Volta e meia alguém me pergunta o que penso da energia geotérmica como fonte renovável de geração de electricidade e calor.
Pois, penso bem.
Em Portugal a energia geotérmica tem um papel não desprezável na carteira de fontes renováveis, mas concentrada nos Açores, nomeadamente nas ilhas de S. Miguel (na figura) e, mais recentemente, da Terceira.
Há alguns anos a central geotérmica de S. Miguel assegurava metade do consumo nas horas de vazio da ilha, mas o seu potencial permitiria teoricamente satisfazer todo o consumo. Ultimamente tem-se pensado em reforçar esse uso.
Porém, há alguns óbices com esta forma de energia:
- Funciona a potência constante. Ou seja, tem um problema que, sendo o oposto do das fontes intermitentes, acaba por ter as mesmas consequências de incapacidade de seguir os consumos, mas de forma muito mais previsível. No entanto, é por isso que a geotérmica de S. Miguel só assegurava (parte da) base do diagrama de consumos. Isto é assim porque as longas tubagens que trazem o vapor até às turbinas não se dão nada bem com variações rápidas de pressão e temperatura.
- As suas centrais avariam com frequência. Principalmente nas caixas de velocidades que adaptam a baixa velocidade das turbinas à frequência necessária para a ligação à rede eléctrica. Estas caixas são particularmente vulneráveis a perturbações na rede e, como não se fabricam grandes quantidades delas, carecem de maturidade tecnológica.
- A extracção do vapor do sub-solo altera os equilíbrios de pressão no interior desse sub-solo, o que provoca tremores de terra e risco de terramotos. E este é o principal óbice ao uso generalizado da geotermia, que levou, nomeadamente, ao cancelamento do projecto de Basel, na Suiça, como se pode ler aqui....
Recentemente sairam estatísticas do Ministério da Segurança Social sobre os acidentes de trabalho em Portugal.
Não é fácil encontrar os números, mas noutras publicações desse Ministério é possível verificar que o número de mortos anuais por acidentes nas empresas de energia tem sido, em média anual, de 2. O número de incapacitados é bem maior.
Como referi aqui, as normas de segurança existentes, copiadas caninamente das normas europeias pelo nosso Estado, estão erradas. Mandam ligar à terra as linhas susceptíveis de ficarem em tensão, durante os trabalhos de manutenção, o que é inútil.
O que se deve fazer está explicado na figura que aqui insiro, retirada de uma publicação americana que mostra também como por lá os textos são escritos para serem realmente entendidos pelos principais interessados, ou seja, as potenciais vítimas, os trabalhadores!
A "grounding bar around pole" justifica-se lá por os postes serem de madeira. Aqui bastaria ligar à armação férrea dos postes de cimento, que aliás têm pinos acessíveis para isso.
* Indo um pouco mais fundo na explicação técnica (hoje os leitores não técnicos poderão neste momento fechar a window), a questão é que a resistência eléctrica de uma vara enterrada no solo é muito aproximadamente ró/L, sendo "ró" a resistividade do solo e L o comprimento da vara. Como "ró" anda em média à volta de 150 ohm (mas pode ser muito mais) e L é de 2 metros no máximo, resulta que a tal resistência anda em torno de 75 ohm., pelo menos. A "impedância homopolar da rede" é em geral muito menor, pelo que em caso de colocação acidental em tensão a maior parte dessa tensão aparece aos terminais da vara e, portanto, da linha a que ela e o trabalhador estão ligados. O que significa que é como se a vara e sua ligação não estivessem lá, para efeitos práticos e de segurança do trabalhador.
Outro ponto que a figura acima ilustra é que dos 3 condutores de fase só deve descer um cabo. Os equipamentos franceses que cá se usam fazem descer 3, um por fase, e só se ligam no ponto comum que liga à vara (vd. figura ao lado). Assim, se as 3 fases forem acidentalmente postas em tensão, como será mais provável, existirá um curto-circuito trifásico que cria tremendas forças entre os cabos e os tendem a arrancar do ponto comum de ligação à vara.
