sexta-feira, dezembro 23, 2011
domingo, outubro 30, 2011
Smartgrids: Fantasia e realidade. Parte IV: os roteiros de Portugal
Há cerca de um ano iniciei uma série de posts sobre as smartgrids, começando por uma apreciação do roteiro europeu.
Dias depois acrescentei uma apreciação do roteiro norte-americano, e a seguir do roteiro da China, onde concluía com um sublinhado da importância de normas internacionais, standards, de comunicação informática para a viabilização das smartgrids em larga escala.
Neste último post anunciava que terminaria a série com um post final sobre as perspectivas portuguesas, mas passaria um ano até que as condições para isso estivessem maduras, coisa que considero estar neste momento. No último número (3º) da revista Energia e Futuro publiquei um artigo de síntese sobre o assunto, de que respigo aqui as conclusões:
Num próximo post final analisarei o que está a acontecer neste quadro em Portugal.
Dias depois acrescentei uma apreciação do roteiro norte-americano, e a seguir do roteiro da China, onde concluía com um sublinhado da importância de normas internacionais, standards, de comunicação informática para a viabilização das smartgrids em larga escala.
Neste último post anunciava que terminaria a série com um post final sobre as perspectivas portuguesas, mas passaria um ano até que as condições para isso estivessem maduras, coisa que considero estar neste momento. No último número (3º) da revista Energia e Futuro publiquei um artigo de síntese sobre o assunto, de que respigo aqui as conclusões:
7. Lições do périplo e opções para o roteiro português nas smartgrids
Portugal, como já foi referido, adoptou na década transacta a visão europeia mais utópica das smartgrids, com um firme apoio do Governo e das empresas de electricidade em que este detinha golden-shares. Exemplos da promoção governamental desta visão foram o projecto “Green Islands” para os Açores, e na EDP uma experiência de instalação de smart meters foi realizada na cidade de Évora, embora ainda não sejam conhecidos resultados práticos da mesma. No entanto, o périplo que aqui se fez pelos diversos roteiros para as smartgrids nos grandes blocos mundiais permite suportar as seguintes lições:
I. O objectivo principal da instalação de smart meters, como componente das smartgrids, é o suporte de tarifas de electricidade voláteis e rapidamente variáveis que reflictam a disponibilidade intermitente da energia gerada por fontes eólicas e solares, supostas dominantes ou mesmo exclusivas no mix electro-produtor; um objectivo secundário mas importante nos EUA é uma racionalização dos consumos e correspondente redução. Um outro propósito pode existir, o da redução de “perdas comerciais” (fraudes e furtos) quando estas são significativas [1], motivação principal da Itália quando iniciou a instalação de smart meters em larga escala em 2006; mas este propósito pouco tem a ver com smartgrids.
II. A operacionalização dos smart meters acarreta sempre, no actual estado da tecnologia, um substancial agravamento de custos [2], agravado pelo contexto de uma geração predominante intermitente que arrasta uma subida generalizada das tarifas. Este aumento de custos suscita reacções negativas dos consumidores que são dificilmente suportáveis pelos operadores em ambientes democráticos, e os estudos realizados na Europa sobre a rentabilidade do investimento em smart meters têm sido todos negativos (excepto quando as “perdas comerciais” evitadas são importantes).
III. As experiências americanas mostram que a racionalização de consumos e alguma adaptação dos mesmos à intermitência da geração (reflectida nas tarifas) só é aceite por parte considerável dos consumidores se: 1) lhes proporcionar ganhos económicos; 2) não causar desconforto excessivo; 3) garantir a privacidade e permitir dizer “não”; 4) exigir uma intervenção mínima, intuitiva e livre (do tipo “carregar num botão”). Estes requisitos só podem ser satisfeitos por sistemas inteiramente automáticos que liguem em rede aparelhos consumidores e electrodomésticos aos smart meters, sistemas esses de baixo custo. Este baixo custo requer, por sua vez, a existência de normas de comunicação para essas redes domésticas que permita a interoperabilidade de novos aparelhos consumidores fabricáveis em massa, garantindo, assim, a concorrência e a inovação. Estas normas ainda não existem e, sem elas, não haverá fabricação dos referidos aparelhos “smart” e, sem estes, não haverá “gestão da procura” em escala significativa.
IV. Dos pontos anteriores conclui-se que a “gestão da procura” numa escala económica e sistemicamente significativa não ocorrerá enquanto uma nova tecnologia de redes de comunicações domésticas e respectivos aparelhos de consumo se não desenvolver em larga escala, o que não sucederá previsivelmente antes de uma década (a um nível capaz de ter impacto), opinião esta partilhada pela China. Dada por um lado a fraqueza da indústria portuguesa de electrodomésticos e outros aparelhos de consumo em Baixa Tensão, e por outro lado a natureza de mercado verdadeiramente global de produtos em jogo nestas tecnologias, não parece que Portugal tenha um interesse prioritário em disputar lideranças nesta frente tecnológica das smartgrids.
V. As micro-redes não se concretizarão, a não ser em certas instalações militares. Uma super-rede continental europeia, pelo contrário, poderá vir a materializar-se, se resolver algumas questões de soberania, mas Portugal não tem condições geográficas adequadas a uma significativa intervenção no assunto.
VI. Nem a “gestão da procura” nem as “super-redes”, que em todo o caso não se materializarão no futuro próximo, resolverão completamente o problema da intermitência de uma excessiva geração eólica e fotovoltaica. Os EUA, a China e diversos países europeus (da Polónia à Holanda) planeiam, por isso, uma importante componente nuclear no mix descarbonizado de geração eléctrica.
VII. Qualquer instalação em larga escala de tecnologias “smart” nas redes eléctricas exige a adopção internacional de normas de comunicação. Recentemente a Europa, os EUA e a China chegaram a consenso sobre essas normas, mas apenas no domínio da cibersegurança e das comunicações usadas nas redes de Média e de Alta Tensão.
O último ponto tem um particular interesse se se considerarem as tecnologias de Automatização das redes de Média e Alta Tensão (Distribuição e Transmissão), ou seja, as redes que se situam entre as de Baixa Tensão das micro-redes e as especiais em Muito Alta Tensão das super-redes. Um estudo do mercado norte-americano[3] em que, como se viu, a modernização das redes EXISTENTES e do seu controlo informático é um dos pilares do projecto das smartgrids, perspectiva: “Uma infra-estrutura avançada de contagem e smart meters são as tecnologias fundacionais da rede eléctrica “smart”. Mas esta é mais do que contadores domésticos inteligentes.… Há outros projectos em fases iniciais de implementação de tecnologias e conceitos mais avançados de smartgrids…. A Automatização da Distribuição é a próxima “big thing” em smartgrids…. Para as empresas de electricidade, a sua implantação pode propiciar economias significativas através de melhorias mensuráveis na eficiência operacional, fiabilidade, qualidade de serviço e conservação de energia –todas contribuindo para a satisfação dos consumidores. … A maioria dos gastos das empresas de energia serão em aparelhos de corte na Distribuição e respectivos controlos.”
É de notar a coincidência das conclusões deste estudo do mercado americano com a opinião apresentada pelo Director da CPFL no Brasil, podendo afirmar-se que, seja qual for o ritmo de evolução das tecnologias “smart” na Baixa e na Muito Alta Tensão, a Automatização da Distribuição em Média e Alta tensão é algo que sucederá seguramente, visto que se aplica a redes já existentes e para as quais também já existem as normas internacionais de comunicação informática.
Acontece que, por razões históricas, Portugal desenvolveu desde há 30 anos considerável experiência académica, industrial e de utilização nas tecnologias de Automatização da Distribuição de energia, o que lhe dá em princípio uma oportunidade de lutar aí por um lugar na liderança das smartgrids. Assim não seja esse “know-how” perdido em prol de visões tecnológicas determinadas por ideologias utópicas!
[1] O custo só da instalação dos smart meters é estimado, para grandes escalas, em 250€ por unidade, mas alguns sistemas mais simples, como o italiano, terão custado apenas cerca de 70€/unidade.
[2] Groupement Européen des entreprises et Organismes de Distribution d’ Energie, «GEODE Position Paper on Smart Metering», Novembro 2009.
[3] MRG Inc, “U.S. Smart Grid, Beyond the Smart Meter”, Março 2010.
[2] Groupement Européen des entreprises et Organismes de Distribution d’ Energie, «GEODE Position Paper on Smart Metering», Novembro 2009.
[3] MRG Inc, “U.S. Smart Grid, Beyond the Smart Meter”, Março 2010.
Num próximo post final analisarei o que está a acontecer neste quadro em Portugal.
domingo, outubro 16, 2011
Energia eólica reduz investimentos e perdas na rede?
Um dos benefícios que o lobby eólico e alguns desconhecedores costumam invocar para as energias renováveis é que elas poupam investimentos na rede eléctrica, assim como perdas na sua utilização, porque seriam consumidas no próprio local onde são produzidas, ou pelo menos ali perto.
Ora isso só é verdade para centrais geradoras com potências instaladas muito pequenas ou, sendo maiores, se inseridas em grandes complexos industriais que consomem de facto a maior parte dessa energia - como é o caso da cogeração, quando verdadeira.
Um dos melhores exemplos do que realmente se passa é a situação da produção eólica, que invoca essa economia de redes eléctricas no último documento de publicidade enganosa que tenta passar por "estudo independente" da APREN (um "trabalho" que custou perto de 1/4 de milhão de € e que foi pago por um organismo dependente do Ministério da Economia, o Fundo de Apoio à Inovação).
Com efeito, e como se pode consultar aqui, 44% da potência eólica instalada está directamente ligada à rede de Muito Alta Tensão da REN!
Na verdade, esses 44% directamente ligados à REN incluem parques com mais de 100 MVA (que totalizam 28% de toda a potência eólica instalada), e os restantes são essencialmente parques com mais de 50 MVA!
Nos 56% restantes, ligados à rede de Distribuição, só 10% têm potências instaladas inferiores a 10 MVA e estarão ligados de forma distribuída à rede de Média Tensão.
A larga maioria destes 56%, 46% do total, tem potências entre os 10 e os 50 MVA, e está ligada ou à rede de repartição de 60 kV (a maior parte), ou pelo menos directamente às Subestações da EDP.
Uma das razões disto ser assim são as economias de escala que se obtêm ao juntar os aerogeradores nos mesmos terrenos e partilhando linhas de ligação à rede.
Porém, uma outra razão existe para isto, e que é o método de atribuição de "pontos de injecção" na rede dos parques eólicos (e, em geral, da produção em regime especial, PRE) usado em Portugal.
Este método, ainda que informalmente, continua a ser o preconizado num "Guia Técnico" elaborado em 1988, quando as primeiras mini-hídricas e cogerações começaram a ser instaladas (as eólicas só chegariam uma década depois). Estipulava ele que a relação entre a "Potência de curto-circuito" da rede no ponto de ligação atribuído e a potência a instalar devia ser pelo menos de 20. Esta relação, também conhecida por relação de curto-circuito, visava limitar as perturbações causadas aos consumidores quando um PRE se liga à rede, mas pressupunha certos factos tecnológicos que nunca se vieram a verificar (ver (1)). E, no entanto, essa regra tornar-se-ia norma.
Daqui resulta que se, por exemplo, se quiser instalar um PRE de 10 MW, frequentemente ele se terá de ligar à rede de 60 kV, com o correspondente custo agravado da ligação, e então este custo justifica-se melhor se for possível ligar um PRE de 20 ou mesmo 40 MW...
Há quase 10 anos, quando as eólicas se começavam a instalar, elaborei, a pedido da DGEG, uma proposta de revisão da legislação e regulamentação técnica das condições de ligação à rede dos PRE, mas ficou na gaveta, disseram-me que por boicote da REN e da FEUP, que então tinham grande audiência no Ministério da Economia (a proposta pode ser consultada aqui e o guia técnico da sua aplicação aqui).
A proposta resultou de um benchmarking que fiz do que havia na altura de melhor em todo o mundo, mas só muito recentemente algumas das disposições que eu aí preconizava começaram a ser aplicadas, graças a sugestões da EDP...
