Quando, há 15 dias, chegaram as primeiras notícias do terramoto e do tsunami no Japão, que falavam em menos de mil mortos e mostravam os edifícios de Tóquio a abanarem com a população perfeitamente calma, dei-as por conclusivas e notei que se tratava do ultimate teste à capacidade das centrais nucleares suportarem sismos.
Rapidamente, porém, me dei conta de que me precipitara e que estupidamente ignorara as experiências anteriores: o retrato do que se passava no Japão ainda ia no início, e as dimensões do desastre só pouco a pouco se iriam revelar - e vim aqui imediatamente reconhecer o meu erro.
Os ecotópicos, entretanto, parece que tomaram a minha nota de que isto era um teste à capacidade anti-sísmica das centrais nucleares como desafio à sua ecotopia e passaram a não falar doutra coisa, chegando ao ponto de no jornal "O Público", por exemplo, sistematicamente darem notícia do número de mortos pelo desastre natural em sub-título das notícias sobre Fukushima, como se esses mortos resultassem das avarias nesta central e não do tsunami!...
Outros jornalistas ("Expresso", suplemento económico) ironizaram este sábado sobre as afirmações que um responsável da TEPCO (a "EDP" proprietária de Fukushima) teria feito sobre a absoluta segurança desta central, e deram nota semanal baixa às afirmações desdramatizantes de Pedro Sampaio Nunes, acabando mesmo o "Expresso" por, a despropósito, publicar como notícia a informação de que, segundo o Eurostat, o preço da nossa electricidade para os consumidores domésticos estaria abaixo da média europeia graças à aposta nas renováveis - desinformação que começo por esclarecer com o quadro seguinte tirado dos últimos dados publicados pelo Eurostat, precisamente:
Neste quadro, as "outras taxas" são custos da energia com outro nome, como se sabe bem por cá (os famosos CIEG, CMEC, CAE, etc), e vale a pena é olhar para a componente rosa superior, o IVA. No preço total, é verdade que Portugal (PT) estava em 2010 com preços inferiores aos da média europeia (15,8 ç/kWh versus 16,7), mas também é patente que isso se deve a um IVA português de apenas 6%, quando a média europeia é de 15 a 16%! Sem IVA, a nossa electricidade doméstica é mais cara que essa média europeia e custa o mesmo que a espanhola. Na verdade, o Governo subsidia o preço da electricidade com este IVA especial (só o Reino Unido faz algo parecido), mas veremos se a dívida pública permitirá manter isso no futuro...
Esta nota sobre o preço da electricidade foi um pequeno desvio (e nem falei do défice tarifário...) ao tema que me traz aqui hoje, e que é o da forma como os ecotópicos falam de Fukushima. Resumamos, então, os factos já conhecidos sobre o sismo japonês.
O terramoto, de grau 9, tão intenso como o que destruiu Lisboa (e muitas povoações algarvias) em 1755, segundo a OMS danificou 1700 estradas (fechando muitas delas), destruiu uma barragem (Fujinuma, matando 12 pessoas) e abriu fendas em mais 7, derrubou mais de 50 pontes e muitas torres de electricidade e de comunicações, deixando sem energia nem água milhões de pessoas. No entanto, a esmagadora maioria dos edifícios resistiu sem danos de maior, incluindo todas as centrais nucleares.
O Japão demonstrou brilhantemente ser possível ter uma construção civil resistente aos maiores sismos que se possam esperar! E a nossa, resistirá ao inevitável próximo grande terramoto?
O que o Japão subestimou foram os tsunamis!
Sendo um país de ilhas vulcânicas e montanhoso, 40% da população vive na orla costeira e, por isso, o Japão construiu ao longo do tempo barreiras e defesas contra tsunamis, sendo consensual que dispõe do sistema mais avançado do mundo nessa matéria.
Mas o tsunami que chegou à costa entre meia a uma hora depois do terramoto foi muito superior ao que se havia previsto nessas defesas. Sabe-se agora que, por exemplo e no que respeita à central nuclear de Fukushima, esta fora projectada (há 50 anos) para tsunamis com 6 metros de altura e que os serviços auxiliares (geradores Diesel e circuitos eléctricos associados) estavam 10 metros acima do nível do mar, mas que o tsunami que atingiu a central teve... 13 metros de altura!
