Como que a propósito do que aqui escrevi sobre a energia solar, o Público de hoje tem em primeira página a notícia de que alguém se prepara para nos fazer pagar uma central solar similar à que vai ser construída na Mongólia interior e de que aqui falei.
Nem posso acreditar!
Mesmo que a central apenas custe só 6 biliões de €, do que duvido, isso significa um custo de 3€/w, 2,2 vezes do que custa presentemente, em média, uma turbina eólica. Porém, a utilização média da potência de ponta de uma eólica é, por cá, de 25%, enquanto a de uma central solar com seguimento do Sol é de apenas 21,5%, pelo que para a mesma potência, uma solar produz 21,5/25=85% da energia da eólica. Acresce a isto a maior manutenção requerida pela solar, que precisa que se lhe limpe os painéis regularmente.
Por conseguinte, o custo de investimento para a produção do kwh solar será de pelo menos 3 vezes o do eólico.
Ora para que o eólico seja rentável já tem de ser fortemente subsidiado, dado custar mais do dobro do que custa o kwh gerado pelas fontes convencionais de energia! Veja-se, pois, o que custará em subsídios uma energia ainda 3 vezes mais cara!...
E isto só no que respeita ao investimento na central! Porque nas poucas horas em que a Central funcionar à potência máxima, a meio dos dias de Verão soalheiro, a rede terá mesmo de escoar os 2000 MW, quase o equivalente ao que produzem duas centrais de Sines! Nem todo o país tem capacidade para encaixar isso, daí a necessidade de criar rede que escoe isso para lá dos Pirinéus...
Mas como, em média, a central só produzirá 21,5% disso, na verdade gerará menos de metade da energia produzida pela referida central de Sines (que é "só" de 1250 MW)!
Um "cluster" nacional para a sua produção? Continuam a brincar connosco!!!
Penso que se alguém no Governo, na REN, ou qualquer outra instância pública, apadrinhou esta ideia, deve ser imediatamente preso!
6 comentários:
E sem direito a fiança...
Não discordo consigo mas fiquei com uma dúvida nos seus números. O custo da construção, 6 G€, não pode ser dividido pelos 2 Tw para dar 3€/w, porque a central vai funcionar durante vários anos (senão, teríamos de assumir um valor bem menor para os anos a seguir ao primeiro). É preciso considerar quanto tempo durará a central para dividir o custo de construção mais o custo de manutenção durante esse período de actividade. Pareceu-me que os números assumem que a central funcionasse apenas um ano. Mas se calhar, não percebi as suas contas.
Obrigado pela atenção e deixo-lhe uma citação do escritor Frank Herbert apropriada ao caso:
"Does a population have informed consent when that population is not taught the inner workings of its monetary system, and then is drawn, all unknowing, into economic adventures?"
Caro(a)sLx:
De facto não apresentei essas contas aqui em detalhe, embora elas estivessem implícitas noutro post que escrevi sobre as eólicas, aqui:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/07/quanto-custa-o-vento.html
As contas a fazer são as que se fazem normalmente para avaliar a rentabilidade de um investimento: compara-se o que se ganha, somado ao longo do tempo, com o dinheiro investido, também ele considerando o tempo.
Como se considera o tempo num investimento? Admitindo que ele é obtido por crédito e calculando quanto se vai pagar em amortização e juros. Encontra na net informação sobre isso.
Mas eis um cálculo simples grosseiro que permite ter uma ideia neste caso: uma central destas dura 20 anos, e para tal tempo de vida ninguém aceita tempos de recuperação do investimento superiores a 10 anos, para se poder ter depois algum lucro.
Tome pois os 6 biliões de € da central, some-lhe 30% de custos totais de juros (valor muito baixo, que pressupõe uma taxa de juro fixa de 5%), e mais 20% de custos de manutenção e operação (os 50 km2 de paineís têm de ser lavados regularmente porque o pó os torna ineficentes): tudo somado, tem o custo ACTUAL equivalente de 9 biliões, a recuperar em 10 anos, sem contar com a tal grande manutenção ao fim desses 10 anos.
Agora veja: produzindo em média 300 MWh (15% da ponta), tendo um ano 7890 horas (considerando 10% de tempo de paragem em manutenção), em 10 anos a central terá produzido 23.7 x 10^9 kwh.
Para que a venda desta energia pague os 9 x 10^9 €, é preciso que o kwh seja vendido pela central a 0,4 €.
