quarta-feira, abril 13, 2011

A TEPCO e Fukushima

Faz cerca 30 anos que apareceram os primeiros microprocessadores de 16 bit da Intel e Motorola (os anteriores, de 8 bit, tinham aparecido meia dúzia de anos antes). No entanto, estes chips eram rudimentares, quando comparados com o que se faz hoje: operavam a 8 Mhz e só faziam contas em vírgula fixa, embora já tivessem a multiplicação em firmware. Insuficiente para os algoritmos que desde o início dos anos 70 vinham a ser propostos para a realização digital das funções de protecção e controlo em instalações de energia eléctrica...
No entanto, enquanto nos EUA e Europa se estudavam formas de simplificar os algoritmos, o que se confrontava com a perda de eficácia que isso acarretava, havia uma empresa de electricidade que fazia experiências em instalações reais: a TEPCO. Na realidade, houve mais que uma empresa, mas as outras (a EDF francesa e a AEP americana) só experimentaram protótipos avulsos, ao passo que a TEPCO digitalizava completamente a protecção e controlo de Subestações, e por isso é desde já há 30 anos que a conheço e admiro. Nessa época, o Japão instalara já tantos km de fibra óptica como todo o resto do mundo junto...
Como conseguia a TEPCO obter a performance computacional necessária aquilo que realizava? Usando não esses novos microprocessadores de electrónica MOS, mas outros muito mais caros e menos integrados mas potentes, os "bit slice" da INTEL. E isso enchia-me de admiração: o Japão, com a TEPCO, não se poupava a despesas e trabalhos para ganhar experiência industrial nestas novas tecnologias, enquanto no Ocidente se andava só pelas teorias ou pelos protótipos de laboratório! Isto mostrava uma firme intenção estratégica de ajudar a indústria exportadora japonesa a ganhar experiência em casa (Hitachi e Toshiba, sobretudo), de modo a manter a supremacia que o Japão cultivava então na indústria em geral, e que só na Alemanha encontrava algum paralelo. Coisas de países que lideram indústrias...
Os japoneses também apareciam nas conferências onde estas investigações eram apresentadas. Mas, enquanto os autores dos papers ocidentais eram geralmente dois ou três (o doutorando, o orientador e eventualmente o subsidiador), os papers japoneses eram assinados por equipas de uma dezena ou mais de autores! E toda a assistência americana os escutava reverencialmente - não tanto pelo brilho das ideias, mas pela capacidade de realização industrial que demonstravam!
Por sinal o Japão nunca chegou a liderar a indústria mundial destes equipamentos digitais, que acabaram por se impor comercialmente apenas nos anos 90 (e de que tenho o orgulho de ter sido quem o fez em Portugal, para a indústria nacional). E nunca liderou nem lidera por que há um ramo em que os japoneses se têm mostrado fracos: no software. Costumizar software alheio ainda fazem, mas criar novo, não é grande vocação sua, por razões que eu considero explicadas no filme "Merry Christmas, Mr. Lawrence"...
Este espírito industrialmente inovador mas pragmático da TEPCO também se verifica na aposta que fez na energia nuclear. Note-se que, tendo o Japão sido o único país que sofreu na pele uma amostra de guerra nuclear, e havendo por isso lá um forte sentimento pacifista (típico de países agressivos que levaram uma sova, como também sucede com a Alemanha), apesar disso o Japão tornou-se um líder no fabrico de componentes da indústria nuclear, nomeadamente no contentor de aço dos reactores. Concepção de base americana, mas aperfeiçoada nos pormenores pelos japoneses, numa vocação que fomos os primeiros a conhecer quando Fernão Mendes Pinto lhes ofereceu duas espingardas há 450 anos e eles as copiaram e rapidamente massificaram, e a que atribuem festivamente a unificação política do país.
A TEPCO é também um colosso. Fornecendo cerca de 1/3 da electricidade japonesa, tanto como o consumo de Itália e 6 vezes o nosso, só 3 das 17 centrais nucleares japonesas são suas, mas contêm 17 dos 53 reactores do país, 1/3 deles. Tal como os executivos que dirigem as grandes marcas japonesas, os da TEPCO têm remunerações modestas, se comparadas com os dos seus pares americanos e portugueses: 310 k€/ano em média para os 20 executivos da empresa (1/2,5 a remuneração média actual dos Administradores da EDP), para um rendimento médio nacional per capita de 24 k€ (quase 3 vezes o português, embora apenas 1,5 vezes se ajustado para o seu alto custo de vida)...
Com o terramoto e o tsunami, as perdas financeiras da TEPCO serão tremendas! Só para indemnizar as populações evacuadas do raio de 20 km em torno de Fukushima-Daiichi, prevê-se a verba de 16 mil milhões de € (16 biliões, na notação americana internacionalmente aceite), praticamente tanto como a dívida da nossa EDP! E, embora o Presidente da Associação de Bancos japoneses já tenha vindo anunciar a sua disponibilidade para apoiar a TEPCO, naturalmente que os Seguros não cobrem estes custos colaterais da perda da central, e provavelmente a empresa será socorrida pelas suas congéneres japonesas.
Em redor da central de Fukushima-Daiichi, o tsunami penetrou até 5 km da costa e matou 5700 pessoas (mortos e desaparecidos), incluindo dois jovens trabalhadores que estavam na cave da central e foram afogados. A destruição que o tsunami causou à volta da central pode ser avaliada na foto anexa (da TEPCO).
Entretanto, a situação teve a evolução imediata que se sabe, com os reactores em shutdown mas sem refrigeração durante dias, acabando por levar à descarga programada do vapor de água a alta pressão dos 3 reactores afectados, que por sua vez causou a sucessiva explosão do hidrogénio libertado nessas ventilações e entretanto gerado pela fusão do revestimento de zircónio das varas de urânio - explosões que destruíram as coberturas dos edifícios e, com quase certeza, parte do circuito de refrigeração de um dos reactores, o nº 2. Três explosões que libertaram para a atmosfera materiais radioactivos, nomeadamente os solúveis e voláteis Iodo-131 e Césio, e com um circuito de refrigeração roto obviamente a vazar para a água lançada por todos os meios para arrefecer os reactores, água radioactiva que se tem acumulado nas caves da central, impedindo o acesso das equipas de reparação. Por este motivo, embora a situação dos reactores (e das piscinas de resíduos...!) esteja agora estacionária, ainda não está estável. Estável no sentido de perfeitamente controlada, visto o arrefecimento ainda estar a ser conseguido por meios improvisados.
Depois do tsunami de há um mês têm-se sucedido novos terramotos, e o último deixou o arrefecimento dos reactores novamente sem energia por 50 minutos. E, pouco depois, as autoridades elevaram a gravidade da situação para 7, o nível máximo.
Mas que aconteceu de novo que tenha justificado este agravamento?
Na realidade nada de novo, na central. O que aconteceu é que os japoneses têm andado a trabalhar num modelo de computador que visa estimar a radioactividade libertada pela central por ocasião das ventilações (e explosões), a partir de métodos indirectos baseados na medida da radioactividade presente fora da Central e em extrapolações, a partir daí, da que terá saído dos reactores. Estes modelos são apenas aproximados e terão requerido bastantes medidas até darem uma estimativa razoável. E, face a essa estimativa, as autoridades concluíram que a gravidade da situação a enquadrava no nível 7.
A radioactividade emitida terá sido de 3,7x 10 exp(17) Bq, o que não diz muito por si; os japoneses dizem que isto equivale a 10% do libertado em Chernobyl, mas aqui têm-se números mais precisos, para o Iodo-131 e o Césio, e que equivalem a 7% do gerado em 1986. A situação em si, na Central e nas medições realizadas no Japão, não piorou, como a IAEA relata aqui, e o MIT aproveitou para elucidar o significado prático dos cálculos realizados, aqui. Recomendo a sua leitura aos interessados.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Ja esta tudo sob controlo!"

