sábado, março 19, 2011

Nova crónica de Engenheiro sobre o desastre de Fukushima I - 18 Março 2011

Enquanto a batalha de Fuskushima estabiliza, com os sistemas de arrefecimento dos reactores e das piscinas de resíduos a recuperarem pouco a pouco, vale a pena falar um pouco sobre a concepção e funcionamento destas centrais nucleares, essas obras-primas da Ciência e da Engenharia do sec. XX que, desde que existem há já 56 anos, tiveram até hoje 3 acidentes graves: Three Miles Island (EUA, 1979), Chernobyl (URSS, 1986), e agora Fukushima Dachaii.
Convém desde já notar que nem Three Miles Island, nem Fukushima até agora, produziram qualquer morte ou caso de doença aguda (em Three Miles Island nem aguda nem qualquer outra, e em Fukushima ainda não sabemos), e que a radioactividade de Chernobyl terá causado 4 mil mortes estimadas (na verdade, confirmadas foram apenas 56  - apenas 31 admitidas pelo Governo soviético - e o resto é a estimativa da ONU para as mortes a longo prazo por cancro resultante da radioactividade). Porém, ao contrário dos ocidentais incluindo Fukushima, os reactores de Chernobyl não dispunham de um contentor de aço reforçado ele próprio por outro de grosso cimento a envolver o reactor, e que foi por isso que o seu conteúdo, numa quantidade 400 vezes a da bomba de Hiroshima, subiu às nuvens quando o aquecimento fez explodir o seu inoperacional circuito de arrefecimento e a cobertura do edifício e o núcleo ficou a arder durante 10 dias a céu aberto.
Para comparação e como já notara há mais de um ano no meu primeiro post sobre energia nuclear, durante os últimos 50 anos houve vários rebentamentos de barragens hidroeléctricas, dos quais os mais mortíferos foram um na Itália que matou 2 mil pessoas (Vajont, 1963), e outro na China (Banqiao, 1975), que matou... 170 mil (dos quais 26 mil por afogamento mas a maioria pelas epidemias e fome subsequentes)!...
A central de Fukushima Daiichi, a mais antiga do Japão, foi projectada nos anos 60 e os seus 6 reactores montados durante os anos 70. É do tipo que se usou no início da energia nuclear, de "água fervente", de concepção base americana como todas as do Ocidente, neste caso da General Electric - embora a construção seja japonesa, da Toshiba, e o contentor do reactor tenha sido produzido pelo melhor fabricante de aço do Mundo (o melhor ferro usado no fabrico dos transformadores da EFACEC também vem do Japão...). Esse contentor, com 15 cm de espessura, é feito numa peça única e a sua fundição demora meses, só havendo actualmente no Mundo três metalúrgicas capazes de fazerem os dos reactores maiores - na Rússia, na Coreia e no Japão!
O esquema seguinte ilustra o funcionamento básico deste tipo de centrais.

Note-se que o princípio funcional desta geração de centrais nucleares da GE tem sido criticado por alguns especialistas, mas é de notar que desde o início a GE enfrentou a concorrência da Westinghouse, cujas centrais eram de "água pressurizada", o que pode explicar parte dessas críticas. Em todo o caso, é provável que alguma má concepção americana da central tenha sido melhorada pelos construtores japoneses, conhecidos pela qualidade imaculada dos seus produtos industriais.
Uma visita guiada ao reactores de Fukushima ilustrando perfeitamente os respectivos sistemas de arrefecimento e como foram afectados pelo tsunami pode ser feita neste filme da CNN. Vale a pena ver...
Um facto que prova a violência do cataclismo natural que se abateu sobre a central, e que matou pelo menos 17 mil pessoas (mas nenhuma foi morta pelo acidente nuclear, ao contrário do que os media vendidos á ecotopia tentam fazer crer, ao colocarem o número de mortos pelo tsunami em sub-título das notícias sobre o acidente nuclear...) é o que sucedeu noutra central nuclear próxima.
Com efeito, não muito longe desta central (Fukushima Daiichi) existe outra (Fukushima Daini) que também foi vítima do mesmo terramoto e do mesmo tsunami. Ambas as centrais tinham sido concebidas para serem imunes a tsunamis com alturas de onda até 6,5 metros, mas o que chegou desta vez tinha 7 metros de altura, e por isso ambas tiveram os seus serviços auxiliares inundados. Porém, em Daini alguns dos Diesel de emergência não foram afectados, e por isso o pessoal da central conseguiu cumprir os procedimentos previstos e rapidamente arrefecer os reactores que tiveram um "apagão" dos sistemas de arrefecimento semelhante aos de Fukushima Daiichi.
Foi realmente preciso um tsunami gigantesco após um terramoto cataclísmico para que uma das centrais nucleares avariasse gravemente. Mas é possível (não me arrisco a dizer "provável", por enquanto), que este acidente acabe tão inócuo para as populações como o de Three Miles Island, e não como o de Chernobyl, ao contrário do que os ecotópicos tanto desejam...
Entretanto e quanto à famosa "nuvem radioactiva" que terá atingido os EUA, segundo a propaganda ecotópica, relembro a escala de perigosidade da radioactividade estabelecida pela experiência médica. Ah, os 400 mSv medidos em Fukushima a 14/03 foram-no episodicamente no interior da central, mas à sua periferia só chegaram 11 mSv e não havia pessoal lá dentro, na altura...

