Dias depois acrescentei uma apreciação do roteiro norte-americano, e a seguir do roteiro da China, onde concluía com um sublinhado da importância de normas internacionais, standards, de comunicação informática para a viabilização das smartgrids em larga escala.
Neste último post anunciava que terminaria a série com um post final sobre as perspectivas portuguesas, mas passaria um ano até que as condições para isso estivessem maduras, coisa que considero estar neste momento. No último número (3º) da revista Energia e Futuro publiquei um artigo de síntese sobre o assunto, de que respigo aqui as conclusões:
7. Lições do périplo e opções para o roteiro português nas smartgrids
Portugal, como já foi referido, adoptou na década transacta a visão europeia mais utópica das smartgrids, com um firme apoio do Governo e das empresas de electricidade em que este detinha golden-shares. Exemplos da promoção governamental desta visão foram o projecto “Green Islands” para os Açores, e na EDP uma experiência de instalação de smart meters foi realizada na cidade de Évora, embora ainda não sejam conhecidos resultados práticos da mesma. No entanto, o périplo que aqui se fez pelos diversos roteiros para as smartgrids nos grandes blocos mundiais permite suportar as seguintes lições:
I. O objectivo principal da instalação de smart meters, como componente das smartgrids, é o suporte de tarifas de electricidade voláteis e rapidamente variáveis que reflictam a disponibilidade intermitente da energia gerada por fontes eólicas e solares, supostas dominantes ou mesmo exclusivas no mix electro-produtor; um objectivo secundário mas importante nos EUA é uma racionalização dos consumos e correspondente redução. Um outro propósito pode existir, o da redução de “perdas comerciais” (fraudes e furtos) quando estas são significativas [1], motivação principal da Itália quando iniciou a instalação de smart meters em larga escala em 2006; mas este propósito pouco tem a ver com smartgrids.
II. A operacionalização dos smart meters acarreta sempre, no actual estado da tecnologia, um substancial agravamento de custos [2], agravado pelo contexto de uma geração predominante intermitente que arrasta uma subida generalizada das tarifas. Este aumento de custos suscita reacções negativas dos consumidores que são dificilmente suportáveis pelos operadores em ambientes democráticos, e os estudos realizados na Europa sobre a rentabilidade do investimento em smart meters têm sido todos negativos (excepto quando as “perdas comerciais” evitadas são importantes).
III. As experiências americanas mostram que a racionalização de consumos e alguma adaptação dos mesmos à intermitência da geração (reflectida nas tarifas) só é aceite por parte considerável dos consumidores se: 1) lhes proporcionar ganhos económicos; 2) não causar desconforto excessivo; 3) garantir a privacidade e permitir dizer “não”; 4) exigir uma intervenção mínima, intuitiva e livre (do tipo “carregar num botão”). Estes requisitos só podem ser satisfeitos por sistemas inteiramente automáticos que liguem em rede aparelhos consumidores e electrodomésticos aos smart meters, sistemas esses de baixo custo. Este baixo custo requer, por sua vez, a existência de normas de comunicação para essas redes domésticas que permita a interoperabilidade de novos aparelhos consumidores fabricáveis em massa, garantindo, assim, a concorrência e a inovação. Estas normas ainda não existem e, sem elas, não haverá fabricação dos referidos aparelhos “smart” e, sem estes, não haverá “gestão da procura” em escala significativa.
IV. Dos pontos anteriores conclui-se que a “gestão da procura” numa escala económica e sistemicamente significativa não ocorrerá enquanto uma nova tecnologia de redes de comunicações domésticas e respectivos aparelhos de consumo se não desenvolver em larga escala, o que não sucederá previsivelmente antes de uma década (a um nível capaz de ter impacto), opinião esta partilhada pela China. Dada por um lado a fraqueza da indústria portuguesa de electrodomésticos e outros aparelhos de consumo em Baixa Tensão, e por outro lado a natureza de mercado verdadeiramente global de produtos em jogo nestas tecnologias, não parece que Portugal tenha um interesse prioritário em disputar lideranças nesta frente tecnológica das smartgrids.
