quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Posição sobre a política energética nacional. II - Irresponsabilidade e delírios tecnológicos

Este é o 2º post, em 4 previstos, de apresentação de uma posição sobre a política energética nacional. O post anterior, o 1º, pode ser acedido aqui.

6. Os novos aproveitamentos eólicos e hidroeléctricos planeados, comportando um investimento estimável de 7900 milhões de € para a produção média de apenas 540 MW, terão de ser pagos pelos portugueses

Os 2200 MW a instalar em produção eólica nos anos próximos, conjugados com os aproveitamentos hidroeléctricos para bombagem que eles exigem, comportarão um investimento estimável de 2650 milhões de €, aos custos actuais das turbinas eólicas, valor a adicionar aos 4850 milhões de € das hidroeléctricas. A estes valores há que acrescentar ainda os investimentos a realizar pela REN em linhas de transporte de energia que permitam o trânsito da mesma entre as instalações eólicas e as barragens, num valor estimável de 500 milhões de €. No total, estes investimentos serão da ordem de 7900 milhões de €, 5% do PIB nacional.

Recentemente estes investimentos têm sido apresentados como sendo feitos por empresas privadas e não onerando, por isso, a dívida pública. E, na realidade, com a concessão de 8 dos novos aproveitamentos hidroeléctricos, o Estado obteve das empresas concessionadas 640 milhões de € à cabeça, sendo também verdade que parte do rendimento dos produtores eólicos reverte para autarquias na forma de rendas. Porém, se é verdade que os poderes públicos poderão assim beneficiar destes empreendimentos, não é menos verdade que o povo português e a sua economia os terão de pagar.

Ora sendo certo que de uma forma ou de outra os referidos valores virão a ter de ser repercutidos nos preços da electricidade, pode-se estimar o adicional aos preços actuais que esses encargos implicarão, e que sem qualquer dúvida os levarão para valores ainda mais acima dos da média europeia, antes de impostos. Na verdade, assumindo com a ERSE uma taxa de juro de 8.4% anuais, com amortizações a 20 anos, é fácil de ver que o custo destes 540 MW médios anuais de energia renovável agravarão só por si em 1.5 ç (10%) o preço médio do kWh pago pelo consumidor. E se, como até aqui, se verificar a subsidiação cruzada da indústria pelos consumidores domésticos, esse aumento será ainda bem maior para estes, elevando o preço da electricidade para valores ainda mais altos na EU-27.

Por outro lado, e embora feitos por empresas privadas, o investimento associado a estas opções é financiado por uma Banca que por sua vez se financia no mercado financeiro internacional, portanto com aumento do défice externo do país.

 
7. Não contente com a aventura do excesso de energia eólica a regularizar com uma dispendiosa bombagem hidroeléctrica de improvável eficácia, o Governo prepara novas aventuras na energia das ondas, no eólico offshore, no solar fotovoltaico e na microgeração, as quais não são técnica ou economicamente viáveis.

A avaria definitiva da central das ondas da Póvoa do Varzim, após apenas 2 meses de operação dos primeiros geradores e em que terão sido dissipados 9 milhões de €, dos quais 1,2 milhões do erário público, ilustra a irresponsabilidade da política energética do Governo, que ignorou toda a experiência internacional de Investigação e Desenvolvimento acumulada desde há mais de 60 anos nesta tecnologia, por países muito mais industrializados e tecnicamente desenvolvidos, como o Japão, assim como a própria experiência portuguesa de quase uma década na ilha do Pico, onde também se aprendeu mas há muito que a instalação avariou. Na verdade, apesar de todos os esforços, ainda não há solução técnica que permita sequer a esta forma de energia funcionar, quanto mais fazê-lo de modo economicamente rentável.

Por outro lado, se a energia eólica sediada em terra firme é dispendiosa e sofre dos problemas de intermitência identificados que recomendam a sua limitação a valores já ultrapassados em Portugal, como foi demonstrado, outras formas de energia renovável pelas quais o Governo tem mostrado grande entusiasmo sofrem de similares problemas de intermitência e são ainda mais dispendiosas.

A energia eólica instalada em plataformas oceânicas, ou offshore, pode beneficiar de ventos melhores que em terra firme, mas o custo de produção do seu kWh é pelo menos 30% superior ao das eólicas em terra, e só é tecnicamente viável em plataformas marítimas de baixa profundidade e moderadas condições de ondulação e correntes, como as verificadas em certas costas do Mar do Norte mas que se verificam em muito poucas zonas da costa portuguesa. Acresce a esta exigência técnica a falta de experiência mundial na exploração prolongada de instalações desse tipo, desconhecendo-se a sua fiabilidade a longo prazo e sendo apenas certo o alto custo da sua manutenção.