De qualquer modo as eólicas vieram trazer novas exigências técnicas e, com o crescente tamanho que vêm adquirindo, dificilmente se podem instalar num quintal...
(1) - O facto principal que aquela regra pressupunha era que os geradores viessem a ser predominantemente assíncronos, exigindo baterias de condensadores, que deviam injectar cerca de 60% de potência reactiva na rede. Com isso e uma relação de curto-circuito superior a 20, a ligação à rede nunca causaria variações de tensão superiores a 3%. Porém, basta que os PRE não injectem nem consumam potência reactiva nenhuma para que aquela variação de tensão seja quase nula, e será mesmo nula se consumirem alguma reactiva, numa dada proporção da activa que injectam. É o que se faz em toda a parte, da Alemanha à Irlanda, e que permite que os PRE possam ser ligados a redes locais, com a única ressalva da potência real (activa) que injectam na rede menos o mínimo gasto pelos consumidores locais ser comportável pelas linhas.
Assim, tem-se entre nós um perfeito aborto técnico, cuja persistência só se entende pela conjugação de interesses da REN (justificar investimentos desnecessários) com o dos grandes produtores (encarecer o acesso à rede para os pequenos).
Ora isso só é verdade para centrais geradoras com potências instaladas muito pequenas ou, sendo maiores, se inseridas em grandes complexos industriais que consomem de facto a maior parte dessa energia - como é o caso da cogeração, quando verdadeira.
Um dos melhores exemplos do que realmente se passa é a situação da produção eólica, que invoca essa economia de redes eléctricas no último documento de publicidade enganosa que tenta passar por "estudo independente" da APREN (um "trabalho" que custou perto de 1/4 de milhão de € e que foi pago por um organismo dependente do Ministério da Economia, o Fundo de Apoio à Inovação).
Com efeito, e como se pode consultar aqui, 44% da potência eólica instalada está directamente ligada à rede de Muito Alta Tensão da REN!
Na verdade, esses 44% directamente ligados à REN incluem parques com mais de 100 MVA (que totalizam 28% de toda a potência eólica instalada), e os restantes são essencialmente parques com mais de 50 MVA!
Nos 56% restantes, ligados à rede de Distribuição, só 10% têm potências instaladas inferiores a 10 MVA e estarão ligados de forma distribuída à rede de Média Tensão.
A larga maioria destes 56%, 46% do total, tem potências entre os 10 e os 50 MVA, e está ligada ou à rede de repartição de 60 kV (a maior parte), ou pelo menos directamente às Subestações da EDP.
Uma das razões disto ser assim são as economias de escala que se obtêm ao juntar os aerogeradores nos mesmos terrenos e partilhando linhas de ligação à rede.
Porém, uma outra razão existe para isto, e que é o método de atribuição de "pontos de injecção" na rede dos parques eólicos (e, em geral, da produção em regime especial, PRE) usado em Portugal.
Este método, ainda que informalmente, continua a ser o preconizado num "Guia Técnico" elaborado em 1988, quando as primeiras mini-hídricas e cogerações começaram a ser instaladas (as eólicas só chegariam uma década depois). Estipulava ele que a relação entre a "Potência de curto-circuito" da rede no ponto de ligação atribuído e a potência a instalar devia ser pelo menos de 20. Esta relação, também conhecida por relação de curto-circuito, visava limitar as perturbações causadas aos consumidores quando um PRE se liga à rede, mas pressupunha certos factos tecnológicos que nunca se vieram a verificar (ver (1)). E, no entanto, essa regra tornar-se-ia norma.
Daqui resulta que se, por exemplo, se quiser instalar um PRE de 10 MW, frequentemente ele se terá de ligar à rede de 60 kV, com o correspondente custo agravado da ligação, e então este custo justifica-se melhor se for possível ligar um PRE de 20 ou mesmo 40 MW...
Há quase 10 anos, quando as eólicas se começavam a instalar, elaborei, a pedido da DGEG, uma proposta de revisão da legislação e regulamentação técnica das condições de ligação à rede dos PRE, mas ficou na gaveta, disseram-me que por boicote da REN e da FEUP, que então tinham grande audiência no Ministério da Economia (a proposta pode ser consultada aqui e o guia técnico da sua aplicação aqui).
A proposta resultou de um benchmarking que fiz do que havia na altura de melhor em todo o mundo, mas só muito recentemente algumas das disposições que eu aí preconizava começaram a ser aplicadas, graças a sugestões da EDP...
De qualquer modo as eólicas vieram trazer novas exigências técnicas e, com o crescente tamanho que vêm adquirindo, dificilmente se podem instalar num quintal...
(1) - O facto principal que aquela regra pressupunha era que os geradores viessem a ser predominantemente assíncronos, exigindo baterias de condensadores, que deviam injectar cerca de 60% de potência reactiva na rede. Com isso e uma relação de curto-circuito superior a 20, a ligação à rede nunca causaria variações de tensão superiores a 3%. Porém, basta que os PRE não injectem nem consumam potência reactiva nenhuma para que aquela variação de tensão seja quase nula, e será mesmo nula se consumirem alguma reactiva, numa dada proporção da activa que injectam. É o que se faz em toda a parte, da Alemanha à Irlanda, e que permite que os PRE possam ser ligados a redes locais, com a única ressalva da potência real (activa) que injectam na rede menos o mínimo gasto pelos consumidores locais ser comportável pelas linhas.
Assim, tem-se entre nós um perfeito aborto técnico, cuja persistência só se entende pela conjugação de interesses da REN (justificar investimentos desnecessários) com o dos grandes produtores (encarecer o acesso à rede para os pequenos).
sábado, outubro 15, 2011
Perdas no armazenamento eléctrico e o circuito comercial da energia eólica
Como já justifiquei aqui, tenho assumido um rendimento global da bombagem pelas hidroeléctricas reversíveis de 75%, baseado em dados teóricos dificeis de confirmar empiricamente e, na dúvida, preferindo "beneficiar o infractor".
Um desses dados teóricos é um exemplo hipotético constante da memória descritiva do PNBEPH, na pag. 53, que diz "considerando, por exemplo, que nb*nt=0,75...".
Porém, depois de uma busca mais extensa e de algum diálogo com o Ecotretas, comecei a encontrar as tais evidências empíricas que me faltavam, conduzindo-me a valores de rendimento para a bombagem bastante inferiores, 70% na melhor hipótese.
Ora descobri, na própria memória descritiva do PNBEPH, pag. 151 (4.2.2. Valia eléctrica dos aproveitamentos), uma afirmação que me escapara: "...a eficiência global do processo bombagem-turbinamento será bastante inferior a 100% (usualmente 65 a 70% de rendimento global)"!...
Portanto, e considerando ainda as perdas no transporte da energia eólica entre os respectivos parques e as barragens (pelo menos 1.5%), não há dúvida que se pode afirmar com toda a segurança que na bombagem se perde 1/3 da energia eólica armazenada, e não 1/4 como tenho assumido!...
Por outro lado, existe um documento da REN que reconhece que, devido à confluência da chuva com o vento nos Invernos, nem todo o excesso de energia eólica poderá ser armazenado, tendo de se "deitar fora" entre 1 e 3% do total, respectivamente nos cenários de produção eólica que havia e o previsto para 2020. Por conseguinte, a consideração de perdas ainda maiores que 1/3, nesses cenários de produção eólica, e como fiz aqui, não é exagerado.
Vejamos agora como funciona o "circuito comercial" desta energia eólica, de modo a clarificar de vez as mistificações que alguns têm propalado.
Assumamos, por hipótese, que estamos em 2020, com 8500 MW de potência eólica instalada, que produzem em média anual 2100 MW.
Estes 2100 MW médios dão uma ideia da energia anual gerada mas, como já expliquei noutros posts, haverá alturas em que as eólicas estarão a produzir 80 a 90% da potência instalada (7500 MW), e outras em que se ficam pelos 6 a 10% (700 MW), e o sistema tem que ser capaz de viver com esses extremos.
Voltando à energia e seu circuito comercial, os 2100 MW médios são obrigatoriamente aceites pelas redes da REN e da EDP a que os produtores eólicos estão ligados, mas quem compra a energia eólica pelo valor tarifado é o "comercializador de último recurso", a EDP SU ("Serviço Universal"). Este valor é, em 2011, em média, de 9,54 ç/kWh, como se pode ver aqui (o lobby eólico detesta que se mostrem estes números...).
Tendo então pago aos produtores eólicos 1756 milhões de €, por aqueles 2100 MW médios anuais (na realidade e presentemente, como ainda vamos em metade desses 8500 MW, os produtores eólicos também só recebem metade daquele dinheiro, 878 milhões de €), o comercializador vende directamente à EDP Distribuição 2/3 dessa energia, ao valor de mercado médio de cerca de 5 ç/kWh.
Portanto, por 2/3 da energia pela qual terá pago 2/3 x 1756 M€ = 1171 M€, receberá dos consumidores apenas 614 M€ à conta de energia. O resto, 557 M€, será pago pelos consumidores como "custos de interesse económico geral", ou CIEG, neste exemplo a 4,54 ç/kWh - o que faltava para os 9,54 ç/kWh recebidos pelos produtores eólicos.
Continuando o exemplo hipotético, para o outro 1/3 de energia eólica que sobrou, 700 MW em média, não há consumidores, e por isso o comercializador vende-a a preço zero a quem aparecer, e quem aparece são as barragens. Porém, como o pagou a 9,54 ç/kWh aos produtores eólicos, fica com um prejuízo de 585,4 M€, de cujo reembolso a ERSE se encarregará de tratar.
As barragens, que compraram essa energia a 0 ç/kWh, vendem-na, nas horas de ponta, por exemplo a 9 ç/kwh, mas na verdade não toda, porque 1/3 se perdeu no processo; vendem apenas 460 MW em média. Recebem, portanto, 362,9 M€ anuais, o suficiente para rentabilizar o serviço prestado.
Entretanto, os consumidores adquiriram 1400 MW médios pelos quais pagaram os 9,54 ç/kWh devidos aos produtores eólicos (5 à conta de energia e 4,54 à conta de CIEG, como vimos), e adquiriram mais 460 MW das barragens, a 9 ç/kWh.
Mas as contas não estão completas. Faltam os 585,4 M€ de prejuízo que o comercializador teve ao adquirir os 700 MW eólicos a 9,54 ç/kWh para os vender de borla às barragens.
Duas coisas podem agora acontecer.
Na primeira, a ERSE manda repercutir na tarifa dos consumidores aquele valor (eventualmente no ano seguinte), e estes vêm a pagar, portanto, mais 585,4 M€ pelos 1860 MW médios de energia eólica que lhes chegou aos contadores (desprezando as perdas na rede), ou seja, pagam mais 3,6 ç/kWh eólico (585,4 M€/(1860*8760 horas)), naturalmente como CIEG!
Recapitulando, os consumidores adquirem 1400 MW ao preço pago aos produtores eólicos (9,54 ç/kWh) e 460 MW ao preço pago às barragens (9,0 ç/kWh), mas depois pagam ainda 3,6 ç/kWh por cada um desses 1860 MW médios, o que dá um custo total de exactamente 13,0 ç/kWh.
O acréscimo de 3,46 ç/kWh sobre os 9,54 ç/kWh pagos aos produtores eólicos é o sobrecusto sistémico das barragens e das perdas no processo de armazenamento. Totaliza, como vimos, 585,4 M€, dos quais 362,9 M€ são as receitas das barragens, e a diferença, 222,5 M€, é o pagamento da energia perdida na armazenagem, paga aos produtores mas impossível de consumir.
Mas pode acontecer outra coisa.
Pode acontecer que o Governo decida que não quer sobrecarregar já os consumidores, e que portanto os tais 585,4 M€ de prejuízo da EDP SU não sejam repercutidos no tarifário dos consumidores no ano seguinte.
O comercializador fica com esses 585,4 M€ em crédito, que regista como "activo circulante", mas o dinheiro na verdade está em falta.
É o défice tarifário.