8 comentários:

Unknown disse...

Ola professor,

Ao que parece o controlo da situação parece melhor. Embora ainda dificil, acredito que os problemas serão ultrupassados rapidamente.

Considerando que o arrefecimento está a ser feito (ou foi feito) maioritariamente com água do mar quais os efeitos corrosivos do sal presente na água do mar nos "involocros" que protegem o material radioactivo (tanto o reactor como nas "spent fuel pools")?

Mais uma vez obrigado pela informação disponivel.

Atenciosamente,
Andre

Pinto de Sá disse...

Ainda há um problema difícil por resolver no reactor nº 2, sobre o qual hei-de escrever.
A água salgada sobre o "combustível" não tem efeito especial, mas tem sobre o reactor e sobre a tubagem: corroi-os, por causa do sal (cloreto de sódio). Ou seja, o reactor "vai para o galheiro", mas de qualque modo já ia, com o que aconteceu - ele e mais 2 reactores, e talvez a central precise de ser toda reconstruída; já viu as fotos dos edifícios e da Subestação á volta? Está tudo destruído... mas pelo tsunami, principalmente!

Lura do Grilo disse...

A Central foi dimensionada para resistir a um sismo de grau 8 e sofreu um de grau 9 (10 vezes mais grave) e mais de 80 réplicas, algumas de grau superior a 6.

É notável portanto o desempenho em termos de engenharia desta central.

Anónimo disse...

Segundo já li as barragens parece poderem ter ainda um perigo adicional, o de desencadearem sismos.
Um dos exemplos dados é o recente sismo de Sichuan (China).
Para um ignorante na matéria, como eu, a teoria parece ter pernas para andar. O volume de água armazenada poderá exercer alguma pressão nas placas levando estas a deslocarem-se e, com isso, a provocarem um sismo.

Anónimo disse...

Pena é que somente o Eng Carlos Pimenta seja convidado para comentar com o Prof. Marcelo este assunto, logo ele, um dos rostos visiveis da Industria Ambiental que estende os seus laços a uma produção de energia altamnete subsidiada e travão da prosperidade...

Anónimo disse...

Eu acho grande piada a dizerem que os ecotópicos é que inventam as notícias.

Só uma mente deturpada pode sequer considerar que é positivo um desastre nuclear para vender o seu produto.

Eu meu entender quem está com as calças na mão são os defensores da nuclear. Até vão buscar acidentes com barragens para tentar desculpar os acidentes.

Pelos vistos os ecotópicos e os nucleartópicos regem-se pelas mesmas bases lamentáveis.

Luis Aleixo disse...

Há alguns pontos nos seus posts que me deixam um pouco reticente porque, na minha opinião, está a comparar coisas que se reflectem de modo diferente no tempo, nomeadamente os efeitos de um desastre com uma central hidroeléctrica com o desastre de uma central nuclear.
Um desastre de uma central hidroeléctrica é algo extremamente destrutivo (um tsunami em versão reduzida ao longo do rio?) que com certeza mata muitas pessoas e destroi toda a área envolvente do rio mas é algo pontual, aconteceu, passou e permite a reconstrucão e o regresso da vida naturalmente algum tempo após o seu acontecimento.
Um desastre nuclear como o de uma central nuclear como Fukushima (para não falar de Chernobyl), apesar de possivelmente não causar tantos mortos no momento, é algo que para se apurarem completemente os seus efeitos necessita de ser acompanhado durante vários anos, através das taxas de mortalidade dos trabalhadores da central e populacões circundantes e onde é necessário também acrescentar as consequências sobre as geracões seguintes (malformacões e doencas sobre as criancas - ver consequências da radiacão sobre os trabalhadores/populacões/criancas de Chernobyl e das populacões japonesas expostas às radiacões das bombas atómicas da II Guerra Mundial) e sobre todo o ambiente circundante que tem que ser abandonado (devido à radioactividade no ar e sobretudo no solo). Um bom exemplo é o número que deu das vitimas de Chernobyl, que apesar de serem reportadas como sendo uns poucos milhares, esse número peca largamente por defeito, não incluindo os que ficaram vivos mas com mazelas incuraveis para o resto da vida.

Pinto de Sá disse...

Caro Luís Aleixo,
Estou a preparar um post sobre as suas questões.
Tem razão quanto às mazelas nos sobreviventes de Chernobyl, mas sobre isso vou apresentar os números ds ONU, baseados em 20 anos de acompanhamento da situação depois do desastre.
No entanto, a minha perspectiva é que Chernobyl era um péssimo projecto, e que se pode melhorar de forma a evitar a sua repetição. Até mesmo em Fukushima, apesar de ser uma central com 40 anos e de ter sido sujeita ao cataclismo que foi, isso já não se repetiu.
Mas pode-se melhorar muito, de modo a reduzir a quase zero o risco.
Tal como com as centrais hidroeléctricas e com os aviões: não os deixamos de fazer por causa de acidentes ocorridos. Aprendemos com eles e melhoramos. A Engenharia é assim que progride!...