domingo, janeiro 09, 2011

1ªs notas de rodapé sobre "O papel da I&D no grupo EFACEC"

Há umas duas semanas, postei um texto que escrevera para a Administração da EFACEC - Sistemas de Electrónica 14 anos antes, após terminar o desenvolvimento de 3 anos da primeira série de Unidades Terminais e de Protecção nacionais (para Média e Alta Tensão), no laboratório que criei para essa empresa, em Carnaxide. Como o texto já era bastante longo procurei não o alongar com esclarecimentos adicionais mas, agora e tendo em conta que os muitos anos passados trouxeram outra luz ao que então escrevera, julgo que vale a pena desenvolver e/ou discutir certas ideias presentes naquele texto, que fora escrito na perspectiva da indústria nacional, da economia, e não na dos Investigadores académicos, da Universidade!

  1. O papel da componente curricular nos doutoramentos
Afirmava eu que "a faceta das pós-graduações ameri­canas que é talvez a mais útil, a da ex­is­tência de uma com­ponente curri­cular de elevado nível e exigência, não está interiorizada (diria mesmo que mui­tas das ca­dei­ras de mestrado das escolas de eng. portuguesas são uma fraude)". Talvez se surpreenda com esta afirmação quem pense que isto de "inovação" é uma questão de "espírito positivo", de "auto-estima", de tirar umas cadeiras de "Empreendedorismo" e "Inovação". Eu penso que será isso se entendermos por "inovação" a arte da vigarice, a qual frequentemente também nos surpreende pela criatividade!
Na verdade, em tudo o que é realmente produtivo, a criação depende da fertilização cruzada de diferentes conhecimentos. E é por isso que é preciso antes de mais nada ter esses diferentes conhecimentos!
Tal como é sabido na Inteligência Artificial que, mais que a capacidade de inferência, o que mais interessa na Inteligência é a quantidade e qualidade do conhecimento sobre o qual realizar inferências, também na capacidade de inovação tecnológica importa antes de mais saber bem e muito.
O modelo de doutoramentos americanos é aquele em que se formou não só a espantosa criatividade tecnológica americana, mas também a asiática e muita da europeia!
Até há alguns anos, para se atingir um doutoramento em Engenharia nos EUA tinha-se de ter feito primeiro um Bacharelato de 4 anos, e depois um Mestrado de 2 anos, com tipicamente ano e meio de cadeiras. As cadeiras de Mestrado pertenciam a uma categoria muito mais exigente que as do Bacharelato, as de pós-graduação, e em regra apenas 1 em 4 bacharéis americanos em Eng.ª fazia o Mestrado. Porém, devido à procura por estudantes estrangeiros, o número de Mestres produzidos em Engenharia nos EUA era de facto de 1 para cada 3 Bacharéis.
Tirando a importantíssima diferenciação qualitativa entre as cadeiras de pós-graduação do Mestrado e as do Bacharelato, em número de anos curriculares a exigência não era muito superior à que tínhamos em Portugal antes de Bolonha (mais meio ano, e mais outro tanto para a Tese) e era mesmo igual á que existia até 1970 (quando as licenciaturas em Eng.ª eram de 6 anos em Portugal). Havia também nos EUA Mestrados profissionais, sem Tese, e que em vez desta tinham (mais) cadeiras.
Ora o doutoramento americano requeria em regra mais outro tanto de cadeiras de pós-graduação (portanto, tipicamente mais ano e meio), o que totalizava 7 anos de cadeiras, dos quais 3 de nível superior. 
Quando o Mestrado em Engenharia surgiu em Portugal, em 1983, além de exigir a licenciatura prévia de 5 anos, exigia também que esta tivesse sido feita com média de pelo menos 14 valores. As cadeiras estendiam-se por um ano e pode-se dizer, portanto, que nessa altura o Mestrado português em Eng.ª equivalia ao americano, do qual fora aliás em alguns casos simplesmente copiado, nomeadamente a nível dos conteúdos curriculares. Foi a época da criação do INESC e da explosão de doutoramentos em geral. Estes doutoramentos, porém, continuavam a não ter componente curricular, na tradição europeia de origem alemã, e daí as minhas críticas observações no texto feito para a EFACEC.
Compare-se isto com o que trouxe Bolonha: "licenciaturas" de 3 anos, e um Mestrado de 5 com apenas 4 anos e meio de cadeiras, e sem pré-selecção entre uma coisa e outra!
Por outro lado os doutoramentos agora disponíveis seguem o modelo de Bolonha (3º ciclo),alguns em parceria com Universidades americanas, nomeadamente no âmbito do "MIT-Portugal", mas onde se tem apenas um ano de cadeiras (no caso do MIT-Portugal, de qualidade mais que duvidosa!...).
Ou seja: com Bolonha, a componente curricular do doutoramento totaliza agora 5 anos e meio, menos que um Mestrado dos anos 80/90 e tanto como um Mestrado americano, além de que deixou de existir o requisito de ter feito o grau anterior com pelo menos 14 valores!
Por outro lado, a Tese que antes não tinha componente curricular mas se estendia em regra por 4 ou 5 anos, agora é para 2 anos.
Em suma: o Mestrado actual curricularmente é menos do que a antiga licenciatura, e o Doutoramento actual totaliza menos cadeiras que o Mestrado dos anos 80/90, para já nem falar no doutoramento americano...
Quanto ao Doutoramento antigo, de tipicamente de 5 anos de Tese, pura e simplesmente desapareceu. Não há. Nem o correspondente treino de I&D!...


