Um dos maiores engenheiros portugueses nascidos no século XX foi, há poucos anos (2007), agraciado com a Ordem do Mérito Científico pelo Presidente da República... do Brasil!
Trata-se de Carlos Portela, em tempos Catedrático do Instituto Superior Técnico e que deixou o país durante o PREC. Para quem quiser conhecer a sua história, pode encontrá-la nesta entrevista que deu em 2006.
Nunca conheci pessoalmente o Prof. Portela, mas estudei pelos apontamentos que deixou na sua escola e que me marcaram profundamente pelo seu rigor intocável. E partilho com ele a procura do equilíbrio entre a vida universitária e a actuação profissional fora dela, com a mesma opinião de que "se uma pessoa se restringe à Academia, perde a noção da realidade. Mas se apenas actua no mercado, perde a preocupação com o rigor".
Opinião que, nestes tempos de avanço do controlo político total sobre a Universidade, é cada vez mais uma contra-corrente.
Na entrevista que hyperlinkei e que vos recomendo, sobretudo aos que ainda são estudantes, Portela insurge-se contra o culto das normas mal-feitas, e acusa: "no Brasil, se o sujeito mata cem pessoas mas para isso calculou segundo as normas, não há problema nenhum. Ou seja, usam as normas para se absterem das responsabilidades".
Ora remar assim contra corrente de normas feitas por comités internacionais requer um tipo de espírito de rigor, de insubmissão de pensamento e de amor ao bem público que é raro. Mas Portela nunca foi uma pessoa fácil.
E isto traz-me a um problema existente em Portugal que é exactamente igual ao que Portela critica no Brasil. É uma questão que vou ter de abordar com algum tecnicismo, o que sempre tenho evitado neste blogue, mas não vejo alternativa a isso.
Nas redes eléctricas, é frequente terem de se fazer trabalhos de manutenção em linhas aéreas e outros equipamentos de alta tensão. Para o efeito existem normas de segurança que são quase uma trancrição de normas europeias e que estão minuciosamente detalhadas em diversos regulamentos e manuais das nossas empresas de electricidade. E, no entanto, praticamente todos os anos há algumas mortes em acidentes em trabalho destes.
Em regra, as nossas empresas de electricidade atribuem tais funestos eventos ao incumprimento das normas, e em alguns casos isso sucede. Mas o facto é que mesmo cumprindo essas normas os acidentes são frequentemente fatais, porque o que acontece é que as normas estão erradas. As portuguesas e as europeias em que elas se baseiam.
Basicamente, o problema técnico é o seguinte: as normas mandam ligar à terra os equipamentos susceptíveis de ficarem em tensão durante os referidos trabalhos, de um lado e do outro do equipamento onde o trabalho de manutenção decorra. E isso está errado, porque as tais ligações à terra têm sempre uma resistência eléctrica tal que são praticamente inúteis.
O que se deve fazer é precisamente o contrário: é ligar o ponto onde o trabalhador se mova aos equipamentos susceptíveis de ficarem em tensão, de modo a criar o que os anglo-saxónicos denominam de "zona equipotencial de trabalho".
Isto foi estudado nos EUA há já uns 40 anos e é praticado lá, na Nova Zelândia, na Austrália, etc. Mas claro que afirmar que os comités normalizadores nacionais e europeus estão errados é, mais uma vez, ir contra a corrente...
3 comentários:
E avaliam a qualidade da Terra antes de a usar?
Infelizmente as situações descritas são sintomáticas de um país que nada liga ao Saber Técnico. Apenas liga às politiquices (e mais recentemente à gestão de powerpoint).
Aliás este blog tem sido muito activo na denúncia do aumento do preço da energia eléctrica motivado pela subsidiação da energia eólica e fotovoltaica. Quanto a mim trata-se de mais um sintoma de Saber Técnico vs. politiquices.
Enquanto o Saber Técnico não for recompensado teremos sempre situações destas.
Não vejo ventos de mudança...
Caro Prof. Pinto de Sá
Tem razão. O importante é tornar equipotenciais os pontos em que o operador põe as mãos e os pés.
Não sei como é agora, mas no meu tempo o que se ensinava no IST acerca das ligações à terra era muito pouco.
Julgo que se tratava de mais uma daquelas matérias que os marianos gagos consideravam como “engenhática” e os profes não perdiam muito tempo com o assunto.
O que aprendi foi já durante a actividade profissional.
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