E entretanto, mais de um mes depois do inicio do desastre, as fugas radioactivas continuam.
Informacao credivel sobre o que realmente se passou ou esta de momento a passar? Nao convem aos donos do papagaio Pinto...

So o que interessa e enganar o publico e dizer que o nivel de severidade passou para 7 mas que no essencial esta tudo na mesma.
Os papagaios Pintos de servico tratam de eficientemente papaguear acefalamente.

Das duas uma: ou a situacao piorou e estao a mentir agora, ou a situacao nao piorou muito, e mentiam desde ha 2 ou 3 semanas ate antes de ontem quando juravam ainda a pes juntos que isto era "apenas" um desastre de nivel 5. Em qualquer dos casos ha uma deliberada e criminosa actividade de desinformacao da populacao.

Tu devias era estar na prisao juntamente com os teus donos Pintinho. E sem vinho.

Anónimo disse...

"Ora isso e completamente falso"

Relembrando apenas uma vez mais que a ausencia cobarde de resposta a obvia e essencial exigencia de exemplos concretos de nacionalizacoes de empresas em dificuldades sem custos para o contribuinte por parte do papagaio Pinto.
Larga o vinho, cobarde miseravel!

Pinto de Sá disse...

Ser atacado pelo inimigo não é uma coisa má, mas sim uma coisa boa.
(Mao Tsé Tung)