          2. A alienação na produção de "papers" seguindo as modas americanas


Outra coisa que mencionava no referido texto, escrito há 14 anos, era a "perversão dos “papers” como um fim em si, levando a técnicas de publicação por recombinação de todo o tipo de no­vas modas, e da perversão dessas próprias modas, nascidas muitas vezes de resul­ta­dos obtidos na I&D de aplicação militar (o que é oculto mas ocupa mais de 50% da I&D uni­ver­sitária norte-americana), com fraca relação com os problemas in­dustriais".
Uma máxima que governa a carreira académica americana é: publish or perish!
A ideia subjacente é que a Investigação produzida se traduz sempre em papers, publicações avalizadas por pares (referees), privilegiando-se as publicadas em revistas (definitivas, arquiváveis em bibliotecas), sobre as publicadas apenas em Conferências (visando trocas de impressões com pares sobre os mais recentes resultados).
Porém, como a carreira académica depende sobretudo do número destas publicações, um académico tende a dedicar todo o esforço a isso, tornando a publicação do máximo número de papers o seu principal objectivo na vida. E para este efeito (publicação do máximo número de papers) existem várias técnicas, como por exemplo:
 - Conseguir que num assunto qualquer muito específico se seja uma referência mundial, e depois nunca mais largar esse assunto, explorando-o de todas as perspectivas possíveis e fazendo raides sobre assuntos conexos, mas sempre centrados no referido assunto, ganhando assim uma imagem de autoridade na matéria e trabalhando para a manutenção dessa imagem. Pode-se não saber mais nada de coisa nenhuma e o tal assunto ser irrelevante, mas se naquele assunto muito específico se publicar muito, a carreira académica é garantida e pode-se mesmo chegar a ser considerado um sábio!
- Seguir as últimas modas. Quando as modas aparecem, é fácil a qualquer trabalho que as aplique ser publicado, porque será sempre inovador desde que se mantenha na crista da onda da moda (que, como as ondas, morrem na praia e são substituídas por modas novas). Exemplos passados: Inteligência Artificial, redes neuronais, agentes, etc... A moda desta estação: smart grids!


O Ministério da I&D considera essencial publicar muito e ufana-se da melhoria estatística que se consiga nessa matéria, mas as empresas que produzem bens transaccionáveis, isto é, as que não dependem de favores estatais para a vida mas sim de terem capacidade competitiva, como a EFACEC, abominam os papers. Se há coisa que com toda a justiça detestam é que um investigador seu esteja preocupado em publicar, em vez de terminar o novo produto no prazo curto que a concorrência exige! E também não lêem papers - porque, obviamente, papers sobre assuntos exotéricos muito especializados ou sobre modas de ocasião desligadas da realidade em nada contribuem para a competitividade das empresas!
Quando muito, os únicos papers que lhes poderão interessa publicar, e às empresas compradoras de bens de equipamento ler, são que se apresentam em algumas Conferências em que também haja Exposições de novos equipamentos!
Claro que neste contexto de subordinação à produção e comercialização, durante os 7 anos em que colaborei com a EFACEC só publiquei alguns papers e em conferências dessas, os quais são irrelevantes para efeitos de carreira académica...
Quanto às modas tecnológicas, vale a pena mencionar ainda alguns exemplos de disparidade entre elas e as necessidades empresariais. Nos anos 80/90 a grande moda era a Inteligência Artificial. No Porto houve um doutoramento de alguém que durante vários anos desenvolveu uma aplicação de Inteligência Artificial para a gestão das avalanches de alarmes geradas nos centros de controlo da rede eléctrica de Muito Alta Tensão em caso de incidentes; mas, ao mesmo tempo, um eng.º desses centros desenvolveu em apenas alguns meses um programa que fazia exactamente a mesma coisa mas usando apenas o seu bom senso. Outro exemplo são os algoritmos baseados em redes neuronais para a identificação de padrões de incidentes nas redes eléctricas e de que há anos se publicam inúmeros papers: não há um único em comercialização. Os algoritmos clássicos servem perfeitamente, e os problemas reais que existem têm a ver é com as redes e protocolos de comunicação, e nada com redes neuronais!
Donde vêm, então, essas modas? Não o posso provar (dado o secretismo inerente), mas estou convencido que vêm da I&D militar, que nos EUA despende 58% dos recursos pagos pelo Estado em I&D. Senão, vejamos: a moda da Inteligência Artificial nos anos 80 é contemporânea do projecto de Reagan para a "guerra das estrelas", cujo principal problema tecnológico era o sistema automático de gestão de batalha, capaz de se auto-reconfigurar, e onde aquela tecnologia parecia ser a solução; as redes neuronais são óptimas para o reconhecimento automático de alvos militares por satélites, ou de caras de suspeitos por redes de videovigilância.
É sabido que estas tecnologias procuram, depois de desenvolvidas, aplicações civis que as rentabilizem, e é assim que estou convencido que passam dos Departamentos de Controlo e Robótica onde são desenvolvidas nos EUA para os outros Departamentos académicos. E, a propósito, é discutível o peso que têm em Portugal esses Departamentos académicos, dado não termos indústria de Defesa; andam, assim, entretidos a desenvolver robots para jogar futebol e outros brinquedos, suportados pelo erário público, em vez de estarem a desenvolver o "drône" português ou torpedos mais inteligentes para os novos submarinos, ou então serem reestruturados em algo de útil...

1 comentário:

Jorgex disse...

Parabéns! :)

Gosto do novo visual do seu blog, neste momento é mais fácil a leitura/compreensão.
Todavia, é possível ser mais generoso nos parágrafos? Digo isto apenas para tornar mais fácil a leitura, pois muitas vezes eu perco-me e torna a assimilação mais morosa.