sexta-feira, abril 15, 2011

A energia nuclear pós-Fukushima

Como escrevi em Janeiro de 2010, ao decidir afrontar o tabu ideológico instalado em Portugal quanto à energia nuclear pelos ecotópicos e interesses associados, a energia nuclear não está morta.
Ou não estava, naquela altura, e registava mesmo um renascimento com um crescimento mundial previsto de 130% para os próximos 15 anos; e agora, depois de Fukushima?
Actualizando o que escrevera então:

1/7 da electricidade mundial é produzida a partir de energia nuclear, mas a percentagem é muito maior nos países industrializados. Existem em funcionamento no mundo 440 reactores em 30 países, com uma potência instalada de 337 Gw.
Na Europa dos 27, a energia nuclear produz 25% da electricidade, valor que chega aos 75% em França e 76% na Lituânia.
A Espanha tem 8 reactores nucleares somando 7.5 GW (já teve 10) que produzem 17,5% da sua electricidade, que exporta parcialmente para Portugal. Essa origem nuclear da electricidade que consumimos é verificável na factura da EDP que recebemos.
A percentagem de electricidade de origem nuclear é de 35% na Coreia e no Japão e 20% nos EUA. A China, entretanto, tem "apenas" 13 reactores a funcionar, mas em construção no ano corrente de 2011 tem mais 27 e projectados tem já um total de mais... 160!!! 
A Índia tem "apenas" 20 centrais nucleares e mais 5 em construção, mas tem projectados até 2030 mais 58 e, embora comparada com a China pareça ter ambições modestas, está envolvida num ambicioso plano de I&D visando usar Tórium em vez de Urânio como combustível, dado ser rica naquele mineral e pobre neste.
A Coreia, de que já há tempos falei, tem 21 reactores em operação, 5 em construção e mais 6 projectados, e o Japão tem 51 em funcionamento (depois da perda de Fukushima-Daiichi) e 2 em construção, estando planeados "apenas" mais 15...
Entretanto, a Rússia e a Ucrânia têm em conjunto 46 reactores em funcionamento, 9 em construção e... 64 planeados ou propostos!
Com um plano de crescimento também impressionante, em termos relativos, a África do Sul, que tem presentemente apenas 2 reactores a funcionarem, já planeou mais 6!
O Brasil, entretanto, tem 2 reactores em funcionamento, um em construção, e mais 4 projectados até 2025. O Brasil projecta também a construção de um submarino nuclear seu.
A propósito, além destes actuais 440 reactores em centrais eléctricas há mais 220 em submarinos e navios de superfície movidos a energia nuclear, que é também a fonte energética da maioria das sondas espaciais e dos satélites militares...
No total, a somar aos 440 reactores operacionais no mundo (dos quais 165 na Europa excluindo a Rússia), há mais 61 em construção e mais 484 planeados ou propostos, 55% dos quais na Ásia. Mas a própria Turquia tem 4 reactores planeados e mais 4 propostos, e até o Vietnam tem 2 planeados e 12 propostos...

Como é patente, entre em contrução, planeados ou propostos (em estudo), há mais reactores nucleares do que os já existentes! O Mundo assiste, portanto, a um Renascimento da energia nuclear, depois da relativa estagnação que se verificou nos 25 anos que mediaram entre Chernobyl e Fukushima...
E porquê este renascimento?
Por causa de Kioto e da necessidade de reduzir as emissões de CO2 associadas ao carvão, além de outros malefícios ambientais deste abundante e barato combustível fóssil, como por exemplo o facto do seu uso emitir 100 vezes mais radioactividade que a energia nuclear!!!
Ora, vendo as fontes principais da electricidade no Mundo e em particular nos países asiáticos que mais estão agora a apostar na alternativa nuclear, é patente o peso que neles tem tido o carvão, ao qual o nuclear é a única alterntiva - em quantidade de energia, em preço e em características não-intermitentes e controláveis! Aliás, no gráfico junto é patente que os países em que o consumo de carvão para a produção de electricidade é moderado são precisamente aqueles que o substituíram pela alternativa nuclear!
O nuclear é, de facto, a única energia alternativa actual, e é também por isso que, os mesmos que em 1980 defenderam a opção pelo carvão em Portugal, defendem agora, pós-Kioto, a sua substituição pelo nuclear! A opção nuclear é a única alternativa energética "green" e simultaneamente barata, e se Portugal teve e tem recursos hidroelécticos consideráveis, por ter a sorte da maior parte dos rios ibéricos desaguar aqui, essa sorte não se verifica na maior parte do resto do Mundo, especialmente nos países muito continentais, incluindo a ecotópica Alemanha!
E, por isso, o Renascimento nuclear prosseguirá em todo o Mundo depois de Fukushima-Daiichi, como prontamente o reafirmaram as autoridades americanas, chinesas, francesas, indianas e em geral, com excepção da Alemanha e a sua crescente deriva nacional-ambientalista!
Naturalmente, o Renascimento nuclear prosseguirá mas aprendendo com a vida, como em todas as tecnologias! Fukushima é um caso sério mas datado, de consequências económicas graves mas nenhuma morte ou injúria física, e de que há muito a aprender. E, por isso, a 5ª reunião internacional da Convenção para a Segurança Nuclear, terminada ontem em Viena e em que estiveram presentes 61 países (até Portugal!) e observadores da OCDE e da EURATOM, sob o patrocínio da Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), apresentou ao público o seu relatório, já considerando Fukushima, e de que realço os seguintes pontos:

