quinta-feira, setembro 03, 2009

A avaliação dos professores, as "Ciências" da Educação e a estratégia da Administração de Obama

Sendo professor há várias décadas e familiar de muitos docentes e alunos, há muito tempo que concordo com Nuno Crato e a sua crítica ao "eduquês", a linguagem da ideologia "romântica e construtivista" da educação, como ele a caracteriza. Ideologia que, nas suas componentes mágicas, relativistas e subjectivistas ("românticas", chama-lhes benevolamente o Nuno), faz parte do pós-modernismo e embebe outra corrente de pensamento que é prima desta, o ecologismo utópico ou "ecotopia".

No domínio da Educação, esta ideologia tem promovido ideias como a da "promoção da auto-estima" dos alunos sem necessidade dela ser merecida e, de um modo geral, o facilitismo, o culto do divertimento e o horror ao esforço e à disciplina (sobretudo à auto-disciplina), a estranheza perante o valor moral do trabalho e a ideia de que combinando "criatividade" e "empreendedorismo" com isso tudo se poderá ir mais longe do que à promoção da chico-esperteza, que é precisamente como se define criatividade sem esforço nem trabalho.

Considero esta política educativa, ao comprometer por uma geração inteira a capacidade dos portugueses fazerem evoluir o seu país e com isso a sua própria qualidade de vida, um verdadeiro CRIME contra Portugal (ou contra o povo português, como preferirem), no que não sou único, como sabe quem tenha ouvido Medina Carreira a comentar!

E no entanto, a ideologia pós-moderna que sustenta esta política é promovida como tratando-se de "Ciências da Educação", em muitos cursos cuja frequência hoje se exige a quem é docente do ensino pré-universitário, mas a quem não se pede que saiba do que ensina, isto é, que saiba efectivamente português, matemática, ciências em geral (naturais e humanas) e línguas! Ora, na verdade, o segredo do bom professor é antes de mais saber profundamente do que se ensina e gostar de o partilhar, no sentido com que Einstein ironisava que só se tinha conseguido compreender verdadeiramente a sua Teoria da Relatividade quando se conseguia explicá-la à mulher a dias, e ainda capacidade de liderança.

A colmatar o já crónico descalabro da educação, que abrange também os programas fantasticamente imbecis e manuais escolares de qualidade frequentemente criminosa (sobretudo no ensino básico), o actual Governo decidiu avançar com um modelo burocrático de avaliação dos professores que os classifica segundo fórmulas complicadas em função de critérios tão pós-modernos como os do ensino que são levados a praticar!

Será que os professores não devem ser avaliados e que devem manter o direito à irresponsabilidade a que décadas de ausência de hierarquia nas escolas os habituaram? Claro que não penso isso!

Porém, qualquer sistema de avaliação deve complementar toda uma estratégia educativa em que o objectivo final seja a qualificação dos portugueses, e deve estar ao seu serviço como mais uma das suas ferramentas, a par de programas sensatos e correctos, manuais de rigorosa qualidade e objectivos de competência para os alunos cuidadosamente definidos a partir do estudo comparado das melhores práticas internacionais.

A política deste Governo para a avaliação dos professores não tratou de reintroduzir uma avaliação que tivesse estado ausente durante 30 anos, como ouvi o Primeiro-Ministro e muito boa gente defender, como se antigamente (isto é, no salazarismo) houvesse avaliação dos professores, o PREC a tivesse suspendido e agora se estivesse a retomá-la.
Na verdade, essa tese é revisionismo histórico, um truque barato para agradar aos descontentes com a balda existente, pois o facto é que os professores NUNCA foram avaliados por quaisquer critérios classificativos em Portugal, nem antes nem depois do 25 de Abril!

Quem, de facto, era avaliado antigamente (antes do 25 de Abril e até que os pós-modernos tivessem tomado por dentro o Ministério e as Escolas de Educação, já o PREC ia longe), quem era avaliado... eram os alunos! E foi essa avaliação que deixou de existir!