Porém, para o Japão, muito mais importantes que os danos na Central eléctrica foram os outros danos: mais de 27 mil mortos, até agora, e uma indescritível destruição de toda a orla costeira! Em certas zonas o mar penetrou até 10 km da costa, e estima-se que pelo menos 8% dos arrosais japoneses precisem de um ano para se lhes retirar o sal depositado pelo mar e recomeçarem a produzir!
E nós, Portugal, que defesas previmos para o tsunami que há-de acompanhar o grande terramoto que um dia havemos de ter? Estima-se que o tsunami de 1755 tenha atingido 20 metros de altura...
E, no entanto, aos ecotópicos a única coisa que interessa aprender sobre este terramoto japonês é o "falhanço" da central nuclear de Fukushima-Dachaii!
É claro que houve falhas na central nuclear! Antes de mais a falta de previsão de um tsunami desta envergadura mas que, como é óbvio, não foi um erro de concepção específico da central - foi um erro sistemático de todo o Japão, pago bem caro com a mortandade e a demais destruição que se constata!
A central, como todas as outras no Japão, resistiu na perfeição ao sismo e ao "apagão" geral resultante da destruição da rede eléctrica. Introduziu de imediato as barras moderadoras nos reactores, desligando-os, e os Diesel da central iniciaram automaticamente e conforme foram projectados a tarefa para que foram previstos, a de alimentarem as bombas de circulação de água para o arrefecimento de reactores e piscinas de resíduos. Até que, uma hora depois do terramoto, chegou o tsunami e destruiu tudo o que estava no piso inferior da central, ou seja, os Diesel e os circuitos eléctricos associados.
Houve outros erros de concepção ou operação e lições a tirar?
Quanto aos procedimentos de operação realizados pelas equipas da central e as autoridades, não há nenhuma razão para pensar que não tenham trabalhado, até agora, na perfeição. Não seria de esperar outra coisa do Japão, que faz os produtos industriais de melhor qualidade do Mundo e que tem uma cultura em que a honra e o sentido de dever são únicos! Aliás, é de fazerem rir os temores relativos aos produtos alimentares e ao shushi importados do Japão, como se fosse sequer imaginável que aquele país exportasse alguma coisa contendo riscos para a saúde própria ou alheia! E, a propósito, recordo a campanha que em 2010 se fez nos EUA contra a Toyota, por supostamente haver bugs no computador de controlo dos motores que alegadamente teriam levado um número de automóveis a acelararem inopinadamente, causando acidentes - as investigações posteriores pelas autoridades americanas provaram que não havia bugs nenhuns e que em metade dos casos o que sucedera era que os condutores tinham confundido o pedal do acelerador com o do travão (nos carros americanos não há pedal de embraiagem e os outros dois são grandes)...
Quanto a erros de concepção da central, sim, há lições a tirar.
Em primeiro lugar o facto do arrefecimento dos reactores precisar de energia eléctrica - coisa, precisamente, que os sistemas de segurança passiva dos modernos reactores de III geração já não têm, III geração de que por sinal o Japão foi o primeiro país a ter uma central, em 1996.
Em segundo lugar o sistema de armazenamento em piscinas dos resíduos, e que se mostra com isto serem bem mais arriscados que o armazenamento em cascos secos, como se faz na Europa (vejam-se as fotos que postei aqui).
Em terceiro lugar o toro de injecção de água de arrefecimento, adicionado à concepção inicial deste reactor da GE, um ponto fraco no confinamento dos reactores e que com grande probabilidade terá sido fendido no reactor nº 3, dando azo a fugas de água radioactiva, na sequência da explosão do hidrogénio que, nesse reactor, terá ocorrido dentro desse toro e não nas condutas de escoamento.
Em quarto lugar, a imprevisão da susceptibilidade à explosão da mistura de hidrogénio decorrente da fusão do revestimento de zircónio das barras de urânio em contacto com a água de arrefecimento, explosão que estará na causa dos aparentes danos graves do toro mencionado atrás.
