sábado, setembro 18, 2010

Renováveis intermitentes e mercado livre: uma relação impossível!

O Engº. Mira Amaral, o criador do PEDIP que, com a sua "Medida 3", financiou integralmente o bem-sucedido projecto das protecções digitais que desenvolvi a partir do zero na EFACEC, nos anos 90, escreveu no Expresso um artigo sucinto e certeiro como uma flecha e que aqui reproduzo por inteiro:

ENERGIA: O REGRESSO AO PASSADO

Quando chegámos a ministro da Energia, era urgente o investimento nas redes de distribuição da EDP, mas, devido à sua difícil situação financeira, convinha minimizar-lhe o esforço de investimento na produção. Arranjámos então os Contratos de Aquisição de Energia (CAE) através dos quais consórcios privados investiriam nas novas centrais mediante uma concessão de venda da eletricidade à rede pública, sendo remunerados por uma tarifa binómia com dois termos: um fixo, que assegurava os custos de investimento na potência instalada, e um variável, que remunerava o fornecimento de energia.
Como então expliquei, tal não era ainda a liberalização do sistema, pois tais centrais eram financeiramente ativos da EDP fora do seu balanço (off-balance sheets), dado que a EDP, através do termo fixo, acabava por pagar ao longo dos anos o investimento na potência instalada. Ao contrário do que disse nestas colunas Álvaro Martins, um associado de Carlos Pimenta no CEETA sem dúvida mais sofisticado que Costa Silva (um reputado especialista em orangotangos...), criámos os CAE não para introduzir o gás natural mas pelas razões financeiras referidas.
Com a liberalização do sistema, as novas centrais correriam os riscos de mercado e acabariam os CAE.
O problema é que a elevada capacidade instalada em eólicas começou a tirar o espaço às térmicas, que passaram a funcionar em regime altamente ineficiente apenas para back-up das eólicas quando não há vento, em vez de fazerem a base do diagrama de cargas.
Gerou-se pois um dilema: não se podem dispensar as térmicas (neste Agosto, no pino do verão, quase não houve vento, felizmente havia carvão e gás...), mas as poucas horas que vão trabalhar não lhes permite, ao vender a energia, cobrir os custos do investimento na potência instalada.
O preço spot não recupera a totalidade do custo da central marginal. Daí o apelo à remuneração da potência, com base no back-up que proporcionam à eólica.
Assim, um secretário de Estado vem agora pela calada da noite (perdão, de agosto, quando estávamos de férias...), através de uma Portaria, atribuir esse subsídio de remuneração do termo de potência para todas as centrais, hídricas inclusive, e com efeitos retroativos.
Tal significa sacar ao consumidor 61 milhões de euros anuais para as centrais existentes até ao fim deste ano (acréscimo de 1.5% nas tarifas se for abrangida só a baixa tensão) e mais 130 milhões de euros por ano para as novas térmicas e de bombagem, tudo em apoio às eólicas (mais 3.0% nas tarifas, no total mais 4.5% nos próximos anos)!!! Ficam pois claros os sobrecustos sistémicos desta renovável devido à triplicação do investimento - eólica + bombagem + térmica de back-up.
No fundo, voltamos aos CAE e acaba a liberalização, passando todas as centrais a serem subsidiadas. É esta a viragem energética...
Como é habitual, a oposição não tugiu nem mugiu, ao contrário do que faria com aumentos de impostos...

*Professor de Economia e Gestão do IST

Entretanto, as perspectivas de investimentos internacionais nas eólicas não vão nada bem, segundo os dados deste artigo do Financial Times. Nos EUA, por exemplo, a instalação de eólicas que vinha a subir em flecha desde há alguns anos, caiu a pique este ano! E o mesmo em Espanha!
Espero bem que os biliões de € investidos pela EDP nesses mercados não venham a engrossar a nossa dívida pública, mas infelizmente suspeito que as agências de rating internacionais já anteciparam isso mesmo...

4 comentários:

Anónimo disse...

Então para que serve os novos projectos para as mini-hidricas?

Pinto de Sá disse...

Serve para aproveitar os recursos naturais em energia, tão só.
Ou seja, nada têm a ver com o problema da intermitência das eólicas, visto não serem controláveis nem terem capacidade de armazenamento.

Lura do Grilo disse...

Assim se passa em Espanha. Equipamentos adquiridos para produção de energia em centrais térmicas estão parados.

Anónimo disse...

Tem razão Professor qunto às mini-hidricas, mas esta é uma solução para redes isoladas que não tem nenhuma justificação técnica nem económica no sistema eléctrico nacional, a não ser gerar rendas à custa do património natural.

FC