Que faz então o comercializador? Vende esse crédito à banca, ("titulariza-o") e recebe o dinheiro.
Quem fica com a dívida agora é a banca, mas esta não tem que se preocupar porque o Estado garante o pagamento do défice que entretanto rende juros. Neste exemplo, 585,4 M€.
Naturalmente, essa dívida vai crescer, por via dos juros acumulados e, por outro lado, ao ter servido para reembolsar a EDP SU do seu prejuízo, esse dinheiro vai faltar à banca para financiar a economia.
É o que vinha a acontecer, e é o que vai continuar a acontecer.
Claro que os 13,0 ç/kWh a que cheguei no exemplo não são tudo o que o consumidor vai pagar, nem sequer tudo o que vai pagar pelo custo da energia eólica. Terá ainda que pagar o backup das térmicas necessárias para quando não há vento e que quando há estão paradas mas prontas a produzir, e ainda o custo da rede eléctrica e os custos de todos os restantes serviços associados.
Mais IVA.
Um desses dados teóricos é um exemplo hipotético constante da memória descritiva do PNBEPH, na pag. 53, que diz "considerando, por exemplo, que nb*nt=0,75...".
Porém, depois de uma busca mais extensa e de algum diálogo com o Ecotretas, comecei a encontrar as tais evidências empíricas que me faltavam, conduzindo-me a valores de rendimento para a bombagem bastante inferiores, 70% na melhor hipótese.
Ora descobri, na própria memória descritiva do PNBEPH, pag. 151 (4.2.2. Valia eléctrica dos aproveitamentos), uma afirmação que me escapara: "...a eficiência global do processo bombagem-turbinamento será bastante inferior a 100% (usualmente 65 a 70% de rendimento global)"!...
Portanto, e considerando ainda as perdas no transporte da energia eólica entre os respectivos parques e as barragens (pelo menos 1.5%), não há dúvida que se pode afirmar com toda a segurança que na bombagem se perde 1/3 da energia eólica armazenada, e não 1/4 como tenho assumido!...
Por outro lado, existe um documento da REN que reconhece que, devido à confluência da chuva com o vento nos Invernos, nem todo o excesso de energia eólica poderá ser armazenado, tendo de se "deitar fora" entre 1 e 3% do total, respectivamente nos cenários de produção eólica que havia e o previsto para 2020. Por conseguinte, a consideração de perdas ainda maiores que 1/3, nesses cenários de produção eólica, e como fiz aqui, não é exagerado.
Vejamos agora como funciona o "circuito comercial" desta energia eólica, de modo a clarificar de vez as mistificações que alguns têm propalado.
Assumamos, por hipótese, que estamos em 2020, com 8500 MW de potência eólica instalada, que produzem em média anual 2100 MW.
Estes 2100 MW médios dão uma ideia da energia anual gerada mas, como já expliquei noutros posts, haverá alturas em que as eólicas estarão a produzir 80 a 90% da potência instalada (7500 MW), e outras em que se ficam pelos 6 a 10% (700 MW), e o sistema tem que ser capaz de viver com esses extremos.
Voltando à energia e seu circuito comercial, os 2100 MW médios são obrigatoriamente aceites pelas redes da REN e da EDP a que os produtores eólicos estão ligados, mas quem compra a energia eólica pelo valor tarifado é o "comercializador de último recurso", a EDP SU ("Serviço Universal"). Este valor é, em 2011, em média, de 9,54 ç/kWh, como se pode ver aqui (o lobby eólico detesta que se mostrem estes números...).
Tendo então pago aos produtores eólicos 1756 milhões de €, por aqueles 2100 MW médios anuais (na realidade e presentemente, como ainda vamos em metade desses 8500 MW, os produtores eólicos também só recebem metade daquele dinheiro, 878 milhões de €), o comercializador vende directamente à EDP Distribuição 2/3 dessa energia, ao valor de mercado médio de cerca de 5 ç/kWh.
Portanto, por 2/3 da energia pela qual terá pago 2/3 x 1756 M€ = 1171 M€, receberá dos consumidores apenas 614 M€ à conta de energia. O resto, 557 M€, será pago pelos consumidores como "custos de interesse económico geral", ou CIEG, neste exemplo a 4,54 ç/kWh - o que faltava para os 9,54 ç/kWh recebidos pelos produtores eólicos.
Continuando o exemplo hipotético, para o outro 1/3 de energia eólica que sobrou, 700 MW em média, não há consumidores, e por isso o comercializador vende-a a preço zero a quem aparecer, e quem aparece são as barragens. Porém, como o pagou a 9,54 ç/kWh aos produtores eólicos, fica com um prejuízo de 585,4 M€, de cujo reembolso a ERSE se encarregará de tratar.
As barragens, que compraram essa energia a 0 ç/kWh, vendem-na, nas horas de ponta, por exemplo a 9 ç/kwh, mas na verdade não toda, porque 1/3 se perdeu no processo; vendem apenas 460 MW em média. Recebem, portanto, 362,9 M€ anuais, o suficiente para rentabilizar o serviço prestado.
Entretanto, os consumidores adquiriram 1400 MW médios pelos quais pagaram os 9,54 ç/kWh devidos aos produtores eólicos (5 à conta de energia e 4,54 à conta de CIEG, como vimos), e adquiriram mais 460 MW das barragens, a 9 ç/kWh.
Mas as contas não estão completas. Faltam os 585,4 M€ de prejuízo que o comercializador teve ao adquirir os 700 MW eólicos a 9,54 ç/kWh para os vender de borla às barragens.
Duas coisas podem agora acontecer.
Na primeira, a ERSE manda repercutir na tarifa dos consumidores aquele valor (eventualmente no ano seguinte), e estes vêm a pagar, portanto, mais 585,4 M€ pelos 1860 MW médios de energia eólica que lhes chegou aos contadores (desprezando as perdas na rede), ou seja, pagam mais 3,6 ç/kWh eólico (585,4 M€/(1860*8760 horas)), naturalmente como CIEG!
Recapitulando, os consumidores adquirem 1400 MW ao preço pago aos produtores eólicos (9,54 ç/kWh) e 460 MW ao preço pago às barragens (9,0 ç/kWh), mas depois pagam ainda 3,6 ç/kWh por cada um desses 1860 MW médios, o que dá um custo total de exactamente 13,0 ç/kWh.
O acréscimo de 3,46 ç/kWh sobre os 9,54 ç/kWh pagos aos produtores eólicos é o sobrecusto sistémico das barragens e das perdas no processo de armazenamento. Totaliza, como vimos, 585,4 M€, dos quais 362,9 M€ são as receitas das barragens, e a diferença, 222,5 M€, é o pagamento da energia perdida na armazenagem, paga aos produtores mas impossível de consumir.
Mas pode acontecer outra coisa.
Pode acontecer que o Governo decida que não quer sobrecarregar já os consumidores, e que portanto os tais 585,4 M€ de prejuízo da EDP SU não sejam repercutidos no tarifário dos consumidores no ano seguinte.
O comercializador fica com esses 585,4 M€ em crédito, que regista como "activo circulante", mas o dinheiro na verdade está em falta.
É o défice tarifário.
Que faz então o comercializador? Vende esse crédito à banca, ("titulariza-o") e recebe o dinheiro.
Quem fica com a dívida agora é a banca, mas esta não tem que se preocupar porque o Estado garante o pagamento do défice que entretanto rende juros. Neste exemplo, 585,4 M€.
Naturalmente, essa dívida vai crescer, por via dos juros acumulados e, por outro lado, ao ter servido para reembolsar a EDP SU do seu prejuízo, esse dinheiro vai faltar à banca para financiar a economia.
É o que vinha a acontecer, e é o que vai continuar a acontecer.
Claro que os 13,0 ç/kWh a que cheguei no exemplo não são tudo o que o consumidor vai pagar, nem sequer tudo o que vai pagar pelo custo da energia eólica. Terá ainda que pagar o backup das térmicas necessárias para quando não há vento e que quando há estão paradas mas prontas a produzir, e ainda o custo da rede eléctrica e os custos de todos os restantes serviços associados.
Mais IVA.
quinta-feira, outubro 13, 2011
Encargos de potência: rendas ou sobrecustos da energia eólica?
Há semanas fui entrevistado para um programa sobre as barragens que passou na RTP 2 há dias, e que pode ser visualizado aqui por quem quiser.
Encargos de potência: rendas ou sobrecustos da... por BBird351
Nesse programa expliquei à jornalista o papel das barragens reversíveis na regularização da energia eólica e como o sobrecusto daí decorrente era imputável àquela forma de produção, mas houve pontas soltas na minha entrevista que não foram convenientemente tratadas pela reportagem.
Uma dessas pontas é a verba que as barragens vão receber a título de encargo de potência, e que o Prof. Joanaz de Melo estimou em 49 M€/ano (eu estimei 52 M€ nestas contas aqui, mas a diferença é um detalhe menor).
O Prof. Joanaz de Melo e a reporter falam desta verba como uma "renda", que as barragens receberão "quer produzam quer não", mas é altura de esclarecer que essa receita corresponde de facto ao pagamento de um serviço, e que esse serviço é absolutamente necessário, pelas razões que vou mostrar.
Um sistema eléctrico tem de ter capacidade instalada capaz de satisfazer a ponta máxima de consumo anual que possa ocorrer, e que por cá é no Inverno. Como pode haver alguma central momentâneamente avariada, e como o consumo pode por qualquer razão metereológica exceder um pouco o previsto (um frio intenso, por exemplo), em geral na península ibérica tem-se uma reserva de 10% sobre essa ponta de potência máxima.
Quer isto dizer, por exemplo, que se se admitir que no Inverno poderemos atingir 9,5 GW de consumo máximo, o sistema tem que prever 10,5 GW de potência disponível para acorrer a essa ponta de consumo.
Numa central termoeléctrica, ou nas hidroeléctricas no Inverno, podemos contar com a sua potência instalada para isso.
Mesmo no que respeita aos produtores independentes mas termoeléctricos, como a biomassa, Resíduos Sólidos, biogás, cogeração, e também nas mini-hídricas, podemos estatisticamente contar com uma parte muito substancial da sua capacidade para ajudar à tal ponta máxima de consumo.
Porém, nas centrais de energias renováveis intermitentes, não!
A energia fotovoltaica, por exemplo, obviamente não gera à noite, e também gera muito menos no Inverno que no Verão.
Porém, o grande problema da nossa rede nesta matéria é a energia eólica, devido à enorme capacidade que ela já tem cá instalada e à que ainda se planeou vir a instalar!
Com efeito, neste momento teremos uns 4,2 GW de eólicas instaladas que, em média anual, produzem 1,05 GWh.ano (17.5% de toda a electricidade consumida anualmente, tanto já como na Dinamarca), e que em certas madrugadas de muitos dias do ano chegam a estar a produzir mais do que o que se é capaz de consumir, razão de ser da armazenagem pelas barragens que a reportagem abordou.
Porém, isto é imprevisível e não se pode contar com isto para a tal ponta de consumo anual pelo Inverno!
De facto, há também muitos dias, em especial no Verão, em que as eólicas só trabalham a 6% da sua capacidade, por falta de vento, e embora no Inverno, quando ocorrem as pontas de consumo, o mínimo com que se possa contar seja um pouco melhor, mesmo assim não ultrapassa os 0,4 GW, menos de 10%!
Ou seja: por mais energia eólica que tenhamos, temos de ter sempre outras centrais que podem estar "a produzir ou não", como dizia o Prof. Joanaz de Melo, mas que realizam um serviço indispensável: o de acorrer à produção, especialmente na tal ponta de consumo anual, no qual praticamente não se pode contar com o vento para o efeito.
E se essas centrais têm que estar disponíveis, têm que ser construídas e mantidas em boas condições. Mesmo que muitas vezes estejam paradas!...
E isso implica um custo.
Custo que, obviamente, resulta da intermitência incontrolável das formas de produção fotovoltaica e eólica. Um sobrecusto que se lhes deve, por isso, imputar por inteiro!
