sábado, março 12, 2011

O "teste" sísmico japonês à segurança das centrais eléctricas

Ontem ocorreu um sismo no Japão de grau 8.9 na escala de Richter. A ilha de Honshu deslocou-se mais de 2 metros, e um tsunami (uma palavra japonesa...) de 10 metros de altura varreu a costa nordeste, causando a maioria dos cerca de mil mortos registados.
O sismo que recentemente matou centenas de milhar de pessoas no Haiti foi bastante mais fraco (7.2), mas o que em 1755 devastou Lisboa e o Sul de Portugal teve uma intensidade semelhante (8.6 na escala de Richter - ver a figura ao lado para comparação).
Com o sismo actual, o eixo do planeta deslocou-se 10 cm e o período de rotação da Terra reduziu-se em 1.6 micro-segundos. Foi um fenómeno de tal energia que também chegaram tsunamis à costa americana, causando pelo menos um morto, a milhares de km de distância!

O Japão é um país extraordinariamente civilizado e em que os sismos (há em média um, fraquinho, a cada 5 minutos) são bem estudados e as normas de projecto das construções são rigorosas. Além disso a corrupção é reduzida e o povo altamente educado e cívico (até andam de máscara quando se constipam, para não contagiarem as outras pessoas). Mas, apesar disso tudo estar bem patente na diferença de mortalidade entre o que acabou de acontecer lá e o morticínio do Haiti, o Homem continua a ser mortal e a Natureza cataclísmica.

A destruição industrial causada pelo sismo de ontem foi tal que a cotação do barril de petróleo caiu imediatamente 3 dólares. Há uma refinaria perto de Tóquio e um complexo petroquímico em Sendai a arderem, falhas generalizadas de electricidade e de tele-comunicações, e... centrais eléctricas gravemente danificadas!
Entre as centrais danificadas, pouco se sabe ainda sobre a hidroeléctrica das montanhas da ilha de Honsu cuja barragem rebentou e que, na enxurrada resultante, arrastou "várias" casas. Mas o Japão só tem pequenas hidroeléctricas de montanha, e cerca de 1/3 da sua electricidade é produzida por... 54 reactores nucleares! E mais 2 em construção e mais 12 planeados...
Temos assim que, portanto, as centrais nucleares do Japão acabam de ser submetidas ao ultimate teste sísmico! As centrais nucleares e as hidroeléctricas, embora estas sejam lá pouco expressivas...
Ora as últimas notícias nos media parecem indicar que o pior acidente que pode suceder num reactor nuclear, o da explosão do circuito de água pressurizada que modera a intensidade da cisão nuclear e que transfere o calor gerado para as turbinas geradoras, poderá ter acontecido há poucas horas num dos reactores da central de Fukushima I.

Como expliquei resumidamente aqui, é a água que modera a cisão nuclear em cadeia num reactor normal, desacelerando os neutrões que cindem os núcleos dos átomos de urânio 235. Modera-a, absorvendo a respectiva energia e aquecendo, e é esse calor que é depois levado, a alta pressão e temperatura, para o circuito de aquecimento da água das turbinas geradoras.
Se essa água deixar de circular, ou se se reduzir devido a uma fuga, a sua temperatura sobe até que a respectiva pressão rebenta com a canalização que a contém, e em geral com isso também danifica o reactor, expondo o respectivo conteúdo e misturando-o com o vapor de água libertado. Daí resultam as nuvens de vapor radioactivo que, em Chernobyl e segundo algumas notícias também agora em Fukushima I, se soltam para a atmosfera se se puderem escapar do edifício que contém o reactor - o que é mais provável se o próprio rebentamento das canalizações de água pressurizada destruir a cúpula desse edifício.

Os media estão atentíssimos ao que se está a passar, e já ouvi notícias dando conta de que a cúpula do edifício de Fukushima I teria mesmo rebentado, como em Chernobyl! Porém, a TEPCO (a EDP lá do sítio) está a publicar hora a hora comunicados sobre a situação e não confirma nada disso! Com efeito, o último comunicado, publicado há minutos, informa já estar tudo sob controlo!
Sim, o sistema de circulação da água pressurizada avariou, assim como os 12 geradores Diesel de emergência (Raquel: preste atenção aos Diesel para a sua Tese!), mas o único reactor em que uma das barras de grafite que controlam o reactor (absorvendo os neutrões) não era certo já estar no sítio certo 2 horas atrás era o nº 1 (daí para cá o assunto já foi resolvido). E, entretanto, com água extra a ser injectada para manter a temperatura e a reacção sob controlo!