Sobre Fukushima:
10. Tirar as lições devidas, voltar a analisar o caso em Junho próximo para "provide an opportunity to make an initial assessment of the Fukushima accident, consider lessons that need to be learned, help launch a process to strengthen global nuclear safety and consider ways to further strengthen the response to nuclear accidents and emergencies", e realizar um encontro específico em 2012 "to enhance safety through reviewing and sharing lessons learned and actions taken by Contracting Parties in response to events of Fukushima and to reviewing the effectiveness".
12. Que se inicie a análise, em cada país, de::
1.      Nuclear power plant design against external events;
2.      Offsite response to emergency situations (e.g. station blackout);
3.      Emergency management and preparedness following worst case accident scenarios;
4.      Safety consideration for operation of multi-units at the same Nuclear Power Plant site;
5.      Cooling of spent fuel storage in severe accident scenarios;
6.      Training of Nuclear Power Plant operators for severe accident scenarios;
7.      Radiological monitoring following Nuclear Power Plant accident involving radiological release;
8.      Public protection emergency actions; and
9.      Communications in emergency situations.

Como é patente e apesar de ser cedo, existem já alguns aspectos de segurança críticos identificados no caso de Fukushima, nomeadamente a questão das piscinas de arrefecimento dos resíduos, o haver tantos reactores concentrados numa única central, para além da localização da central (os solos das nucleares japonesas são escolhidos rochosos para reduzirem o impacto dos terramotos, mas os tsunamis...) e da necessidade de previsão de que pode acontecer o pior possível, como um terramoto com tsunami e com destruição geral fora da central.

Sobre Outras coisas:
Entretanto, a reunião tratou também os seguintes importantes pontos que deveriam merecer especial atenção em Portugal e de que eu já mencionava alguns em 2010:
25. "Many Contracting Parties expressed concern regarding the human and financial resources available and their ability to recruit and train sufficient numbers of staff to meet the needs of the regulatory body.  This is a challenge that will continue to grow, particularly for those Contracting Parties who foresee an expansion of their nuclear programme, for those with existing ageing Nuclear Power Plants, as well as for those embarking on nuclear programmes. In response to these challenges, some Contracting Parties reported enhanced recruitment policies to attract a new generation of experts and also reported on the implementation of enhanced knowledge management systems."
27. "Contracting Parties constructing new Nuclear Power Plants reported on the challenges of providing regulatory assessment of new designs and oversight of construction and commissioning of Nuclear Power Plants".
30. "Some Contracting Parties have focused on ensuring that Nuclear Power Plant design information and the necessary technical expertise is retained in the country for both domestic and non-domestic suppliers of Nuclear Power Plants. The establishment of a design organization to achieve this aim was identified as a good practice."
31. "  Some Contracting Parties are actively keeping in contact with foreign operators and suppliers, with an objective to improve the imported technology and to implement improvements also at the operating Nuclear Power Plants". Como exemplo desta preocupação em aprender tecnologias importadas, vale a pena notar o exemplo búlgaro e a parceria ali assinada ontem mesmo com a AREVA para o treino e formação de pessoal local.
E finalmente, a merecer especial atenção caso um dia se decida finalmente começar a pensar no assunto em Portugal:
40. "Several Contracting Parties are planning to embark on building Nuclear Power Plants for the first time. The challenge identified for these Contracting Parties was to establish the necessary legal, regulatory and other infrastructural elements and personnel numbers and competences in all areas related to siting, constructing, operating, and decommissioning and regulating any proposed Nuclear Power Plants. In particular, the importance of strong early governmental support was emphasized in connection with the establishment of the regulatory body. ...". Tal como eu defendia em 2010!...

1 comentário:

Marcos disse...

Muito obrigado pelos seus textos! É difícil achar informação sobre este assunto em português. Seu blog é leitura obrigatória. Abre nossos olhos para a para a quantidade enorme de FUD que vem grande mídia quando o assunto é energia nuclear.

Marcos
Brasil