Espero que tenha ficado claro por que razão, mesmo que o plano completamente delirante de virmos a ter 8500 MW de potência eólica instalada se concretizasse, continuaríamos a precisar de praticamente as mesmas centrais hidroeléctricas e térmicas para satisfazer as pontas de consumo, já que não se pode nunca contar antecipadamente com mais de 6 a 8% da capacidade eólica para satisfazer essa necessidade!
E falei em térmicas porque há anos em que há pouca chuva e portanto também não há agua nos rios no Verão, nem vento, e embora no Verão as pontas de consumo sejam menores que no Inverno, em contrapartida ainda há menos vento e menos água nos rios.
Isto não é novidade nenhuma para quem sabe alguma coisa do assunto, e é por isso que nos anos 70 em Portugal se avançou para a construção de algumas termoeléctricas, depois de uma série de anos secos.
E é por isso que boa parte dos tais "subsídios" pagos também às termoeléctricas são ainda sobrecustos da energia eólica; o vento pode reduzir a produção de energia total daquelas térmicas, mas não reduz em quase nada a necessidade de as ter "à mão". E se elas não cobram na energia, é preciso pagar-lhes só para estarem lá.
De facto, o problema da energia eólica, a partir do momento em que atinge quando está no máximo o consumo mínimo de um país (o que já acontece cá), é que só é capaz de andar se tiver duas muletas: uma para as alturas de excesso (muleta da armazenagem), e outra para as alturas de falta de vento (muleta de backup). E na fotovoltaica é ainda pior!
Ora as muletas têm de se pagar!
Encargos de potência: rendas ou sobrecustos da... por BBird351
Nesse programa expliquei à jornalista o papel das barragens reversíveis na regularização da energia eólica e como o sobrecusto daí decorrente era imputável àquela forma de produção, mas houve pontas soltas na minha entrevista que não foram convenientemente tratadas pela reportagem.
Uma dessas pontas é a verba que as barragens vão receber a título de encargo de potência, e que o Prof. Joanaz de Melo estimou em 49 M€/ano (eu estimei 52 M€ nestas contas aqui, mas a diferença é um detalhe menor).
O Prof. Joanaz de Melo e a reporter falam desta verba como uma "renda", que as barragens receberão "quer produzam quer não", mas é altura de esclarecer que essa receita corresponde de facto ao pagamento de um serviço, e que esse serviço é absolutamente necessário, pelas razões que vou mostrar.
Um sistema eléctrico tem de ter capacidade instalada capaz de satisfazer a ponta máxima de consumo anual que possa ocorrer, e que por cá é no Inverno. Como pode haver alguma central momentâneamente avariada, e como o consumo pode por qualquer razão metereológica exceder um pouco o previsto (um frio intenso, por exemplo), em geral na península ibérica tem-se uma reserva de 10% sobre essa ponta de potência máxima.
Quer isto dizer, por exemplo, que se se admitir que no Inverno poderemos atingir 9,5 GW de consumo máximo, o sistema tem que prever 10,5 GW de potência disponível para acorrer a essa ponta de consumo.
Numa central termoeléctrica, ou nas hidroeléctricas no Inverno, podemos contar com a sua potência instalada para isso.
Mesmo no que respeita aos produtores independentes mas termoeléctricos, como a biomassa, Resíduos Sólidos, biogás, cogeração, e também nas mini-hídricas, podemos estatisticamente contar com uma parte muito substancial da sua capacidade para ajudar à tal ponta máxima de consumo.
Porém, nas centrais de energias renováveis intermitentes, não!
A energia fotovoltaica, por exemplo, obviamente não gera à noite, e também gera muito menos no Inverno que no Verão.
Porém, o grande problema da nossa rede nesta matéria é a energia eólica, devido à enorme capacidade que ela já tem cá instalada e à que ainda se planeou vir a instalar!
Com efeito, neste momento teremos uns 4,2 GW de eólicas instaladas que, em média anual, produzem 1,05 GWh.ano (17.5% de toda a electricidade consumida anualmente, tanto já como na Dinamarca), e que em certas madrugadas de muitos dias do ano chegam a estar a produzir mais do que o que se é capaz de consumir, razão de ser da armazenagem pelas barragens que a reportagem abordou.
Porém, isto é imprevisível e não se pode contar com isto para a tal ponta de consumo anual pelo Inverno!
De facto, há também muitos dias, em especial no Verão, em que as eólicas só trabalham a 6% da sua capacidade, por falta de vento, e embora no Inverno, quando ocorrem as pontas de consumo, o mínimo com que se possa contar seja um pouco melhor, mesmo assim não ultrapassa os 0,4 GW, menos de 10%!
Ou seja: por mais energia eólica que tenhamos, temos de ter sempre outras centrais que podem estar "a produzir ou não", como dizia o Prof. Joanaz de Melo, mas que realizam um serviço indispensável: o de acorrer à produção, especialmente na tal ponta de consumo anual, no qual praticamente não se pode contar com o vento para o efeito.
E se essas centrais têm que estar disponíveis, têm que ser construídas e mantidas em boas condições. Mesmo que muitas vezes estejam paradas!...
E isso implica um custo.
Custo que, obviamente, resulta da intermitência incontrolável das formas de produção fotovoltaica e eólica. Um sobrecusto que se lhes deve, por isso, imputar por inteiro!
Espero que tenha ficado claro por que razão, mesmo que o plano completamente delirante de virmos a ter 8500 MW de potência eólica instalada se concretizasse, continuaríamos a precisar de praticamente as mesmas centrais hidroeléctricas e térmicas para satisfazer as pontas de consumo, já que não se pode nunca contar antecipadamente com mais de 6 a 8% da capacidade eólica para satisfazer essa necessidade!
E falei em térmicas porque há anos em que há pouca chuva e portanto também não há agua nos rios no Verão, nem vento, e embora no Verão as pontas de consumo sejam menores que no Inverno, em contrapartida ainda há menos vento e menos água nos rios.
Isto não é novidade nenhuma para quem sabe alguma coisa do assunto, e é por isso que nos anos 70 em Portugal se avançou para a construção de algumas termoeléctricas, depois de uma série de anos secos.
E é por isso que boa parte dos tais "subsídios" pagos também às termoeléctricas são ainda sobrecustos da energia eólica; o vento pode reduzir a produção de energia total daquelas térmicas, mas não reduz em quase nada a necessidade de as ter "à mão". E se elas não cobram na energia, é preciso pagar-lhes só para estarem lá.
De facto, o problema da energia eólica, a partir do momento em que atinge quando está no máximo o consumo mínimo de um país (o que já acontece cá), é que só é capaz de andar se tiver duas muletas: uma para as alturas de excesso (muleta da armazenagem), e outra para as alturas de falta de vento (muleta de backup). E na fotovoltaica é ainda pior!
Ora as muletas têm de se pagar!
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domingo, outubro 09, 2011
Ingenuidades juvenis e a Madeira
Segundo acabo de ler num jornal, a Empresa de Electricidade da Madeira, EEM, estará a transportar eleitores até às urnas.
Numas eleições que se adivinham renhidas como nunca, gestos destes poderão significar a vitória ou não de Alberto João Jardim. Digo "poderão", porque nem sei se a notícia é verdadeira...
O que a notícia me fez recordar foi a minha única experiência de relacionamento com a EEM, em 1988, já lá vão uns 23 anos. Na altura eu ainda era muito intolerante perante a fraqueza alheia, vindo como vinha de tempos e experiências, na primeira metade dos anos 70, em que o nível de exigência normal era ser-se herói - herói ou proscrito, era a opção...
A história conto-a assim: a EEM defrontava-se com um problema na sua rede eléctrica em que, quando havia um curto-circuito numa das novas linhas de 60 kV da ilha, as protecções não só desligavam essa linha, como deviam, como também desligavam os cabos e linhas de 30 kV que alimentavam o Funchal, que ficava às escuras.
Na EEM pensavam que tinham um problema de selectividade de protecções e, como à época eu era considerado o especialista nacional no assunto, o mesmo veio ter comigo, depois de passar pelo INESC onde ninguém sabia como pegar naquilo. Continuou a acontecer, isso dos problemas difíceis de protecções virem ter comigo...
Antes de tentar analisar propriamente o sistema de protecções que a Madeira tinha eu, como um médico que começa por fazer um exame geral a um novo doente, resolvi fazer uma análise geral da rede eléctrica da ilha, para me familiarizar com ela. Distribuição do trânsito de energia pelas linhas e cabos, cálculo de curto-circuitos, até a estabilidade da rede estudei...
É um tipo de análise corrente em redes eléctricas, que requer programas especiais de computador a que, à época, em que ainda não havia PCs, e muito menos Internet, pouca gente tinha acesso.
Ora logo ao fazer essa análise prévia da rede percebi a origem do problema, que não era um problema de selectividade de protecções, tal como por vezes um aparente problema de rins está num foco infeccioso noutro orgão... !
O problema estava em que, tendo nós aderido à "Europa" e tendo começado a chegar os fundos europeus, a Madeira tinha também começado a fazer grandes investimentos na sua rede eléctrica, e tinha construído e ampliado um conjunto de pequenas hidroeléctricas, no extremo Ocidental da ilha, que ligara ao Funchal, a Sudeste, por linhas de 60 kV. As linhas de 60 kV eram, para a Madeira (como o são nos Açores), as "auto-estradas" da energia e, segundo constava, estas novas linhas tinham atravessado vaus e serras e até tinham sido utilizados helicópteros para a sua colocação, tendo sido inauguradas pelo próprio Presidente da ilha.
O que eu constatava com a análise do trânsito de energia na rede, porém, é que nessas linhas não passava energia praticamente nenhuma, enquanto as velhas linhas e cabos de 30 kV, que iam pela orla Sul da ilha, estavam perto dos limites das suas capacidades. E o que é que acontecia? Acontecia que sempre que havia um curto-circuito (coisa normal numa rede eléctrica) nessas linhas de 60 kV, levando as respectivas protecções a desligá-las, as antigas de 30 kV ficavam com a carga delas e entravam em sobrecarga, seguindo-se a sua correcta desligação pelas protecções respectivas.
O problema, portanto, estava na própria estrutura da rede eléctrica e na forma como aquelas linhas novas de 60 kV tinham sido adicionadas ao sistema da ilha. A rede não era capaz de suportar contingências, como se diz no jargão técnico da especialidade. Apesar de malhada, não tinha "segurança N-1"...
Procurando averiguar, pelo estudo suportado em computador, o que havia de errado, dei-me conta que as linhas tinham sido decididas sem que tivesse havido qualquer estudo prévio da rede resultante e tinham sido concebidas "a olho". De facto, era evidente que se tinha procurado que as linhas fossem curtas, para que a energia fosse preferencialmente por elas, mas elas tinham sido acrescentadas à rede pré-existente, de 30 kV, através de transformadores de 30 para 60 kV colocados nos seus extremos, e o que acontecia é que esses transformadores inseriam uma "resistência" em série com as linhas que impedia a passagem da energia - e ninguém tinha antecipado isso!...
Pouco diplomata como eu era nesse tempo, fiz um relatório a explicar a situação, e a propor medidas correctivas na estrutura da rede, as quais teriam de anteceder qualquer revisão do sistema de protecções. E lembro-me que teci algumas considerações menos elogiosas sobre a falta de um estudo prévio num investimento daquela natureza...
Claro, nunca mais na vida fui contactado pela EEM e nem um "obrigado" recebi por este estudo!
Sei que depois disso a EEM implementou algumas das medidas correctivas da rede que eu propus e muitas outras, e que veio a estabelecer colaborações com outros académicos, mas comigo é que nunca mais quis nada!
Eu, pelo meu lado, por muito tempo considerei que a Madeira era um caso de 3º Mundo, porque se é certo que não tinha que ter especialistas capazes de lhe fazerem estudos daqueles, sempre poderia ter seguido o exemplo dos Açores que, em situação semelhante, recorrera à consultoria externa (ainda que de uma empresa estrangeira). E desde aí sempre achei que havia uma enorme diferença de mentalidade e cultura entre os dois arquipélagos...
Acabei por nunca ir à Madeira, até hoje.