Ora este detalhe técnico (o reactor nº 1 de Fukushima I) que aqui menciono não é irrelevante; é que é precisamente o reactor mais antigo dos 54 que o Japão tem, construído há já 40 anos (1971), antes do incidente de Three Mile Islands e o acidente de Chernobyl terem levado a rever todo o projecto das centrais nucleares subsequentes!
Como explico no texto que escrevi em 2009, foi para garantir o controlo destas situações que se evoluiu para a III geração de centrais nucleares, as que agora se fabricam, e que , entre outras medidas extremas de segurança, têm o reactor contido numa dupla casamata à prova de fusão do mesmo!
Vamos ver atentamente como evolui a situação.
Até ao momento a TEPCO dá conta de alguns trabalhadores feridos e um provavelmente morto durante os trabalhos de emergência em curso em Fukushima I, mas nenhum por radioactividade.
Entretanto, continua a não se saber o número de mortos causados pelo rebentamento da barragem da central hidroeléctrica, e que não parece interessar os media... mas que me deixa a pensar: e se, num terramoto semelhante por cá, rebentassem alguma ou algumas das novas hidroeléctricas dos afluentes do Douro, que aconteceria ao Porto?

11 comentários:

Lura do Grilo disse...

De facto o que Prof aqui realça é importante: uma extraordinário e gigantesco teste real das centrais nucleares num evento quase apocalíptico.

Se esta central passar o teste é a prova de fogo do caminho a seguir: mais centrais até as de fusão poderem um dia cumprir o que os físicos nos prometiam.

Ressalta também a imensa qualidade da construção anti-sísmica que comparativamente à da China, no recente grande terramoto, mostra a superioridade de uma democracia baseada no capitalismo, conduzida por gente honesta, trabalhadora e pouco corrupta.

Sobre o número de mortos importa realçar as centenas de mortos do rebentamento de represas nas inundações do Paquistão. Alguns rebentamento foram artificiais e escolhidas a dedo para arrasar aldeias cristãs.

Anónimo disse...

Antes cair uma eólica do que ser afectado pela radiação de uma central nuclear...

Pinto de Sá disse...

Caro Anónimo: para a comparação ser justa, deveria antes dizer - "antes rebentar uma barragem que ser afectado pela radiação de uma central nuclear"...
É uma questão de escolha sua.
Eu prefiro a boa engenharia que garante que nem uma coisa nem outra!

Anónimo disse...

De facto o Japão é um país à parte.

Em 1923 morreram mais de 100.000 pessoas num terramoto que atingiu Tokio. 72 anos mais tarde em Kobe as faltalidades foram 6000. E agora, mesmo com um terramoto de 8,9 na escala de Richter, a previsão de mortos parece ser inferior a 2000.

Isto de demonstra a tenacidade de um povo e a sua dedicação à Engenharia e à Tecnologia como impulsionadoras de riqueza e de melhoria do nível de vida. E até de salvar vidas como foi patente neste caso. O terramoto que abalou o Haiti matou mais de 230.000 pessoas mediu 7,1 na escala de Richter. Ou seja, foi cerca de 100 vezes inferior (para quem não saiba a escala de Richter é logaritmica) ao do Japão.

Se fosse cá penso que mais de metade dos edificios (e todos os mais altos) teriam caído graças à atitude "pato bravo" que domina a construção civil em Portugal. E outros sectores do país também o que se traduz na questão aflitiva de dívida que vivemos.

O problema do Japão vai ser a recuperação do país já que o nível de endividamento do Estado é o mais assustador do mundo desenvolvido (+/- 200% do PIB - para termos uma noção o de Portugal é de +/-110% do PIB (obviamente com a contribuição das empresas públicas)).

Quanto à central nuclear acho que ainda é cedo para se saber o que se passa. A história demonstra que as primeiras informações normalmente não são fiáveis (os responsáveis tendem a minimizar os incidentes menos os mais importantes - foi assim em Chernobyl e Three Mile Island). Esperemos...

De qualquer forma concordo com o autor do Blog. Se me derem a escolher entre morrer devido à destruição de uma barragem ou de uma central nuclear eu prefiro não morrer. Daí que apoie a Engenharia face à "pato bravisse" e corrupção endémica de "boys de partidos" e "facilitadores" de negócios.

Unknown disse...

De facto este foi o teste derradeiro à segurança nas centrais nucleares!

