A I&D incremental, porém, padece de um grave
problema: não interessa ao mundo onde jaz a maioria dos recursos nacionais de
I&D: a Universidade[ii].
1.1 I&D TECNOLÓGICA INCREMENTAL:
a)
Associar
a I&D à atracção de capital estrangeiro
Na situação actual de profundo endividamento nacional, não há esperança para o relançamento da economia e do emprego em Portugal sem grandes volumes de investimento estrangeiro directo em novas actividades produtivas. Para além de outras condições de atracção desse investimento bem conhecidas (incluindo a estabilização da relação de Portugal com o euro), a oferta de serviços de I&D como mais-valia portuguesa deverá ser promovida para cada caso de investimento, envolvendo partners do meio académico e/ou tecnológico nacional[iii].
Essa oferta de
serviços de I&D ao investimento directo estrangeiro tem duas faces:
- A valorização das condições nacionais de atracção e fixação do investimento directo estrangeiro, canalizando desejavelmente parte dele para o co-financiamento ainda que limitado das próprias actividades de I&D;
- O suporte duma estratégia de absorção nacional das tecnologias de que o investimento estrangeiro seja portador.
Note-se que uma
I&D dedicada ao apoio de investimentos directos fornece dois serviços: o
próprio conhecimento inovador (em documentos, sejam eles relatórios ou
patentes), e os recursos humanos formados na sua produção. Se o conhecimento
contido em documentos pode constituir propriedade intelectual alheia, os
recursos humanos não podem[iv].
Naturalmente, o
investimento estrangeiro pode induzir crescimento não só pela difusão de tecnologia,
como pela das práticas de gestão.
b)
Promover
I&D de apoio às empresas nacionais de bens transaccionáveis
Portugal não
possui grandes empresas produtoras de bens transaccionáveis, quando medidas à
escala internacional. Porém, embora o número de grandes empresas[v] constitua apenas 0,3% do
total nacional, elas empregam 27,5% dos trabalhadores portugueses e realizam
42% do volume de negócios. As grandes empresas, sendo quase sempre financeiramente
mais sólidas, são também menos vulneráveis às crises e pagam melhores empregos
e, embora globalmente na Europa se verifique que o seu ritmo de criação de
emprego é cerca de metade do das PME, têm um papel estruturador de clusters, podendo manter muitas PME que
as orbitam comprando-lhes serviços e componentes.
As maiores
empresas nacionais, porém, não se situam no domínio dos bens transaccionáveis
e gozam de situações de relativa protecção que as não têm incentivado à inovação,
em anos recentes. Empresas como a EDP, REN, PT, que no passado procuravam soluções
inovadoras para melhorarem a qualidade dos serviços prestados e por isso promoviam
o desenvolvimento de I&D nacional, em Universidades e em empresas
satélites fornecedoras de equipamentos exportáveis, têm vindo a abandonar as
preocupações de melhoria dos seus serviços em prol da defesa de privilégios
financeiros em que as acções de I&D são frequentemente operações de
publicidade mediática, mas que não induzem aumentos sustentáveis da capacidade
exportadora das empresas satélites[vi].
Propomos a
categorização das empresas nacionais em três tipos, relativamente à sua capacidade
de I&D tecnológica de bens transaccionáveis:
Ø Empresas nacionais produtoras de bens transaccionáveis com dimensão financeira para o
desenvolvimento de estratégias de I&D próprias, capazes de as definir e
aplicar;
Ø Empresas nacionais produtoras de bens transaccionáveis sem dimensão financeira para o
desenvolvimento de estratégias de I&D próprias, mas capazes de as definir,
pelo menos se auxiliadas;
Ø Grandes empresas produtoras de bens não transaccionáveis
mas clientes de equipamentos que o são, capazes de por isso alimentarem
empresas satélites com capacidade exportadora (clusters);
Percentagem da despesa empresarial total em I&D, em função da dimensão em pessoal das empresas, na União Europeia. Na UE, as PME (<250 empregados) são responsáveis por 20%, do investimento em I&D, e as pequenas (<50) por apenas 7.6%.
Alguns sectores que têm dimensão para o efeito e que são estratégicos para a competitividade nacional mas praticam pouca I&D, como os hospitalares e outros associáveis ao turismo sénior, requerem o estudo de medidas específicas promotoras de uma I&D que enriqueça a cadeia de valor nacional em tais actividades, tanto pela inovação tecnológica como pela formação associada de recursos humanos[viii]; a própria definição da cadeia de valor associável a tal actividade, feita com os respectivos players económicos, será uma base de partida.
