sexta-feira, agosto 06, 2010

O outro grande líder

Há 40 anos, durante a Primavera marcelista, quem chegava das províncias do Império à Universidade em Lisboa encontrava uma efervescência de ideias, discussões e preocupações no movimento estudantil que eram mais instrutivas que as escolas propriamente ditas. Começava pelo próprio vocabulário, e estendia-se à largueza de horizontes.
As Associações de Estudantes do Técnico (IST) e de Económicas (ISEG) eram um viveiro de activistas e pensadores que produziam textos como o "Contra a Fábrica", onde se aprendia o que eram o taylorismo e o fordismo, onde o modelo de uma sociedade livre dos valores consumistas em que tínhamos sido educados, e que rejeitávamos, era a China da Revolução Cultural - um lugar onde só havia dois tipos de fatos, o cinzento e o azul, onde a diferença máxima de salários era de 2 para 1, onde as pessoas se moviam por ideais e não pela busca mesquinha de mais um carro ou electrodoméstico, e onde quem mandava eram os jovens idealistas como nós - os guardas vermelhos!
China maoísta onde havia debates acesos, mas não se levava os opositores à cave para levarem um tiro na nuca como na Rússia revisionista - apenas se passeava a vítima pela cidade com um cartaz no peito e a malta à volta a gritar-lhe aos ouvidos a linha justa até ele se convencer. Um mundo fascinante!...
Claro que tudo isso foi uma ilusão, mas ainda hoje gosto de lembrar que a diferença entre a Revolução russa e a chinesa se podia resumir na forma como ambas trataram os respectivos monarcas depostos: na Rússia, o Czar, a família e até a respectiva criadagem foram todos mortos numa cave, a tiro e à baioneta, mas na China o Imperador foi reeducado e convertido em guia do palácio imperial de que outrora fora o dono, e que agora pertencia ao povo.

Vem tudo isto a propósito de que esse movimento estudantil de há 40 anos em Lisboa tinha dois fantásticos pensadores e líderes, que aliás em regra estavam de acordo e que eram ouvidos em completo embevecimento pelos caloiros como eu: os dirigentes das Associações de Estudantes do Técnico e sobretudo de Económicas, respectivamente o Zé Mariano e o Félix Ribeiro.
Do Zé Mariano todos sabemos o percurso que seguiu.
Mas do Félix Ribeiro sabemos em geral menos, porque ele se apagou. Apagou-se como político mas não como pensador, como o atesta esta extraordinária entrevista que vivamente vos recomendo:
Público - A Europa vai ser comprada pela China e pelos príncipes árabes

6 comentários:

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

Deste Félix Ribeiro não me recordo mas, para além do Mariano Gago, de quem fui colega de curso, não me esqueço do António Guterres que, uns anos mais novo, já nessa época falava com muita desenvoltura, embora “na plateia” se dissesse que ainda um dia o veríamos como ministro do Marcelo Caetano. Aliás, em 1973 ele chegou a entrar para o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho de Ministros e possivelmente apenas o 25 de Abril veio travar o vaticínio...

Ao contrário do caro Prof. nunca me deixei embevecer por nenhum desses ilustres pensadores.
E devo dizer-lhe que fiquei até muito desiludido com o Mariano Gago quando um dia, numa reunião de curso, o ouvi classificar como “engenhática”, de forma sobranceira, as cadeiras de aplicação como Oficinas, Projecto e tudo o mais que não fosse Física Teórica.

Pinto de Sá disse...

Pois, caro Eng.º Jorge Oliveira, cada um tem os seus percursos...
Mas de qualquer modo eu sou mais novo. Quando cheguei ao Técnico em 1969 estava o Mariano Gago no 6º e último ano do seu curso.

Jorge Oliveira disse...

Permita-me corrigi-lo quanto às datas. O Gago acabou o curso, tal como eu, em 1971. O nosso curso foi o de transição e ficou conhecido como o de 5 anos e meio, uma vez que o último ano foi reduzido a um semestre.

Mas, já que fala na diferença de percursos, permito-me também explicar as razões pelas quais os bons oradores do IST e de outras faculdades não me impressionavam grande coisa quando discursavam nas RGA.

É que eu fui um bocado boémio durante o meu início no IST. Tirei disso o partido que se pode imaginar, mas paguei o elevado preço de dois anos perdidos. Quando encarrilei e retomei o estudo, aos 20 anos, fui encontrar colegas dois anos mais novos. Como entretanto já tinha casado e era pai (quando acabei o curso já ia no terceiro filho...) passei por alguns sacrifícios para ajudar a sustentar a família. Nestas circunstâncias olhava para os colegas de uma forma particular, em que dificilmente se encaixava o embevecimento pelo que pudessem dizer.

Banda in barbar disse...

Félix Ribeiro porque apagou-se como político e como pensador, como o atesta esta entrevista que vivamente não recomendo:
Púbico - A vai ser comprada pela China e príncipes

enfim é mais um apelo ao inimigo
algures
uma reedição dos japoneses estão a comprar a América
e quando a China foi dividida pela Europa, agora compram umas coisinhas e é o trauma
O perigo amarelo, enfim...

Banda in barbar disse...

este tipo de análise é reducionista
pois o grande capital chinês repousa em muitas comunidades
chinesas, na indonésia e malásia
onde foram massacrados mercê do seu controle económico
no sul da china que mantêm gostos europeizantes
há muitos intervenientes e a Índia?
perdeu muito e ganhou muito com esta crise
a indústria pesada britânica transplantada para as suas antigas
colónias apenas parcialmente saiu de mãos anglo-americanas
o capital distribui-se por mais uns milhões
e a china tem alguma unidade interna
agora dizer que os chineses não sabem....o que é a europa em termos políticos é ingenuidade
desde 1996 a 2002 que já estavam fortemente implantados nos espaços de expansão da CEE

A China precisa dos EUA mas não quer que a Europa desapareça do mapa e fará tudo para ajudar a mantê-la Já está a comprar títulos de dívida gregos e espanhóis, como do insolvente Dubai e de outros

A questão é outra. A Espanha andou a criar uns leitõezinhos que já são muito apetitosos: a Telefónica, a Repsol, a Iberdrola, etc. No nosso caso, a Galp, por exemplo. Penso que esta crise é aquela em que alguém vai dizer: meus caros amigos, é altura de os leitões irem para o mercado para serem comprados por quem tiver dinheiro para comprar. O pior que pode acontecer nesta crise é haver uma transferência maciça da propriedade no Sul. É os chineses comprarem tudo o que lhes interessa na Grécia - o Pireu, os armadores...
neste caso os indianos já detêm a maioria do negócio desde que a Blom & Voss se deslocalizou
é parvoíce

E em Espanha e Portugal...reduziram as apostas
é falacioso
mas lá terá vocemecê as suas nostalgias pelo seu líder
enfim

Pinto de Sá disse...

Caro Eng.º Jorge Oliveira,
Como eu disse, cada um teve os seus percursos.
Quando eu cheguei ao Técnico, vindo da "província" (e mais concretamente, do interior profundo de uma "província ultramarina"), tinha 17 anos e encontrei o Movimento Estudantil no seu auge. Talvez o Gago não estivesse de facto no 6º mas sim no 5º ano, mas era o Presidente da Associação de Estudante do Técnico, e eu um verdadeiro caloiro.
Depois também perdi anos, mas não em boémia e sim por causa do meu deslumbramento com aquilo que menciono. E quando anos depois retomei o curso, quase do início (2º ano), também o tive de tirar estudando à noite e mantendo um emprego de dia, também já casado e com uma filha...
Tenho um livro de memórias publicado sobre esses tempos...