A última vez que passei pela Madeira foi há mais de 50 anos, era ainda criança, em viagem de paquete para Angola. Lembro-me de o barco ancorar ao largo e virem até ele uns pequenos "gasolinas" com uns miúdos que pediam moedas aos passageiros do paquete. Os passageiros atiravam as moedas lá de cima e estas caíam no mar, e imediatamente os miúdos mergulhavam para as apanhar na água.
Aquilo impressionava-me, nos meus 6 ou 7 anos de idade. O mar era enorme e os miúdos, quase da minha idade, eficazes a apanhar as moedas.
Sei que essa miséria acabou e talvez vá de novo à Madeira este fim de ano... Hoje sou muito mais tolerante do que era em 1988 e o povo da ilha vai precisar da nossa solidariedade!
Numas eleições que se adivinham renhidas como nunca, gestos destes poderão significar a vitória ou não de Alberto João Jardim. Digo "poderão", porque nem sei se a notícia é verdadeira...
O que a notícia me fez recordar foi a minha única experiência de relacionamento com a EEM, em 1988, já lá vão uns 23 anos. Na altura eu ainda era muito intolerante perante a fraqueza alheia, vindo como vinha de tempos e experiências, na primeira metade dos anos 70, em que o nível de exigência normal era ser-se herói - herói ou proscrito, era a opção...
A história conto-a assim: a EEM defrontava-se com um problema na sua rede eléctrica em que, quando havia um curto-circuito numa das novas linhas de 60 kV da ilha, as protecções não só desligavam essa linha, como deviam, como também desligavam os cabos e linhas de 30 kV que alimentavam o Funchal, que ficava às escuras.
Na EEM pensavam que tinham um problema de selectividade de protecções e, como à época eu era considerado o especialista nacional no assunto, o mesmo veio ter comigo, depois de passar pelo INESC onde ninguém sabia como pegar naquilo. Continuou a acontecer, isso dos problemas difíceis de protecções virem ter comigo...
Antes de tentar analisar propriamente o sistema de protecções que a Madeira tinha eu, como um médico que começa por fazer um exame geral a um novo doente, resolvi fazer uma análise geral da rede eléctrica da ilha, para me familiarizar com ela. Distribuição do trânsito de energia pelas linhas e cabos, cálculo de curto-circuitos, até a estabilidade da rede estudei...
É um tipo de análise corrente em redes eléctricas, que requer programas especiais de computador a que, à época, em que ainda não havia PCs, e muito menos Internet, pouca gente tinha acesso.
Ora logo ao fazer essa análise prévia da rede percebi a origem do problema, que não era um problema de selectividade de protecções, tal como por vezes um aparente problema de rins está num foco infeccioso noutro orgão... !
O problema estava em que, tendo nós aderido à "Europa" e tendo começado a chegar os fundos europeus, a Madeira tinha também começado a fazer grandes investimentos na sua rede eléctrica, e tinha construído e ampliado um conjunto de pequenas hidroeléctricas, no extremo Ocidental da ilha, que ligara ao Funchal, a Sudeste, por linhas de 60 kV. As linhas de 60 kV eram, para a Madeira (como o são nos Açores), as "auto-estradas" da energia e, segundo constava, estas novas linhas tinham atravessado vaus e serras e até tinham sido utilizados helicópteros para a sua colocação, tendo sido inauguradas pelo próprio Presidente da ilha.
O que eu constatava com a análise do trânsito de energia na rede, porém, é que nessas linhas não passava energia praticamente nenhuma, enquanto as velhas linhas e cabos de 30 kV, que iam pela orla Sul da ilha, estavam perto dos limites das suas capacidades. E o que é que acontecia? Acontecia que sempre que havia um curto-circuito (coisa normal numa rede eléctrica) nessas linhas de 60 kV, levando as respectivas protecções a desligá-las, as antigas de 30 kV ficavam com a carga delas e entravam em sobrecarga, seguindo-se a sua correcta desligação pelas protecções respectivas.
O problema, portanto, estava na própria estrutura da rede eléctrica e na forma como aquelas linhas novas de 60 kV tinham sido adicionadas ao sistema da ilha. A rede não era capaz de suportar contingências, como se diz no jargão técnico da especialidade. Apesar de malhada, não tinha "segurança N-1"...
Procurando averiguar, pelo estudo suportado em computador, o que havia de errado, dei-me conta que as linhas tinham sido decididas sem que tivesse havido qualquer estudo prévio da rede resultante e tinham sido concebidas "a olho". De facto, era evidente que se tinha procurado que as linhas fossem curtas, para que a energia fosse preferencialmente por elas, mas elas tinham sido acrescentadas à rede pré-existente, de 30 kV, através de transformadores de 30 para 60 kV colocados nos seus extremos, e o que acontecia é que esses transformadores inseriam uma "resistência" em série com as linhas que impedia a passagem da energia - e ninguém tinha antecipado isso!...
Pouco diplomata como eu era nesse tempo, fiz um relatório a explicar a situação, e a propor medidas correctivas na estrutura da rede, as quais teriam de anteceder qualquer revisão do sistema de protecções. E lembro-me que teci algumas considerações menos elogiosas sobre a falta de um estudo prévio num investimento daquela natureza...
Claro, nunca mais na vida fui contactado pela EEM e nem um "obrigado" recebi por este estudo!
Sei que depois disso a EEM implementou algumas das medidas correctivas da rede que eu propus e muitas outras, e que veio a estabelecer colaborações com outros académicos, mas comigo é que nunca mais quis nada!
Eu, pelo meu lado, por muito tempo considerei que a Madeira era um caso de 3º Mundo, porque se é certo que não tinha que ter especialistas capazes de lhe fazerem estudos daqueles, sempre poderia ter seguido o exemplo dos Açores que, em situação semelhante, recorrera à consultoria externa (ainda que de uma empresa estrangeira). E desde aí sempre achei que havia uma enorme diferença de mentalidade e cultura entre os dois arquipélagos...
Acabei por nunca ir à Madeira, até hoje.
A última vez que passei pela Madeira foi há mais de 50 anos, era ainda criança, em viagem de paquete para Angola. Lembro-me de o barco ancorar ao largo e virem até ele uns pequenos "gasolinas" com uns miúdos que pediam moedas aos passageiros do paquete. Os passageiros atiravam as moedas lá de cima e estas caíam no mar, e imediatamente os miúdos mergulhavam para as apanhar na água.
Aquilo impressionava-me, nos meus 6 ou 7 anos de idade. O mar era enorme e os miúdos, quase da minha idade, eficazes a apanhar as moedas.
Sei que essa miséria acabou e talvez vá de novo à Madeira este fim de ano... Hoje sou muito mais tolerante do que era em 1988 e o povo da ilha vai precisar da nossa solidariedade!
sábado, outubro 08, 2011
Nada muda?
... e, enquanto o Governo hesita sobre se há-de cumprir as recomendações da troika e cortar nas rendas instaladas na Energia, ou ganhar agora uns desejados 0,5 a 2 biliões extra nas privatizações em troca de um défice tarifário de 3 ou mais biliões que há-de vir ter ao Estado daqui a poucos anos, por força do art.º 5 do DL 165/2008, mais um parque fotovoltaico é anunciado que irá sobrecustar aos consumidores mais 11,3 milhões de € ao ano!
De facto, a tarifa da fotovoltaica anda agora em 34 ç/kWh, quando o valor médio de mercado da electricidade assumido pela ERSE anda pelos 4,5 ç/kWh. Por outro lado, é provável que o factor de utilização desta central atinja os 20%, o que permitirá gerar 38,6 GWh/ano. 38,6 GWhx(34-4,5)/100 = 11,3 M€.
segunda-feira, outubro 03, 2011
Acertos e extras sobre a rentabilidade das novas hidroeléctricas
Depois da compilação actualizada das minhas contas sobre as novas hidroeléctricas, um diálogo com o Ecotretas levou-me a rever os cálculos no pressuposto de que o rendimento do processo de armazenagem é, não os 75% que tenho assumido até aqui, mas na verdade inferior a 70%.
De facto, a literatura optimista que preconiza o armazenamento hídrico como forma de regularizar as renováveis intermitentes costuma apontar a banda de 70-82% para os rendimentos do processo, e foi por isso que eu, preferindo pecar por excessiva bondade do que por má fé, tenho considerado o valor médio dessa banda e arredondado para cima.
Porém, toda a literatura que se baseia em dados reais de hídricas de bombagem reais aponta antes a banda de 65-77% (ou seja, menos 5% que a outra), e um dado concreto é a eficiência atingida em algumas grandes barragens chinesas feitas com o apoio técnico da sabedora e experiente EDF: 70%.
Assim, os dados que o trabalho orientado pelo Prof. Peças Lopes (agora ocultado do escrutínio público) e que eu mencionara no post anterior, que efectivamente eram de um rendimento inferior a 70%, devem ser típicos.
Por outro lado, também tenho assumido umas perdas na rede da REN, para o tansporte dos parques eólicos às barragens, de apenas 1%, mas os relatórios da REN mostram que o valor típico anda na banda 1,5-2%.
Assim, e se refizer as contas do post anterior considerando um rendimento total para o armazenamento hídrico de 68, 66 e 63%, respectivamente para uma potência eólica instalada de 4250 MW ( a actualmente existente), 5700 MW (a considerada pela REN para o PNBEPH) e de 8500 MW (a planeada pelo Governo anterior), os resultados modificam-se como mostrarei. O rendimento decrescente que indiquei resulta de, crescendo a quantidade de água bombada, crescerá também a quantidade que terá de ser dissipada abrindo as comportas das barragens, devido à competição com a água da chuva pela capacidade das albufeiras.
Antes de continuar, convém notar que o armazenamento hídrico acresce o custo do kWh de energia eólica em duas parcelas:
- a primeira resulta do custo propriamente do armazenamento, ou seja, essencialmente as receitas das hidroeléctricas pelo serviço prestado;
- a segunda resulta de que, sendo a energia eólica paga directamente aos produtores, o custo para os consumidores é o mesmo mas a dividir por uma quantidade de energia eólica menor, devido às perdas no processo de armazenamento. Ou seja, esta parcela resulta dos consumidores pagarem também as perdas da armazenagem, na origem e ao produtor.
Considerando então agora estes novos rendimentos e que , para os três cenários de potência eólica instalada e admitindo sempre um factor de utilização de 25%, no primeiro (4250 MW instalados, 1062.5 MW produzidos em média) se armazenarão em média 175 MW (1/6), que no segundo (5700 MW, 1425 MW em média) se armazenarão em média 350 MW (1/4), e que no último (8500 MW, 2125 MW em média) se armazenarão 700 MW (1/3), obtem-se, assumindo como antes 8,5% de taxa de remuneração do investimento e um diferencial de 6,5 ç/kWh entre o preço de venda e o de compra pela EDP da energia eólica:
- receitas das hidroeléctricas - 1,81 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,45 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,26 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,4 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 3,7%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 56 MW de perdas (em média) = 80 MW.
- receitas das hidroeléctricas - 1,97 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,74 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,71 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,62 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 5,8%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 120 MW de perdas (em média) = 16 MW.
- receitas das hidroeléctricas - 2,16 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 1,12 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 3,28 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 1,07 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 10%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 266 MW de perdas (em média) = -130 MW.
De facto, a literatura optimista que preconiza o armazenamento hídrico como forma de regularizar as renováveis intermitentes costuma apontar a banda de 70-82% para os rendimentos do processo, e foi por isso que eu, preferindo pecar por excessiva bondade do que por má fé, tenho considerado o valor médio dessa banda e arredondado para cima.
Porém, toda a literatura que se baseia em dados reais de hídricas de bombagem reais aponta antes a banda de 65-77% (ou seja, menos 5% que a outra), e um dado concreto é a eficiência atingida em algumas grandes barragens chinesas feitas com o apoio técnico da sabedora e experiente EDF: 70%.
Assim, os dados que o trabalho orientado pelo Prof. Peças Lopes (agora ocultado do escrutínio público) e que eu mencionara no post anterior, que efectivamente eram de um rendimento inferior a 70%, devem ser típicos.