Talvez vocês, jovens, se espantem quando afirmo que a avaliação dos alunos deixou de existir. Claro que continua a haver notas, testes e "trabalhos" classificativos nas escolas. Porém, essa avaliação tem progressivamente sido descentralizada para cada escola e cada professor o que, conjugado com a pedagogia "romântica e construtivista" promovida pelas ditas "Ciências da Educação", conduziu a que agora a avaliação dependa essencialmente do critério de cada professor.

Tal facto é na minha opinião a causa principal da indisciplina existente nas escolas, da perda de autoridade e do clima de intimidação em que muitos professores vivem agora, por parte de alunos e respectivos pais.

Se as aprovações dependem apenas dos professores e se o clima geral é de facilitismo e desprezo pelo trabalho disciplinado, deixou de fazer sentido que os pais e os próprios alunos exijam aos professores que ensinem, para em vez disso se lhes exigir é que facilitem a aprovação.

Para exemplificar a ideia de como o cerne do problema está na falta de uma verdadeira avaliação aos alunos, vale a pena lembrar um sistema de ensino que conheci de perto antes do 25 de Abril, numa região remota do Império ultramarino onde não havia escolas secundárias do Estado.
O ensino era organizado pelos próprios pais dos alunos, em edifícios habitacionais improvisados, e os docentes eram escolhidos de entre os próprios colonos, frequentemente sem sequer terem uma licenciatura completa e sem qualquer hierarquia.
Havia cerca de uma dúzia de alunos por ano lectivo e os exames nacionais eram feitos em liceus oficiais em cidades distantes, de tantos em tantos anos dos ciclos de estudos, e na verdade o sistema assemelhava-se a um centro de explicações, como aliás era oficialmente classificado ("ensino doméstico").
Pois desse esquema improvisado e artesanal vieram a sair muitos futuros licenciados de grande reconhecimento hoje em Portugal e na América, e vários professores universitários actuais...! Qual o seu segredo?
Sem dúvida os tais exames nacionais que ocorriam periodicamente e o empenho dos pais na escola!
O que todos queriam é que os filhos fossem devidamente preparados para os tais exames, que era onde se tinha de obter a aprovação! Portanto, pais e alunos preocupavam-se em saber se a formação ministrada efectivamente preparava para esses exames, e claro que era impensável admitir que um professor não desse o programa todo (que saía nos exames) ou que faltasse às aulas (reduzindo a preparação para esses exames)!
Um aluno desordeiro que impedisse os colegas de se prepararem para os exames, abandalhando as aulas, era rapidamente afastado (e obrigado a ir estudar para internatos em cidades longínquas), pela pressão dos pais dos outros alunos por ele prejudicados. O mesmo afastamento (no final dos anos lectivos) sucedia aos raros docentes que se revelassem menos empenhados ou capazes. Raros, por que a facilitar o trabalho desses improvisados professores, havia programas claros e bons manuais de estudo.
Naturalmente, nesse tempo era motivo de grande orgulho e reconhecimento (ou "auto-estima") obter-se aprovação nos tais exames nacionais, sobretudo quando se tinha boas notas! Um desses exames, o do 2º ciclo (correspondente ao actual 9º ano) compreendia 10 provas escritas realizadas numa só semana, duas por dia, e sobre toda a matéria de 3 anos de estudo!... Ninguém ficava "traumatizado" e a precisar de "apoio psicológico"!...
Naturalmente, os bons professores eram reconhecidos pelo sucesso dos seus alunos nesses exames.
Evidentemente, em escolas de massas como as das cidades, o acompanhamento pelos pais da vida nas escolas como se fazia no exemplo citado é praticamente impossível, e caberá ao Estado substituir os pais nessas funções de avaliação dos professores e em geral da vida escolar. Porém, não há razões para que o referencial dessa avaliação não continue a ser os resultados dos alunos em exames nacionais. E não sou só eu que penso assim, como já mostrarei.

