortar.
Fica a imagem meramente para consumo interno ou para impressionar algum ignorante nestas matérias de que Portugal é o "campeão das renováveis".
A central de Ondas da ilha do Pico ainda tem muita incorporação nacional. É claro que o conhecimento adquirido acabou por não ser aplicado em projectos comerciais... Mas pelo menos teve o mérito de colocar portugueses a resolver problemas práticos em vez de comprar fora a tecnologia e assim contribuir para empobrecer, um pouco mais, Portugal.
Mas como se percebe pelos vários artigos neste Blog a tecnologia não é desenvolvida num ano ou em dois (como se quer fazer no caso das redes "espertinhas"). Pode demorar vários anos e às vezes décadas. Uma lição a aprender.
Só me resta uma dúvida: se era assim tudo tão evidente, por que razão um fundo australiano dá luz verde para que se invistam, e se percam, mais de sete milhões do seu próprio bolso?
henrique pereira dos santos
Caro Sr. Pereira dos Santos,
Estas coisas só são evidentes para quem sabe alguma coisa do assunto. Não se espera de um fundo de investimentos que tenha essa competência técnica, mas será avisado que ele se informe com alguém que saiba, antes de investir.
Ora como talvez saiba o tal fundo de investimentos estoirou com o estoiro da recente bolha imobiliária, o que levou a que a Enersis, de que era proprietário, fosse recomprada pela empresa do Eng.º Talone e outros.
Pelo que se pode concluir que o tal fundo investia com pouca prudência...
Pouca prudência é uma coisa (e não conheço investimento em coisas novas que não seja de elevado risco), estupidez é outra.
O que está a dizer é que os investidores são tontinhos que nem sequer em matérias que são evidentemente uma fraude são capazes de perceber que estão a ser enganados.
Enfim, é uma visão sobre os capitalistas que eu não partilho.
henrique pereira dos santos
Não tenho nenhuma "visão" sobre os capitalistas.
Por exemplo, há Bancos e Bancos.
Mas os Fundos de Investimento constituíram-se por todo o lado para jogarem no casino do capital especulativo. Pareciam espertos. Até que faliram todos com o estoiro da bolha imobiliária! Que acha disso? Aconteceu ou não?
Não parece estranho que da mesma forma que o tal Fundo apostou em especulação imobiliária indirecta sem perceber o risco que corria e isso lhe foi fatal, também apostou nesta central das ondas.
E na verdade, veja que não correu risco nenhum. Quem ficou sem o dinheiro foram os depositantes nesse Fundo. E talvez o Estado da Austrália até tenha acorrido em auxílio...
Os Bancos que não fizeram este tipo de investimentos, como parece ter acontecido com a maioria dos nossos, na altura provavelmente eram vistos como conservadores...
Mais uma vigarisse so para comer
uns milhões de €€€€€ e tudo é paz
e tudo esta bem....quando é
que aparece a ETA por estes lados
Os “CAOs” parecem funcionar com mais fiabilidade mas é um dos maiores exemplos de decisões absurdas, similares aos Pelamis, suportadas por pareceres de responsáveis científicos especialistas na área.
Como é possível desperdiçar, por exemplo, 3 m^3 de água do mar com o poder de movimentar 3300 Kgs em detrimento de 3,600 Kgs. Não há turbina wells que consiga fazer milagres perante esta realidade. Ao aproveitar o ar comprimido, e descomprimido, directamente pelas ondas do mar desvirtuam por completo a potência energética contida nas ondas. Se comprimissem indirectamente, por utilização da movimentação dos tais 3300 Kgs, teriam muito mais potência. Enfim, o poder serve para isso mesmo para particionar embustes e disparates.
Outro grande disparate, senão ainda maior, são os Pelamis. Alternaram de “traques” da energia das ondas para comboios conversores de energia, esquecendo o desaparecido Arquimedes. Se fosse entre os molhes das praias onde aí as ondas progridem mais simetricamente, talvez fizesse algum sentido.
Agora o “namoro” é com a Inglesa Orecon, que utiliza vários CAOs instalados num batelão ou embarcação produtora de energia, lá voltamos outra vez a trás. Felizmente a “nossa” grande empresa de Energia vai tb experimentar uns Aquaboys bem mais potentes.
Outra espécie de mito, como o de que não é rentável produzir energia eléctrica a partir das ondas, é de que em offshore é que é bom. As tarifas são mais elevadas, lá está o mel…
Uma das formas de rentabilizar a produção de energia das Ondas é a de utilizar vários conversores de tamanho médio conjuntamente para comprimir ar de forma indirecta, ou ainda melhor, elevar água para um depósito conjunto a alimentar um só gerador.
Não é preciso ir lá para longe, junto á costa nas infra-estruturas já existentes, tipo molhes, portos.
Melhor ainda se para esse mesmo tanque for bombeada água do mar por utilização da energia eólica, solar e correntes marítimas mais energia se poderá produzir.
Este verão, quer dizer o de 2009, uns rapazes ganharam das mãos do Sr. Mexia, Balsemão e Richard Branson (o da Virgin) um prémio de inovação de € 50.000,00 por um equipamento revolucionário,também aplicável como conversor da energia das ondas.
O desagradável desta boa nova é que afinal já havia equipamento, embora mais pequeno, à venda na NET (gerador portátil). Bolas lá se foi a esperança da nossa juventude “Crâniana”, é só aguentar o desfecho final do pedido de patente 104442 para se confirmar.
Se for de facto uma boa solução para a conversão da energia das ondas não será ainda “Portugatec”, mas sim uma “Portugadapt”.
É verdade estava lá também presente o Ex- ministro dos Chifres, grande impulsionador destas boas iniciativas.
Tenho um (ideia) “Gerador Múltiplo de Energia das Ondas” em registo. Onde o princípio assenta na bombagem de água de vários “elevadores/bombas” accionados pelas ondas. A água é bombeada para um depósito comum que fará funcionar um único gerador. Pode ser instalado em estruturas costeiras como em batelões, embarcações, etc, e ter também aerogeradores a bombear á para o mesmo depósito.
Parabéns pelo seu blog, descobri hoje, vou continuar a acompanhá-lo.
Bom 2010.
Gostaria de o informar que o "tal Sr. António Sarmento de um "Wave Energy Center"" é também Professor Associado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST (seu colega por sinal...). Cumprimentos
Pois, quando escrevi isto não sabia, mas vim a sabê-lo depois. Terá até feito o doutoramento sob orientação do Prof. António Falcão, já jubilado, e esse sim, uma competência profunda e séria nesta matéria, um pioneiro que esteve por detrás da central dos Açores.
Quanto ao Prof. Sarmento, que apesar de meu colega (mas de outro curso) mal conheço, admito que até possa ser competente, mas as posições que o vi defender na TV não são próprias, penso eu, da seriedade que um Prof. do IST deve prezar.
Enviar um comentário