Por outro lado, também tenho assumido umas perdas na rede da REN, para o tansporte dos parques eólicos às barragens, de apenas 1%, mas os relatórios da REN mostram que o valor típico anda na banda 1,5-2%.
Assim, e se refizer as contas do post anterior considerando um rendimento total para o armazenamento hídrico de 68, 66 e 63%, respectivamente para uma potência eólica instalada de 4250 MW ( a actualmente existente), 5700 MW (a considerada pela REN para o PNBEPH) e de 8500 MW (a planeada pelo Governo anterior), os resultados modificam-se como mostrarei. O rendimento decrescente que indiquei resulta de, crescendo a quantidade de água bombada, crescerá também a quantidade que terá de ser dissipada abrindo as comportas das barragens, devido à competição com a água da chuva pela capacidade das albufeiras.
Antes de continuar, convém notar que o armazenamento hídrico acresce o custo do kWh de energia eólica em duas parcelas:
- a primeira resulta do custo propriamente do armazenamento, ou seja, essencialmente as receitas das hidroeléctricas pelo serviço prestado;
- a segunda resulta de que, sendo a energia eólica paga directamente aos produtores, o custo para os consumidores é o mesmo mas a dividir por uma quantidade de energia eólica menor, devido às perdas no processo de armazenamento. Ou seja, esta parcela resulta dos consumidores pagarem também as perdas da armazenagem, na origem e ao produtor.
Considerando então agora estes novos rendimentos e que , para os três cenários de potência eólica instalada e admitindo sempre um factor de utilização de 25%, no primeiro (4250 MW instalados, 1062.5 MW produzidos em média) se armazenarão em média 175 MW (1/6), que no segundo (5700 MW, 1425 MW em média) se armazenarão em média 350 MW (1/4), e que no último (8500 MW, 2125 MW em média) se armazenarão 700 MW (1/3), obtem-se, assumindo como antes 8,5% de taxa de remuneração do investimento e um diferencial de 6,5 ç/kWh entre o preço de venda e o de compra pela EDP da energia eólica:
- Cenário com a potência eólica actualmente instalada (4250 MW)
- receitas das hidroeléctricas - 1,81 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,45 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,26 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,4 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 3,7%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 56 MW de perdas (em média) = 80 MW.
- Cenário com a potência eólica instalada de 5700 MW
- receitas das hidroeléctricas - 1,97 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 0,74 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 2,71 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 0,62 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 5,8%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 120 MW de perdas (em média) = 16 MW.
- Cenário com a potência eólica instalada de 8500 MW
- receitas das hidroeléctricas - 2,16 ç/kWh eólico;
- pagamento das perdas - 1,12 ç/kWh eólico;
- Sobrecusto total por kWh de origem eólica - 3,28 ç/kWh;
- Adicional de custo por cada kWh consumido no país - 1,07 ç/kWh;
- % de sobrecusto na factura média: 10%.
- saldo energético das novas barragens: 136 MW hídricos - 266 MW de perdas (em média) = -130 MW.
Etiquetas:
hídricas,
política energética
sexta-feira, setembro 30, 2011
Condições de rentabilidade das novas hidroeléctricas
Faz hoje exactamente 2 anos que pela primeira vez escrevi aqui que os extraordinários investimentos em hidroelectricidade anunciados pelo Governo de então não iam gerar energia praticamente nenhuma - iam, sim, servir de estabilizador das energias eólica e solar que então se projectavam a uma escala gigantesca!
Chegara a esta conclusão depois de consultar a informação publicamente disponível na net, estimulado pelos extraordinários números que eram avançados, e apesar de uma imensa propaganda que mistificava deliberadamente o assunto. No caminho, deparei com alguém que já fizera reflexão semelhante, o economista Eugénio Rosa, mas que, talvez por falta de conhecimentos técnicos, tinha erradamente chegado à conclusão que o objectivo era dar consumo à electricidade espanhola nuclear, a qual porém nunca precisou de tal recurso nem irá precisar. Eugénio Rosa tinha errado no alvo, mas não tinha errado no facto de ser a bombagem a grande motivação de todo o investimento anunciado *!
Depois desse post de há 2 anos escrevi outros (podem ser rapidamente encontrados na rúbrica "hídrica" à direita), e todo o assunto das renováveis intermitentes e do seu sobrecusto sistémico ganhou grande projecção, mas há um aspecto que ainda não analisei devidamente: o dos mecanismos de recuperação dos investimentos anunciados.
Para discutir esta questão, começo por recapitular, corrigindo alguns erros de pormenor de posts passados, a potência média (em MW) de origem hídrica prevista para cada empreendimento, a qual se obtém dividindo os GWh/ano estimados nas memórias técnicas dos empreendimentos por 8,766, o número médio de milhares de horas de um ano. As referidas memórias técnicas estão todas aqui.
Do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico foram concessionadas 8 barragens, algumas das quais têm suscitado protestos ambientalistas e de sectores das populações locais:
Girabolhos (Endesa): 11.29 MW (99 Gwh/ano);
Vigado/Alto Tâmega (Iberdrola): 13.00 MW (114 GWh/ano);
Daivões (Iberdrola): 16.88 MW (148 GWh/ano);
Padroselo (Iberdrola): 11.64 MW (102 GWh);
Gouvães (Iberdrola): 17.45 MW (153 GWh/ano);
Foz Tua (EDP): 38.79 MW (340 Gwh/ano);
Fridão (EDP): 34.11 MW (299 GWh/ano);
Alvito (EDP): 7.07 MW (62 GWh/ano).
Total do PNBEPH: 150.23 MW de potência média, correspondentes a 1317 GWh de energia anual e a 2.5% do consumo nacional.
Potência instalada (que não tem nada a ver com a energia oriunda do rio): 2200 MW (inicialmente haviam sido previstos apenas 941 MW ao todo).
Investimentos, retirados do site da EDP e de notícias da Imprensa: 3,16 Biliões € (2,06 espanhóis, 1,1 da EDP).
Vale a pena notar que, com 35% do investimento total anunciado, a EDP obteve 53% da energia hídrica (80 MW médios), o que não foi mau negócio nacional.
Porém, além destes 8 aproveitamentos, estavam também já em construção mais dois, pela EDP:
Baixo Sabor (aqui): 26.24 MW (230 GWh/ano);
Ribeiradio-Ermida (aqui): 15.29 MW (134 GWh/ano).
Os investimentos realizados nestas duas barragens, actualizando os preços para o presente, terão sido, segundo a EDP, de 0,67 biliões €.
Com estas duas, a potência média gerada total das 10 barragens será de 192.9 MW (1691 GWh/ano), dos quais 121.4 da EDP que, nisto tudo, terá investido 1,77 biliões de €.
Assim e aparentemente, quem fez um investimento a pensar sobretudo na bombagem terão sido a Iberdrola e a Endesa, que apenas obtiveram 70.33 MW médios por uns alegados 2,06 biliões de €.
Porém, como já tinha notado há 2 anos, é preciso considerar também os investimentos em "reforços de potência" feitos pela EDP e que o foram sobretudo em instalação de bombagem, cobrindo as barragens de Picote II, Bemposta II, Alqueva II, Venda Nova III, Salamonde I e Paradela II, e que acrescentaram produções de energia insignificantes: 3.45 MW médios no Alqueva, 2 MW na Bemposta e, no total e já considerando o 1.45 MW médio que o Baixo Sabor permitiu aproveitar de outros empreendimentos, pela gestão melhorada da bacia hidrográfica, estes outros empreendimentos gerarão apenas 14.5 MW médios anuais, mas terão custado à EDP 1,25 biliões de €. O que crescentaram foi capacidade de bombagem e mais potência de ponta! Como se vê, afinal houve grande convergência e partilha entre Espanha e Portugal!...
A energia total de origem hidroeléctrica que estes 5,08 biliões de € vão gerar é assim, e feita a soma, de 207 MW em média (1,815 TWh/ano), 3,5% do consumo nacional, e apenas acresce em 15,8% a produção hidroeléctrica que já havia no país (excluindo mini-hídricas).
Porém, para avaliar custos há ainda que contabilizar os investimentos da REN em rede de Muito Alta Tensão para transitar as enormes, ainda que ocasionais, potências geradas e consumidas por estas hidroeléctricas.
Ora já este ano a REN anunciou que dos investimentos na rede previstos para os próximos anos 2012-2016, concomitantes com a construção das novas barragens (e parques eólicos que delas precisam), 0,45 biliões de € se destinam a "apoiar as novas renováveis", o que constituirá 1/4 da totalidade dos investimentos da empresa. No entanto, a REN já há anos que vem a reforçar a rede, a uma média de 200-250 milhões de €/ano, pelo que admitindo a mesma proporcionalidade se poderá estimar que já terão sido investidos outros 0,45 biliões de € para dar vazão às (raras) pontas de produção eólica. De qualquer modo, destes valores nem tudo será para ligar os parques eólicos às estações de bombagem da EDP e, embora o grosso do trânsito de energia vá ser entre o Minho, onde estão a maioria dos parques eólicos, e o Alqueva (o maior "depósito" de água bombábel), no outro extremo do país, poderemos admitir que por causa das barragens a REN investirá pelo menos 0,6 biliões de €, o que totaliza, somando ao investimento nas próprias barragens, 5,7 biliões de €. ...
Entretanto, a quantidade de energia que a EDP prevê fornecer com origem na bombagem está publicada aqui e extrai-se da frase "17, 9 TWh/ano de produção bruta ou 13,3 TWh/ano de produção líquida de bombagem", o que revela o plano de fornecer 4600 GWh/ano (de 17,9-13,3 TWh/ano) a partir da bombagem.
Este valor corresponde a 525 MW de potência média, e se os comparamos com os 207 MW de origem hídrica gerados pelos rios (ou se compararmos os 4600 com os 1815 GWh contabilizados atrás, o que é o mesmo), comprovamos que o grande objectivo destes investimentos é, de facto, a regularização da produção eólica, como aliás a REN já explicara no documento do PNBEPH e como tem sido explicitamente explicado pelo Prof. Peças Lopes da FEUP (ver figura), o grande catedrático desta solução para Portugal...!
Podemos ainda, como já fiz várias vezes, notar o seguinte: para produzir em média 525 MW (4600 GWh/ano) provenientes de bombagem, as barragens têm que consumir pelo menos 700 MW (6130 GWh/ano) de origem eólica, dadas as perdas técnicas no processo. Isto resulta de neste processo a energia de origem eólica ter de primeiro transitar nas linhas da REN até às barragens, linhas onde há perdas (da ordem de 1%), depois passar pelos transformadores das barragens, accionar os geradores a funcionarem como motores, perdendo cerca de 1% em cada uma destas etapas, dos motores eléctricos passar às turbinas hidráulicas e às condutas de elevação, onde as perdas são maiores - e, depois de novo, para regressar à rede, descer pelas condutas, onde se dão a maior parte das perdas devido ao atrito (perdas de carga), accionar as turbinas hidráulicas, que movem os geradores eléctricos, cuja electricidade passa de novo pelos transformadores e volta a transitar nas linhas, perdendo 1% em cada uma destas etapas. No total e incluindo as perdas nas linhas da REN, dissipa-se à volta de 25% da energia inicial, mas as perdas podem ir a mais de 30% **!...
Ambientalmente relevante, entretanto, é que estes 175 MW de perdas (que talvez cheguem a 225 MW...) (de 1530 GWh/ano a 1970 GWh/ano) anulam os 207 MW de origem hídrica que as barragens extrairão dos rios, justificando o que tenho dito: as barragens vão produzir zero de energia!...
Sistemicamente, porém, a bombagem hídrica presta um serviço que pode ser rentável para os respectivos investidores, e é isso que vou procurar avaliar, para vários cenários, terminando pela identificação de quem ganha e de quem paga este serviço.