O Mundo mudou, e a "pedagogica romântica e construtivista" não foi só em Portugal que se radicou. Na verdade, e muito semelhantemente à ecotopia, trata-se de uma ideologia internacional que se tornou mesmo dominante em muitos, se não a maioria, dos países ocidentais, crescendo quase sem oposição ao arvorar uma imagem de modernismo que, na verdade, esconde um pós-modernismo profundamente irracionalista e anti-científico.
É uma ideologia que também singrou com êxito nos EUA, mas que enfrenta aí um debate público de ideias que é quase inexistente em Portugal (como aliás também acontece com a ecotopia).

Num país com a dimensão e diversidade cultural dos EUA, habituado à autonomia dos Estados e com uma aversão epidérmica arreigada à interferência do Governo Federal na vida colectiva dos cidadãos, não há exames nacionais e as práticas escolares são as mais variadas. Mas, lá como cá, a carreira dos professores dos ensinos básico e secundário (K-12, como lhe chamam) tem sido desde os anos 80 essencialmente baseada nos anos de experiência e nos graus obtidos em cursos de Ciências de Educação, particularmente pós-graduações.
Porém, os testes globais feitos regularmente mostram que lá, como cá, os resultados escolares estagnaram desde os anos 80, e que muitos cursos de "Ciências de Educação" não valem nada.
Na verdade, a política da Administração Obama e em particular do seu Secretário de Estado Arne Duncan baseia-se no reconhecimento de que não existe qualquer relação entre as pós-graduações em "Ciências da Educação" e os resultados obtidos pelos alunos em testes globais padronizados (isto é, de validade comparável).

Isto é algo que vem sido afirmado há muito entre nós pelo incansável Nuno Crato, mas para se entender melhor o que está em jogo, vale a pena conhecer por exemplo a opinião de Martin Kozloff, professor de Educação na Universidade da Carolina do Norte:

"A master’s degree in most subfields in education (especially reading — or what they like to call “literacy” — early childhood education, teaching and elementary education) adds little or nothing to students’ knowledge or practical skills.
An M.A. in education stamps in the baloney that infects the undergraduate curriculum.
Indeed, a master’s degree in most education subfields further stamps in the “progressive,” “child-centered,” “constructivist,” “developmentally appropriate,” postmodernist, pseudo-liberationist baloney that infects the undergraduate curriculum, and which leaves graduating ed students unprepared to provide their own students with coherent, logically sequenced instruction.
Undergrad students enter ed schools and eventually graduate from master’s programs still 1. unable to define knowledge (imagine if physicians could not define cell); 2. unable to identify, define and show exactly how to teach the different kinds of knowledge (e.g., facts, concepts, rule, routines); 3. unable to explain how learning is a simple and straightforward process of inductive reasoning (and not a mysterious process of “discovery” and “meaning making” that can only be “facilitated” by teachers who are more like artistes than skilled technicians); and 4. unable to determine whether teaching materials (e.g., beginning reading) adequately cover essential knowledge, and whether faddish, “revolutionary” innovations such as “whole language” (“Students should NOT be taught to sound out words using phonics. They should GUESS what words say using pictures on the page and the shape of words”) have solid empirical support and will not make children illiterate.
And if you ask graduating master’s students who have managed to escape indoctrination (because they are fortunately endowed with a wide streak of skepticism), they will tell you that they learned nothing new. Yes, many teachers with master’s degrees in education are more skilled teachers. But this is not because they got a master’s degree
."

