Um interessante conceito do cálculo de impacto económico de uma determinada política que vise gerar empregos, é o dos "multiplicadores de emprego", uns factores que relacionam o número total de empregos directos criados e o número de empregos indirectos induzidos por estes.
Para introduzir conceitos, dou um exemplo: se para construir uma barragem atrás do sol posto são precisos mil trabalhadores durante 3 anos (com um pico de dois mil no auge da obra), há também que os alimentar, transportar, divertir e alojar, pelo que haverá um número razoável de empregados de tascas, de alugadores de quartos, de trabalhadores de lavandaria, de motoristas e de empregados de quiosques de venda de tabaco e jornais desportivos e até de animadoras nocturnas que deverão o seu ganha-pão a esses empregos directos.
Estes são empregos indirectos criados pelos directos, os dos trabalhadores da obra. E quantos serão?
Não é fácil saber, visto que não se faz um recenseamento centralizado desses empregos como se faz dos directamente criados pela obra mas, à falta de um estudo feito no terreno, podemos usar "multiplicadores de emprego" obtidos em estudos feitos noutros locais e para este tipo de trabalho. Não obtemos números exactos, mas teremos pelo menos uma estimativa, uma ideia, vá lá. Alguns trabalhos internacionais indicam um "multiplicador de emprego" de 1,6 associado à construção civil em geral, o que apontará para 1600 empregos gerados pelos mil da construção da tal barragem. Tão temporários quanto estes, claro...
A maioria dos multiplicadores de emprego associados às diversas actividades industriais varia, por exemplo, entre os 2,2 atribuídos às indústrias de produtos metálicos acabados e o máximo de 6,9 associados às extracções de petróleo e gás natural. De um modo geral, quanto mais a montante numa cadeia produtiva está uma actividade, mais empregos se pode considerar que são induzidos (a jusante) por essa actividade.
Uma boa fonte de informação sobre estes números é o Bureau of Economic Analysis (BEA) norte-americano. Claro que esses dados têm de ser usados com sentido crítico, porque os referidos multiplicadores variam muito de actividade específica para actividade específica, de região para região e até com a época. Mas, à falta de melhores referências, sempre nos servem para uma estimativa, uma ideia da ordem de grandeza, vá lá. Isto se encontrarmos dados que sirvam as nossas necessidades específicas...
Como o cálculo do emprego indirecto gerado pelo directo tem de recorrer a muitas hipóteses e informações cruzadas, ele pode procurar ser rigoroso, usando modelos matriciais de Input-Output, ou pelo contrário muito simples.
No limite e de acordo com a teoria marxista, o simples preço final de uma mercadoria reflecte a quantidade de trabalho que ela incorpora e, portanto, o emprego que requereu!
Nesta medida, por exemplo, quanto mais cara for uma fonte de energia eléctrica, tanto mais emprego cria, o que é no fundo o argumento dos que defendem que as energias renováveis criam mais emprego que as tradicionais.
Claro que este tipo de extrapolação é passível de múltiplas manipulações e omissões, conforme os interesses em jogo no que respeita a captar subsídios públicos. Além de passíveis de grandes exageros, os "multiplicadores de emprego" esquecem-se muitas vezes de quantificar que percentagem de cada emprego indirecto é efectivamente dedicado a satisfazer o directo, quanto tempo duram esses empregos, que empregos são destruídos ou se perdem pelo advento dos novos e, sobretudo, onde são esses outros empregos criados (se no estrangeiro, se no próprio país)!
Segundo o hyperlink que fiz acima, por exemplo, a mineração do carvão nos EUA empregava directamente 80 mil trabalhadores em 2001 e geraria mais 351,6 mil empregos indirectos (num total de 432 mil) e, segundo outras fontes credíveis, a esse número haverá que somar 31 mil no transporte e mais 60 mil nas centrais eléctricas a carvão, considerando embora que o número de empregos indirectos será da mesma ordem de grandeza da indicada antes (algumas poucas centenas de milhar), o que aponta para um "multiplicador de emprego" da mineração do carvão de uns 4.5. Porém, a Associação Nacional de Carvão dos EUA estima em 1,5 milhões os empregos totais (directos e indirectos) criados pelo carvão, o que evidentemente está afectado de um "sobre-multiplicador político de emprego " de pelo menos 4 (x4.5...)!
Vem tudo isto muito a propósito do número de empregos afirmado no PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) como existente presentemente em Portugal, gerado pelas energias renováveis. Esse número é de 30 mil. E como terá sido esse número tirado?
Ora no relatório da Deloîtte feiro para a APREN e apresentado publicamente com grande pompa e circunstância nos finais do ano passado, o número era nos finais de 2008 de 36 mil. Só que, como o relatório mostra (pag. 8), esse número é a soma dos empregos indirectos estimados (33,7 mil) com os directos realmente recenseados: 2,4 mil! Este número não está longe do que eu tenho estimado para o presente, 3 mil, pelo que deve ser real.
Porém e pelo que reflecti convosco até aqui, dada a natureza de fim de cadeia produtiva da actividade nacional na matéria, o multiplicador de emprego plausível associado a estas actividades deve ficar algures entre o das actividades comerciais e o das indústrias de produtos acabados, ou seja e como ordem de grandeza, 2. Teremos, assim, induzidos por esses 2,4 mil empregos directos (ou 3 mil...), mais uns 5 a 6 mil empregos - mas quantos deles em Portugal?
Pelo que o número de 30 mil empregos alegados pelo Governo como existentes no presente deverão estar afectados de uma sobre-multiplicação política por um factor entre 3 e 5, e já é uma moderação do sobre-multiplicador da APREN, que será de uns 6!...! E, como não se precisou que se tratam de empregos reais somados a indirectos estimados, dando a entender ao povo ignaro que são todos directos, o sobre-multiplicador político é cerca de dez!...
Quanto aos números do futuro, os 120 mil empregos previstos para daqui a 10 anos, quando o nosso mercado já estiver saturado, são pura especulação.
Mas uma coisa é certa: para realizar as metas de Bruxelas será preciso fechar a central a carvão de Sines e "prescindir" do seu pessoal, o que os seus 500 trabalhadores directos e os indirectos que trabalham para os muitos empreiteiros que operam na Central há muito tempo justificadamente receiam - como também os das Centrais termoeléctricas de Setúbal e Carregado, e ainda os respectivos fornecedores de tabaco e jornais, frutarias e mini-mercados que os abastecem, e todos os outros empregos indirectos dependentes destes, na fila para o desemprego...
3 comentários:
Pelo que me apercebo não há nestes estudos do Governo/APREN a menor justificação para a utilização de um multiplicador de emprego (de 10) em vez de outro. E está aí uma das falácias de raciocínio. A outra é admitir que todos os empregos que são criados em Portugal que existam provas disso.
Isto de facto parece uma aldrabice pegada. O que deve dizer muito dos estudos de criação de emprego noutras áreas.
Mais uma vez o autor está de parabéns por expor estes artifícios pelos os quais Portugal ficará cada vez mais pobre.
Sim, no relatório da APREN não é apresentado nenhum fundamento para a número de empregos indirectos indicados, mas sempre são distinguidos dos directos, e esses são correctamente recenseados.
Já no Plano do Governo essa diferença entre empregos directos e indirectos foi pura e simplesmente "esquecida" e foi apresentado um número que, face aos únicos empregos que foram efectivamente recenseados, os multiplica por cerca de 10!...
Caro Pinto de Sá,
Está a pregar no deserto: neste país ninguém se importa com o sector secundário, a começar pelos portugueses, e a acabar nos políticos que eles ciclicamente escolhem para os representarem e governarem.
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