A energia fotovoltaica, pelo seu lado, não funciona à noite e o seu rendimento é também muito dependente das condições meteorológicas, custando presentemente a unidade de energia eléctrica obtida por essa via quase 3,5 vezes o que custa a da eólica, já depois de uma descida de preços internacional ocorrida em 2006, resultante de certos progressos nas técnicas de fabrico. No entanto, o preço do componente principal dos equipamentos de produção fotovoltaica não poderá descer de forma significativa sem uma radical alteração tecnológica. Essa alteração é possível que ocorra e venha a ser industrializável a prazo de uma década, com o aperfeiçoamento de painéis ditos de películas finas.
Porém, apesar de poderem vir a ter custos mais competitivos, as tecnologias em competição para os futuros painéis fotovoltaicos são muito variadas, podendo vir a exigir áreas de exposição solar muito superiores às dos painéis de silício hoje em dia promovidos para uso em telhados, ou formatos e produções combinadas de electricidade e de calor incompatíveis com as utilizações actuais. A conclusão retirável destes factos é que nenhuma entidade internacional credível espera o uso generalizado de instalações de energia solar antes de 10 a 20 anos, e que é muito incerta qual a tecnologia concreta com que tal virá a ocorrer.

Resulta do exposto que o propagandeado advento da microgeração e de um suposto novo paradigma de consumidor-produtor é uma pura ficção sem qualquer base técnica ou económica sustentável para a próxima década, já que sem produção de energia de origem solar não existe previsão de alguma forma de geração de energia eléctrica que seja sustentável e muito menos competitiva à escala das redes de Baixa Tensão – com a excepção, em casos muito pontuais, dos velhos grupos electrogéneos a gasóleo.

8. Procurando arvorar uma imagem de vanguardismo tecnológico, o Governo tem promovido a ideia de que os automóveis eléctricos estarão comercialmente disponíveis a curto prazo, suscitando infundadas expectativas na população

Um dos mitos energéticos que o Governo e outros responsáveis têm explorado é o da existência de uma relação entre independência das importações de petróleo e a aposta nas energias renováveis. Ora a geração de electricidade há muito que em Portugal e na Europa praticamente não usa petróleo nem nenhum dos seus derivados. Para que a electricidade gerada a partir de energias renováveis, ou outras, possa substituir importações de petróleo, será necessário que o sector que é o principal consumidor deste, os transportes, seja eléctrico em vez de baseado em motores de combustão.

Esta substituição de transportes consumindo derivados de petróleo por veículos eléctricos tem um suporte tecnológico testado e eficiente em ferrovias e em autocarros de tracção eléctrica (“trolley buses”). Em qualquer dos casos trata-se de veículos que não retiram a sua energia de baterias, as quais há mais de um século constituem o impedimento tecnológico à vulgarização de automóveis eléctricos.

Ora este impedimento persiste, apesar da grande evolução que as comunicações móveis e os computadores portáteis promoveram na tecnologia de baterias, levando ao advento das de iões de lítio. Com efeito, embora as baterias para automóveis baseadas em iões de lítio, com pesos de algumas centenas de kg, já permitam assegurar autonomias de 100 a 200 km, permanecem muito caras e sobretudo sofrem do mesmo problema conhecido nos computadores portáteis e telemóveis: têm um curto tempo de vida, de cerca de 2 anos. Este problema continua tecnologicamente por resolver o que, com as limitações de preço e autonomia, torna o automóvel eléctrico inviável no presente, desejando-se sinceramente que o apoio do Estado português à fábrica de baterias de Aveiro inaugurada em 2009 tenha melhor sorte que o da de células de combustível inaugurada em 2007, e que nunca funcionou.

Dados os grandes investimentos em curso internacionalmente na procura de novas tecnologias de baterias, é possível que a prazo de 5 a 10 anos se encontre uma solução técnica e economicamente satisfatória, mas nenhum organismo internacional responsável, como o Painel inter-governamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, espera que os automóveis eléctricos tenham uma importância significativa no sector energético antes de 20 anos. Pelo que os muitos pontos de abastecimento de carros eléctricos e os descontos fiscais na compra dos mesmos que o Governo tem promovido não passam de pura mistificação, a aplicar a veículos que, na realidade, não existem. E, não existindo, persiste também a inexistência de qualquer relação entre electricidade e petróleo que não sejam os transportes colectivos electrificados que não têm, porém, merecido qualquer atenção séria. E por isso também não existe, nem existirá na próxima década, suporte para a fantasiosa ideia de usar as baterias dos automóveis eléctricos como meio de regularização da intermitência das energias renováveis, que continuará por isso sem solução técnica através de processos de armazenagem.