Considerando a procura de electricidade, que varia com as horas do dia e os dias da semana e do ano, a oferta não tem sempre o mesmo valor: vale mais quando a procura é maior, nas horas de ponta, e menos quando é menor, nas horas de vazio. Em Portugal o consumo médio é de muito aproximadamente 6,o GW, mas às horas de ponta (hora de jantar) chega perto dos 8,8 GW, e no vazio (madrugadas) pode ficar-se só por uns 3,7 GW.
Um sistema eléctrico bem planeado tem um conjunto de centrais de relativamente elevado investimento inicial mas baixos custos variáveis a trabalhar permanentemente de modo a cobrir o mínimo de 3700 MW, e depois para as pontas reservam-se as centrais baratas mas de elevados custos variáveis (sobretudo combustível). Dependendo das condições de um país, essa base do diagrama de cargas pode ser, por exemplo, satisfeita com centrais a carvão ou nucleares, enquanto as pontas serão satisfeitas com centrais de ciclo combinado a gás natural. Se houver rios e barragens, estas podem ser usadas para regularizar a produção, sustendo a água nas horas de vazio e turbinando-a nas horas de ponta, se as condições hídricas forem adequadas e não havendo necessidade de bombagem.
Mas pode acontecer que não haja caudal dos rios que chegue, e então uma solução poderá ser ter as tais centrais de base a produzirem mais que o consumo nas horas de vazio, e usar o excesso de energia para bombar água em hidroeléctricas reversíveis, que funcionam assim como reservatórios de energia (na forma de água elevada), para uso nas horas de ponta. Perde-se 25% da energia produzida pelas centrais de base mas, se esta for muito barata, mesmo assim economicamente compensa.
Isto é o que faz a França, por exemplo, que tem 75% da sua electricidade de origem nuclear.
Se aplicada a solução francesa ao nosso país, para exemplificar, ter-se-iam centrais nucleares a produzirem em permanência 4500 MW (75% dos 6000 consumidos em média), e nas horas de vazio sobrariam 800 MW (4500-3700), que seriam consumidos em bombagem pelas hidroeléctricas. Como o custo médio do kWh nuclear é em França de 4,1 ç, se as centrais a venderem à rede durante a maior parte do dia a 5 ç (valor típico), podem perfeitamente vendê-las em 4 horas de vazio a preço zero que isso ainda é compensador, por não terem de as desligar, dado que se as desligassem isso requereria dias para voltarem a funcionar normalmente.
Em Portugal a bombagem também se usa desde há mais de 40 anos, num regime articulado entre hídricas de fio de água e hídricas de albufeira. As primeiras, mais baratas, só conseguem suster água por algumas horas, enquanto as segundas podem armazenar razoáveis quantidades. Assim, em Invernos muito chuvosos, havia alturas, até há 40 anos, quando o nosso consumo per capita era menos de 1/5 do de hoje, em que as hídricas de fio de água ou geravam mais do que o consumo ou abriam as comportas e desperdiçavam a água, e assim produziam um excesso de energia que era consumida pelas hídricas de albufeira com bombagem a encher as barragens - para a usar nas horas de ponta, no Verão e até de um ano para o outro!
Obviamente que tanto num como no outro exemplo a bombagem adicona um custo à energia bombada, o custo do investimento nas próprias capacidades de bombagem e mais as perdas de energia do processo; porém, se a energia assim aproveitada for muito barata, o custo total ainda será baixo, e a solução boa para todos - incluindo os consumidores.
Para avaliar agora a rentabilidade e custos da nova bombagem prevista para as eólicas, convém começar por notar que o cenário previsto pelo estudo da REN constante do próprio plano do PNBEPH era para uma potência eólica instalada no país de 5.7 GW, +1,5 GW do que existe neste momento, satisfazendo 22% do consumo nacional (à media de 1400 MW eólicos) e tornando-nos o campeão mundial do consumo dessa forma de energia! A figura seguinte simulava o que se previa acontecesse.
A figura mostra claramente que se previa um excesso de produção eólica durante a noite (quando ocorrem os consumos mínimos e o vento é maior), num total de cerca de 350 MW médios e uma ponta de perto de 2000 MW pelas 5 h da madrugada. Ou seja: com tal produção eólica, 1/4 dela teria de ser armazenada por bombagem, para não ter de ser deitada fora ou exportada a preço zero!
Os números previstos pela EDP para a energia bombada, porém e como vimos, são o dobro destes, e de facto o plano do Governo anterior propunha que se chegasse a 8500 MW de potência eólica instalada, o dobro do que existe presentemente! Por outro lado, 700 MW em média de energia eólica consumida em bombagem serão o dobro dos 350 MW visualizados pela REN, apesar da potência instalada de 8500 planeada pelo anterior Governo ser "apenas" +50% que os 5700 MW considerados pela REN, mas isso é consistente com o facto de quanto maior a percentagem de energia eólica, maior a percentagem dela que precisará de ser armazenada para se conseguir regularizá-la.
É também curial notar que, se os 350 MW médios a bombar previstos pela REN para uma potência eólica instalada de 5700 MW requerem 2000 MW de potência de ponta na bombagem pelas 5h da manhã, os 700 MW médios a bombar previstos pela EDP para a potência eólica de 8500 MW planeados pelo Governo anterior requererão pelo menos 4000 MW de potência de ponta, precisamente o que foi projectado realizar-se após o PNBEPH e pelos investimentos da EDP.
Estamos agora em condições de fazer alguns cálculos de rentabilidade económica, para vários cenários de futuro e algumas hipóteses adicionais que apresentarei no seguimento. A primeira hipótese é que as taxas de juro pagas pelo capital investido serão de 8,5%, um valor típico para investimentos em anos passados recentes,.
O investimento a recuperar é, neste caso, apenas o da EDP (3,0 biliões de €) e o da REN (0,9 biliões de €), verificando-se então que:
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 430 milhões de € (dos quais 80 para a REN) acrescendo em 2,5 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 11 anos. Receberá anualmente 376 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 339 milhões de € (dos quais 80 para a REN) acrescendo em 2,0 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 22 anos. Receberá anualmente 257 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 261 milhões de € (dos quais 60 para a REN) acrescendo em 2,2 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 32 anos. Receberá anualmente 226 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- A EDP receberá anualmente 161 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência". Nunca recuperará o investimento feito e terá acumulado um prejuízo de 34 biliões de € ao fim de 50 anos. Só recuperará o investimento, e ao fim de 42 anos, se a remuneração do capital investido não superar 6,5% ao ano.
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 164 milhões de € (dos quais 40 para a REN) acrescendo em 1,8 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP receberá anualmente 149 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência". Nunca recuperará o investimento feito e terá acumulado um prejuízo de 42 biliões de € ao fim de 50 anos. Só recuperará o investimento, ao fim de 40 anos, se a remuneração do capital investido não superar 6,0% ao ano.
Talvez se perceba agora melhor porque é a EDP uma tão grande defensora da energia eólica, apesar de ela própria ter limitados investimentos em aerogeradores no país. Quanto aos investimentos espanhóis, não tenho notícia de como vão eles...
* - não consegui reencontrar o estudo de Eugénio Rosas que estava no blog comunista "Resistir", para lhe fazer a devida hiperligação.
** - A FEUP, com o INESC-Porto e sob a orientação do Prof. Peças Lopes, produziu um estudo de gestão hídrico-eólico para uma região no norte em que considerou, com dados da EDP, perdas na bombagem superiores a 30%. Porém, os resultados desse trabalho, outrora públicos, desde que começámos a falar deste processo passaram a ser cuidadosamente escondidos...
Chegara a esta conclusão depois de consultar a informação publicamente disponível na net, estimulado pelos extraordinários números que eram avançados, e apesar de uma imensa propaganda que mistificava deliberadamente o assunto. No caminho, deparei com alguém que já fizera reflexão semelhante, o economista Eugénio Rosa, mas que, talvez por falta de conhecimentos técnicos, tinha erradamente chegado à conclusão que o objectivo era dar consumo à electricidade espanhola nuclear, a qual porém nunca precisou de tal recurso nem irá precisar. Eugénio Rosa tinha errado no alvo, mas não tinha errado no facto de ser a bombagem a grande motivação de todo o investimento anunciado *!
Depois desse post de há 2 anos escrevi outros (podem ser rapidamente encontrados na rúbrica "hídrica" à direita), e todo o assunto das renováveis intermitentes e do seu sobrecusto sistémico ganhou grande projecção, mas há um aspecto que ainda não analisei devidamente: o dos mecanismos de recuperação dos investimentos anunciados.
Para discutir esta questão, começo por recapitular, corrigindo alguns erros de pormenor de posts passados, a potência média (em MW) de origem hídrica prevista para cada empreendimento, a qual se obtém dividindo os GWh/ano estimados nas memórias técnicas dos empreendimentos por 8,766, o número médio de milhares de horas de um ano. As referidas memórias técnicas estão todas aqui.
Do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico foram concessionadas 8 barragens, algumas das quais têm suscitado protestos ambientalistas e de sectores das populações locais:
Girabolhos (Endesa): 11.29 MW (99 Gwh/ano);
Vigado/Alto Tâmega (Iberdrola): 13.00 MW (114 GWh/ano);
Daivões (Iberdrola): 16.88 MW (148 GWh/ano);
Padroselo (Iberdrola): 11.64 MW (102 GWh);
Gouvães (Iberdrola): 17.45 MW (153 GWh/ano);
Foz Tua (EDP): 38.79 MW (340 Gwh/ano);
Fridão (EDP): 34.11 MW (299 GWh/ano);
Alvito (EDP): 7.07 MW (62 GWh/ano).
Total do PNBEPH: 150.23 MW de potência média, correspondentes a 1317 GWh de energia anual e a 2.5% do consumo nacional.
Potência instalada (que não tem nada a ver com a energia oriunda do rio): 2200 MW (inicialmente haviam sido previstos apenas 941 MW ao todo).
Investimentos, retirados do site da EDP e de notícias da Imprensa: 3,16 Biliões € (2,06 espanhóis, 1,1 da EDP).
Vale a pena notar que, com 35% do investimento total anunciado, a EDP obteve 53% da energia hídrica (80 MW médios), o que não foi mau negócio nacional.
Porém, além destes 8 aproveitamentos, estavam também já em construção mais dois, pela EDP:
Baixo Sabor (aqui): 26.24 MW (230 GWh/ano);
Ribeiradio-Ermida (aqui): 15.29 MW (134 GWh/ano).
Os investimentos realizados nestas duas barragens, actualizando os preços para o presente, terão sido, segundo a EDP, de 0,67 biliões €.
Com estas duas, a potência média gerada total das 10 barragens será de 192.9 MW (1691 GWh/ano), dos quais 121.4 da EDP que, nisto tudo, terá investido 1,77 biliões de €.
Assim e aparentemente, quem fez um investimento a pensar sobretudo na bombagem terão sido a Iberdrola e a Endesa, que apenas obtiveram 70.33 MW médios por uns alegados 2,06 biliões de €.
Porém, como já tinha notado há 2 anos, é preciso considerar também os investimentos em "reforços de potência" feitos pela EDP e que o foram sobretudo em instalação de bombagem, cobrindo as barragens de Picote II, Bemposta II, Alqueva II, Venda Nova III, Salamonde I e Paradela II, e que acrescentaram produções de energia insignificantes: 3.45 MW médios no Alqueva, 2 MW na Bemposta e, no total e já considerando o 1.45 MW médio que o Baixo Sabor permitiu aproveitar de outros empreendimentos, pela gestão melhorada da bacia hidrográfica, estes outros empreendimentos gerarão apenas 14.5 MW médios anuais, mas terão custado à EDP 1,25 biliões de €. O que crescentaram foi capacidade de bombagem e mais potência de ponta! Como se vê, afinal houve grande convergência e partilha entre Espanha e Portugal!...
A energia total de origem hidroeléctrica que estes 5,08 biliões de € vão gerar é assim, e feita a soma, de 207 MW em média (1,815 TWh/ano), 3,5% do consumo nacional, e apenas acresce em 15,8% a produção hidroeléctrica que já havia no país (excluindo mini-hídricas).