Li atentamente o seu post, e vários artigos espalhados pela internet e tenho umas duvidas que espero que o Prof. me possa esclarecer:

- se o nucleo do reactor não foi afectado pela explosão, como noticia o publico(embora numa noticia com titulo sensacionalista), por foram detectados niveis de radiação superiores ao habitual nas proximidades da central?
- Estas centrais estão equipadas de forma a ser possivel libertar parte do conteudo do circuito hidraulico, junto com radiação, para a atmosfera?

Se sim, se assumindo que foi isso que foi feito, como rebentou então a central? (e o que terá rebentado ao certo?)

Obrigado desde já

Anónimo disse...

"Ja esta tudo sobre controlo!"

O ACIDENTE NUCLEAR em curso esta a ocorrer na central nuclear Fukushima 1:
- 6 reactores, a hora do sismo 3 estavam desligados para manutencao. Reactores 1, 2 e 3 em operacao. E desconhecido de moento a que nivel de capacidade estavam em operacao.
- os 3 reactores foram desligados com sucesso imediatamente quando o sismo afectou a central
- no entanto mesmo apos se desligar o reactor, ha calor residual que continua a ser produzido pelos sub-produtos altamente radioactivos da fissao nuclear do uranio que contiam a reagir. Esta reaccao residual demora DIAS a terminar, pelo que e necessario manter a refrigerao do reactor mesmo apos este ser desligado.
- a central no entanto foi construida nos anos 70, o sistema de refrigerao do reactor esta dependente da circulacao de agua, nesta central em particular, agua doce.
- com o reactor desactivado e a rede electrica em baixo devido ao sismo, a central recorreu ao sistema secundario de bombeamento atraves de bombas de agua a diesel, estas terao entrado em funcionamento automaticamente se bem que esta informacao nao foi verificada convenientemente terao depois falhado uma hora apos comecarem a funcionar. Mais uma e especulativo mas diz-se que esta falha tera sido resultado do Tsunami que afectou a regiao pouco depois do sismo inicial.
- a central tem um terceiro sistema de redundancia que sao bateris electricas capazes de manter as bombas em funcionamento cerca de 4 horas.
- no entanto este sistema de bombeamento revelou-se insuficiente no controlo da temperatura da sala do reactor. Mais uma vez ha aqui especulacao mas os especialistas consultados pela BBC indicam que a causa mais provavel sao estragos a propria canalizacao que leva a agua para o reactor.
- com falta de agua fria no sistema, a gua no reactor comecou a entrar em ebulicao criando vapor de agua, aumentando a pressao dentro do reactor e reduzindo o nivel da agua liquida refrigerante com risco de exposicao das barras de combustivel.
- esta manha observou-se uma violenta explosao do edificio exterior que envolve o reactor 1. os especialistas consultados indicam que esta se tera dado quando hidrogenio juntamente com vapor de agua radioactivamente contaminado proveniente do reactor escapou do reactor para o espaco entre este e o edificio exterior, em contacto com oxigenio e uma pequena faisca, finalmente explodiu.
- e incerto ainda da quantidade de material e natureza de material radioactivo libertado, a informacao existente e contraditoria, mas fontes junto da companhia que gere a central e da agencia nuclear japonesa indicam que cesio 137 tera sido detectado junto aos portoes da central. Uma vez que ainda ha gente a trabalhar no local so se pode presumir e esperar que a fuga foi pequena e essencialmente de materiais de curta meia-vida.
- a forma mais provavel de hidrogenio ser formado no interior do reactor, e quando as barras de combustivel ficam expostas ao ar reagem sob alta temperatura com o vapor de agua gerando dioxido de zirconio e hidrogenio (a semelhanca do que se passou em 3 Mile Island, uma central com o mesmo tipo de reactor) - isto significa que na pratica ja houve uma falha gravissima de refrigeracao no reactor 1 com exposicao do combustivel e com os primeiros estadios de fusao das barras de combustivel nuclear atingidos - esta situacao so por si gera ainda mais calor, altera e altera a estrutura fisica das barras de combustivel fazendo com que as trocas de calor com a gua sejam menos eficientes.
- as autoridades tem estado a fazer purgas controladas de vapor de agua entretanto gerado no reactor com vista re duzir a pressao no interior do mesmo e manter a integridade fisica do sarcofago que impede os elementos radioactivos de se escaparem para o ambiente e reduz temporariamente a temperatura.
- a meio desta tarde no entanto tornou-se obvio que ha serios problemas em obter liquido refrigerante em quantidade adequada para o reactor, leia-se agua doce, e as autiridades decidiram comecar a bombear agua do mar para compensar a falta.