Para as segundas
será necessário articular a sua associação em organismos representativos
(associações de empresas) com a associação de recursos de I&D em
organismos aglutinadores (centros e/ou institutos de I&D) por ramos de actividade
e, por conseguinte, fileiras comerciais.
Em qualquer dos
casos, muita da inovação desejável pelas empresas produtoras de bens
transaccionáveis é incremental, isto é, não requer invenções disruptivas nem
sequer tecnologias que não estejam já dominadas “lá fora”, mas requer um
know-how inexistente no país. Por isso, uma vertente que tal I&D deve
explorar sem complexos é a “reverse
engineering” que, não permitindo a produção de “papers” em revistas internacionais, exige, porém, uma sólida formação
científico-tecnológica combinada com um agressivo espírito empresarial. Com
efeito, a cópia criativa não visa a réplica cega, mas sim a poupança do
esforço de I&D que os outros já fizeram para chegarem aos resultados que o
seu sucesso comercial valida, requerendo que sobre eles se realizem as
modificações criativas que por um lado a propriedade intelectual impõe, e que
por outro lado as novas tecnologias, disponibilizadas pelo tempo decorrido
desde o desenvolvimento do bem ou produto copiado, permitem.
A reverse engineering é a primeira chave
da estratégia tecnológica de um país atrasado que pretenda chegar a uma posição
competitiva internacional em bens transaccionáveis, como todo o sucesso
asiático demonstra. E, para aqueles que se sintam humilhados com tal afirmação,
é de recordar que este país não sabe construir automóveis, nem medicamentos,
nem já mesmo navios competitivos, tudo coisas que algures se sabe fazer há
muito![ix]
Desejavelmente, e porque deve estar intimamente associada às estratégias de negócios das
empresas, a I&D incremental seria desenvolvida por recursos das próprias
empresas, endogenamente. De facto, a I&D incremental não se pode limitar a
criar inovações: estas têm que ser concebidas para a fabricabilidade e para a comerciabilidade
no quadro em que a empresa se move, isto é, considerando os custos de produção
e os valores de venda alcançáveis, e isso só dentro das empresas se pode
conhecer. Por outro lado, a I&D incremental tem dois níveis: nuclear (“core”), que visa melhorar produtos e/ou
serviços já produzidos pela empresa, e que internacionalmente consome de 40 a
80% dos recursos de I&D nas empresas que a praticam (os 80% verificam-se
nas empresas de produtos de grande consumo), e a complementar, que visa criar
novas versões de produtos ou serviços existentes e/ou para novos mercados da
empresa (as quais podem não ser inovadoras em termos absolutos mas o são
para a empresa), e que tipicamente consomem 20 a 45% dos recursos de I&D
(os 45% verificam-se nas empresas tecnológicas estabelecidas). Em Portugal, a
I&D incremental complementar requer frequentemente o apoio de recursos
exógenos às empresas, tanto em tecnologia como em capacidade financeira,
sendo a I&D incremental em que é mais imperiosa a definição de
políticas de apoio.
A História da
economia portuguesa dos últimos 30 anos está infelizmente recheada de exemplos
de empresas nacionais de bens transaccionáveis que desapareceram por incapacidade
de promoverem a modernização e diversificação tecnológicas incrementais do que
faziam, mesmo quando houve ajudas financeiras europeias para o efeito. É tempo
de voltar a definir o apoio à I&D incremental de que as nossas empresas
necessitam como uma prioridade política!
c)
Do
papel dos grandes clientes de bens transaccionáveis: empresas de serviço
público e Estado
Para as grandes
empresas produtoras de bens não transaccionáveis mas clientes de equipamentos
que o são, infelizmente a capacidade actual de as induzir a uma cultura mais
preocupada com a respectiva competitividade é limitada, agora que estão em venda a estrangeiros. A participação de elementos
da classe política nacional nas respectivas administrações poderia teoricamente
suscitar o renascimento do papel outrora limitadamente praticado. Em alternativa,
a criação de uma taxa especial sobre os respectivos lucros, destinada ao
financiamento de I&D pelas próprias empresas, é uma medida praticada em
alguns países e épocas, sendo fomentadora da competitividade nacional apenas
se envolver empresas satélite fornecedoras de bens transaccionáveis[x].