O programa de Duncan/Obama para a reforma da educação nos EUA centra-se na avaliação dos professores - na verdade, na própria definição dos critérios do seu recrutamento e carreira - a partir dos resultados dos respectivos alunos em exames "padronizados". Ou seja e resumindo, no regresso ao velho critério de bom-senso do antigo ensino em que, afinal, toda a classe actualmente dirigente foi ela própria educada!
O pós-modernismo nas escolas americanas resiste a esta política, claro, e em alguns Estados tenta mesmo decretar a ilegalidade da avaliação dos professores invocando direitos autonómicos. Mas Obama não desiste, prosseguindo uma estratégia que, aliás e nas suas linhas essenciais ideológicos de bom-senso e realismo - particularmente a exigência de exames globais a nível estadual como fundamento dos programas de ensino - fora já iniciada pela Administração Bush com o programa "No Child left behind". Trata-se, pois, de uma viragem histórica decisiva que está em curso nos EUA e que, mais tarde ou mais cedo, a Europa primeiro, e Portugal também, seguirão, como sempre.

Exames nacionais já existem por cá, dir-me-ão. Pois, mas todos sabemos como a extraordinária melhoria dos seus resultados nos últimos anos é altamente suspeita.
Nuno Crato e a sua Sociedade Portuguesa de Matemática têm tentado correlacionar os exames de Matemática nacionais com os níveis internacionais e concluído que as melhorias obtidas se tratam de grosseiras mentiras, obtidas à custa de um maior facilistismo que desautoriza os professores que efectivamente se esforçam por manter um nível elevado de ensino.
A Ministra, porém e ainda hoje o repetiu, diz que não, que o aumento em 50% de aprovações em Matemática em 4 anos se deveu à sua política e aos professores que trabalharam mais graças à sua política, e parece ser apoiada pela Associação de Professores de Matemática, a "outra associação" e que é "politicamente correcta".
Ora quem quer que tenha estudado (e/ou ensinado) Matemática sabe perfeitamente que melhorias destas são estatisticamente impossíveis! Como terão sido obtidas?
O actual Director do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério é um colega meu do IST e competente Professor de Robótica e Controlo. Desconheço-lhe competências em Ciências de Educação e surpreender-me-ia que tivesse conhecimentos por dentro do nosso ensino "K-12", mas não tenho dúvidas de que tem a capacidade matemática necessária para aferir a dificuldade das provas de exame nacionais, antes de serem submetidas aos alunos, de modo a que produzam as estatísticas que se pretendam.

4 comentários:

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

Completamente de acordo consigo nesta matéria.

Recordo-lhe um post do Abrupto, de Novembro do ano passado, em que o Pacheco Pereira publicou um comentário meu e também um seu.

Aqui lhe deixo o link :

http://abrupto.blogspot.com/2008/11/coisas-da-sbado-derrota-no-vejo-sada.html

Aproveito a oportunidade para lhe dar os parabéns pelo seu blog.

Cumprimentos
Jorge Pacheco de Oliveira

maria disse...

Como professora do ensino básico formada na "velha" escola e naufragada neste sistema das ciências da educação, concordo com o que diz e parece que só nos resta esperar que as "modas" cheguem cá. Nessa altura já estarei reformada mas entretanto vou fazendo o que posso para não causar muitos danos.

Anónimo disse...

Uma avaliação de professores baseada nos resultados dos alunos deixa sempre mal os professores dos piores alunos.

Mesmo hoje em dia nas escolas portuguesas os professores que podem escolher preferem as melhores turmas que são muitas vezes autenticas selecções.

Assim é fácil culpar como incompetentes os outros professores que ficam com as outras turmas.

'Brilhante' a Ministra quando aponta que o que interessa é a evolução dos alunos. Pergunto como se evolui uma turma de vintes ?
Portanto se os alunos já eram muito bons o professor é mau, (apenas mantiveram o 20).

Pinto de Sá disse...

Caro Anónimo,
Há métricas para compensar os professores dos maus alunos. Por exemplo, comparar os resultados destes não com as dos outros, mas com os próprios obtidos em anos anteriores, ou com os dos mesmos extractos sociais obtidos noutras escolas ou turmas, ou anos lectivos.
Mas claro que para ter tais métricas se tem de ter exames com grau de dificuldade invariante geográfica e temporalmente.