Transcrevo no seguimento o artigo de opinião que o Prof. Clemente Pedro Nunes, co-autor como eu do Manifesto para uma Nova Política Energética, publicou no último número do Expresso em conclusão do debate ali travado entre ele e o Prof. Costa e Silva, todos nós colegas no IST.
Para benefício dos leitores do Expresso, e da opinião pública em geral, o Manifesto “Uma Nova Política Energética para Portugal” tem permitido um rico debate epistolar, revelador dos estilos e da argumentação em presença. Ficamos muito satisfeitos, porque foi também para isso que o Manifesto foi lançado.
Os epítetos que António Costa Silva utiliza no seu novo artigo de 15 de Maio de 2010 ficam com quem os utiliza, mesmo que escondido por detrás do biombo de pretensa citação de filósofo espanhol.
Mas a um outro nível, certamente mais consentâneo com os pergaminhos académicos invocados por Costa Silva, são de registar neste seu último artigo vários aspectos interessantes, alguns de clara convergência de posições com o que é defendido no manifesto. Analisemos pois a evolução registada:
1. Desde logo, a afirmação de que “temos de discutir as energias renováveis uma a uma em termos da sua maturidade tecnológica e da sua competitividade económica” só peca por não ser ainda mais abrangente: é que temos de estudar, exactamente com esta abrangência e com grande profundidade, todas as fontes de energia primária, tanto as renováveis como as não renováveis, que podem ser comercialmente utilizáveis em Portugal. É exactamente isso que o Manifesto propõe em primeiro lugar aos responsáveis pelo governo de Portugal, e à própria sociedade civil no seu conjunto. A bem da competitividade da economia portuguesa no seu todo .
2. Registe-se também com evidente apreço que Costa Silva reconhece expressamente que "a energia solar está a dar os primeiros passos em Portugal e começou mal com as centrais de Moura e Serpa” para criticar de seguida “o conceito das grandes centrais fotovoltaicas porque ele é errado, integra-se no modelo energético rígido e centralizador que temos”.
Ou seja, o autor subscreve aqui as críticas feitas pelo Manifesto à aventura das grandes centrais fotovoltaicas. Só se esquece de referir que o preço dessa louca aventura recai obrigatoriamente, por obra e graça dum Decreto-Lei, nos bolsos dos consumidores.
3. Mas já é de criticar que Costa Silva não queira teimosamente reconhecer a "total incapacidade da actual politica em reduzir a nossa dependência energética, que se manteve em redor de 83 % ao longo dos últimos dez anos “, como se afirma no Manifesto.
Como igualmente é inquestionável que a actual politica energética não conseguiu reduzir a importação do conjunto “petróleo e gás natural “, e foi por isso que o aumento entretanto registado no respectivo preço foi o principal responsável por “o saldo liquido da factura energética ter tido, a valores constantes de 1998, um aumento de 322 % nos dez anos entre 1998 e 2008 “.
É isto que está no Manifesto e é esta a verdade !
4. Também é de lamentar que o autor se contradiga a si próprio quando se recusa mais uma vez a analisar em profundidade algumas das principais energias renováveis actualmente utilizadas em Portugal, concretamente “a biomassa, biocombustíveis, a lenha e outros derivados da madeira”.
É pois Costa Silva que se recusa na prática a cumprir a sua própria proposta de estudar "todas as renováveis uma a uma em termos tecnológicos e económicos”. Pelos vistos, de biomassa, que é a mais importante energia renovável actualmente utilizada em Portugal, o autor não quer nem ouvir falar.
5. De facto a preocupação de Costa Silva está exclusivamente centrada na energia eólica. A tal ponto vai essa defesa acérrima dos “negócios decretinos” com a energia eólica que afirma expressamente no ponto 4 do seu artigo que "a energia eólica é hoje uma tecnologia madura e muito competitiva”, quando algumas linhas atrás ele próprio afirmara que “o sobrecusto das eólicas é de 340 milhões de Euros, com contratos celebrados para 15 anos”, reconhecendo também que, de acordo com os números oficiais da ERSE para o 1º trimestre do corrente ano de 2010, a energia eólica foi “paga a um preço quatro vezes acima (91 Euros/MWh contra 22,4 Euros) do preço do mercado”.
Uma verdadeira pérola da incongruência interna da própria argumentação de Costa Silva: a energia eólica é hoje muito competitiva mas acarreta um sobrecusto de 340 milhões de Euros, e é paga quatro vezes acima do preço de mercado! Melhor é impossível …
6. Costa Silva usa também uma distorção argumentativa ao afirmar que "o défice tarifário tem mais de dez parcelas diferentes“. Nada disso !
O défice tarifário é apenas a diferença aritmética entre, por um lado, o valor total que os consumidores deveriam pagar se as tarifas cobrissem todos os custos calculados pela ERSE e, por outro lado, o valor que resulta duma intervenção do governo quando impõe administrativamente tarifas mais baixas. Essa diferença é depois remetida para ser recuperada "em anos futuros“, com juros obviamente .
Quanto às “ mais de dez parcelas“, o que certamente aconteceu é que se tem confundido “défice tarifário“ com os chamados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) que, tal como muitos outros custos, são incorporados na tarifa e nos quais se incluem os sobrecustos da Produção em Regime Especial (PRE) , cuja parcela mais significativa corresponde exactamente à energia eólica . A propósito, será igualmente de sublinhar que em Espanha está já muito avançada uma profunda reavaliação dos pesadíssimos sobrecustos que também aí têm sido registados com o apoio político às energias solar e eólica
Concluindo: Todo este debate só reforça a necessidade e a urgência de se elaborar um Novo Plano Energético para Portugal que substitua o de 1984, exactamente como se reclama no Manifesto.
Clemente Pedro Nunes
Professor Catedrático do IST
Sem comentários:
Enviar um comentário