Porém, para avaliar custos há ainda que contabilizar os investimentos da REN em rede de Muito Alta Tensão para transitar as enormes, ainda que ocasionais, potências geradas e consumidas por estas hidroeléctricas.
Ora já este ano a REN anunciou que dos investimentos na rede previstos para os próximos anos 2012-2016, concomitantes com a construção das novas barragens (e parques eólicos que delas precisam), 0,45 biliões de € se destinam a "apoiar as novas renováveis", o que constituirá 1/4 da totalidade dos investimentos da empresa. No entanto, a REN já há anos que vem a reforçar a rede, a uma média de 200-250 milhões de €/ano, pelo que admitindo a mesma proporcionalidade se poderá estimar que já terão sido investidos outros 0,45 biliões de € para dar vazão às (raras) pontas de produção eólica. De qualquer modo, destes valores nem tudo será para ligar os parques eólicos às estações de bombagem da EDP e, embora o grosso do trânsito de energia vá ser entre o Minho, onde estão a maioria dos parques eólicos, e o Alqueva (o maior "depósito" de água bombábel), no outro extremo do país, poderemos admitir que por causa das barragens a REN investirá pelo menos 0,6 biliões de €, o que totaliza, somando ao investimento nas próprias barragens, 5,7 biliões de €. ...
Entretanto, a quantidade de energia que a EDP prevê fornecer com origem na bombagem está publicada aqui e extrai-se da frase "17, 9 TWh/ano de produção bruta ou 13,3 TWh/ano de produção líquida de bombagem", o que revela o plano de fornecer 4600 GWh/ano (de 17,9-13,3 TWh/ano) a partir da bombagem.
Este valor corresponde a 525 MW de potência média, e se os comparamos com os 207 MW de origem hídrica gerados pelos rios (ou se compararmos os 4600 com os 1815 GWh contabilizados atrás, o que é o mesmo), comprovamos que o grande objectivo destes investimentos é, de facto, a regularização da produção eólica, como aliás a REN já explicara no documento do PNBEPH e como tem sido explicitamente explicado pelo Prof. Peças Lopes da FEUP (ver figura), o grande catedrático desta solução para Portugal...!
Podemos ainda, como já fiz várias vezes, notar o seguinte: para produzir em média 525 MW (4600 GWh/ano) provenientes de bombagem, as barragens têm que consumir pelo menos 700 MW (6130 GWh/ano) de origem eólica, dadas as perdas técnicas no processo. Isto resulta de neste processo a energia de origem eólica ter de primeiro transitar nas linhas da REN até às barragens, linhas onde há perdas (da ordem de 1%), depois passar pelos transformadores das barragens, accionar os geradores a funcionarem como motores, perdendo cerca de 1% em cada uma destas etapas, dos motores eléctricos passar às turbinas hidráulicas e às condutas de elevação, onde as perdas são maiores - e, depois de novo, para regressar à rede, descer pelas condutas, onde se dão a maior parte das perdas devido ao atrito (perdas de carga), accionar as turbinas hidráulicas, que movem os geradores eléctricos, cuja electricidade passa de novo pelos transformadores e volta a transitar nas linhas, perdendo 1% em cada uma destas etapas. No total e incluindo as perdas nas linhas da REN, dissipa-se à volta de 25% da energia inicial, mas as perdas podem ir a mais de 30% **!...
Ambientalmente relevante, entretanto, é que estes 175 MW de perdas (que talvez cheguem a 225 MW...) (de 1530 GWh/ano a 1970 GWh/ano) anulam os 207 MW de origem hídrica que as barragens extrairão dos rios, justificando o que tenho dito: as barragens vão produzir zero de energia!...
Sistemicamente, porém, a bombagem hídrica presta um serviço que pode ser rentável para os respectivos investidores, e é isso que vou procurar avaliar, para vários cenários, terminando pela identificação de quem ganha e de quem paga este serviço.
Considerando a procura de electricidade, que varia com as horas do dia e os dias da semana e do ano, a oferta não tem sempre o mesmo valor: vale mais quando a procura é maior, nas horas de ponta, e menos quando é menor, nas horas de vazio. Em Portugal o consumo médio é de muito aproximadamente 6,o GW, mas às horas de ponta (hora de jantar) chega perto dos 8,8 GW, e no vazio (madrugadas) pode ficar-se só por uns 3,7 GW.
Um sistema eléctrico bem planeado tem um conjunto de centrais de relativamente elevado investimento inicial mas baixos custos variáveis a trabalhar permanentemente de modo a cobrir o mínimo de 3700 MW, e depois para as pontas reservam-se as centrais baratas mas de elevados custos variáveis (sobretudo combustível). Dependendo das condições de um país, essa base do diagrama de cargas pode ser, por exemplo, satisfeita com centrais a carvão ou nucleares, enquanto as pontas serão satisfeitas com centrais de ciclo combinado a gás natural. Se houver rios e barragens, estas podem ser usadas para regularizar a produção, sustendo a água nas horas de vazio e turbinando-a nas horas de ponta, se as condições hídricas forem adequadas e não havendo necessidade de bombagem.
Mas pode acontecer que não haja caudal dos rios que chegue, e então uma solução poderá ser ter as tais centrais de base a produzirem mais que o consumo nas horas de vazio, e usar o excesso de energia para bombar água em hidroeléctricas reversíveis, que funcionam assim como reservatórios de energia (na forma de água elevada), para uso nas horas de ponta. Perde-se 25% da energia produzida pelas centrais de base mas, se esta for muito barata, mesmo assim economicamente compensa.
Isto é o que faz a França, por exemplo, que tem 75% da sua electricidade de origem nuclear.
Se aplicada a solução francesa ao nosso país, para exemplificar, ter-se-iam centrais nucleares a produzirem em permanência 4500 MW (75% dos 6000 consumidos em média), e nas horas de vazio sobrariam 800 MW (4500-3700), que seriam consumidos em bombagem pelas hidroeléctricas. Como o custo médio do kWh nuclear é em França de 4,1 ç, se as centrais a venderem à rede durante a maior parte do dia a 5 ç (valor típico), podem perfeitamente vendê-las em 4 horas de vazio a preço zero que isso ainda é compensador, por não terem de as desligar, dado que se as desligassem isso requereria dias para voltarem a funcionar normalmente.
Em Portugal a bombagem também se usa desde há mais de 40 anos, num regime articulado entre hídricas de fio de água e hídricas de albufeira. As primeiras, mais baratas, só conseguem suster água por algumas horas, enquanto as segundas podem armazenar razoáveis quantidades. Assim, em Invernos muito chuvosos, havia alturas, até há 40 anos, quando o nosso consumo per capita era menos de 1/5 do de hoje, em que as hídricas de fio de água ou geravam mais do que o consumo ou abriam as comportas e desperdiçavam a água, e assim produziam um excesso de energia que era consumida pelas hídricas de albufeira com bombagem a encher as barragens - para a usar nas horas de ponta, no Verão e até de um ano para o outro!
Obviamente que tanto num como no outro exemplo a bombagem adicona um custo à energia bombada, o custo do investimento nas próprias capacidades de bombagem e mais as perdas de energia do processo; porém, se a energia assim aproveitada for muito barata, o custo total ainda será baixo, e a solução boa para todos - incluindo os consumidores.
Para avaliar agora a rentabilidade e custos da nova bombagem prevista para as eólicas, convém começar por notar que o cenário previsto pelo estudo da REN constante do próprio plano do PNBEPH era para uma potência eólica instalada no país de 5.7 GW, +1,5 GW do que existe neste momento, satisfazendo 22% do consumo nacional (à media de 1400 MW eólicos) e tornando-nos o campeão mundial do consumo dessa forma de energia! A figura seguinte simulava o que se previa acontecesse.
A figura mostra claramente que se previa um excesso de produção eólica durante a noite (quando ocorrem os consumos mínimos e o vento é maior), num total de cerca de 350 MW médios e uma ponta de perto de 2000 MW pelas 5 h da madrugada. Ou seja: com tal produção eólica, 1/4 dela teria de ser armazenada por bombagem, para não ter de ser deitada fora ou exportada a preço zero!
Os números previstos pela EDP para a energia bombada, porém e como vimos, são o dobro destes, e de facto o plano do Governo anterior propunha que se chegasse a 8500 MW de potência eólica instalada, o dobro do que existe presentemente! Por outro lado, 700 MW em média de energia eólica consumida em bombagem serão o dobro dos 350 MW visualizados pela REN, apesar da potência instalada de 8500 planeada pelo anterior Governo ser "apenas" +50% que os 5700 MW considerados pela REN, mas isso é consistente com o facto de quanto maior a percentagem de energia eólica, maior a percentagem dela que precisará de ser armazenada para se conseguir regularizá-la.
É também curial notar que, se os 350 MW médios a bombar previstos pela REN para uma potência eólica instalada de 5700 MW requerem 2000 MW de potência de ponta na bombagem pelas 5h da manhã, os 700 MW médios a bombar previstos pela EDP para a potência eólica de 8500 MW planeados pelo Governo anterior requererão pelo menos 4000 MW de potência de ponta, precisamente o que foi projectado realizar-se após o PNBEPH e pelos investimentos da EDP.
Estamos agora em condições de fazer alguns cálculos de rentabilidade económica, para vários cenários de futuro e algumas hipóteses adicionais que apresentarei no seguimento. A primeira hipótese é que as taxas de juro pagas pelo capital investido serão de 8,5%, um valor típico para investimentos em anos passados recentes,.
- Cenário A: tudo corre conforme planeado pelo Governo anterior e os espanhóis também
O investimento a recuperar é, neste caso, apenas o da EDP (3,0 biliões de €) e o da REN (0,9 biliões de €), verificando-se então que:
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 430 milhões de € (dos quais 80 para a REN) acrescendo em 2,5 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 11 anos. Receberá anualmente 376 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- Cenário B: como em A, mas com menor diferencial de preços entre a eólica comprada e a revendida.
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 339 milhões de € (dos quais 80 para a REN) acrescendo em 2,0 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 22 anos. Receberá anualmente 257 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- Cenário C: Como em A, mas só se vêm a instalar 5700 MW de potência eólica
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 261 milhões de € (dos quais 60 para a REN) acrescendo em 2,2 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP recupera o seu investimento em 32 anos. Receberá anualmente 226 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência".
- Cenário D: como em B, mas só se vêm a instalar 5700 MW de potência eólica.
- A EDP receberá anualmente 161 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência". Nunca recuperará o investimento feito e terá acumulado um prejuízo de 34 biliões de € ao fim de 50 anos. Só recuperará o investimento, e ao fim de 42 anos, se a remuneração do capital investido não superar 6,5% ao ano.
- Cenário E: O investimento em eólicas pára no valor em que está (4250 MW).
- O encargo anual da bombagem da energia eólica para os consumidores será de 164 milhões de € (dos quais 40 para a REN) acrescendo em 1,8 ç/kWh o custo de produção médio de toda a energia eólica;
- A EDP receberá anualmente 149 M€ pela electricidade vendida e 52 M€ pela "garantia de potência". Nunca recuperará o investimento feito e terá acumulado um prejuízo de 42 biliões de € ao fim de 50 anos. Só recuperará o investimento, ao fim de 40 anos, se a remuneração do capital investido não superar 6,0% ao ano.
- Cenário F: O investimento em eólicas pára no valor em que está (4250 MW) e o de Espanha também.
Talvez se perceba agora melhor porque é a EDP uma tão grande defensora da energia eólica, apesar de ela própria ter limitados investimentos em aerogeradores no país. Quanto aos investimentos espanhóis, não tenho notícia de como vão eles...
* - não consegui reencontrar o estudo de Eugénio Rosas que estava no blog comunista "Resistir", para lhe fazer a devida hiperligação.
** - A FEUP, com o INESC-Porto e sob a orientação do Prof. Peças Lopes, produziu um estudo de gestão hídrico-eólico para uma região no norte em que considerou, com dados da EDP, perdas na bombagem superiores a 30%. Porém, os resultados desse trabalho, outrora públicos, desde que começámos a falar deste processo passaram a ser cuidadosamente escondidos...
Etiquetas:
hídricas,
política energética
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