Hoje o jornal O Público traz um conjunto de artigos elogiosos do alegado sucesso da política do Governo em matéria de promoção de Investigação e Desenvolvimento, incluindo até um Editorial laudatório, sob o lema de "Portugal está a travar a fuga de cérebros".
Sobre o que de concreto se pode encontrar nestes artigos não vale a pena eu escrever porque isso acaba de ser feito, e bem, por David Marçal no Rerum Natura.
Mas ainda assim vale a pena perguntar: para que se tem de alardear que Portugal está a travar a fuga de cérebros, se isso é coisa que não existia?
Noa anos 70 doutoraram-se muitos investigadores no estrangeiro, graças à visonária política de bolsas do INIC de então, e quase todos esses investigadores voltaram, a tempo de promover a grande Reforma que a Universidade conheceu nos anos 80.
Depois, nos anos 80 e boa parte dos 90, houve a grande vaga de doutoramentos nacionais, promovida pelos que se haviam doutorado lá fora, mas como é sabido ficaram quase todos na Universidade.
Até há cerca de 10 anos, "fuga de cérebros" era coisa de que não se falava em Portugal. O "brain drain" era uma coisa de asiáticos e de gregos, que há muito enchem os corpos docentes das Universidades de língua inglesa, mas não acontecia cá.
Porque dizer agora, então, que "Portugal está a travar a fuga de cérebros", a não ser... precisamente porque essa fuga existe?
3 comentários:
«Porque dizer agora, então, que "Portugal está a travar a fuga de cérebros", a não ser... precisamente porque essa fuga existe?»
Fiz exactamente essa pergunta a mim mesmo ao ler o artigo que refere. Empiricamente, o meu conhecimento do que vai sucedendo, resume-se à minha própria família, na geração que me sucede: 4 jovens entre os 26 e os 34 anos, emigrantes, a trabalhar em Barcelona (doutoramento), Manchester, Munique e algures na Eslovénia.
E fazem muito bem em sair. Ficar em Portugal significa levar anos a concorrer a bolsas e ficar sempre em 2º lugar ou nem isso, não receber respostas das 'instituições científicas' (que não têm espaço mas têm laboratórios às moscas) quando se fazem propostas de projectos, ouvir que se é demasiado qualificado para as ofertas de emprego no mercado português, e ao fim de alguns anos (depois dos 35 anos) dizerem que já estamos muito 'velhos' ou com a carreira aniquilada pelo considerável período oficial de inactividade científica. O que mais assusta é que os que ficam são forçados a trabalhar no sector dos serviços a salário mínimo ou quase, porque para se ser empresário é necessário ter património para poder pedir empréstimos à banca. Quem desde a licenciatura vive de bolsas em Portugal dificilmente consegue constituir património para se lançar como empresário. Mesmo para pedir um empréstimo para comprar casa os bolseiros sem fiador ouvem que não têm perfil pois uma bolsa de investigação não é considerada como um contrato de trabalho. Não é com discursos gagos que se vai mudar a situação mas parece que quem governa a ciência em Portugal ainda não percebeu isso. Ou então não quer perceber.
MMR
Cada vez há mais a querem-se governar com a ciência, não é?
O taxo não dá para todos…
A ciência não é neutra e cada vez mais tachista.
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