Isto faz-se assim em toda a Europa ocidental há muitas décadas, mas nos EUA o assunto foi re-estudado e chegaram às conclusões óbvias que aqui mostro.
Óbvias depois de explicadas, claro...:-)
Não deixa de ser espantoso, entretanto, que em toda a Europa não seja conhecida uma única voz que tenha, até agora, questionado esta prática e a norma que a institucionaliza (norma CENELEC 50110-1, revista em 2004)!
Como é do conhecimento público e eu dei notícia aqui, o lobby eólico conseguiu obter do Governo uma nova extorsão aos consumidores que pagará o custo de capital dos investimentos em estações de bombagem e centrais a gás natural que permitirão amparar as eólicas na sua incontrolável e imprevisível intermitência. Tratam-se, tecnicamente, dos sobrecustos sistémicos das renováveis intermitentes.
Segundo a imprensa, o novo sobrecusto a pagar só pelas centrais já existentes e que entrem em funcionamento até ao fim deste ano totalizará 522 M€ até 2021 e agravará em 1% a factura energética média paga pelos consumidores (o que quer dizer que será cerca de 1,5% da factura do consumidor de Baixa Tensão: as famílias, os restaurantes, etc). Mas estarão essas contas bem feitas?
Os termos remuneratórios previstos na portaria assinada por Carlos Zorrinho (e, curiosamente, só por ele...) , atribuem anualmente 20 €/kW à potência instalada nas centrais já existentes não abrangidas por CAE nem CMEC, mas para as ainda a construir é estipulada uma fórmula e dito que a DGEG tem 60 dias para a aplicar e fazer as contas.
Trata-se, obviamente, de uma forma capciosa de esconder dos portugueses o que se prepara, dado que toda a gente sabe que a DGEG tem apenas dois engenheiros electrotécnicos encarregues de TUDO e que, portanto, falha de recursos humanos e demais meios técnicos, a DGEG se limita a consultar as empresas de electricidade sobre o que elas querem e a dar-lhe depois forma de lei. O que o legislador está farto de saber...
Ora a referida portaria estipula uma remuneração de 28 €/kW para "índices de cobertura" até 1,1. O que é um "índice de cobertura" não é definido na portaria (mais uma peça legislativa mal feita...), mas a REN explica-nos tudo aqui neste documento de 2007 publicado... em Espanha!
O "índice de cobertura" é "a relação entre a capacidade disponível e a ponta de consumo, em situações críticas para a operação do sistema" e, garantidamente, as contas já foram feitas pela EDP e/ou pela REN.
Admitindo, no entanto, que o valor a pagar venha a ser em regra o de 28 €/kW instalado, então convém notar que a potência já instalada ou em instalação, em centrais de ciclo combinado e hídricas, não é nada comparada com a "potência instalada" prevista para os "reforços de potência" e as novas realizações hidroeléctricas que, como notei aqui, totalizará cerca de 4,64 Gw!...
A admitir a referida remuneração, essas futuras hidroeléctricas irão então honorar em mais 130 milhões de € anuais os consumidores, sensivelmente 2.5 a 3% do respectivo custo de investimento e que, somado aos ganhos da revenda da energia eólica armazenada, já permitirá uma remuneração razoável desse investimento.
Naturalmente, esses 130 M€ serão a somar aos 61 M€ já atribuídos às centrais novas existentes ou em construção e abrangidas por esta portaria (45 M€ para a EDP, segundo um comunicado da própria empresa), e que, a recaírem como habitualmente sobre os consumidores de Baixa Tensão, significarão só por si um acréscimo tarifário para estes consumidores de mais 3%, totalizando 4.5%...!
Teremos assim 1.5% já em 2011, e os restantes 3% à medida que as novas hidroeléctricas forem entrando em serviço...