Sendo pois infundado e mistificador o entusiasmo induzido na população pelo possível desenvolvimento nacional próximo de automóveis eléctricos, tem em contrapartida sido descurada a previsão internacional de que a tecnologia para que efectivamente se prevê um possível desenvolvimento rápido é a dos automóveis híbridos, a que se espera que se sigam os híbridos carregáveis electricamente (“plug-in”). Porém, esta tecnologia ainda não é comercializada por marcas europeias, requerendo a adição articulada da motorização eléctrica a veículos com motores de combustão, pelo que uma indústria nacional neste domínio não é realisticamente acessível a Portugal.
Poderia, porém, ser viável uma incorporação nacional em indústrias internacionais de automóveis se fosse devidamente articulada, por exemplo, com o cluster da Auto-Europa, espaço técnico-económico que, devido à falta de atenção dos responsáveis portugueses, tem estado a ser ocupado por países como a República Checa.

9. Outra aposta mistificadora que tem sido promovida é a das redes eléctricas inteligentes (“smart grids”), com novos custos para o país, perigo de aplicações limitativas da liberdade, e descuido de responsabilidades técnicas urgentes.

Associado ao fantasioso paradigma de um futuro próximo de “consumidores-produtores” de energia, detentores de microgeração caseira e automóveis eléctricos com energia nas baterias que poderá ser revendida à rede eléctrica, e que como se mostrou é pura ficção (“wishful thinking”), têm o Governo e outros responsáveis promovido o desenvolvimento do que é conhecido como redes eléctricas inteligentes, ou “smart grids”. Esse desenvolvimento foi anunciado pelo Governo como indo ter a sua primeira experimentação em escala apreciável em 2010, em Évora, e terá custado já 12 milhões de €.

O anunciado propósito do projecto é a gestão inteligente de uma rede eléctrica repleta de microgeração nos consumidores mas, na prática, as suas componentes principais são novos contadores electrónicos de tarifa comutável personalizada e capazes de gerir (ligar e desligar) electrodomésticos, telecomunicantes com grandes centros de gestão da rede eléctrica. Adicionalmente e em caso de “apagões”, os referidos consumidores-produtores poderiam organizar-se em micro-redes autónomas, conforme foi referido em certos media quando dos estragos causados pelo temporal que recentemente assolou a região Oeste do país.
No cenário idílico com que esta tecnologia tem sido anunciada, ela permitiria ao consumidor facturar a suposta energia que tivesse para vender e “escolher” instantaneamente a tarifa da que pretendesse adquirir, mas o que tem sido escondido é porque interessaria a esse consumidor fazer tal escolha.
Ora o cenário completo que os grandes entusiastas desta tecnologia prevêem é, de facto, o dos preços da electricidade fornecida pela rede variarem com a maior ou menor disponibilidade da geração de energia renovável, ou seja, a dos preços da energia acompanharem a intermitência da produção renovável de forma a induzir a deslocação dos consumos das horas preferidas pelos consumidores para aquelas em que haja mais geração. O que, sendo uma forma imaginativa de resolver o problema da intermitência das fontes renováveis de energia, implicará evidentemente enormes restrições à liberdade da vida pessoal a que a sociedade industrial habituou os cidadãos, com a mudança aleatória em cada dia das horas, por exemplo, de lavagem de roupa e loiça, senão mesmo do uso de climatização e iluminação – excepto àqueles que puderem pagar mais, e é essa a “escolha de tarifa” que efectivamente será facultada.

Acresce a esta perda de liberdade a vigilância permanente a que os consumos dos cidadãos serão sujeitos, a partir de centros de gestão de rede que poderão vir a ter outros usos menos inocentes.
Obviamente, os exorbitantes custos de tal sistema serão suportados pelos próprios consumidores.

Entretanto e enquanto promove este tipo de projectos, o Governo ainda não publicou a regulamentação técnica que, em toda a União Europeia e com excepção da Espanha, tem vindo desde o início da década passada a ser estabelecida para as condições de ligação às redes da Produção em Regime Especial, desde as normas inibidoras da emissão de poluições electromagnéticas, até à exigência de meios de moderação da intermitência da produção renovável em situações de emergência da rede eléctrica.
Esta situação tem conduzido a estabilidade da rede eléctrica nacional no seu conjunto a um risco iminente de apagões em grande escala, dada a incapacidade das fontes de energia renovável contribuírem para essa estabilidade, à falta da referida regulamentação e da sua implementação.

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