Ora nós compramos à EDP a energia a 0,11 €/kwh, e isto já inclui todos os custos de transporte, distribuição e outros, que são pelo menos 60%; ou seja, para pagarmos 0,11 e/kwh, é preciso que a energia custe à EDP uns 0,04 €/kwh, em média.
Pelo que, é fácil de ver, a energia solar irá custar 10 vezes o que custa a convencional, em média.
Muito mais se poderia afinar nestas contas, mas é fácil de ver que mesmo que o investimento fosse sem lucro algum e os custos de manutenção regulares fossem só de 1% ao ano, a 20 anos e considerando a tal grande manutenção a meio da vida, a Central custaria em valor actual 15 biliões de €, e o kwh teria de ser vendido a 0,3 € para pagar a central - o que ainda é cerca de 7 vezes o que custa o kwh produzido por centrais convencionais.
O racional para justificar tamanho investimento é um completo absurdo, num sistema como o nosso ou mesmo a nível ibérico e até europeu. Os espanhóis já não sabem o que fazer à energia produzida pelas renováveis em determinadas horas do dia, tal é o perigo induzido na estabilidade do sistema e vão comprar a Portugal?
Os dinamarqueses já tem que escoar a sua sobreprodução de eólica para a Alemanha, que por sua vez está atrapalhada sem saber como vai resolver o seu próprio problema, num futuro muito próximo, e até equacionou exportar a sua sobreprodução de renováveis para a Europa do Sul. Como não deve ser para a nuclear França, deve ser então para Portugal ou Espanha! Isto é tudo uma sandice.
LC
Só hoje tive oportunidade de ler a notícia original e, portanto só agora estou em condições de fazer comentários. A posição assumida por Pinto de Sá é obviamente correcta para as centrais solares de Moura e outra parecidas. Subsidiar a energia fotovoltaica a 0,3 euros por kWh so é bom para os promotores e para os chineses que vendem os paineis. Mas esta notícia é diferente. Embora não dê detalhes, os promotores dizem que não esperam que a energia seja subsidiada. Como é que eles fazem isso? não sei, mas é problemas deles... se consideram assim que o investimento é rentável...
Outro ponto que me parece interessante é a ligação deste assunto à necessidade de aumentar as interligações com Espanha e França. Nisso só vejo vantagens.
Provavelmente a tecnologia a utilizar será o fotovoltaico por concentração que duplica e rendimento dos paineis actuais. Ainda não estão disponiveis para comercialização generalizada, mas prometem. E se Portugal construir um cluster nesta area não ficará bem colocado para se candidatar a projectos do tipo "desertec" que aí vêm? se de facto se construir esse cluster isso significará muitos postos de trabalho. O pessimismo de Pinto de Sá é neste caso exagerado... A prioridade das pessoas informadas sobre este assunto não deve ser contestar o investimento mas vigiar para que os pressupostos se cumpram. E os principais prssupostos são: 1 - não subsidiar a tarifa 2- construir um cluster industrial
Caro Pedro Rocha,
Não é possível instalar uma solar como a anunciada sem uma forte subsidiação. A notícia diz de facto que "os promotores não esperam subsídios", mas obviamente a notícia MENTE!
Ao que parece, alguém na UE determinou um slogan 20-20-20 que, para ser cumprido, requer que Portugal instale 300 MW de potência MÉDIA solar, e isso poderá explicar, de facto, que alguém pense numa central de 1500 MW nominais ou perto disso. Mas não acredito que nos façam pagar tal coisa só para obedecer a uns burocratas quaisquer em Bruxelas!
Quanto ao "cluster" nacional no solar, caro Pedro Rocha, em teoria eu concordaria consigo. Em teoria se acreditasse que tal coisa depende apenas de um investimento e que se decida como se fosse um investimento na Bolsa.
Mas eu faço I&D com aplicação industrial há muitos anos e sei que não é assim que as coisas acontecem. Tenho alguns outros posts por aqui sobre isso - por exemplo, sobre "A energia solar e os negócios portugueses", sobre "Portugal já foi um país com maioria de energia renovável", sobre "patentes", que se ler ficará com uma ideia de que, de facto, um cluster industrial demora tempo, porque DEPENDE DO KNOW-HOW, e este leva anos a criar! E isso requer estratégia e planeamento, algo de uma natureza muito diferente das decisões de investimento na Bolsa, como a Univ. de Berkeley lembra a Obama num post em que linko para tal.
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