O mesmo tipo de
papel deve desempenhar o próprio Estado, dinamizando tecnologicamente os
múltiplos serviços que outrora asseguravam a capacidade de decisão informada
em matérias infra-estruturais, dos planos energéticos[xi] aos das estradas, passando
pela Defesa e até pela sociologia das comunidades autárquicas, como adiante notaremos
de novo.
Para este efeito
de dinamização tecnológica deve o Estado, assim como empresas com Serviço
público e outras entidades públicas (por exemplos os Reguladores), ter uma política
de encomenda de produtos, serviços e por vezes estudos, a empresas nacionais capazes
de, alavancadas nessas encomendas, desenvolverem tecnologia materializável
em bens exportáveis[xii]. Para que tais
encomendas efectivamente dinamizem a competitividade de empresas nacionais,
nomeadamente no plano tecnológico, recomenda-se:
1.
Que o
Estado planifique, o que por sua vez requer que pense a prazo superior ao dos
ciclos eleitorais. Isto por que os tempos de desenvolvimento tecnológico
necessários para a elaboração de produtos inovadores o exigem.
2.
Que o
Estado, as empresas de serviço público e as outras entidades sejam clientes
exigentes mas não “esquisitos”. Devem elaborar as suas especificações de
modo a que os produtos a desenvolver sejam competitivos com as alternativas
estrangeiras, mas devem limitar as exigências específicas ao mínimo que
garanta eventualmente alguma protecção aos fornecedores “por encomenda”, mas
não tão específicas que não possam ser exportadas para mercados externos[xiii].
Tal política de encomendas será muito mais promotora da competitividade do que a mera aspersão avulsa de subsídios à "Inovação".
NOTAS:
NOTAS:
[i] Na
monografia escrita pelo Professor Domingos de Moura para a Academia de Ciências
sobre a História da I&D Electrotécnica em Portugal em 1992, é expressa e
justamente referido o trabalho do Eng. Renato Morgado na EFACEC, onde
estudava laboratorialmente em modelos à escala o comportamento térmico dos
transformadores construídos sob licença estrangeira. Hoje a EFACEC tem fábricas
de transformadores nos próprios EUA e exporta a quase totalidade da sua
produção dessas grandes máquinas.
[ii] Em 1994,
quando iniciávamos o projecto da linha de Protecções Digitais da EFACEC,
identifiquei um certo sub-sistema electrónico cujo desenvolvimento próprio era
fundamental para a viabilidade do produto global. Porém, em Portugal nunca
nenhuma empresa conseguira desenvolver esse sub-sistema com sucesso, incluindo
a EFACEC, e a tecnologia envolvida ultrapassava a minha especialidade, pelo
que procurei na Universidade colegas mais apropriados para o desenvolvimento
do referido sub-sistema. Defrontei-me então com o facto de nenhum desses
colegas estar interessado nesse projecto, por se tratar de tecnologia madura
segundo os cânones das revistas internacionais de prestígio e não suportar, portanto,
I&D publicável. Este hiato ente as necessidades de conhecimento tecnológico
das empresas nacionais e os interesses de publicação da Universidade já costumava
ser sublinhado publicamente pelo Eng. Renato Morgado nos anos 80... (No caso
referido, acabei por ter de desenvolver eu o sub-sistema, com a ajuda de um
jovem estudante hoje quadro da EFACEC e alguns úteis conselhos do único colega
especialista no tema que tinha tido também uma experiência industrial no
assunto).
[iii] Note-se
como a Universidade de Praga se tem dedicado a investigar a tecnologia de
automóveis híbridos, em apoio à Skoda do grupo VW. Em Portugal, que relações
existem entre a Auto-Europa e as universidades ou institutos nacionais?
Consideração similar se pode fazer relativamente à indústria eólica e ao
famoso “cluster” da ENEOPS...
[iv] No paper “How does foreign
direct investment affects economic growth?”, (Journal of International
Economics, 45, 1998), resume-se: “We test the
effect of foreign direct investment (FDI) on economic growth in a
cross-country regression framework, utilizing data on FDI flows from industrial
countries to 69 developing countries over the last two decades. Our results
suggest that FDI is an important
vehicle for the transfer of technology, contributing relatively more to
growth than domestic investment. However, the higher productivity of FDI holds
only when the host country has a minimum threshold stock of human capital.