V. As micro-redes não se concretizarão, a não ser em certas instalações militares. Uma super-rede continental europeia, pelo contrário, poderá vir a materializar-se, se resolver algumas questões de soberania, mas Portugal não tem condições geográficas adequadas a uma significativa intervenção no assunto.
VI. Nem a “gestão da procura” nem as “super-redes”, que em todo o caso não se materializarão no futuro próximo, resolverão completamente o problema da intermitência de uma excessiva geração eólica e fotovoltaica. Os EUA, a China e diversos países europeus (da Polónia à Holanda) planeiam, por isso, uma importante componente nuclear no mix descarbonizado de geração eléctrica.
VII. Qualquer instalação em larga escala de tecnologias “smart” nas redes eléctricas exige a adopção internacional de normas de comunicação. Recentemente a Europa, os EUA e a China chegaram a consenso sobre essas normas, mas apenas no domínio da cibersegurança e das comunicações usadas nas redes de Média e de Alta Tensão.
O último ponto tem um particular interesse se se considerarem as tecnologias de Automatização das redes de Média e Alta Tensão (Distribuição e Transmissão), ou seja, as redes que se situam entre as de Baixa Tensão das micro-redes e as especiais em Muito Alta Tensão das super-redes. Um estudo do mercado norte-americano[3] em que, como se viu, a modernização das redes EXISTENTES e do seu controlo informático é um dos pilares do projecto das smartgrids, perspectiva: “Uma infra-estrutura avançada de contagem e smart meters são as tecnologias fundacionais da rede eléctrica “smart”. Mas esta é mais do que contadores domésticos inteligentes.… Há outros projectos em fases iniciais de implementação de tecnologias e conceitos mais avançados de smartgrids…. A Automatização da Distribuição é a próxima “big thing” em smartgrids…. Para as empresas de electricidade, a sua implantação pode propiciar economias significativas através de melhorias mensuráveis na eficiência operacional, fiabilidade, qualidade de serviço e conservação de energia –todas contribuindo para a satisfação dos consumidores. … A maioria dos gastos das empresas de energia serão em aparelhos de corte na Distribuição e respectivos controlos.”
É de notar a coincidência das conclusões deste estudo do mercado americano com a opinião apresentada pelo Director da CPFL no Brasil, podendo afirmar-se que, seja qual for o ritmo de evolução das tecnologias “smart” na Baixa e na Muito Alta Tensão, a Automatização da Distribuição em Média e Alta tensão é algo que sucederá seguramente, visto que se aplica a redes já existentes e para as quais também já existem as normas internacionais de comunicação informática.
Acontece que, por razões históricas, Portugal desenvolveu desde há 30 anos considerável experiência académica, industrial e de utilização nas tecnologias de Automatização da Distribuição de energia, o que lhe dá em princípio uma oportunidade de lutar aí por um lugar na liderança das smartgrids. Assim não seja esse “know-how” perdido em prol de visões tecnológicas determinadas por ideologias utópicas!
[1] O custo só da instalação dos smart meters é estimado, para grandes escalas, em 250€ por unidade, mas alguns sistemas mais simples, como o italiano, terão custado apenas cerca de 70€/unidade.
[2] Groupement Européen des entreprises et Organismes de Distribution d’ Energie, «GEODE Position Paper on Smart Metering», Novembro 2009.
[3] MRG Inc, “U.S. Smart Grid, Beyond the Smart Meter”, Março 2010.
[2] Groupement Européen des entreprises et Organismes de Distribution d’ Energie, «GEODE Position Paper on Smart Metering», Novembro 2009.
[3] MRG Inc, “U.S. Smart Grid, Beyond the Smart Meter”, Março 2010.
Num próximo post final analisarei o que está a acontecer neste quadro em Portugal.