E, em quinto lugar, a tecnologia de água fervente do reactor, em que a água banha directamente as barras de urânio do reactor.
Todos estes erros de concepção já eram conhecidos e não existem nas modernas centrais nucleares de III geração.
E é por isso que, ao contrário do que diz por exemplo o jornalista Pedro Lima do "Expresso" do último sábado, não se verifica nenhum "movimento um pouco por todo o mundo" de questionamento da energia nuclear.
Houve moratórias, por curto tempo, na Alemanha e na Itália. Mas nos EUA nada parou na construção das novas centrais, e na China o presidente do comité da Ciência e Tecnologia, Pan Ziqiang, fez o ponto na passada sexta-feira: "From a safety perspective, up to now China has never had an incident higher than level 2. From the 1950s when development began, there hasn't been a single death caused by radiation -- not one -- and there hasn't been a single fatal disease (caused by radiation). Of course, there have been skin burns, and 10 people were killed in a work accident in 2007, but this is very far from the amount of deaths from China's coal industry." E para rematar: "We need to adopt stricter management and strengthen the safety culture and our monitoring (but) I think we should accept nuclear development".
7 comentários:
Cada vez é mais dificil ter informações objectivas dos meios de comunicação tradicionais.
Estão muito presos ao politicamento correcto e a lóbis de interesse.
Ainda bem que vão existindo estes "blogs"!
Pois, mas das explosões de bombas nucleares no mar, já ninguém fala. A deste vídeo não deverá ter muitas décadas (talvez finais dos anos 60):
http://www.youtube.com/watch?v=A2dHPc6tSIs&feature=related
Imagino a radioactividade do oceano na zona...
Boa noite.
Só queria fazer um reparo que nada interfere com a noticia principal.
O que aconteceu com o caso dos carros da Toyota foi mesmo um erro por parte da marca que rapidamente o detectou e corrigiu. Esse erro esteve relacionado com o pedal do acelerador que ficava preso após o carro andar em superfícies com alguma poeira. Quando o condutor carregava no acelerador ele ficava preso, porque a mola que o faz retomar a posição inicial não tinha força suficiente devido a poeira acumulada. A correcção desse erro foi simples, bastou acrescentar um pedaço de metal de forma a comprimir mais a mola e esta fazer uma maior força.
Quanto ao resto da notícia concordo em todos os pontos.
Cumprimentos
Pedro Pintado
Caro P. Pintado:
Realmente o caso dos aceleradores da Toyota foi como descreve, o que revela um certo descuido no projecto (os isolantes - foles, etc. - dos cabos dos aceleradores não estavam bem concebidos, e deixavam entrar sujidade, e a centralina ficava também baralhada por outros motivos.. O que não me parece solução é esse «acrescento de um pedaço de metal». A forma mais óbvia de corrigir a tensão da mola seria a de a substituir por uma outra mais forte.
Cumprimentos.
Boa noite.
Sim também concordaria com essa opção, mas caso não se pensasse nos custos. Introduzir o pedaço de metal numa mola com cerca de 4cm é o suficiente para resolver o problema ou substituir por uma mola mais rija. Ambas são solução, então a marca teve de ir pela opção mais barata. A introdução de uma nova mola faria com que as molas antigas deixassem de ter uso. Tinha de envolver um novo estudo sobre essa mola...
Todas as semanas sou ensinado por um dos melhores profissionais da Europa do serviço pós-venda da Toyota (ou S. Caetano), por isso é que sei o que realmente se passou.
Cumprimentos.
Um resenha, que não confirmei, das reacções de vários países europeus sobre as centrais nucleares: apenas alguma prudência que o bom senso recomenda.
http://spectrum.ieee.org/tech-talk/energy/nuclear/fukushimas-impact-on-nuclear-power/?utm_source=techalert&utm_medium=email&utm_campaign=032411
A explicação mais clara, que econtrei até à data, sobre os eventos que têm ocorrido em Fukushima:
https://docs.google.com/present/view?id=dg4hcz37_289dr9g62f6
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