Thus, FDI contributes to economic growth
only when a sufficient absorptive capability of the advanced technologies is
available in the host economy.” São parcos os exemplos nacionais de iniciativas
económicas sedimentadas em conhecimento absorvido de investimento estrangeiro
– compare-se isso com os exemplos asiáticos!...
[v] Na UE,
uma empresa é considerada grande se
tiver mais de 250 trabalhadores a tempo inteiro ou um volume de vendas superior a 50 M€. É pequena se tiver menos de 50 trabalhadores e um volume de vendas inferior a 10 M€.
[vi] A
título de exemplo, a EDP tem tido em desenvolvimento em anos recentes dois
projectos com envolvimento da EFACEC: os carregadores de automóveis
eléctricos, e o sistema de tele-contagem do INOVGRID. Relativamente aos
primeiros sabemos que a EFACEC não se empenhou excessivamente no primor
tecnológico do produto, de que no entanto tem realizado algumas exportações,
mas de cuja sustentabilidade duvidamos, visto não existirem automóveis
eléctricos nem seja de prever que venham a existir no futuro próximo. Relativamente
aos segundos o mercado é vasto, mas o projecto sofre de algumas limitações
relacionadas com as normas internacionais, assunto que abordaremos na parte II.
[vii] Vd. Anne Knott, “The Trillon Dollar R&D Fix”, Harvard
Business Review, May 2012.
[viii] Como se
sabe, em média e nos países desenvolvidos, metade de toda a despesa pessoal em
saúde realizada ao longo da vida é-o nos últimos seis meses. As tecnologias
de engenharia biomédica têm por isso um enorme potencial de inovação e de
produção de valor para a fileira do turismo sénior, o qual depende, porém, de
outras condições mais básicas, como a segurança e a qualidade de infra-estruturas.
[ix] Nos
anos 80, Renato Morgado notava que em Portugal os industriais de têxteis metiam
fibra nos teares mecânicos e viam sair do outro lado tecidos, mas de como é
que isso sucedia não faziam a menor ideia! O mesmo sucedia com os cabos
eléctricos, por exemplo. Na realidade, quem sabia como o processo ocorria,
quem dominava a respectiva tecnologia, eram os fabricantes dos teares e das máquinas
de extrusão dos cabos, em ambos os casos suíços – que no entanto não fabricam
nem têxteis nem cabos eléctricos! Estes factos podem ser generalizados notando
o baixo peso relativo que tem em Portugal a indústria de bens de equipamento,
que é onde reside o know-how tecnológico
dos processos que esses equipamentos realizam.
[x] Com a
outorga de um dos últimos “pacotes” de geração eólica, o Estado português
exigiu aos ganhadores do “pacote” uma certa percentagem do respectivo valor
para a criação de um “Fundo de Apoio à Inovação”. A medida não teve qualquer
efeito útil, mas exemplifica a possibilidade de criação de taxas sobre
situações de privilégio para o financiamento de I&D a qual deve, porém, ter
objectivos e destinatários precisos antes de colectadas.
[xi] Um
interessante exemplo é dado pelo planeamento energético da Holanda, um país
onde o Estado tem uma tradição liberal. Recentemente o Estado holandês desejou
tomar decisões estratégicas sobre o desenvolvimento energético, com vista ao
cumprimento das metas europeias de descarbonização, e para não depender de players com interesses no assunto encomendou
o estudo a uma parceria de entidades externas: uma empresa alemã especializada,
e duas Universidades holandesas concorrentes.
[xii] Um
interessante exemplo de encomendas do Estado foi realizado com um estudante
português de doutoramento nos EUA, que investigou, usando a teoria dos jogos
de John Nash, a concorrência em mercados de energia liberalizados. A entidade
que encomendara esse estudo à Universidade americana em questão fora... o
Ministério Público, que pretendia habilitar-se a detectar indícios de cartelização
naquele mercado!
[xiii] Experiências
passadas na EDP e na EDF mostram que a encomenda de produtos “feitos por
medida” se garante aos fornecedores um mercado que só eles podem satisfazer,
torna também esses produtos impróprios para exportação, ao mesmo tempo que o know-how que fundamentou a especificação
do produto fica a residir na empresa cliente e não na fornecedora. Ou seja, são
práticas saudadas pelos fornecedores por serem proteccionistas, mas que
armadilharam a sua capacidade de exportação. A conveniência de empresas-clientes exigentes foi bem justificada no célebre relatório de Michel Porter.
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