Uma das grandes fés dos crentes na capacidade da "gestão da procura" alegadamente a realizar pelas "smart grids" é que, devidamente educadas, as pessoas se tornarão em Homens Novos e a fazerem o que é obviamente melhor para elas. Porque eles, os smart griders, sabem o que é melhor para as pessoas.
Ora não espanta, por isso, vê-los tão desanimados agora que uma sondagem aos "americanos médios" mostrou que, interrogadas sobre o que acham ser melhor para poupar energia, as pessoas tenham respondido "apagar a luz", "desligar o termostato (do aquecedor ou do ar condicionado)" e "guiar menos".
Desanimados porque as respostas que os smart griders pretendiam eram: "usar lâmpadas mais eficientes", "isolar as casas" e "guiar carros mais económicos". Que tudo isso custa dinheiro extra às pessoas, parece ser coisa que não ocorre a estes idealistas.
Entretanto, e a confirmar o que tenho mostrado, que as eólicas e em geral as fontes de energia renovável intermitentes (o que inclui o solar, em certos aspectos ainda mais intermitente que as eólicas) requerem um triplo financiamento, por um lado em centrais de reserva para quando a produção renovável cai rapidamente (rampas), e por outro lado em estações de bombagem para quando há excesso de produção, aí está a legislação que vai remunerar as novas centrais a gás natural e hídricas só por estarem lá a amparar as eólicas e mesmo que não produzam energia nenhuma: é uma portaria saida este mês que "remunera o serviço de disponibilidade".
Segundo o "i", serão 522 milhões de € para a EDP e a Tejo Energia, rectroactivos a contar desde 2007 mas a aplicar também quer às novas estações de bombagem a que chamam de hidroeléctricas, quer às centrais a gás cujo investimento estava parado por falta de perspectivas de amortização. E, como sempre, a verdadeira razão deste novo encargo é escondida dos portugueses pelas centrais de comunicação do lobby eólico, neste caso, imaginem, alegando uma suposta necessidade de concorrência com a Espanha...!
E adivinhem lá quem é que vai pagar para essa remuneração?
Um dos maiores engenheiros portugueses nascidos no século XX foi, há poucos anos (2007), agraciado com a Ordem do Mérito Científico pelo Presidente da República... do Brasil!
Trata-se de Carlos Portela, em tempos Catedrático do Instituto Superior Técnico e que deixou o país durante o PREC. Para quem quiser conhecer a sua história, pode encontrá-la nesta entrevista que deu em 2006.
Nunca conheci pessoalmente o Prof. Portela, mas estudei pelos apontamentos que deixou na sua escola e que me marcaram profundamente pelo seu rigor intocável. E partilho com ele a procura do equilíbrio entre a vida universitária e a actuação profissional fora dela, com a mesma opinião de que "se uma pessoa se restringe à Academia, perde a noção da realidade. Mas se apenas actua no mercado, perde a preocupação com o rigor".
Opinião que, nestes tempos de avanço do controlo político total sobre a Universidade, é cada vez mais uma contra-corrente.
Na entrevista que hyperlinkei e que vos recomendo, sobretudo aos que ainda são estudantes, Portela insurge-se contra o culto das normas mal-feitas, e acusa: "no Brasil, se o sujeito mata cem pessoas mas para isso calculou segundo as normas, não há problema nenhum. Ou seja, usam as normas para se absterem das responsabilidades".
Ora remar assim contra corrente de normas feitas por comités internacionais requer um tipo de espírito de rigor, de insubmissão de pensamento e de amor ao bem público que é raro. Mas Portela nunca foi uma pessoa fácil.
E isto traz-me a um problema existente em Portugal que é exactamente igual ao que Portela critica no Brasil. É uma questão que vou ter de abordar com algum tecnicismo, o que sempre tenho evitado neste blogue, mas não vejo alternativa a isso.