Francisco Domingues disse...

Caro Prof.,
Embora seja pró renováveis por formação e convicção (não fundamentalista, claro!), não deixo de apreciar o seu mais uma vez excelente texto. Formativo e informativo! Também já aqui defendi que Portugal só teria a ganhar com uma ou mais centrais nucleares, pelo menos uma junto à de Almaraz espanhola: teríamos apenas benenefícios! Então, se construída com estas técnicas japonesas...
Realmente a tecnologia parece fazer milagres: sismo daquela magnitude apenas criar problemas - oxalá que se confirmem, poucos! - numa das 54 centrais japonesas, é fantástico! É certamente um exemplo para o mundo, mormente para Portugal. Que político o apreciará devidamente? Realmente não se percebe porque é que o Mexia da EDP e o PM parecem ver o nuclear como tabu e apenas olham para a água!...

Francisco Domingues disse...

Caro Prof.,
Desculpe o atrevimento! Reli o seu extenso texto escrito, aqui, sobre o nuclear, em 07/Jan/2010. A minha pergunta é: como convencer os nossos políticos de que com o nuclear só temos a ganhar já que se houver uma catástrofe numa qualquer parte do globo que nos é próximo, seremos forçosamente, e com bastante probabilidade, atingidos pelas radiações? E que não é pelo facto de não termos o nuclear que estamos a salvo? De outra forma: como convencer os economistas que influenciam o governo a convencer este de que o nuclear é o caminho, pelo menos, ao mesmo tempo que se aposta nas barragens? É que isto de escrever ou manifestar-se e não passar à acção nada adianta! (Veja-se a manif. de ontem, dizendo os jovens que querem empregos mas sem meterem as mãos na massa à procura deles nem apresentando soluções para que haja mais empresas competitivas suas criadoras! Inútil!)

Anónimo disse...

Leio sempre com muita atenção e interesse os posts do seu blog.
Tenho no entanto que me rir com alguns comentários que aqui leio. Aparecem por aqui pessoas que se julgam donas da verdade e da razão.
Como exemplo dou o primeiro comentário em que o comentador diz: "Alguns rebentamento foram artificiais e escolhidas a dedo para arrasar aldeias cristãs.".
Não donde veio este tipo de informação, nunca ouvi falar de tal coisa em nenhum orgão de informação e é preciso realçar que se isto fosse verdade seria divulgado. Para além disso um povo desesperado e pobre não tem tempo para agir com malvadez, mesmo que exista sectarismo religioso.

Unknown disse...

Anónimo escreveu:

"Se fosse cá penso que mais de metade dos edificios (e todos os mais altos) teriam caído"

Li que o LNEC fez um estudo que conclíu que se o terramoto de Lisboa se repetisse na actualidade, um virgula tal por cento dos edifícios ruiam e morreriam 10.000 pessoas.

No sismo de 28 de Fevereiro de 1969, em Lisboa, Algarve, etc. que teve uma intensidade de 7,3, escala de Richter que me lembre não ruiu nenhum prédio e creio que só houve um morto no Algarve por lhe ter caído um muro em cima.
A título de comparação o do Haiti foi de 7,0 (escala logaritmica!) e causou 250.000 mortos e cidades em ruínas.

Isto não é assim tão mau...

O problema com grandes sismos cá em Portugal será porventura com as barragens que poderão não aguentar.

Lura do Grilo disse...

"Tenho no entanto que me rir com alguns comentários que aqui leio."

Pois não devia rir: é coisa séria.

"nunca ouvi falar de tal coisa em nenhum orgão de informação e é preciso realçar que se isto fosse verdade seria divulgado."

É muito inocente! Então leia aqui:

http://mychristianblood.blogspirit.com/archive/2010/09/03/pakistan-4-more-christian-villages-deliberately-flooded.html

(377 mortos) e ainda aqui no último parágrafo:

http://www.persecution.org/2010/09/06/christians-and-minorities-confront-discrimination-in-flood-ravaged-pakistan/

"Para além disso um povo desesperado e pobre não tem tempo para agir com malvadez, mesmo que exista sectarismo religioso." Não pois não?

Então leia aqui:

http://www.news24.com/World/News/Pakistan-Christians-denied-aid-20100826

e ainda aqui:

http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/pakistan/7968046/Pakistan-relief-organisations-discriminating-against-Christian-flood-victims.html

Durma bem