Nas redes eléctricas, é frequente terem de se fazer trabalhos de manutenção em linhas aéreas e outros equipamentos de alta tensão. Para o efeito existem normas de segurança que são quase uma trancrição de normas europeias e que estão minuciosamente detalhadas em diversos regulamentos e manuais das nossas empresas de electricidade. E, no entanto, praticamente todos os anos há algumas mortes em acidentes em trabalho destes.
Em regra, as nossas empresas de electricidade atribuem tais funestos eventos ao incumprimento das normas, e em alguns casos isso sucede. Mas o facto é que mesmo cumprindo essas normas os acidentes são frequentemente fatais, porque o que acontece é que as normas estão erradas. As portuguesas e as europeias em que elas se baseiam.
Basicamente, o problema técnico é o seguinte: as normas mandam ligar à terra os equipamentos susceptíveis de ficarem em tensão durante os referidos trabalhos, de um lado e do outro do equipamento onde o trabalho de manutenção decorra. E isso está errado, porque as tais ligações à terra têm sempre uma resistência eléctrica tal que são praticamente inúteis.
O que se deve fazer é precisamente o contrário: é ligar o ponto onde o trabalhador se mova aos equipamentos susceptíveis de ficarem em tensão, de modo a criar o que os anglo-saxónicos denominam de "zona equipotencial de trabalho".
Isto foi estudado nos EUA há já uns 40 anos e é praticado lá, na Nova Zelândia, na Austrália, etc. Mas claro que afirmar que os comités normalizadores nacionais e europeus estão errados é, mais uma vez, ir contra a corrente...
Há 40 anos, durante a Primavera marcelista, quem chegava das províncias do Império à Universidade em Lisboa encontrava uma efervescência de ideias, discussões e preocupações no movimento estudantil que eram mais instrutivas que as escolas propriamente ditas. Começava pelo próprio vocabulário, e estendia-se à largueza de horizontes.
As Associações de Estudantes do Técnico (IST) e de Económicas (ISEG) eram um viveiro de activistas e pensadores que produziam textos como o "Contra a Fábrica", onde se aprendia o que eram o taylorismo e o fordismo, onde o modelo de uma sociedade livre dos valores consumistas em que tínhamos sido educados, e que rejeitávamos, era a China da Revolução Cultural - um lugar onde só havia dois tipos de fatos, o cinzento e o azul, onde a diferença máxima de salários era de 2 para 1, onde as pessoas se moviam por ideais e não pela busca mesquinha de mais um carro ou electrodoméstico, e onde quem mandava eram os jovens idealistas como nós - os guardas vermelhos!
China maoísta onde havia debates acesos, mas não se levava os opositores à cave para levarem um tiro na nuca como na Rússia revisionista - apenas se passeava a vítima pela cidade com um cartaz no peito e a malta à volta a gritar-lhe aos ouvidos a linha justa até ele se convencer. Um mundo fascinante!...
Claro que tudo isso foi uma ilusão, mas ainda hoje gosto de lembrar que a diferença entre a Revolução russa e a chinesa se podia resumir na forma como ambas trataram os respectivos monarcas depostos: na Rússia, o Czar, a família e até a respectiva criadagem foram todos mortos numa cave, a tiro e à baioneta, mas na China o Imperador foi reeducado e convertido em guia do palácio imperial de que outrora fora o dono, e que agora pertencia ao povo.
Vem tudo isto a propósito de que esse movimento estudantil de há 40 anos em Lisboa tinha dois fantásticos pensadores e líderes, que aliás em regra estavam de acordo e que eram ouvidos em completo embevecimento pelos caloiros como eu: os dirigentes das Associações de Estudantes do Técnico e sobretudo de Económicas, respectivamente o Zé Mariano e o Félix Ribeiro.
Do Zé Mariano todos sabemos o percurso que seguiu.
Mas do Félix Ribeiro sabemos em geral menos, porque ele se apagou. Apagou-se como político mas não como pensador, como o atesta esta extraordinária entrevista que vivamente vos recomendo:
Público - A Europa vai ser comprada pela China e pelos príncipes árabes